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CURSO: SOCIOLOGIA JURÍDICA - FMD - 2º PERÍODO - 1º SEMESTRE 2022

PROFESSOR DOUTOR DIMAS FERREIRA LOPES

A) EMENTA DO CURSO

Teoria sociológica contemporânea: no mundo moderno e no Brasil.  O Direito como


ciência social aplicada. Métodos da Sociologia Jurídica. Correntes da Sociologia
Jurídica. Pluralismo jurídico e Acesso à justiça. Participação popular.

B) CONTEÚDO PROGRAMÁTICO DO CURSO

 UNIDADE I - MÉTODOS DA SOCIOLOGIA JURÍDICA.


- 1. As ferramentas das ciências sociais para o acesso à verdade científica
( teorias, hipóteses e dados); 1.1 o ciclo das pesquisas sociais (e suas etapas) :
destaques a formulação refletida da hipótese de trabalho, a aplicação
preferencial do procedimento lógico-indutivo e aos cuidados com os
procedimentos assecuratórios da objetividade ( imparcialidade x inclinações
pessoais do pesquisador, adequação metodológica x amostras não
representativas e seleção de casos sem controle); 1.2 principais métodos de
pesquisa social : observação ( participante e não participante), questionário
(perguntas abertas, perguntas fechadas, perguntas escaladas), entrevista,
documental (textos, fotografias, filmes, gravações), estudo de caso,
experimento.
- 2. Destaque de publicações com conteúdo sociojurídico: a) IPEA. Atlas da
violência. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/ ; b) Relatório
Justiça em Números -Portal CNJ. Disponível em: htpp://www.cnj.jus.br (após
acessar o site, clicar em pesquisas judiciárias); c) outros.

 UNIDADE II - TEORIA SOCIOLÓGICA CONTEMPORÂNEA: NO MUNDO


MODERNO E NO BRASIL; CORRENTES DA SOCIOLOGIA JURÍDICA; O DIREITO
COMO CIÊNCIA SOCIAL APLICADA.
- 1. Sistemas e a sociedade como sistema. 1.1 conceitos de sistema anteriores
à formulação de Niklas Luhmann ( as principais concepções de sociedade ,
dentre outras, as de Émile Durkheim, Max Weber e Talcott Parsons,
formuladas com base na teoria clássica funcionalista - e na aplicação desta
teoria tanto aos “sistemas fechados”, quanto aos “sistemas abertos”); 1.2
conceitos de sistema posteriores à formulação de Niklas Luhmann ( concepção
autopoiética dos sistemas : evolução da teoria funcionalista de sociedade e
ressignificação das caracterizações de sistemas fechados e abertos ).
- 2. O Direito em Niklas Luhmann.

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 UNIDADE III - PLURALISMO JURÍDICO E ACESSO À JUSTIÇA; PARTICIPAÇÃO
POPULAR.
- Sociologia dos tribunais (estudo da ordem normativa, da legitimidade e
direito, e da administração da justiça): 1. pluralismo jurídico. 1.1 monismo
jurídico e pluralismo jurídico; 1.2 teorias modernas do pluralismo jurídico; 2.
acesso à justiça. 2.1 acessos formal e real; 2.2 barreiras econômicas, sociais,
pessoais, jurídicas; 3. participação popular. 3.1 opinião pública e direito; 3.2 os
institutos processuais das audiências públicas e do amicus curiae.

C) Regime Presencial (sujeito a alterações)

D) Material didático

Para o desenvolvimento do plano de estudo, o aluno terá acesso à:


- Apostila disponibilizada;
- Outros textos, vídeos e atividades de fixação de conteúdo;
- Etc.
Visando a eficácia do ensino-aprendizagem, o professor, conforme a estimação
cognitiva da turma, executará salas de aulas invertidas, seminários, GV-GO, e outros
recursos didático-pedagógicos.

E) Avaliações

Para o regime presencial


O aluno será submetido a avaliações que totalizam 100 pontos, sendo 30 deles
reservados à prova global. Os 70 pontos restantes serão assim distribuídos:

 20 pontos: trabalho (tema e data serão definidos e comunicados


oportunamente a turma, podendo ser individual ou em grupo; escrito ou
expositivo);
 Duas provas no valor de 25 pontos cada uma delas (temas e datas serão
definidos e comunicados oportunamente a turma, podendo ser individual ou
em grupo; escrita ou expositiva);
 PROVA SUBSTITUTIVA - o aluno poderá realizar apenas a substitutiva de uma
das 3 notas distribuídas anteriormente a prova global. A data desta prova
substitutiva será informada e aplicada entre a 3ª avaliação e com a devida
antecedência da prova global;
 PROVA ESPECIAL – o aluno que não totalizar 30 pontos nas 3 avaliações
anteriores a prova global não terá direito à prova especial, pois estará
matematicamente impossibilitado de alcançar os 60 pontos mínimos de
aprovação.

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Para o regime não-presencial

 O aluno será submetido a avaliações que totalizam 100 pontos, sendo 30 deles
reservados à prova global. Os 70 pontos restantes serão assim distribuídos:
 Duas provas no valor de 35 pontos cada uma delas (temas e datas serão
definidos e comunicados oportunamente a turma, podendo ser individual ou
em grupo; escrita ou expositiva);
 PROVA SUBSTITUTIVA - o aluno poderá realizar apenas a substitutiva de uma
das 2 notas distribuídas anteriormente a prova global. A data desta prova
substitutiva será informada e aplicada entre a 2ª avaliação e com a devida
antecedência da prova global;
 PROVA ESPECIAL – o aluno que não totalizar 30 pontos nas 2 avaliações
anteriores a prova global não terá direito à prova especial, pois estará
matematicamente impossibilitado de alcançar os 60 pontos mínimos de
aprovação.

F – PROLEGÔMENOS

f.1 Somente para nos situarmos, recordamos a ementa da disciplina cursada no 1º Período:
TEORIAS SOCIOLÓGICAS CLÁSSICAS E CONTEMPORÂNEAS.

EMENTA: O legado dos clássicos e da teoria social atual para análise das sociedades
contemporâneas. Temas fundamentais: ordem social e desvio, mudança social, formas de
estratificação e questões socioambientais.

f.2 - Importante mencionar a existência da RESOLUÇÃO CNJ Nº 75, DE 12 DE MAIO DE 2009,


que dispõe sobre os concursos públicos para ingresso na carreira da magistratura em todos
os ramos do Poder Judiciário nacional. O anexo VI da referida resolução define disciplinas
das quais são exigidas as noções gerais de direito e formação humanística nelas tratadas:
SOCIOLOGIA DO DIREITO, PSICOLOGIA JUDICIÁRIA, FILOSOFIA DO DIREITO, TEORIA GERAL
DO DIREITO E DA POLÍTICA.

Portanto, as disciplinas TEORIAS SOCIOLÓGICAS CLÁSSICAS E CONTEMPORÂNEAS (estudada no


1º período) e SOCIOLOGIA JURÍDICA (agora estudada – 2º período) cuidam de conteúdos
validados em importância para os envolvidos com o estudo e a aplicação do Direito.

Bom curso.

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AULAS - UNIDADE I - MÉTODOS DA SOCIOLOGIA JURÍDICA.

a) O objetivo principal da UNIDADE I é a apresentação dos métodos adotados pela


sociologia jurídica para o alcance da “verdade científica”.

Quando se falar da VERDADE deveremos ter em conta o seu oposto que é o ERRO, pois
somente os conjugando poderemos avaliar a qualidade científica de uma pesquisa.

A personalidade do pesquisador, ou seja, o espírito de cientista, ensina Nérici: “requer


uma série de qualidades ou atitudes e que não são encontradas no comum dos
homens (...). É claro que o espírito científico compreende sólida formação moral, mas
a esta deve-se acrescentar: (...)

I. Independência de Pensamento - O espírito científico opõe-se ao conhecimento


estabelecido pela simples autoridade. Não se contenta com o ‘fulano disse’, quer
verificar, quer provas sobre a veracidade de uma asserção. Opõe-se ao dogmatismo,
em que uma afirmação ou conhecimento tem de ser aceito sem discussão. Esta atitude
de independência de pensamento implica em livre exame das questões e
independência intelectual, de maneira a não prender-se a preconceitos, dogmatismos
e autoridades discutíveis.

II. Espírito Positivo - ...é aquele que se orienta mais por dados objetivos do que
subjetivos. ... Faz mesmo esforço para evitar que o subjetivismo influa em seus juízos.
Raciocinar com base em dados e não em suposições...é o contrário daquele que
acredita em fatos que não possam ser provados ou em fatos para os quais são dadas
explicações não naturais.

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III. Espírito Crítico - ... é aquele que sempre alimenta certa dúvida e que não dá total
crédito às primeiras impressões sem antes examiná-las cuidadosamente. (...) A esta
atitude pode-se dar, também, o nome de ‘dúvida cartesiana’. (...).

IV. Imparcialidade - O espírito científico é contrário a qualquer tipo de parcialidade


quer religiosa, política, familiar, racial, nacional ou cultural. Tem que fazer com que o
seu afeto não perturbe a visão dos fatos, não torça a verdade ...

V. Espírito Desinteressado - O cientista não pode ficar preso, em suas investigações, à


aplicação prática...

VI. Fé na ciência - ...

VII. Sentimento de Responsabilidade Social - (...) o cientista deve estar imbuído de


suas responsabilidades sociais e certo de que o seu trabalho tem dois objetivos: o
primeiro, de alcançar a verdade; e o segundo, de trabalhar para o engrandecimento do
homem...” (Nérici, Imídio Giuseppe. Introdução à lógica. 9ª e. São Paulo: Nobel, 1985,
p. 108-109).
Estas sete características deverão marcar as explicações cientificas dos processos
sociais. Assim, por exemplo, um cientista social, deverá sempre reduzir o viés subjetivo
nas suas análises, jamais deverá generalizar os resultados de uma pesquisa apoiada em
poucos casos, não deverá conferir inquestionabilidade a argumentos de autoridade ou
argumentos de sabedoria tradicional.

Muito grave também são a vaidade e os interesses egoísticos presentes em alguns


homens travestidos de cientistas. Esta causa moral foi bem criticada pelo professor
Imídeo Nérici, ao tratar do “erro”:

“...’Se a verdade lógica é a conformidade da inteligência com as coisas, o erro,


que é seu contrário, deverá ser definido como a não-conformidade do juízo
com as coisas’(Jolivet). Há diferença entre o engano e a ignorância. Enquanto
esta consiste em nada saber, logo, em nada afirmar, aquele consiste em não
saber e afirmar sob o pressuposto de que sabe. É uma ignorância que se
ignora. O erro, em Lógica, chama-se falsidade. Em Moral, quando a pessoa
erra conscientemente, chama-se mentira. O erro pode ter causa lógica,
psicológica ou moral:
1. Causa Lógica, quando provém da insuficiência de inteligência...;
2. Causa Psicológica, quando provém de insuficiência de atenção, de
memória ...ou quando provém de reações motivadas inconscientemente,
como no caso dos recalques ou conturbação intelectual e emotiva, provocada
por paixões;
3. Causa Moral, quando provém de atitudes de vaidade, interesses egoísticos,
preguiça mental etc.” (Nérici, Imídio Giuseppe. Introdução à lógica. 9ª e. São
Paulo: Nobel, 1985, p. 22).

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Pelo exposto, verifica-se que o cientista (aí incluído o cientista social, e, dentre estes,
os juristas e sociólogos), por necessariamente ter que possuir aquelas 7 características,
é um ser metódico. Metódico como sinônimo daquele que, na investigação e
demonstração da verdade, se deixa orientar por método: “Pode-se dizer ... que o
método é o conjunto coerente de procedimentos racionais ou prático-racionais que
orienta o pensamento para serem alcançados conhecimentos válidos” (Nérici, Imídio
Giuseppe. Introdução à lógica. 9ª e. São Paulo: Nobel, 1985, p. 115).

Com efeito, somente o emprego do método irá assegurar a obtenção de


conhecimentos válidos para o acesso à verdade científica. O antônimo de método é
ametodia, desregramento, desordem, desarranjo.

O pesquisador ametódico prefere a opinião e a certeza subjetiva, pois a opinião é uma


afirmação sem convicção, obtida sem critério, e a certeza subjetiva é uma convicção à
base de razões interiores. Rigorosamente não é um pesquisador.

O pesquisador metódico se vale da certeza objetiva (reconhecida como certeza


científica) para alcançar a verdade científica:

“... o acesso à verdade científica não é imediato. As principais ferramentas da


ciência social são: 1. Teorias: ideias sistematicamente organizadas sobre o que
é relevante estudar e sobre como e por que determinados eventos ou
processos estão relacionados. 2. Hipóteses: conjecturas sobre a relação entre
duas variáveis que podem ser testadas diretamente por meio de pesquisas
baseadas em procedimentos científicos. 3. Dados: unidades de informação
observáveis que o pesquisador considera relevantes para comprovar ou não
uma teoria” ( www.resumao.com.br ; resumão – sociologia (série ciências
humanas n. 5; consultoria do professor Valeriano Costa, 2008, publicação da
Barros, Fischer & Associados).

Importante mencionar que a pesquisa social na investigação da certeza objetiva segue um


script, um ciclo com etapas. Estas etapas poderão ser assim arranjadas:

 1ª etapa - observação: consideração atenta dos fatos com intenção de esclarecer-lhes


as causas;
 2ª etapa - definição provisória do problema a ser estudado;
 3ª etapa - revisão da literatura do que já se publicou acerca do problema provisório a
ser estudado;
 4ª etapa - formulação de hipóteses para orientar a pesquisa, visando explicar o que
ainda não foi explicado; a fim de se obter novo conhecimento;
 5ª etapa - aplicação de metodologias para testar as hipóteses. Exemplos de alguns
métodos da pesquisa social: questionário (perguntas abertas, perguntas fechadas,
perguntas escaladas), entrevista, documental (textos, fotografias, filmes, gravações),
estudo de caso, experimentos etc.:

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“O método próprio de investigação sociológica é o indutivo, sendo que o
dedutivo, quando muito, pode servir-lhe de instrumento de controle. O
método indutivo, em Sociologia, começa por observar os fatos presentes e a
coligir dados por meio de inquéritos, entrevistas, questionários ou
experiências, estas limitadas” (Nérici, Imídio Giuseppe. Introdução à lógica. 9ª
e. São Paulo: Nobel, 1985, p. 174);

 6ª etapa - análise dos dados coletados:

“Os dados assim colhidos podem ser comparados entre si ou com outros
obtidos por meio da História e da Etnografia, sendo que estes dados todos
podem ser trabalhados pela Estatística. Os resultados assim obtidos fornecerão
ao sociólogo os meios de generalização. Como foi visto, a observação, a
experiência e a comparação, com auxílio da Estatística, são processos
necessários para a generalização ou indução sociológica, trabalhando sobre
dados fornecidos pela experiência presente, pela História e pela Etnografia”
(Nérici, Imídio Giuseppe. Introdução à lógica. 9ª e. São Paulo: Nobel, 1985, p.
174-175).

Obs.

-Etnografia – estudo das etnias, de suas características antropológicas, sociais, como são, por
exemplo: as técnicas desenvolvidas, as organizações laborais, as crenças religiosas e filosóficas,
os sistemas de comunicações etc.;

-Estatística – ciência que estuda a coleta, a organização e a análise de dados por amostragens;

 7ª etapa – divulgação das conclusões da pesquisa.

Algumas das excelentes pesquisas a merecerem destaque são as seguintes publicações com
conteúdo sociojurídico:

 IPEA. Atlas da violência.

-IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada: Fundação Pública Federal vinculada ao


Ministério da Economia. Objetivo: produzir pesquisas e estudos sociais e econômicos para
subsidiar o Estado Brasileiro a fim de que os governos das três esferas (federal, estadual e
municipal) possam formular projetos e planos de ações, bem como acompanhar políticas
públicas e programas de desenvolvimento.

- Atlas da Violência: produzido pelo IPEA e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública - FBSP
(organização não-governamental, sem fins lucrativos). Alguns títulos constantes do Atlas da
Violência: Homicídios no Brasil / Homicídios por unidades da federação / Perfil das vítimas por
faixa etária e sexo /Homicídios de mulheres / Homicídios de negros / Violência contra a
população LGBTQI+ Etc.

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A título de exercício prático façamos a apreciação de algumas pesquisas sociais com a
divulgação das conclusões disponibilizadas na web, como são, dentre outras, as já
mencionadas:

Disponível em: http://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/ ;

 RELATÓRIO JUSTIÇA EM NÚMEROS - Portal CNJ.

Disponível em: htpp://www.cnj.jus.br (após acessar o site, clicar em pesquisas judiciárias);

 ICJ BRASIL - ÍNDICE DE CONFIANÇA NA JUSTIÇA / FGV DIREITO.

Disponível em: https://direitosp.fgv.br publicações

 Entre no site da FMD e clique em PESQUISA. Você terá informações sobre o NAP –
Núcleo Acadêmico de Pesquisa

b) SOCIOLOGIA JURÍDICA – aprofundamento a partir da aplicação da pesquisa social

1. Ciência é conhecimento racional, isto é, que segue método para estabelecer relações
necessárias. Há mais de uma modalidade de ciência e, por isso, também, modalidades de leis
científicas. Confira:

Leis Físicas: descrevem aquilo que na natureza é sempre igual (= relação causa
Leis e efeito invariável). São determinismos rígidos próprias das ciências da
Científicas natureza: leis da física, química, matemática etc.).
Leis Jurídicas: descrevem aquilo que na sociedade convencionalmente “deve
ser” (= leis normativas). São as normas jurídicas. Variam no tempo e espaço.
Leis Sociológicas: descrevem aquilo que na sociedade “tende a ser” (= leis
constatativas). Tendências deterministas dos fenômenos humanos.

2 - Sociologia Jurídica é ciência social que utiliza preferencialmente o método científico da


INDUÇÃO, com as peculiaridades de INDUÇÃO SOCIOLÓGICA (examina a tendencia do efeito a
partir de certas causas). Parte-se de casos particulares iguais ou semelhantes e deste conjunto
finito procura-se a lei geral (a lei que tende a ser) . A lei geral é o conjunto maior,
eventualmente infinito, que subordina as tendências nos casos particulares.

As três fases da indução das ciências da natureza são:


- 1ª abstrativa: observar e analisar os fatos
- 2ª comparativa: estabelecer as relações constantes entre os fatos observados
- 3ª generalizadora: estender aos fatos semelhantes o nexo encontrado

Atenção: a GENERALIZAÇÃO SOCIOLÓGICA requer critério/cautela por avaliar a partir de


tendências deterministas.

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3 – Objetos da sociologia e da sociologia jurídica: a sociologia geral estuda a organização da
sociedade analisando todo o fenômeno social, a sociologia jurídica estuda principalmente um
destes fenômenos sociais: o Direito.

4 – Conceito de sociologia jurídica: ciência social que se ocupa em iluminar as interseções


entre Direito e a sociologia geral.

5 – Objeto da sociologia jurídica: estudar o Direito ao enfoque de elementos advindos dos 3


planos da sociologia geral:

- Plano pré-social (implicâncias geográficas e biológicas no Direito - leis)


- Plano social (implicâncias dos grupos e processos sociais no Direito - leis)
- Plano cultural (implicâncias ideológicas e axiológicas no Direito - leis)

O sociólogo fornece ao jurista uma base científica para o regramento adotado pelo Direito.
Assim todas as leis terão uma justificativa sociológica. Dois elementos indispensáveis para a
justificação sociológica:

- primeiro: evitar o “simplíssimo”:

“Para todo problema complexo existe uma solução clara, simples e errada” (George Bernard
Shaw). Irlandês – 94 anos (1856-1950) – dramaturgo (comédia satírica). Obs. Esta frase às
vezes aparece como da autoria do jornalista estadunidense Henry Louis Mencken (1880-1956).

- segundo: admitir sempre o pluralismo das ideias: Hans Georg Gadamer (alemão – 1900-
2002).

A ideia de Gadamer é aproximadamente esta: a conversa tem rumo próprio e nos enreda. Não
é apenas a nossa vontade. Por isso a profusão de línguas é positiva. É uma negação da
uniformidade em benefício do plural. A Torre de Babel não é castigo, é prêmio ao pluralismo.

8 - A título de exercício prático busquemos no ordenamento jurídico brasileiro algumas leis


com referências aos planos pré-social e social.

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AULAS - UNIDADE II - TEORIA SOCIOLÓGICA CONTEMPORÂNEA: NO MUNDO MODERNO E


NO BRASIL; CORRENTES DA SOCIOLOGIA JURÍDICA; O DIREITO COMO CIÊNCIA SOCIAL
APLICADA.

1 - Visão panorâmica dos sistemas.


Há muitos tipos de sistemas. Exemplos:

- Sistema solar (físico);


- Sistema digestivo (biológico);
- Sistema capitalista (econômico);
- Sistema democrático (político);
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- Sistema computacional e/ou sistema de informações: dispositivo eletrônico capaz de
processar informações de acordo com programas (software);

- SISTEMA SOCIAL;

- Etc.
No caso de nossos estudos empenharemos, primeiramente, no conhecimento das
principais interpretações de um dentre os muitos dos sistemas existentes : o sistema
social (sistema comumente tratado por sociedade).

O sistema social envolve indivíduos, grupos e instituições:

- A pessoa numericamente singular (pessoa como entidade);

- A pessoa numericamente plural (pessoa com identidade comum, ou seja, com a


percepção de pertença ao grupo social);

- As instituições (grupos organizados para alcançar fins comuns, tipo, a família e o


estado etc.).

Em seguida iremos investigar a função/papel do DIREITO neste sistema específico: a


função/papel do direito no sistema social.

Revisando a literatura, identificamos que os cientistas sociais não são unânimes na


análise/explicação do sistema social. Por consequência desta dissensão intelectiva, são
muitas as teorias acerca da análise da sociedade conquanto sistema.

Adotaremos a organização destas teorias em três esquemas.

Os 3 esquemas são:

 PRIMEIRO ESQUEMA (conhecido por esquema das três teorias clássicas):

 A teoria clássica dita “conflitualista” (o exponencial é Karl Marx)

Ao proferir que o primeiro ato histórico é a busca pela


sobrevivência, Marx quis deixar claro que, na sua concepção, o
homem age, antes de qualquer outra coisa, em busca e em
função dos próprios meios de subsistência. Isso quer dizer que a
sociedade (e tudo o que nela há) se molda completamente
segundo as condições de sobrevivência nela pressupostas. E é aí -
a partir dos comportamentos em razão dos meios de
subsistência - que as relações sociais deverão ser analisadas ( e
por isso, analisada a própria sociedade) : dado que existem
basicamente duas classes de pessoas, a saber, os proprietários
dos meios de produção e os não proprietários, a sociedade em
geral, e em especial as instituições e as leis, se organiza e
funciona segundo uma óbvia relação de subordinação. Nesse
enfrentamento das classes e se funda a teoria conflitualista.

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 A teoria clássica dita “funcionalista” (o exponencial é Émile Durkheim)

Os funcionalistas contemplam a sociedade como um sistema de


peças interligadas funcionando em harmonia para manter o
equilíbrio social. Cada instituição social possui seu papel (a
família promove a proteção da prole, o direito promove a
proteção dos lesados etc).

 A teoria clássica dita “compreensiva” (o exponencial é Max Weber)

Weber afirmava que não é o todo que faz com que os indivíduos
sejam o que eles são, mas são os indivíduos que fazem com que
a sociedade seja o que ela é. Nessa frase está contida um
conceito contrário ao de Durkheim. O termo sociologia
compreensiva é muito apropriado para a proposta weberiana
porque é a partir da compreensão/interpretação da ação
individual que se explicaria a sociedade.

Para reforçar este 1º esquema segue-se um questionário de fixação:

MARX, DURKHEIM E WEBER

1) Qual a ordem de nascimento entre Karl Marx, Émile Durkheim e Max Weber?

R – Na ordem mencionada na própria pergunta.

2) Sabendo-se que o positivismo buscava inserir o comportamento humano em um


modelo racional científico a partir da observação, classificação e sistematização,
pergunta-se: Quais são os modelos representados por Karl Marx, Émile Durkheim e
Max Weber?

R–

MARX – O homem age, primeiramente, em função dos próprios meios da sua


subsistência, LOGO:

- Há uma ótica econômica exprimida em 2 classes: proprietários dos meios de


produção (capitalista / burguesia) E proletariado (mão de obra).

- Tudo na sociedade se organiza e funciona segundo uma óbvia relação de conflito:


classe dominante x classe dominada.

- A história se desenvolve a partir do conflito capital x trabalho.

DURKHEIM – Se os estudos psicológicos estão para o indivíduo em si considerado, os


estudos sociológicos estão para a sociedade, LOGO:

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- A sociedade não é a soma dos indivíduos porque não é a soma dos estudos
psicológicos de cada um dos indivíduos.

- Os fatos sociais possuem exterioridade (têm origem na consciência coletiva, e não na


consciência individual).

- Os fatos sociais são coercitivos (estabelecem os padrões de condutas a serem


seguidas, pena de censura/punição).

- Os fatos sociais são dotados de generalidade (aplicados indistintamente a todos os


membros da sociedade).

WEBER – Opondo-se a Durkheim, Weber entende que são as ações ou condutas dos
indivíduos as causas que geram efeitos na sociedade, LOGO não é o todo (“todo” como
consciência coletiva) que faz com que os indivíduos sejam o que eles são. O sentido
pensado por um indivíduo (sujeito) toma por referência a conduta de outro indivíduo
(sujeito). Aqui exsurge uma percepção da “dominação” a partir de condutas individuais
adotadas a partir de comportamentos “fortes” desempenhados por certos indivíduos.

Weber ao propor suas ideias no campo da sociologia se baseou em (duas) premissas


explicativas da sociedade que possuem como eixo as ações humanas:
- Primeira premissa – Weber afirma que toda relação humana é uma relação de
dominação. Quando Weber analisa a dominação, ele caracteriza três formas:
dominação carismática, dominação tradicional e dominação racional legal ou
burocrática. Por dominação ele pensa a capacidade de alguém impor a vontade a
outrem, independentemente da força.
- Segunda premissa - é relativa à ação social. Para Weber, são quatro os tipos de ações
sociais: (1) a ação racional com respeito a fins, (2) a ação racional com respeito a
valores, (3) a ação tradicional e (4) a ação afetiva. E para Weber, a modernidade se
caracterizava pela preponderância da dominação racional legal (pelo direito) e das
ações racionais com respeito a fins (ações tipicamente capitalistas). Na visão
weberiana, em decorrência da modernidade, o sistema econômico se emancipou (da
religião) e passou a se regular por uma lógica racional. O mesmo ocorre com os
sistemas político, científico e estético. A legitimidade desses sistemas é uma
racionalidade da ação com respeito a fins, desvinculando-se da ética. Em longo prazo,
a burocracia passa a organizar a vida em sua quase totalidade, pois os partidos
políticos se burocratizam, o Estado, as organizações econômicas, o sistema educativo,
enfim a racionalização burocrática (legal) se expande até atingir a totalidade da vida
social.

3) Qual a razão de ser da expressão “materialismo histórico em Marx?

R - A história estará sempre ligada ao mundo real dos homens, isto é, ao mundo
material que é o da estrutura econômica que implica a luta de classes.

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4) Assinale C ou E, conforme se apresentem CORRETAS ou ERRADAS, as conclusões
propostas para o recorte textual abaixo, da autoria do professor Júlio César Rodrigues
(Filosofia e Noções de Sociologia. BH: Editora LOG, p.184):“Na perspectiva de Karl Marx não
se pode pensar o indivíduo fora da concepção das relações sociais(...). As relações sociais,
por sua vez, determinam-se através da forma como os seres humanos produzem os meios
necessários para sustentar a materialidade da vida social. Dessa forma, a materialidade da
vida social é o que determina todo o processo da vida social, política e, até mesmo espiritual
da sociedade. Assim, para Karl Marx, o fundamental na compreensão da relação social é que
a sua base é sempre material, isto é ...”

( ) Não existem mudanças no caminho da história se não ocorrem mudanças a partir


da própria realidade. A partir do momento em que se compreende que é a realidade que
determina as mudanças ideológicas dentro do conjunto conceitual de uma determinada
sociedade, deve-se compreender que a luta de classes dentro do plano real é que pode
mudar o contexto das ideias.

( ) Deve-se privilegiar o material sobre a ideia/idealidade, discordando-se dos que


sustentam que as únicas interferências eficazes para determinar as mudanças ideológicas
seriam aquelas advindas ou dos “grandes heróis”, ou da “divindade”.

R) C, para ambas.

5) Para Durkheim há 2 modos básicos de solidariedades. Quais e em que tipos de


sociedade têm pertinências?

R – Solidariedade mecânica: pertinente nas sociedades menos complexas.

- Solidariedade orgânica: pertinente nas sociedades mais complexas.

6) A ausência de solidariedade, segundo Émile Durkheim gera anomia. Falso ou


verdadeiro?

R – Verdadeiro.

7) Para Weber, a sociologia deverá buscar compreender as ações dos seres humanos
individuais ou coletivamente consideradas? Por quê?

R – Individualmente, porque, embora para Weber não exista oposição entre indivíduo
e sociedade, não se poderá perder em conta que os fatos sociais não são ações sociais.
Os fatos sociais são meios coletivos de pensar/sentir e fazer impostos ao indivíduo pela
consciência coletiva, ao passo em que as ações sociais somente se manifestam em
cada indivíduo sob forma de motivação.

8) Há ação social se duas pessoas se cruzarem casualmente nas ruas, ou em locais de


trabalho ou lazer?

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R – Não, mas ocorrerá ação social se se cumprimentarem, se entrarem em conflito, ou
negociarem etc.

9) Segundo os estudos de Max Weber, tem-se 4 tipos ou formas de ações sociais


definidas a partir das razões que as motivam. Indique-as, caracterize-as, bem como as
exemplifique:

R – Ação social racional com relação aos objetos (também tratada como ação social
racional com relação aos fins): é aquela ação orientada pelo emprego dos meios tidos
como os mais adequados para alcançar os fins previamente determinados. Exemplos:
buscar a aprovação em concursos / formar academicamente e ganhar dinheiro / entrar
em greve / “montar” uma empresa capitalista etc.

- Ação social racional com relação aos valores: é aquela ação orientada “pelos
princípios últimos” dos homens, ou seja, pelos valores morais. A moral como critério
superior para a prática de atos concretos. Exemplos: promover ou participar de
campanhas de solidariedade / ir à Igreja / escolher partido político / realizar trabalho
voluntário etc.

- Ação social tradicional: é determinada por hábitos arraigados ditados por valores
culturais absorvidos pelo indivíduo como naturais. Exemplos: festejar o Natal e outras
festas religiosas ou cívicas / ir a Igreja aos domingos / votar sempre nos mesmos
candidatos / persignar-se (“fazer sinal da cruz”) antes das práticas esportivas etc.

- Ação social afetiva: é determinada pelos estados emotivos. Exemplos: torcida por
times, comemorar a vitória de times / correções paternas e fraternas etc.

10) Aponha C se as afirmações estiverem corretas, e E se estiverem erradas:

( ) - Para Karl Marx, cada indivíduo, inserido na vida social, está ajustado pela perspectiva
econômica em que se inclui. A alienação é o eixo/base da manipulação das massas de
operários que são controlados/manobrados pela burguesia.
( ) - Para Durkheim, os fatos sociais independem da vontade do indivíduo, mas de sua
interação/contato com a sociedade, e, por isso, frisam a passividade do indivíduo perante a
ação social. Assim, a sociedade como um todo é sempre mais importante/influente que os
indivíduos que a compõem.
( ) - Para Max Weber, em sentido oposto a Durkheim, o indivíduo pode modificar
mentalidades e, consequentemente, o rumo da sociedade com a sua conduta/ação
individual.
R) C para todas.

14
 SEGUNDO ESQUEMA (conhecido por esquema das teorias clássicas
ressignificadas, com a inclusão das teorias utilitarista e microinteracionista):

 A teoria dita “conflitualista” ressignificada tem duas vertentes, sendo a


primeira delas caracterizada pela abordagem marxista (seguidores de karl
Marx: Antônio Gramsci, Theodor Adorno, Max Horkheimer, Louis Althusser,
Nicos Poulantzas etc); e a segunda vertente caracterizada pela abordagem
weberiana – a questão da dominação (seguidores de Max Weber: Robert
Michels, Karl Mannheim, Charles Mills, Ralph Dahrendorf, Charles Tilly etc)].

ALFABETO FONÉTICO com as pronúncias dos nomes dos seus principais


integrantes: Antônio Gramichi, Max Roquirraimer, Lui Altisér, Nikôs
Poulencis, Robert Maicôls, Karl Menraim, Tiarles Mils, Ralf Danrendorfi,
Tiarles Tili.

 A teoria dita “funcionalista” ressignificada (seguidores de Émile Durkheim:


Talcoot Parsons, Robert Merton etc.).

ALFABETO FONÉTICO com as pronúncias dos nomes dos principais


integrantes: Tálcot Persons.

 A teoria utilitarista (Jeremy Bentham, John Stuart Mills etc.):

ALFABETO FONÉTICO com as pronúncias dos nomes dos principais


integrantes: Diérêmi Bentã, Diõ Istiuarti Mils.

Os utilitaristas sustentam que os indivíduos agem considerando


primeiramente os próprios interesses, interesses estes avaliados
pela aplicação de algo assim equacionável: “escolha de
alternativas” em razão das “consequências” -, sendo que o
cálculo consequencial das perdas e dos ganhos é que definirá o
comportamento social.

 TERCEIRO ESQUEMA (conhecido por esquema dos cientistas sociais


revolucionários: Norbert Elias, Pierre Bourdieu, Anthony Giddens, Niklas
Luhmann etc.). Vale destacar a teoria social autopoiética de Niklas Luhmann
(será estudada em aulas específicas).

ALFABETO FONÉTICO com as pronúncias dos nomes dos principais


integrantes: Nórberti Êlias, Piér Burdiô, Êntoni Güidens.

2. A adoção esquemática das teorias é necessária neste ponto da explanação porque


as abordagens do sistema social implicarão em correspondentes abordagens da
função/ papel do DIREITO. Algo assim:

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- Qual a função/papel do direito no sistema social, segundo o modelo de sociedade
expressado nas teorias conflitualistas?
- Qual a função/papel do direito no sistema social, segundo o modelo de sociedade
expressado nas teorias funcionalistas?
- Qual a função/papel do direito no sistema social, segundo o modelo de sociedade
expressado nas teorias compreensivas?
- Qual a função/papel do direito no sistema social, segundo o modelo de sociedade
expressado nas teorias utilitaristas?
- Qual a função/papel do direito no sistema social, segundo o modelo de sociedade
expressado nas teorias microinteracionistas?
- Qual a função/papel do direito no sistema social, segundo o modelo de sociedade
expressado na teoria autopoiética?

3 - Dentre os vários cientistas sociais mencionados destaquemos quatro: Durkheim,


Weber, Parsons e Luhmann. A partir das teorias destes quatro intelectuais iremos
conhecer as principais concepções acerca do funcionamento da sociedade e, de posse
desses conhecimentos, precisar qual a função/papel do direito na vida social:

- Primeiro intelectual - DURKHEIM: Autor da teoria dos fatos sociais. Trata-se de teoria
funcionalista aplicada à sociedade.
Para Durkheim, fatos sociais são maneiras de comportar que permitem a identificação
de uma consciência coletiva, a qual age detrás dos indivíduos, influenciando as suas
ações. Ou seja: os fatos sociais moldam a maneira de agir das pessoas pela influência
que exercem sobre estas. Como os fatos sociais independem da vontade do indivíduo,
mas de sua interação/contato com a sociedade, dever-se-á reconhecer a passividade
do indivíduo perante a ação social, já que a sociedade - como um todo - será sempre
mais importante/influente que os indivíduos que a compõem: o fato social não pode
ser modificado pela ação individual, pois há uma força exterior (a consciência coletiva)
que o molda.

Ensina o professor Adriano Ferreira:

“DURKHEIM E O DIREITO. Émile Durkheim (1858-1917) é considerado um dos


fundadores da sociologia enquanto ramo científico dotado de método próprio. Sua
abordagem consiste em olhar para a sociedade como um todo composto por fatos
sociais, que devem ser vistos como se fossem coisas. Assim, o papel do sociólogo é
descrever essas “coisas” de modo objetivo, sem incluir na descrição suas opiniões
pessoais, seus preconceitos e seus juízos de valor. A sociedade passa a ser vista como
um grande e complexo organismo, composta por várias categorias de fatos sociais
comuns que cumprem fins específicos dentro do todo. Esses fins determinam as
características dos fatos, influenciando as vontades individuais, que deixam de ser
predominantes. Desse modo, o mais importante é o sociólogo descrever o fato
compreendendo sua função dentro do conjunto maior que é a sociedade, sem se
preocupar com a atuação individual das pessoas que participam desse fato. Se a
sociedade é um conjunto de fatos autônomos, por que ela se mantém coesa e não se
desarticula? Essa coesão é dada pela solidariedade, composta por relações e vínculos

16
entre pessoas e fatos. A solidariedade costuma ser comparada a uma espécie de
cimento que liga os fatos, não devendo ser confundida com a ideia cristã de auxiliar o
próximo. Ela se efetiva por meio de mecanismos de controle social. Podemos dizer que
o controle social promove a integração dos fatos sociais ao todo, recorrendo, se
necessário, à força física. O Estado, os estabelecimentos educacionais, a religião, são
mecanismos de controle social. Para nosso estudo, devemos destacar também o
direito, que atua como um dos mais importantes desses mecanismos. Para Durkheim,
o direito é, portanto, um mecanismo de controle social. Seu objetivo é assegurar a
solidariedade, impedindo que fatos contrários à sociedade ocorram ou passem
impunes. Assim, as normas jurídicas estabelecem os padrões socialmente desejáveis
de comportamento e suas sanções são aplicadas, pelo Poder Judiciário, àqueles que se
desviam desses padrões. Órgãos estatais como a polícia cuidam da fiscalização geral
das pessoas, procurando aqueles que se comportam de modo indesejável para serem
punidos. O estudo do direito pode, inclusive, revelar o tipo de sociedade e o grau de
consciência coletiva de seus membros. As sociedades menos complexas costumam
possuir um direito essencialmente repressivo; as sociedades mais complexas, possuem
um direito essencialmente restitutivo. Esses direitos indicam o tipo de solidariedade
que interliga os fatos sociais. As sociedades menos complexas são mantidas coesas
pela solidariedade mecânica. Essas sociedades são unificadas por fatores de
semelhança, como, por exemplo, o vínculo familiar, clânico ou tribal. Possuem, no mais
das vezes, fortes valores religiosos compartilhados. Os membros da sociedade se
reconhecem como semelhantes e afastam o diferente do convívio social.
O direito dessas sociedades é essencialmente penal, punindo o comportamento que
destoa dos demais. Seu objetivo é reprovar tais pessoas, diferentes das demais, por
meio de uma sanção repressiva que pune a violação aos padrões de conduta. As
sociedades mais complexas, por seu lado, possuem solidariedade orgânica. São
sociedades marcadas pelo aprofundamento da divisão social do trabalho, sendo
constituídas por atividades cada vez mais especializadas. Quanto mais tempo um
indivíduo passa fazendo algo altamente especializado, menos tempo dedica ao
trabalho que possa produzir outras coisas, como comida, roupas ou utensílios
domésticos. Assim, quanto maior a divisão do trabalho, mais uma pessoa precisa de
todas as demais da sociedade. Mas há um aparente paradoxo: quanto mais as pessoas
realizam atividades diferenciadas na sociedade, mais elas se enxergam como
diferentes umas das outras. Um professor se vê como diferente de um agricultor,
assim como um advogado se vê como diferente de um médico. Assim, a divisão do
trabalho, ao mesmo tempo, gera a diferenciação entre os indivíduos e a necessidade
de integração entre eles. Esse paradoxo marca a sociedade orgânica: cada atividade
especializada corresponde a um “órgão” dentro do organismo social, cumprindo sua
função própria, indispensável para os demais. Se uma pessoa trabalha todo o seu
tempo em uma atividade altamente especializada e depende das outras atividades
altamente especializadas para sobreviver, haverá a necessidade de ele se relacionar
com outras pessoas. Essa necessidade gera um direito contratual, marcado pela
separação dos interesses públicos e privados. O objetivo central desse direito não é
mais punir o diferente, posto que a diferença se torna comum, mas restaurar as
eventuais relações contratuais violadas a uma situação anterior à celebração do
contrato, para que as partes possam agir novamente celebrando outros contratos,
superando os danos sofridos. A sanção, nesse caso, deve restituir a cada um o que era

17
seu antes da contratação, limitando-se a reparar os danos sofridos. Numa sociedade
marcada pelo aprofundamento das diferenças sociais, as normas jurídicas, caso
pretendam dirigir-se a todos enquanto leis, devem adquirir uma forma geral e
abstrata. Somente assim poderão ser válidas e aplicadas universalmente, apesar das
diferenças entre os indivíduos. Além disso, as normas deixam de ter um fundamento
religioso, tornando-se seculares e se organizando em códigos. Com o aprofundamento
da divisão do trabalho, surgem regras jurídicas (leis e contratos) que regulam a
cooperação entre os indivíduos diferenciados e surgem instituições especializadas que
cuidam de interesses coletivos, como, por exemplo, as profissões. Os profissionais
especializam-se em cuidar de temas que são também indispensáveis para o todo,
como a saúde e o direito. Portanto, num ambiente de solidariedade orgânica, há um
direito com normas gerais e abstratas, essencialmente contratual, acompanhado pela
formação das profissões jurídicas que cuidam da interpretação e da aplicação das leis,
auxiliando o Estado no processo de unificação do todo. É importante salientar que
nenhum direito é exclusivamente penal ou contratual, possuindo caracteres de ambos,
mas predominando uma ou outra das características. Isso ocorre porque as sociedades
possuem características mecânicas, ligadas à coesão do todo e a semelhança causada
por valores nacionais, mas também características orgânicas, oriundas da
modernização e da acentuação da divisão do trabalho, que a tornam mais complexas.
A tendência seria, a partir do século XX, de predomínio dos elementos contratuais no
direito. Hoje, alguns autores da sociologia jurídica apontam uma “contratualização do
direito”, indicando a perda de força da lei. Esse fenômeno pode ser interpretado do
ponto de vista de Durkheim: isso indicaria o predomínio da complexidade social
decorrente de uma especialização cada vez maior de funções que dificultaria a
comunicação geral e abstrata do Estado com todos os indivíduos, cada vez mais
diferenciados, e descartaria a postura meramente punitiva. A criação, a interpretação
e a aplicação das leis precisam ser negociadas com os grupos ou as partes
interessadas. As normas se dirigem a grupos mais precisos, como crianças e
adolescentes, idosos, empregados, consumidores. Uma última observação: para
Durkheim, o comportamento ilícito é uma ofensa à consciência coletiva. Contraria os
padrões de solidariedade e pode causar a desarticulação social. Porém, analisando-o
objetivamente, é um fato social, ou seja, algo normal em qualquer sociedade. Sempre
haverá o desvio às regras. Essa normalidade decorre da dinâmica social: como as
sociedades se transformam, surgem comportamentos que, em um primeiro momento,
são considerados ilícitos; com o tempo, podem vir a ser aceitos, exigindo uma
mudança no direito e indicando que houve uma transformação social. Um exemplo
recente é o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Embora visto como um
comportamento ilícito em quase todos os países, nem por isso reprimiu a união de fato
entre homossexuais. Nos últimos anos, algumas leis já foram modificadas e tornaram
esse tipo de casamento lícito. As sociedades e seus direitos se transformaram”. Artigo
da autoria do professor Adriano Ferreira. Disponível em <
https://direito.legal/sociologia-do-direito/08-durkheim-e-o-direito/ > Acesso:
08/06/2021.

- Segundo intelectual - WEBER: Autor da teoria das ações sociais. Trata-se de teoria
compreensivista aplicada à sociedade. Para Max Weber, em sentido oposto a

18
Durkheim, o indivíduo poderá modificar mentalidades e, consequentemente, o rumo
da sociedade com a sua conduta/ação individual. Embora, para Weber, não exista
oposição entre indivíduo e sociedade, não se poderá perder em conta que os fatos
sociais não são ações sociais. Os fatos sociais são meios coletivos de pensar/sentir/
fazer/ que são impostos ao indivíduo pela consciência coletiva, ao passo em que as
ações sociais somente se manifestam em cada indivíduo quando motivadas. Segundo
os estudos de Max Weber, tem-se 4 principais tipos ou formas de ações sociais
definidas a partir das razões que as motivam (vide anteriormente).

Ensina o professor Adriano Ferreira:


“WEBER E O DIREITO - Max Weber (1864-1920) adota uma perspectiva que enxerga na
sociedade indivíduos interagindo. Essas ações mútuas são motivadas e buscam
concretizar intenções, possuindo um significado social que pode ser compreendido.
A finalidade da sociologia, assim, seria entender a conduta humana (descobrir seus
motivos) e seu significado, formulando princípios gerais que possam explicar outras
ações semelhantes. Muitas vezes, Weber elabora “tipos” de explicações, ou seja,
modelos que descrevem várias dessas ações semelhantes. O entendimento
sociológico, assim, seria avalorativo e desprovido de preconceitos, limitando-se a
descrever a conduta a partir dos “tipos” que revelam seus motivos e suas intenções.
Olhando de modo o mais geral para as condutas humanas, Weber apresenta quatro
tipos principais de interações:
1. Tradicional – a ação tradicional é aquela cujo motivo deriva de um mero hábito
ou costume. Uma pessoa que age desse modo, simplesmente faz o que sempre
foi feito, sem questionar ou planejar sua atitude;
2. Afetiva – a ação afetiva é motivada pelas emoções. A pessoa age movida pela
raiva, pelo rancor, pelo amor, pela compaixão…;
3. Valorativa-racional – a ação valorativa-racional é motivada por uma crença
valorativa que aparece desconectada de qualquer análise de correspondência
entre o ato praticado e o resultado almejado. A pessoa age movida pela busca
da justiça social, da transformação do mundo, da liberdade, mas seu ato não
guarda qualquer nexo lógico com esse fim;
4. Intencional-racional – a ação intencional-racional é aquela motivada por um
cálculo que elege os melhores meios para se chegar a um resultado. A pessoa
age escolhendo meios conforme sua utilidade, fazendo contas, deliberando,
buscando a eficiência e a obtenção efetiva do resultado.
Analisando a sociedade moderna, Weber constata que o quarto tipo de ação se torna o
mais importante. Cada vez mais pessoas agem de modo intencional-racional; mais e
mais setores da sociedade são dominados por esse tipo de ação, como a política, a
economia, a cultura. O cálculo dos meios mais eficientes de conduta para se atingirem
os fins torna-se a regra da modernidade. No caso da política, isso pode ser percebido
observando-se os tipos de legitimação do poder:
1. Tradicional – o poder tradicional legitima-se pela crença na perpetuidade da
dominação, que se transforma em um hábito social;
2. Carismática – o poder carismático legitima-se pela crença de que o líder político
possui qualidades extraordinárias, superiores às das outras pessoas,
merecendo por isso ser seguido, ainda que, às vezes, cegamente;
3. Legal-racional – o poder legal-racional legitima-se pelo recurso à estrutura
lógica de um sistema de leis criadas por um processo representativo que limita
os atos praticados pelo Estado.
O terceiro tipo de legitimação ao poder político é o mais adequado para a
modernidade. As pessoas querem ter certeza e segurança de que seus cálculos levam
em consideração todas as circunstâncias possíveis ao elegerem os melhores meios de
agir. Para tanto, precisam prever com o máximo de exatidão a postura dos detentores
do poder político, sobretudo o Estado. Se houver um sistema de leis claro e preciso, o
poder que o respeitar será aceito. Para o sistema de dominação legal-racional

19
funcionar, há a necessidade de um Estado adstrito aos termos das leis, praticando o
menor número de atos imprevisíveis que puder. Conforme Weber, o Estado é
composto por agentes públicos e órgãos, monopolizando, dentro de um território
determinado, o uso legítimo da coerção física. Entre seus afazeres está policiar a
sociedade, administrar a justiça, cultivar interesses culturais, criar legislativamente o
direito e defender o território. As pessoas que compõem o Estado, a fim de que ele se
torne limitado pelas leis, transformam-se em burocratas. Não há qualquer juízo de
valor negativo na afirmação, talvez o contrário: a burocracia é indispensável para a
dominação legal-racional. Sua finalidade é adotar uma conduta intencional-racional
dentro do Estado, buscando os meios administrativos mais eficientes para o
funcionamento estatal e a implementação de políticas públicas. Para a racionalidade
burocrática se consumar, há a necessidade de possuir algumas características:
1. Sujeição dos órgãos e dos funcionários a princípios gerais que delimitam
esferas de competência dentro das quais podem atuar;
2. Estrutura hierárquica dentro de cada órgão e entre os órgãos, respeitadas as
esferas de competência;
3. Gerenciamento do trabalho a partir de regras gerais que podem ser aprendidas
pelos subalternos e direcionam suas atuações;
4. Treinamento especializado dos funcionários conforme as regras gerais que
norteiam suas atividades;
5. Rotina full-time baseada na produção de documentos escritos que deixa um
rastro comprobatório da atividade desempenhada com eficiência e respeito aos
limites da competência.
A atividade burocrática torna-se estável, operando de modo impessoal e disciplinado,
executando ordens recebidas diuturnamente. Permite ao Estado funcionar de forma
eficiente e previsível ao mesmo tempo, permitindo a concretização de um dos
pressupostos para a legitimação legal-racional do poder. O outro desses pressupostos
é a existência de um direito formal-racional.
Weber detecta quatro tipos de direito, conforme o conteúdo e o procedimento dos
julgamentos:
1. Direito racional-material – os julgamentos são realizados por meio de normas
gerais conhecidas, mas não internas a um sistema legal, como crenças éticas,
ideológicas, máximas políticas ou jusnaturalistas. De certo modo, as pessoas
conhecem os critérios gerais de julgamento, mas não conhecem seus
procedimentos;
2. Direito irracional-material – os julgamentos são realizados caso a caso, sem a
ocorrência de generalizações e abstrações. O caso é decidido na hora,
conforme uma impressão qualquer, uma emoção, um juízo repentino. um
segundo caso parecido pode receber uma decisão completamente diferente do
primeiro;
3. Direito irracional-formal – os julgamentos são realizados conforme
procedimentos conhecidos, porém não racionais. Os resultados são
imprevisíveis ou desconectados do teor do assunto ou do conflito julgado. As
decisões baseadas em ordálios ou oráculos exemplificam o tipo;
4. Direito racional-formal – os julgamentos são realizados conforme
procedimentos e conteúdos conhecidos e compatíveis com o conflito em
questão. Há normas gerais prevendo as fases de julgamento e normas gerais
aplicáveis a casos parecidos estabelecendo os parâmetros para a decisão.
O quarto tipo de direito é ideal para a modernidade, baseada na conduta intencional-
racional, e, em complemento com a burocracia estatal, consolida a dominação política
legal-racional. Ele se torna um sistema fechado, composto por regras jurídicas
hierarquicamente estruturadas e criadas conforme um procedimento legislativo
previamente definido.
Enquanto sistema de normas, o direito se transforma em um conjunto coerente e
completo. Tendo-se em vista que cumpre o objetivo de gerar previsibilidade na
conduta estatal e na proteção de direitos subjetivos, suas normas não podem ser
incoerentes, ou seja, conflitantes entre si, posto que isso geraria incerteza e

20
insegurança. Além disso, todas as situações sociais devem estar previstas nas leis, não
podendo haver lacunas ou incompletudes.
Mas o direito moderno não se limita a um conjunto de leis. Há a necessidade de órgãos
e funcionários que interpretem e apliquem essas leis sem gerar instabilidade ao
sistema. De nada adiantaria a coerência e a completude das leis se os juízes as
interpretassem sem quaisquer critérios e decidissem os casos de modo aleatório e
arbitrário.
Assim, as decisões do Poder Judiciário devem seguir regras estritas não apenas quanto
a procedimentos, mas também quanto ao seu conteúdo. Em termos lógicos, para a
fidelidade ao sistema ser total, gerando um grau máximo de certeza e segurança, a
decisão deve ser fruto de um raciocínio dedutivo silogístico que simplesmente opere a
conversão da norma geral e abstrata que está na lei em uma norma individual e
concreta que estará na sentença. O juiz torna-se a “boca da lei”, proferindo decisões
sem colocar nelas suas preferências pessoais, sem levar em conta as características
pessoais dos envolvidos, nem tratar o conflito de modo parcial. As leis são aplicadas a
todos de modo imparcial e impessoal, quase mecanicamente. O equivalente da
burocracia estatal para o direito é sua profissionalização. Os funcionários das cortes
são treinados profissionalmente, aprendendo a identificar e aplicar as normas jurídicas
dentro dos limites do ordenamento. Mas também os operadores do direito que
entram em contato com a população tornam-se profissionais (os advogados) e
aprendem a agir do mesmo modo que os juízes com relação à interpretação das
normas jurídicas. Esse fenômeno acelera a transformação do direito moderno em
formal-racional.O poder político legitima-se adotando uma dominação legal-racional.
Para tanto, confina o Estado aos limites da legislação por meio de uma burocracia e de
um direito formal-racional que se tornam previsíveis para a sociedade que age
calculando. Em específico, a economia capitalista beneficia-se dessa equação, pois
seus imperativos (livre iniciativa, livre trabalho e concorrência) pressupõem um
ambiente de certeza e a segurança. Durante o início do século XX, contudo, Weber
detecta uma tendência de materialização do direito moderno, ou seja, de julgamentos
realizados a partir de imperativos éticos ou valorativos interpretados de modo a
ganhar um significado externo ao ordenamento jurídico. Em específico, tais
imperativos, como a efetivação do bem comum, da dignidade da pessoa humana e da
justiça, levam ao surgimento de novos direitos, chamados de sociais. Esse surgimento
deriva de uma consequência do excessivo formalismo e aprisionamento sistêmico do
direito: ao ser obrigado a julgar exclusivamente de acordo com as leis e princípios
interpretados de modo silogístico, o Poder Judiciário termina por afastar-se da
realidade concreta e seus problemas reais. Uma fria interpretação das leis leva a
decisões que são vistas como injustas pela sociedade. Para corrigir isso, os juízes
buscam novos princípios e novas interpretações que tensionam a racionalidade formal
do Judiciário, agindo movidos pela razão valorativa. O resultado é a criação de novas
normas jurídicas que consagram tais princípios e rompem o rigor lógico do direito
garantidor.O problema dessa materialização é que ela torna imprevisível a atuação do
Poder Judiciário, gerando incerteza e insegurança. Com isso, a equação entre a política
legal-racional e o Estado limitado pelo direito formal-racional e pela burocracia
começa a romper-se. Por um lado, a legitimidade política entra em crise; por outro, a
atuação estatal e judiciária começa a atrapalhar o desenvolvimento econômico de
vários países. Essa lógica weberiana se faz presente em muitas análises
contemporâneas que associam os direitos sociais a barreiras para o funcionamento da
economia. O discurso da flexibilização do direito trabalhista é fruto dessa lógica. Em
linhas gerais, afirma-se que quanto maior a proteção ao trabalhador, menos atrativo o
ambiente se torna para empresas e capitais estrangeiros. Também podemos destacar
a presença do pensamento weberiano em discursos pela Reforma do Poder Judiciário,
associando-a ao desenvolvimento econômico. Esse ponto de vista preconiza que um
Poder Judiciário previsível, funcionando de modo rápido e eficiente, gera certeza e
segurança aos investidores capitalistas”. Artigo da autoria do professor Adriano
Ferreira. Disponível em <https://direito.legal/sociologia-do-direito/09-weber-e-o-
direito/> Acesso: 08/06/2021.

21
-Terceiro intelectual - PARSONS: Autor da teoria funcional dos sistemas. Adota a
teoria funcionalista aplicada à sociedade. Para Parsons as coisas existem para ter uma
função. Ele fez a junção das teorias de Durkheim e Weber baseada no esquematismo fim/meio
com o componente “sistema” de Durkheim e o componente “ação” de Weber. Por
conseguinte, tanto para Durkheim, Weber e Parsons, o indivíduo (= o ser humano) é
elemento indissolúvel da sociedade, estando dentro do sistema, e não fora dele (ou
seja, o indivíduo está no sistema, e não está no ambiente). As teorias de Durkheim,
Weber e Parsons não diferenciam sistema de ambiente, como os diferenciará Niklas
Luhmann.

Para uma visão panorâmica da teoria da sociedade de Talcott Parsons, atente-se aos
grifos destacados nos textos a seguir:

a) “... ao longo da história da Sociologia emergiram correntes


de pensamento centradas na microssociologia, com ênfase no papel
do indivíduo no meio social, e outras na macrossociologia, voltadas
à preocupação com a estrutura coercitiva no comportamento dos
indivíduos e destes com as instituições. Todavia, a polaridade
dessas duas construções abriu espaço para que Parsons buscasse
criar uma síntese que escapasse de tal dualidade (...). Dito isto, para
Parsons essas duas visões são complementares na medida em que
os modelos que formam o superego, interiorizados pelo
indivíduo, são os mesmos institucionalizados ao passo que são
compartilhados e interiorizados por vários indivíduos. A
COMPLEMENTARIDADE ENTRE INDIVIDUAL E COLETIVO É
CHAMADA DE “RECIPROCIDADE DE PERSPECTIVAS” e é com base
nesta reciprocidade que o autor encontra a solução para o
problema da ordem social (...). Ao analisar os modelos
culturais e como estes estão simultaneamente na mente dos
indivíduos e no universo simbólico social, Parsons destaca que
quando um ator espera que outro aja de determinada maneira, há a
reciprocidade, e é a reciprocidade de expectativas, por sua
vez, que cria normas e valores a guiar os indivíduos. Logo, É
DA CULTURA DE ONDE ADVÊM AS NORMAS E OS VALORES QUE
INTEGRAM O SISTEMA PSÍQUICO E TAIS ELEMENTOS
NORMATIVOS ORIENTAM AS CONDUTAS DOS AGENTES. Para que
a sociedade seja um sistema social estável, do ponto de vista
parsoniano, é preciso que haja um reconhecimento comum de
um sistema de normas integrado (...)” (Melo, Marina Félix. Talcott
Parsons na teoria sociológica. Disponível em <
http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/arti
cle/view/17698/9745 > Acesso: 15 junho 2020.

22
b) “(...) O ator de Parsons é o ser em situação, já que sua ação é
sempre a leitura de um conjunto de sinais, que ele percebe no seu
ambiente e aos quais reage. O ambiente do ator é, primeiro, o meio
físico em que se desenvolve sua ação, isto é, os objetos materiais, as
condições climáticas, a geografia e a geologia locais, mas é também o
organismo biológico no caso do ator individual. O ator sente o peso
ou a influência desses objetos, explica-os, desenvolve sentimentos a
seu respeito, utiliza-os para fins que lhes determina. Todas essas
relações com o meio físico supõem um jogo de interpretações
através das quais o ator percebe a realidade e lhe dá um sentido em
função do qual age. Mas, no ambiente que envolve o ator, o objeto
privilegiado é evidentemente o objeto social, quer dizer, primeiro
os outros atores. Com estes a ação social torna-se interação. A
análise da subjetividade do ator toma-se então dupla ou múltipla: à
subjetividade de ego responde a subjetividade de alter, seja singular
ou coletivo. Em toda a sua obra, Parsons insiste na complexidade das
relações sociais entre pessoas humanas. Esta interação entre dois ou
mais atores e a subjetividade aí subjacente constituem um dos
principais eixos da teoria parsoniana. Porém, há ainda uma outra
categoria de objetos sociais privilegiados segundo Parsons; são os
OBJETOS CULTURAIS OU SIMBÓLICOS. Por ser prenhe de
significação, a ação social se reveste necessariamente de
simbolismo. É através de sinais e de símbolos que o ator conhece
seu meio, sente-o, avalia-o e o manipula. Na interação social o
simbolismo, essencial à comunicação sob todas suas formas, une os
atores uns aos outros. Interação e ação estão, pois, envolvidas num
vasto universo simbólico, pelo qual cada ação tem um sentido tanto
aos olhos do próprio ator, quanto aos dos outros. O SIMBOLISMO
TEM NA AÇÃO SOCIAL UMA OUTRA FUNÇÃO: MEDIATIZAR AS
REGRAS DO COMPORTAMENTO, AS NORMAS, OS VALORES
CULTURAIS QUE SERVEM PARA GUIAR O ATOR NA ORIENTAÇÃO DA
SUA AÇÃO. Normas e valores são, com efeito, de natureza
essencialmente simbólica sob vários aspectos. Inicialmente, pode-se
dizer que tornam comunicável o comportamento dos atores: pelas
normas e valores a que se refere a ação humana torna-se menos
incompreensível para os outros atores e bem assim para o do ator
atuante, pois que todos nela podem ver um sentido, uma orientação,
uma continuidade. Além do mais, é através de normas e valores que
o ator pode interpretar uma situação, nela descobrir pontos de
referência, limites e forças que deve levar em consideração em sua
conduta. Enfim as normas e os valores fornecem ao ator finalidades e
meios que lhe servem de guia, conferindo ao mesmo tempo à sua
ação um significado particular a seus próprios olhos e aos dos
demais” (Rocher,Guy.Tradução Olga Lopes da Cruz.Talcott Parsons e
a Sociologia Americana. Disponível em <
https://rodrigocantu.weebly.com/uploads/2/3/0/7/23070264/rocher
_1976_a_teoria_geral_da_acao.pdf > Acesso: 15 junho 2020.

23
c) “(...) Neste sentido PARTIA DA IDEIA DAS PARTES EM FUNÇÃO DO
TODO, EM QUE, ENQUANTO ESTE SE MANTIVESSE ESTÁVEL, TODOS
OS DEMAIS COMPONENTES SUBSISTIRIAM, TENDO INFLUÊNCIA
DIRETA NO MODUS OPERANDI  DO SISTEMA. Desta feita, o respeito
à esfera de atuação de cada um individualmente afigura-se essencial
ao desempenho das funções. Porém, indispensável que a atuação
seja carregada pela interação entre os componentes, no intuito da
escorreita funcionalização. Ademais, os elementos individuais
deveriam cumprir funções internas e externas, visando o equilíbrio
intra e extra sistêmico. Para tanto, a comunicação entre tais
elementos se apresenta essencial na medida em que é atribuída
interdependência entre os compostos do todo (...)”. CARVALHO,
Marco Túlio Rios. Conteúdo Jurídico, Brasília-DF: 03 jun 2020.
Disponível em:
<https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/24248/bases-
sociologicas-do-funcionalismo-penal>. Acesso em: 03 jun 2020.

d) “Desde seu livro A estrutura da ação social, de 1937, Parsons parte


do pressuposto que a ação humana, quando ocorre em âmbito social,
não ocorre de modo ilimitado. AS PESSOAS AGEM SOCIALMENTE AO
ESTRUTURAREM SEUS ATOS CONFORME CONJUNTOS COMUNS DE
FINALIDADES E VALORES, COMPARTILHADOS PELOS DEMAIS
MEMBROS DA SOCIEDADE. Essa adesão pode ocorrer de modo
voluntário ou forçado, por meio de normas que regulam e controlam
as ações humanas. Esses conjuntos de finalidades e valores
são chamados de sistemas sociais. Um sistema é um todo composto
por partes que se relacionam de modo coerente e compõem
funções específicas para sua manutenção e para a manutenção da
sociedade. Os diversos sistemas sociais interagem entre si, gerando
um ambiente social equilibrado que se perpetua. No caso do grande
sistema social chamado sociedade moderna, Parsons identifica
quatro sistemas menores que a compõem (ou subsistemas):

1. Economia – sistema social cujos elementos estão articulados


pelo fator dinheiro, cumprindo funções de produção e distribuição de
bens;
2. Política – sistema social cujos elementos estão articulados pelo
fator poder, cumprindo as funções de traçar os objetivos da
sociedade e buscar sua concretização;
3. Comunidade Social – sistema social cujos elementos articulam-
se por meio de normas sociais, buscando a manutenção e o controle
da sociedade;
4. Valores sociais – sistema social cujos elementos articulam-se em
torno da produção e ampliação da crença nos valores compartilhados
socialmente.

24
O DIREITO É CONSIDERADO, NAS SOCIEDADES MODERNAS, O
ELEMENTO CENTRAL DO SISTEMA COMUNITÁRIO (O TERCEIRO
ACIMA), PROMOVENDO O CONTROLE SOCIAL. COMPOSTO POR
NORMAS, TRIBUNAIS E PROFISSIONAIS, CUMPRE FUNÇÕES
PRECISAS:
 apresenta um significado oficial para as normas jurídicas,
interpretando-as;
 transforma as normas gerais e abstratas, presentes nas leis, em
normas individuais e concretas, presentes em sentenças e decisões
administrativas, aplicando-as;
 aplica, também, as punições previstas nas sanções presentes em
normas jurídicas;
 divide o território em jurisdições, deixando claro onde, quando e
por quem as normas jurídicas legais serão aplicadas;
 promove a integração individual, regulando as interações entre
os membros da sociedade, estabelecendo comportamentos
permitidos, proibidos e obrigatórios;
 promove a integração social dos sistemas, cujas fronteiras são
delimitadas por meio de normas que também regulam as trocas
entre eles.

Na análise do DIREITO feita por Parsons, ganham destaque as


profissões jurídicas. Graças a um corpo de pessoas capacitadas à
atuação jurídica, o sistema pode funcionar corretamente,
beneficiando toda a sociedade. Assim, os profissionais do direito,
entre outras coisas, promovem a interpretação e a aplicação das
normas jurídicas. (...). Embora os demais sistemas sociais sejam
autônomos, o direito interage com eles. No sistema econômico, por
exemplo, os interesses particulares convergem por meio de
contratos, que derivam de negociações realizadas em uma base
jurídica. O sistema político, por sua vez, determina os objetivos
sociais pela feitura da lei. Ora, como visto, o direito promoverá sua
interpretação e sua aplicação, além de impor a sanção nela prevista.
Por fim, o sistema valorativo torna-se, graças ao direito, secular, ou
seja, deixa de partir de valores religiosos para buscar valores
meramente racionais”. Artigo da autoria do professor Adriano
Ferreira. Disponível em
<https://direito.legal/sociologia-do-direito/10-parsons-e-o-direito/>
Acesso: 08/06/2021.

Além do Direito, são exemplos de instituições imponentes de papeis a serem


cumpridos pelos indivíduos para assegurar “ o estável funcionamento da sociedade como
um todo”: a família e a escola etc. Confira:

“Uma das instituições sociais estudadas por [Parsons] é a família, que


se relaciona com os sistemas sociais por ser uma parte dos mesmos e

25
por promover a interiorização das regras da sociedade e a educação
primária dos indivíduos. A família tem por função social ensinar aos
novos membros do social sobre as regras de coesão e coerção social,
criação de laços e de identidade, mesmo que não seja feito de
maneira racional e reflexiva sobre sua ação. Ao ensinar o papel de
meninos e meninas, a família cumpre sua função de socialização de
indivíduos em um sistema social em que está inserida e que cobrará
desses indivíduos tais posturas sociais. “A FAMÍLIA, ACREDITAVA
PARSONS, É UMA DAS VÁRIAS INSTITUIÇÕES, COMO O SISTEMA
EDUCACIONAL E O JURÍDICO, QUE TEM PAPÉIS QUE SE SUSTENTAM
E GARANTEM O ESTÁVEL FUNCIONAMENTO DA SOCIEDADE COMO
UM TODO. (...)”. Letícia Rodrigues Ferreira Netto, Sistema social.
Disponível em < https://www.infoescola.com/sociologia/sistema-
social/ > Acesso: 14 maio 2020.

Conforme os textos destacam, para Talcoot Parsons o ser humano - enquanto


indivíduo que existe como substância - é o centro de todo o sistema. Este sistema
social é a sociedade, a qual existe apenas acidentalmente, mas em caráter de
necessidade para o indivíduo, porque este (o indivíduo), embora seja a célula mater da
sociedade, somente nela se realiza na convivência com outros indivíduos. Parsons,
então, introduz os conceitos de “papel” e de “reciprocidade”:

- Papel é o conjunto de atividades solicitadas de um indivíduo para assegurar o


funcionamento da sociedade como um todo. A sociedade, portanto, é um
sistema de papeis.
- O indivíduo se comporta como executante de um determinado papel, inter-
relacionando-se aos demais indivíduos, também executantes de papeis, que,
em reciprocidade, asseguram “o estável funcionamento da sociedade como um
todo”.

Segue daí que o indivíduo se define pela interiorização dos códigos comuns “da
sociedade como um todo”. Esta interiorização se opera a partir do papel. O optimum
de estabilidade social irá ocorrer se cada indivíduo cumprir o papel que se lhe atribui,
atuando em função do “todo”. É que - para Talcoot Parsons - esta equação de
cumprimento dos papeis tem relevância porque “uma das piores agressões” para o
indivíduo que convive em sociedade é “perder o respeito de pessoas cujo respeito se
esperava”.

Em síntese: para Parsons os indivíduos necessitam de ter códigos comuns,


culturalmente organizados, para que, com reciprocidade, participem de um
intercâmbio contínuo com o ambiente social, e logrem “o estável funcionamento da
sociedade como um todo”.

- Quarto intelectual - NIKLAS LUHMANN: Autor da teoria autopoiética dos sistemas.


Esta teoria evoluiu a teoria funcionalista de sociedade e ressignificou as
caracterizações de sistemas fechados e abertos.

26
Busquemos, didaticamente, simplificar o quanto possível esta complexa teoria.

1 - Há 3 tipos de sistemas :

 Sistemas vivos (estudado pela BIOLOGIA)


 Sistemas psíquicos (estudado pela PSICOLOGIA)
 Sistemas sociais (estudado pela SOCIOLOGIA)

Para explicar a sua teoria dos sistemas sociais, NL tomou como base, dentre outros
cientistas, a teoria elaborada pelos biólogos chilenos Humberto Maturana e Francisco
Varela para explicar a dinâmica do funcionamento dos sistemas vivos, ou seja, sua
estrutura e seu desenvolvimento).

O nome da teoria biológica de HM e FV é TEORIA AUTOPOIETICA, palavra que vem do


grego AUTO= própria e POIESIS= criação, indicando que os sistemas vivos são dotados
de capacidade de se autocriarem, isto é, são dotados de estrutura para se auto
produzirem e se desenvolverem.

Como sabemos, a matéria viva abrange os reinos animal e vegetal. A matéria não viva
é a do reino mineral. Embora animais e vegetais sejam diversos, a unidade morfológica
comum a ambos é a célula. Interessante, também, estabelecer que no reino vivo
animal, os animais racionais se distinguem dos irracionais, pois, diferentes dos últimos,
faz uso da razão, e, por isso, tem uma vida mental e não meramente instintiva. Os
animais racionais são tratados por sistemas psíquicos:

 Sistemas psíquicos - os sv do reino animal racional tem uma “vida


mental” manifestada através do comportamento. Fato psíquico é todo
fenômeno interior que se manifesta pelo comportamento. Em
psicologia há um método chamado extropectivo por consistir em
observar os fenômenos psicológicos comportamentais em outros
homens (obs. difere de método introspectivo= comportamentos
relatados pela pp. pessoa).

Para que não fiquemos “perdidos”, posso adiantar que NL, a partir dos estudos da
autopoiesis observada nos sistemas vivos, buscou estender a aplicação biológica da
autopoiesis aos sistemas sociais. Mas, é importante, observar que o objeto de estudo
da sociologia, a saber, o sistema social, já fora antes definido como algo portador de
uma estrutura interna e evolucional, o que, em princípio, justificaria a possibilidade
autopoiética:

27
 Sistemas sociais - “A sociologia é a ciência das
leis que determinam a estrutura interna dos grupos (anatomia e
morfologia social), a evolução interna dos grupos e suas
interrelações ( fisiologia e dinâmica social)” [ estudos da filósofa
francesa Simone Daval, 1913-2010, 108 anos ; e do historiador francês
Bernard Guilhemain, 1923- 2012, 89 anos).

2- AUTOPOIESIS em HM e FV

 Buscaram descrever como os SV microscópicos mantinham a identidade de


suas espécies nas sucessivas reproduções. Trago um trecho de uma entrevista
com Bonnitta Roy que ilustra muito bem a fenomenologia autopoiética
assecuratória da identidade nas sucessivas reproduções. Vale conferir:
“InfoQ: Foi abordado que a auto-organização é profunda dentro do código
evolucionário da vida. Pode comentar um pouco mais sobre isso?
Roy: O que é mais profundo do que uma molécula de DNA? Sabemos que o
DNA se replica, mas ele não se duplica e se divide em dois simplesmente. Isso
requer uma auto-montagem de muitos outros tipos de moléculas, incluindo
transferências e mensagens do RNA, enzimas que cortam e enzimas que colam
a molécula de DNA de volta, etc. Além disso, todas estas moléculas se
organizam em volta de estações intracelulares chamadas ribossomos, que são
compostos pelas próprias moléculas que se auto-compõem. Os ribossomos não
são capazes de executar as suas tarefas sem uma auto-montagem combinada
com outros processos intracelulares. Por sua vez, as células não podem viver
sozinhas sem uma rede auto-organizada de outras células e seu ambiente
extracelular. Isso acontece em todas as escalas da vida. Plantas e solo, árvores
e o ecossistema da floresta. Não existe um planejamento de como isso
acontece. As árvores não sabem como ser uma floresta, ainda que florestas se
auto-organizem como uma savana ou um recife de corais. De acordo com o
filósofo-cientista Stuart Kaufmann, a evolução pela seleção natural é
necessária, mas não o suficiente para produzir vida. A auto-organização é um
princípio necessário para a vida acontecer. Disponível em:
https://www.infoq.com/br/articles/how-self-organization-happens/

 Quando se diz manutenção da identidade da espécie significa


“AUTOCONSERVAÇÃO”, ié, a manutenção das características da espécie nas
sucessivas reproduções.

 Esta manutenção identitária sucessiva somente é possível porque os SV estão


naturalmente compostos de unidades elementares orientadas para a

28
autoconservação mantenedora das características da espécie nas sucessivas
reproduções.
 A autoconservação e reprodução das características identitárias somente são
possíveis porque os SV têm a capacidade natural de AUTO-ORGANIZAREM-SE
estruturalmente.
 HM e FV observaram que as características identitárias dos SV não perdiam as
propriedades originárias assecuratórias da autoconservação e reprodução por
que:
- os SV são como um sistema AUTO-SUFICIENTE, ié, organizados com a
capacidade de AUTOPRODUÇÃO de componentes que lhe garantem a
AUTOCONSERVAÇÃO e as sucessivas reproduções. A isto denominaram de
AUTOPOIESE.
- A ideia de AUTOPOIESE dos SV está ligada à SISTEMA OPERACIONALMENTE
FECHADO, isto é, os seres vivos, para se autoconservarem iguais, utilizam-se
das suas próprias referências operacionais.
- Os conceitos de autopoiese e sistema fechado acabam sendo a chave para
explicar a autorreferência: os sistemas vivos como sistemas fechados
operacionalmente na sua autorreferencialidade são ao mesmo tempo
“produtor” e “produto”.

3- AUTOPOIESIS em NL

Promoveremos o estudo da TEORIA AUTOPOIÉTICA DOS SISTEMAS DE NIKLAS


LUHMANN baseado em “10 Lições sobre Luhmann”, de Artur Stamford da Silva, Petrópolis,
RJ: Vozes, 2016 / ALFERES, Eduardo Henrique.Autopoiese do direito. Boletim Jurídico,
Uberaba/MG, a. 14, nº 752. Disponível emhttps://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-
penal/2032/autopoiese-direito. Acesso em 2 dez. 2010. / PAIM, Eline Luque
Teixeira. LUHMANN: o Direito como sistema autopoiético conteúdo jurídico, Brasília-DF: 21 jun
2020. Disponível em:https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41735/luhmann-o-
direito-como-sistema-autopoietico. Acesso em: 21 jun 2020. / DANIELLA ALKMIM DE Araújo. A
influência da perspectiva de Luhmann para a Teoria Geral do Direito Conteúdo Jurídico,
Brasília-DF: 17 jun 2020. Disponível
em:https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/49875/a-influencia-da-perspectiva-de-
luhmann-para-a-teoria-geral-do-direito. Acesso em: 17 jun 2020 / Melo Júnior, Luiz Cláudio
Moreira. A teoria dos sistemas sociais em Niklas Luhmann (resenha de obra:
RODRIGUES, Leo Peixoto; NEVES, Fabrício Monteiro. Niklas Luhmann: a sociedade
como sistema. Porto Alegre: Edipucrs, 2012, 132 p.). Disponível em <
https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69922013000300013 >
Acesso: 11 jul.2020).

29
 Para Luhmann, o indivíduo (= o ser humano) é elemento distinto da sociedade,
estando fora do sistema, e não dentro dele (ou seja, o indivíduo não está no
sistema, mas no ambiente).

 A teoria de Luhmann diferencia sistema de ambiente. Atente-se, porém,


que para Luhmann, embora seja indiscutível que o ser humano se encontre no
ambiente do sistema social (ou seja, no seu entorno, meio ambiente ou
vizinhança), e, por isso fora da sociedade (já que ela é sistema) -, não é possível
a existência de sociedade sem o ser humano, razão pela qual ele (o ser
humano) precisará existir, embora com existência fora da sociedade. Confira:
 

                a) “O SISTEMISMO DE LUHMANN REPRESENTA UM AVANÇO DAS


IDEIAS SISTÊMICAS PÓS-PARSIANA (...) A primeira questão fundante
do sistêmico de Luhmann é que o sistema torna-se distinto do
ambiente, isto é, o sistema social é separado do seu ambiente
psíquico e/ou biológico. Isto significa que os seres humanos
enquanto pessoas e indivíduos não pertencem ao sistema social,
mas sim ao seu ambiente. Esvanece-se assim, a ideia do sujeito
individual como centro de todo o sistema. A velha assertiva de que
o sujeito é a “célula  mater da sociedade” é enterrada por Luhmann
sem nenhuma lamentação. Essa distinção estabelecida provoca uma
mudança significativa na maneira de se entender filosófica e
sociologicamente o papel do indivíduo na sociedade como ator
social. Luhmann coloca em xeque, ao mesmo tempo, as tendências
conservadoras positivistas, assim como as tendências sociológicas
críticas, destacando as contribuições de Max Weber, Ernst Cassirer,
Wilhelm Dilthey, Paul Ricoeur, só para citar alguns e, principalmente,
as contribuições de Habermas. Aliás, não são somente as abordagens
desses autores que são colocadas em xeque, mas sim, a própria
herança iluminista do pensar e construir o pensamento em bases
humanistas. O PONTO DE DIVERGÊNCIA ENTRE LUHMANN E A
TRADIÇÃO FILOSÓFICA HUMANISTA E DA SOCIOLOGIA CRÍTICA, É
QUE NESTAS O SER HUMANO FOI SEMPRE INTERPRETADO COMO
ESTANDO DENTRO E NÃO FORA DO SISTEMA SOCIAL. A ideia de
indivíduo é concebida nas diferentes vertentes teóricas como um
elemento indissolúvel da sociedade. Na visão de Luhmann, todas as
ideias sobre a formação de coletivos humanos são ultrapassadas. Os
conflitos ideológicos internos de grupos e classes já não são
explicados por ações de indivíduos ou grupos, mas sim, por um
arranjo sistêmico de seleção e auto-organização. AS
DIFERENCIAÇÕES SOCIAIS NÃO SÃO MAIS QUESTÕES DE AÇÃO DE
INDIVÍDUOS, MAS SÃO QUESTÕES DE UMA COMUNICAÇÃO SEM
FRONTEIRAS, onde o sentido das sociedades territoriais desaparece.
Isso fica claro se entendermos uma das principais ideias de
Luhmann, a qual destaca que a sociedade é comunicação. Ao
mesmo tempo em que a teoria de sistema social se separa do

30
ambiente para enaltecer sua competência interna, nas palavras de
Luhmann, o ambiente é para o sistema “... uma pressuposição de
identidade do sistema, porque a identidade só é possível quando há
diferença... Nem ontológica, nem analiticamente o sistema é mais
importante do que o ambiente. Porque ambos são o que são apenas
em relação ao outro” (LUHMANN, 1984, p. 243). Assim, portanto,
cada indivíduo é sujeito para si mesmo, tornando-se um sistema
autorreferencial próprio e particular que consiste em sua
consciência. Essa ideia nos remete ao conceito de que a sociedade é
uma realidade com clausura autorreferencial, isto é, um sistema
que se basta, pois tudo que deve ser mudado ou substituído é feito
a partir do seu próprio interior”.    (XXX Encontro da ANPAD - RJ - 6 a
10/9/2008 - Comunicação Organizacional - Confronto entre Luhmann
e Habermas - Conjecturas Necessárias. Autoria: Onésimo de Oliveira
Cardoso, Maria Ivete Trevisan Fossá). Disponível em
<http://www.anpad.org.br/admin/pdf/EOR-C2315.pdf> Acesso 3
junho 2020.

Obs.Pronúncia fonética: Érnesti Alfridi Kaçirér

 b) “... O PONTO MAIS CONTROVERSO E POLÊMICO NA OBRA DE


LUHMANN, SEM DÚVIDA, É O SEU CONHECIDO ARGUMENTO DE
QUE A SOCIEDADE NÃO É CONSTITUÍDA POR SERES HUMANOS -
COMO TEM DEFENDIDO A TRADIÇÃO TEÓRICA DAS CIÊNCIAS
SOCIAIS -, MAS, ANTES, POR COMUNICAÇÕES. PARA O AUTOR, OS
SERES HUMANOS NÃO ESTÃO NO CENTRO DA SOCIEDADE, MAS
SIM NO SEU ENTORNO. Com esse deslocamento teórico na
concepção do homem, Luhmann rompe não apenas com a tradição
sociológica, mas, sobretudo, com a própria tradição antropocêntrica
do Iluminismo europeu. Vale lembrar, que, na Metafísica dos
Costumes, por exemplo, Kant defendeu que o homem não deve ser
nunca tomado como meio, mas sempre como fim. Luhmann vai ao
encontro da tese kantiana ao sustentar que os seres humanos são o
meio através do qual os sistemas sociais se reproduzem (...). Deve
ficar claro que Luhmann, em nenhum momento da sua vasta obra,
alegou que os seres humanos não são importantes, ou então que
devam ser usados como meio para se alcançar um determinado
objetivo. Ao tratá-los como entorno da sociedade, o sociólogo
alemão apenas buscou traçar uma descrição teórica do social, livre
de qualquer tipo de determinação psicológica” (Costa, Éverton Garcia
da; Coelho, Gabriel Bandeira. Para entender a sociologia de Niklas
Luhmann. Disponível em:    <https://www.scielo.br/scielo.php?
script=sci_arttext&pid=S0103-49792017000300597   > Acesso: 16
junho 2020.

 MAS ATENÇÃO: para Luhmann, embora o ser humano se encontre no


ambiente do sistema social (ou seja, no entorno, meio ambiente ou vizinhança

31
do sistema social), e, por força desta localização, ele (ser humano), esteja fora
do sistema “sociedade”, não é possível a existência de sociedade sem o ser
humano: por isso ele (o ser humano) precisará existir, porém, terá existência
fora da sociedade.
 A sociologia de Niklas Luhmann é tratada como “SOCIOLOGIA PRIMEIRA”
porque, a maneira da “filosofia primeira”, ocupa-se de identificar as
abstrações dos princípios primeiros, princípios estes tidos por superiores
justamente em razão de seu metaempirismo. Luhmann afirmará que a
sociedade, ou seja, o sistema social, é uma abstração, não há nele nada de
material.
 Surge, assim, a abstração de Niklas Luhmann acerca do sistema social: ele é
autopoiético. Grosso modo, autopoiese é a capacidade de algo produzir-se a si
próprio:

                                      
“...enquanto para Maturana a autopoiese dá-se em nível de
elementos, que se autoproduzem, em Luhmann isso ocorre ao
nível de sistema, ‘que autoproduziria seus elementos...e, logo,
também a si mesmo´’’(ALFERES).
 

“Luhmann afirma que os sistemas não possuem, em suas


origens, suas próprias estruturas, sendo obrigados a construí-
las. O sistema só pode operar com estruturas autoconstruídas:
não pode haver importação de estruturas. Essa construção se dá
no interior do próprio sistema e, em virtude disso, surge o que
se denomina “auto-organização” (PAIM).

 Para Luhmann, então, o sistema social tem a capacidade de produzir-se a si


mesmo. Produzir-se a partir de si é o mesmo que “se reproduzir” (reprodução
tem também o sentido de gerar, de formar, de multiplicar, de renovar).
 Pois bem, a palavra-chave do fenômeno autopoiético é “produção” (mas
poderia ser também “reprodução”). Apliquemos a palavra “produção” (ou
“reprodução”) ao raciocínio autopoiético: 
1. se há produção, há por que ocorreu um processo produtivo responsável pela
produção;
2.  toda produção é o produto final que resulta de um processo de
transformação;
3.  processo de transformação é o mecanismo de conversão das entradas em
saídas de um sistema;
4.  entrada é a força ou impulso de arranque ou de partida dos sistemas. Há
sistemas cujo arranque são proporcionados por insumos como matéria prima e
mão de obra, mas NO CASO DO SISTEMA SOCIAL O INSUMO É A
COMUNICAÇÃO:

“Para Luhmann, o elemento básico de reprodução no sistema social é o


processo de comunicação. Os sistemas sociais são entendidos como sistemas

32
comunicativos. Somente a comunicação "é uma operação puramente social
porque pressupõe o envolvimento de vários sistemas psíquicos sem que se
possa atribui-la exclusivamente a um ou outro destes sistemas: não pode haver
comunicação individual". Dessa forma, não é o ser humano quem comunica,
mas o sistema social, daí a ideia de uma comunicação e de uma "sociedade
sem seres humanos". Como os autores reforçam, "A COMUNICAÇÃO NÃO
MORRE QUANDO ALGUÉM MORRE E NÃO NASCE QUANDO ALGUÉM NASCE,
ELA PERPASSA A EXISTÊNCIA DE QUALQUER UM”. Enquanto "o sistema social
existe e se reproduz como sistema de comunicação [...] os sistemas psíquicos,
as consciências, reproduzem os pensamentos”. O conceito de comunicação
ocupa, portanto, um lugar central na teoria dos sistemas sociais de Luhmann.
"A comunicação é o limite da sociedade, [...] é o nó górdio a partir do qual se
inicia o estudo da sociologia”. Melo Júnior, Luiz Cláudio Moreira.   A teoria dos
sistemas sociais em Niklas Luhmann (resenha de obra: RODRIGUES, Leo
Peixoto; NEVES, Fabrício Monteiro. Niklas Luhmann: a sociedade como sistema.
Porto Alegre: Edipucrs, 2012, 132 p.). Disponível em
< https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
69922013000300013 > Acesso: 11 jul.2020.

 Tudo que existe é sistema ou ambiente. O sistema não existe sem o ambiente,
nem o ambiente existe sem o sistema: eles são dependentes;

 A sociedade está localizada no sistema, o ser humano está localizado no


ambiente (no entorno). Como não é possível a existência de sociedade sem o
ser humano, este necessariamente existirá, embora com existência localizada
fora da sociedade. Ou seja, para Niklas Luhmann, a existência do ser humano
está localizada fora do sistema (fora da sociedade), localizada que está no
entorno do sistema, entorno conhecido pelo nome de ambiente).
Rigorosamente, para Luhmann, na relação “sistema-entorno”, os elementos
interativos, ou seja, as comunicações, são genuínas apenas do sistema, pois
apenas neste podem operar ininterruptamente, mercê - diríamos - da
“continuidade do sistema”, de sorte que as comunicações não são genuínas da
pessoa humana - os homens são mortais por natureza - e, por esta condição de
mortalidade, por si, desservem para operar as comunicações de maneira
ininterrupta:

“Diferentemente da teoria da ação, na qual a comunicação é


entendida como o êxito ou o fracasso da transmissão de uma
informação, na teoria dos sistemas o que é enfatizado é a
verdadeira emergência da comunicação. Considerando a
comunicação como única operação genuinamente social, a
teoria dos sistemas considera que “a função da comunicação
reside em tornar provável o altamente improvável: a
autopoiesis do sistema de comunicação, denominado
sociedade”. Sendo a comunicação o principal foco do sistema
social, essa é forma de interação sistema e meio, e de

33
estruturação interna com relação aos subsistemas, Luhmann
toma como foco de estudo justamente essa diferença entre
sistema e ambiente. Segundo esse foco, a sociedade não é
constituída de pessoas e de relações entre pessoas, mas a
sociedade seria constituída exclusivamente de comunicação. As
pessoas estão no ambiente do sistema social, sendo, portanto,
um subsistema, denominado sistema psíquico’’(ALFERES);

 
 Todo modelo de sistema social tem por pressuposição que não há sociedade
sem equilíbrio, haja vista que, sem ordem na sociedade, a desordem leva ao
desaparecimento do sistema social. Anomia é mais que ausência de normas, é
a própria ausência de sociedade, pois não há sociedade desorganizada,
considerando-se que a sociedade é um sistema, e a desordem é um
dessistema. O modelo organizacional autopoiético de sistema social proposto
por Niklas Luhmann também se submete ao necessário equilíbrio sistêmico. O
sistema social autopoiético - apreciado à luz dos conceitos de sistemas
fechados e sistemas abertos - tem por fundamento que, para a obtenção de
ordem na sociedade (ou seja, obtenção do equilíbrio sistêmico) haverá a
necessária confluência contributiva das dinâmicas das operações que marcam
os sistemas abertos e fechados. Assim: 
 
- Para Luhmann, a sociedade é sistema, e sistema
operacionalmente fechado, pois gera e produz internamente seus
próprios elementos de funcionamento sem a interferência ou influência
dos elementos externos encontrados no ambiente (entorno).
 
- Para Luhmann, a sociedade é sistema, e sistema cognitivamente aberto,
pois realiza o intercâmbio entre seus próprios elementos de
funcionamento e os elementos externos do ambiente (entorno).

4 - NIKLAS LUHMANN E O DIREITO

Sigamos o raciocínio luhmanianno, com adaptações didáticas: 

1.      Vivemos num mundo com inúmeras possibilidades realizáveis. Isto se denomina


COMPLEXIDADE;

 2.      Escolhemos algumas destas inúmeras possibilidades realizáveis. Isto se denomina


CONTINGÊNCIA:

“Luhmann discorre sobre dois conceitos imprescindíveis para identificar


mudanças na sociedade: a complexidade e a contingência. A complexidade
evidencia-se na existência de inúmeras possibilidades para serem realizadas. A
contingência estaria relacionada ao fato de que as escolhas feitas por dadas
possibilidades podem não ser as esperadas. Ou seja, uma vez feita a escolha,
deixa-se outras possibilidades que poderiam ser ou não as esperadas. Com este

34
último conceito, torna-se evidente a existência do desapontamento. Este é,
também, outro conceito trabalhado por Luhmann, o qual está no fato de que
diante das expectativas é possível se desapontar já que pode ser que a
expectativa que um indivíduo espera de outro indivíduo pode ser diferente da
expectativa que este outro indivíduo espera que esse indivíduo expecta dele”
(ARAÚJO);

 3.      A obtenção de diploma em curso superior participando de exame de seleção


qualificadora é uma destas inúmeras possibilidades realizáveis;

 4.      Eu quero me formar em curso superior e, para isso, me submeto ao exame de


seleção qualificadora;

 5.      Eu julgo que outras pessoas querem, assim como eu, formar em curso superior
submetendo-se ao exame de seleção qualificadora;

 6.      Quando eu reconheço que outro pode querer o mesmo que eu quero, reconheço
o “outro” como “outro eu”. Segue daí que:

-  Se o outro almeja e realiza como eu, CONCORDO.

- Se o outro almeja, mas não realiza como eu, DISCORDO. Ele deixa de ser “outro eu”.

Quando o outro se utilizar de meios incorretos (“impróprios” a minha expectativa) irá


provocar o meu “desapontamento”. E vice-versa: quando eu utilizar meios incorretos
(“impróprios” a expectativa do “outro”) irei provocar o seu “desapontamento”. Os
desapontamentos ocorrem, portanto, porque cada um dos nós reconhece o outro
como “outro eu”, e, a adoção, por ele, de meios incorretos, provocam a sensação dele
ser um “estranho”, um “não-eu”, alguém que - contrário a minha expectativa - adotou
comportamentos desviantes;

 7.      Com efeito, haverá uma satisfação ou um desapontamento de minha parte em


face da expectativa de comportamento do outro. Esta dupla possibilidade em
concordar/discordar é chamada de “DUPLA CONTINGÊNCIA”:

“Partindo da ideia do outro, é possível abordar o plano da dupla contingência.


Esta se revela na expectativa de expectativas. Primeiramente, há uma
satisfação ou desapontamento diante do comportamento da expectativa do
outro. Depois, há uma análise sobre esse comportamento e seu significado.
INTERAGIR ESSAS DUAS QUESTÕES FORNECE O PAPEL DO DIREITO, buscando
criar um sistema capaz de direcionar as expectativas evitando, dessa maneira,
maiores possibilidades de desapontamentos (...)” (ARAÚJO);

 8.      A dupla contingência é que explica o PAPEL DO DIREITO: criar normas com a
“definição” de meios comportamentais postos a observância de todos, normas que

35
objetivam a promover a satisfação do que se “definiu” por expectativas, evitando-se os
desapontamentos. Para que o Direito não reflita unicamente normas com as quais eu
concordo, deverão ser adotadas normas que reflitam entendimentos que equilibrem a
equação “satisfação-desapontamento”:

“Analisar o desapontamento é tarefa fundamental para a criação de


expectativas contrafáticas (normativas) e impor a eficácia de expectativas
corretas (normas jurídicas). (...) Em busca de ajustar as expectativas normativas
às várias possibilidades de fatos existentes no mundo, o direito possui sua
formação na criação de normas baseadas na comunicação possibilitando sua
segurança (ARAÚJO).

“Luhmann designa o direito primariamente como um alívio das expectativas.


“O alívio consiste na disponibilidade de caminhos congruentemente
generalizados para as expectativas” (ARAÚJO).

Estes “caminhos congruentemente generalizados” obtidos pelo fluxo comunicativo são


as normas (também tratadas como regras):

“A criação de sistemas e, por conseguinte, de regras visa reduzir o risco do erro


de expectativas. As regras auxiliam no direcionamento, afastando-se da
utilização das expectativas. A regularização de expectativas de expectativas
deve, no entanto, estar presente nas diversas regras postas na sociedade por
meio do direito. “Graças à regra, pode ser suposto que aquele que diverge age
erradamente, que a discrepância se origina, portanto, não da expectativa
(própria) errada, mas da ação (alheia) errada” (LUHMANN, 1983, p. 53). Tem-
se, também, a adaptação da regra com relação a um entendimento mútuo, já
que não é possível que haja uma concordância de todos em uma dada norma”
(ARAÚJO).

 “A existência de desapontamentos leva às alternativas diante das expectativas


normativas ou cognitivas. A designação dessas expectativas se faz presente nas
soluções dos seres humanos mediante um fato. A expectativa cognitiva está
relacionada às ciências. Um exemplo seria o fato de que, se um lápis for jogado
no chão, ele cairá pela força da gravidade. No entanto, caso esse lápis não caia,
deve-se averiguar o problema. Serão necessários novos estudos para
compreender esse novo fato e a expectativa, portanto, precisará adaptar-se à
realidade. No caso das expectativas normativas, não se adapta a realidade
pelo fato de que alguém não fez o esperado (e isso é previsto, uma vez que o
mundo é complexo e contingente). O caso de homicídio, por exemplo. A
expectativa é a de que ninguém mate. No entanto, as pessoas que agem de
forma diferente não fazem com que a expectativa mude. Por mais que há
pessoas que cometem homicídio, a expectativa continua sendo a que não se
deve matar” (ARAÚJO);

 9.      As regras que encampam as expectativas comportamentais recebem o nome de


normas jurídicas. A normas jurídicas compõem o sistema jurídico:

36
“O sistema jurídico, para Luhmann, integra o ‘sistema imunológico’ das
sociedades, imunizando-as de conflitos entre seus membros, surgidos já em
outros sistemas sociais (político, econômico, familiar etc.). (…) Para tanto, a
complexidade da realidade social, com sua extrema contingência, é reduzida
pela construção de uma ‘para-realidade’, codificada a partir do esquematismo
binário ‘direito/não-direito’ (ou ‘lícito/ilícito), em que se preveem os conflitos
que são conflitos para o Direito e se oferecem as soluções que são conformes
ao Direito” (ALFERES).

“O DIREITO NA VISÃO DO LUHMANN DEVE POSSUIR UM


SISTEMA OPERATIVAMENTE FECHADO E COGNITIVAMENTE
ABERTO. O fato de estar fechado na sua forma operacional faz
relação aos seus próprios códigos. Relaciona-se à característica
de autopoiese. Já cognitivamente aberto seria porque há
interação com o meio social. Isso remete ao fato de que não
estaria direcionado apenas aos grupos de referência, ou seja,
aos juristas” (ARAÚJO).

 “Um sistema autopoiético é aquele que, a partir de suas


próprias estruturas, se reproduz e se desenvolve, mas jamais
poderá suprimir a si próprio. Então, para Luhmann, não há
como os sistemas se reproduzirem de outra forma que não seja
por suas próprias estruturas. Assim expõe Luhmann: O sistema
é aberto cognitivamente para ser estimulado através de ruídos
ou perturbações oriundas do ambiente. Com isso, obtém a
energia necessária para alimentar suas operações internas. Não
é aberto no sentido da teoria tradicional, já que a relação entre
as provocações do entorno e as respostas do sistema não é
causal e linear (a cada perturbação uma resposta do sistema);
também não é aberto nos termos do modelo cibernético de
input/output (a cada perturbação registrada na memória do
sistema uma resposta). Mais bem, trata-se de uma abertura
seletiva, enquanto relação de imputação derivada da auto
referencialidade: depois de observar o entorno e suas
demandas, bem como a si mesmo e sua capacidade estrutural
para redução da complexidade, o sistema seleciona aqueles
ruídos (perturbações ou irritações) que serão recebidos e
considerados como informação (aqueles dados que são
reconhecidos pelo sistema como distinções segundo o código
de programação binário) apta a gerar novas estruturas capazes
de reduzir a complexidade externa. Cada subsistema social
possui um código binário próprio responsável pela seleção
de inputs/outputs. Para Luhmann, esses códigos variam de uma
relação para outra, porquanto que o código binário do direito é
o lícito/ilícito. A reprodução do sistema jurídico se dá com a
Constituição, leis, atos da administração, contratos, decretos e
da jurisprudência, todos programas daquele sistema. O direito

37
nasceu com o intuito de resolver conflitos. Apesar de ser esse o
seu papel principal, ele não é o único, pois o direito é erguido no
conflito e vive do conflito. O direito, além de solucionar esses
conflitos, deve ser capaz de prevê-los. Desse modo, o direito
não apenas pacifica conflitos como também os cria mediante
suas estruturas internas no processo de  autopoiesis. O direito
como sistema autopoiético transforma a realidade ao mesmo
tempo que transforma a si mesmo, no labor pré-determinado
de suas estruturas internas. Não há nenhuma determinação
estrutural que provenha de fora. Somente o direito pode dizer o
que é direito. Nesse sentido, Luhmann afirma que o direito tem
a força de reconhecer, produzir e resolver conflitos através da
complexidade do sistema jurídico. Sob esse prisma, o direito é
um sistema normativamente fechado e cognitivamente aberto.
É a partir de suas próprias estruturas que o direito faz o
acoplamento estrutural com outros sistemas filtrando e
absorvendo aquilo que é necessário para suas estruturas
desenvolverem a autopoiesis. Direito e sociedade estão em
relação de interdependência (acoplamento estrutural)
recíproca: o Direito é uma estrutura do sistema social, ou seja,
constitui parte da sociedade. Sua função essencial é reduzir uma
parcela da complexidade desestruturada da sociedade e, ao
mesmo tempo, fazer com que esta alcance uma complexidade
mais alta e estruturada. Em suma: o Direito é “uma construção
de alta complexidade estruturada”, satisfazendo a necessidade
de ordenamento na sociedade. Sem o Direito, não há
orientação de condutas no meio social. Nesse processo, o
sistema usa seu código binário para bloquear, pelo fechamento
operativo e sem isolar-se do meio, as perturbações
provenientes do ambiente ou de outros sistemas. Luhmann
observa que o direito é um sistema que opera ligado à
observação. Pela diferenciação entre sistema e meio, o sistema
se reproduz com suas próprias estruturas” (PAIM).

“Hans Kelsen (teoria pura do direito) falando sobre sistemas


estático e dinâmico na ordem jurídica, estabelece que em um há
“normas regulando normas” e no outro “condutas produzindo
normas”. Adaptando esse raciocínio ao sistema jurídico - sob a
teoria dos sistemas sociais - teríamos as condutas como
elementos provenientes do meio, ou de outro sistema, que
irritam o sistema jurídico, fazendo com que haja uma
seletividade (por meio da seleção dentre as diversas
possibilidades de agir – denominado por Luhmann de dupla
seletividade) gerando uma reação do sistema jurídico que
resulta na produção de uma norma, essa sim regula a
conduta(...).“Note-se que a autonomia do sistema jurídico não
há de ser entendida no sentido de um isolamento deste em face

38
dos demais sistemas sociais, o da moral, religião, economia,
política, ciência, etc., funcionalmente diferenciados em
sociedades complexas como as que se têm na atualidade. Essa
autonomia significa, na verdade, que o sistema jurídico funciona
com um código próprio, sem necessidade de recorrer a critérios
fornecidos por algum daqueles outros sistemas, aos quais, no
entanto, o sistema jurídico se acopla, através
de procedimentos desenvolvidos em seu seio, procedimentos
de reprodução jurídica, de natureza legislativa, administrativa,
contratual e, principalmente, judicial”. [EXEMPLO]: “Quando,
por exemplo, a conduta que gerou a reação do sistema jurídico
ao produzir uma norma reguladora do sistema social, é
proveniente de outro sistema, fala-se na necessidade de realizar
o acoplamento estrutural do sistema jurídico com outros
sistemas sociais, como o político, econômico etc. Nesse
contexto a constituição é a grande responsável pelo
acoplamento estrutural ente os sistemas jurídico e político”
(ALFERES).

Recomenda-se a leitura de artigo do professor Adriano Ferreira disponíveis na web, em


DIREITO LEGAL SOCIOLOGIA-DO-DIREITO: LUHMANN E O DIREITO:

“Niklas Luhmann (1927-1988) é um dos sociólogos mais interessantes do século XX.


Sua perspectiva da sociedade mescla a visão sistêmica de Parsons a concepções
derivadas das ciências biológicas. Embora trate de diversos assuntos, o direito é um de
seus objetos de estudo mais importantes. Seu pensamento influencia, por sua vez,
muitos sociólogos do direito.Sua análise da sociedade parte da constatação de que
esta é constituída, pela comunicação, sobre um ambiente. Nesse ambiente,
encontram-se a vida orgânica, os indivíduos (seres psíquicos) e a matéria física.
Quando os indivíduos se comunicam, fundam a sociedade. Destaquemos que a palavra
comunicar deriva do mesmo radical latino que forma “comunidade”, “comum” e
“comunhão”, entre outras que dão o sentido de compartilhar.
A comunicação, para Luhmann, pode ser descrita como um processo subjetivo em que
uma informação é selecionada e transmitida. O recebimento dessa informação,
contudo, não garante que ela será compreendida. Sua compreensão pode exigir mais
comunicação, num processo que tende ao infinito.Assim, por exemplo, um professor
transmite uma frase para os alunos. Todos receberam a mensagem, mas sua
compreensão exige que o professor se comunique mais e mais, explicando o
significado dessa frase.Luhmann considera a sociedade moderna complexa, derivada
da desagregação de valores universais que davam coesão à sociedade religiosa que a
antecede. Quando desaparece um discurso último unificador, cuja verdade não é
questionada, a comunicação pode ocorrer tratando de quaisquer assuntos e torna-se
imprevisível. Destacamos a semelhança desse ponto de partida com o pensamento de
outros sociólogos e de Habermas, para os quais a falta de unidade religiosa é um
marco da modernidade.Voltando a Luhmann, antes da modernidade, todas as
comunicações no mundo ocidental convergiam para respostas religiosas, havendo
limites quanto às problematizações e aos significados dos discursos. Com o
enfraquecimento da religião, a sociedade passa a poder comunicar-se sobre tudo e
tem a necessidade de produzir novas comunicações que expliquem as anteriores de
modo incessante.Dizer que a sociedade moderna é complexa, portanto, significa que
um indivíduo possui infinitas alternativas e possibilidades no momento em que se

39
comunica. Isso causa, também, sua imprevisibilidade. Numa sociedade medieval, por
outro lado, cada indivíduo estava limitado a possibilidades comunicativas conforme
seu papel social, que não pode mudar, pois deriva de uma ordem divina.Imaginemos
uma sala de aula, sem o professor, durante o intervalo. Sobre qual assunto os alunos
conversam? A quais rumos a conversa será levada? Não podemos prever.Todavia, essa
comunicabilidade infinita pode causar problemas para a sociedade. Existem assuntos
que não podem ser discutidos interminavelmente, pois levam a situações em que
decisões precisam ser tomadas, resolvendo problemas ou determinando rumos. A
sociedade deve produzir e distribuir bens, prevenir e solucionar conflitos, consagrar
determinados valores e repudiar outros.
Para impedir que essa comunicabilidade infinita atrapalhe o funcionamento da
sociedade, surgem os sistemas sociais. São sistemas comunicativos que reduzem a
complexidade social em determinados setores, permitindo que funcionem de modo
satisfatório, por meio de códigos próprios. Cada um desses sistemas cumpre, assim,
funções na sociedade, diferenciando-se do todo graças a sua comunicação específica,
que deriva desses códigos.
Voltemos à sala de aula. O professor inicia sua aula de sociologia do direito. A qualquer
momento um aluno pode fazer uma pergunta sobre qualquer assunto. Se todo aluno
se manifestar sobre assuntos os mais diversos, o professor não cumprirá sua função
específica, lecionar a disciplina. Para evitar isso, o professor estabelece um código que
limita as comunicações possíveis: durante a aula, por exemplo, toda comunicação deve
versar sobre sociologia jurídica (e, talvez, o tema específico da aula). Assim, a
complexidade da sala de aula é reduzida pelo código “ser assunto de sociologia do
direito” e “não ser assunto de sociologia do direito”. Não é mais qualquer
comunicação sobre qualquer assunto que ocorrerá durante a aula, mas apenas aquelas
que correspondam à disciplina que será, então, lecionada. Forma-se um sistema
dentro da Universidade.
O sistema social é fechado operacionalmente, ou seja, funciona conforme dois
pressupostos: auto-organização e autopoiesis. Auto-organização significa que cada
sistema produz sua própria estrutura, delimitando suas fronteiras e estabelecendo o
que pode ser comunicado conforme seu código e o que não pode ser
comunicado. Autopoiesis significa que cada novo elemento do sistema (cada nova
comunicação) será produzido a partir de pressupostos fornecidos pelo próprio sistema.
Se voltarmos outra vez ao exemplo da sala de aula, agora transformada em um
sistema da disciplina sociologia do direito, perceberemos que, no momento em que se
definir o que é sociologia do direito, serão também delimitadas as fronteiras do
sistema, determinando-se o que pertence e o que não pertence a ele. Ainda, quando
os temas da disciplina forem definidos, será delimitada uma estrutura interna do
sistema. Assim, no nosso caso, o próprio professor de sociologia do direito vai se
comunicar para dizer que a sala só pode tratar do assunto de sua disciplina e, em
seguida, irá defini-la e segmentá-la em temas. Note: isso não será feito pelo professor
de outra disciplina, mas pelo próprio professor de sociologia do direito.
Depois de definir a disciplina e seus temas, toda nova comunicação sobre cada um dos
temas partirá dessa definição genérica. Sendo assim, podemos dizer que o sistema
“disciplina sociologia do direito” é autopoiético, pois cada nova comunicação é
produzida a partir de pressupostos contidos nas anteriores, internos ao sistema. Em
última instância, existem os princípios que delimitam a disciplina, dos quais toda
comunicação partirá. O professor lecionará sociologia do direito falando conforme os
termos definidos pela própria sociologia do direito. Quando explicar um conceito, o
fará utilizando outros conceitos pertencentes ao sistema.
O mesmo se passa com os sistemas sociais. Podemos pensar no sistema político, no
sistema jurídico, no sistema econômico, entre outros. Cada um deles possui um código
próprio que delimita o teor das comunicações que produzem; cada nova comunicação
produzida decorre de outras comunicações pertencentes ao sistema. O sistema
político, cujo código é governo x oposição, só produz comunicações a partir desse
código. Toda fala política parte do sistema e tem por fim a manutenção ou a obtenção
do poder.

40
Embora os sistemas sejam operacionalmente fechados (auto-organizados
e autopoiéticos), existem em um ambiente que pode “irritá-los”. Como o ambiente de
um sistema social é composto não apenas pela matéria física e orgânica, mas também
por todos os outros sistemas sociais, a “irritação” comumente é causada por um
sistema no outro.
Por exemplo: a política, como visto, opera com o código governo x oposição; a
economia opera com o código dinheiro x não-dinheiro. O funcionamento do sistema
político, no qual partidos discutem pelo poder, pode ser perturbado pela lógica do
sistema econômico, no qual os agentes discutem pelo dinheiro.
Quando há uma “irritação”, duas coisas podem ocorrer: ela pode ser repelida pelo
sistema, que continua a funcionar conforme seu código próprio; ou ela pode ser
absorvida pelo sistema. Neste caso, o sistema transforma a perturbação em uma
comunicação que utiliza seu código próprio. Podemos pensar em decisões jurídicas
que usam o código do direito (lícito x ilícito) mas derivam de “irritações” políticas ou
econômicas.
Para Luhmann, o direito é um sistema social. Como dito, seu código é lícito x ilícito (ou
direito x não-direito). As comunicações produzidas por ele têm por finalidade indicar
se um fato ou um ato é lícito ou não, estabelecendo eventuais sanções. Seu
funcionamento segue um programa: “se… então…”. Caso uma hipótese prevista em lei
ocorra (“se”), deve ocorrer uma consequência ou uma determinada decisão deve ser
tomada (“então”).
Trata-se, como os demais, de um sistema operacionalmente fechado. A Constituição
Federal, no caso do sistema jurídico brasileiro, que é sua parte integrante, define sua
estrutura e suas fronteiras, estabelecendo os princípios dos quais partirão todas as
demais decisões que criam normas jurídicas (em leis, sentenças e contratos). A teoria
geral do direito estabelece os mecanismos gerais de funcionamento do sistema,
indicando critérios de validade e interpretação das normas (auto-organização). Toda
nova norma jurídica (que é um texto comunicativo) deve ser criada a partir de
elementos contidos em outras normas superiores ou nos princípios constitucionais
(autopoiese).
Uma marca do direito moderno, para Luhmann, é a positividade. As normas jurídicas
(em leis, sentenças e contratos) derivam de decisões tomadas por pessoas
competentes e/ou capazes. Cada norma criada deriva de uma decisão tomada por uma
autoridade que se comunica partindo de outras decisões anteriores que foram
tomadas e comunicaram normas superiores. Assim, o legislador decide (por votação) e
cria uma lei; essa decisão pressupõe decisões que foram tomadas pelo poder
constituinte originário, criando o próprio poder legislativo e lhe atribuindo, dentro de
limites, competência para criar leis. O conteúdo dessa lei deve seguir o conteúdo da
Constituição.
Há, contudo, um aparente paradoxo. O direito é um sistema social, nascendo para
reduzir a complexidade do ambiente, permitindo que conflitos sejam evitados e
resolvidos. Para tanto, suas comunicações limitam-se ao código lícito x ilícito,
conforme seu programa. Mas a busca dessa redução de complexidade exige que mais
e mais novas comunicações internas ao sistema sejam feitas, para prever todos os
comportamentos sociais e para transmitir certeza e segurança quanto ao seu
conteúdo. Essas novas comunicações, por sua vez, embora dentro do código do
direito, geram uma nova complexidade, que o distancia da realidade e o torna assunto
de especialistas.
Se pensarmos nas aulas de disciplinas dogmáticas, muitas vezes essa situação é visível.
O professor costuma lecionar sobre uma lei, explicando o significado de seus artigos.
Ora, essa lei já foi uma tentativa de reduzir a complexidade por meio do código
jurídico. Assim, o professor leciona sobre a comunicação jurídica, gerando novas
comunicações que a explicam e exigem explicações da explicação, e pouco fala do
ambiente social complexo que antecede a lei. Compreender o direito exige a
compreensão dessas comunicações, afastadas da realidade.Reiteramos o paradoxo: o
direito tenta simplificar a realidade por meio de seu código, mas, ao fazê-lo, cria tantas
comunicações sobre si mesmo que gera uma nova complexidade, embora limitada por
esse código.

41
O ambiente do direito é composto por todos os outros sistemas sociais. Ainda que
operacionalmente fechado, ambos se relacionam produzindo “irritações”, como
descrito acima. Mas as “irritações” só são absorvidas se transformadas no código
próprio do direito.
Verificamos isso nas relações do direito com a moralidade. Esta funciona com o código
bom x ruim. Uma situação avaliada como ruim pelo sistema moral pode ser
considerada lícita pelo direito, e o contrário. Para que o sistema moral interfira no
direito é necessário que seu juízo seja convertido no código lícito x ilícito, passando a
operar como comunicação jurídica interna. Do contrário, persistirá o fechamento.
No caso do sistema político, que funciona conforme o código governo x oposição, a
situação se repete com um agravante: existem elementos que são comuns a ambos,
como a lei e a Constituição, gerando o que Luhmann denomina de acoplamentos
estruturais (pontos de contato entre sistemas).
As discussões parlamentares resultam na criação de leis. Do ponto de vista político,
essas leis fortalecem ou enfraquecem o governo. Mas elas se tornam também
elementos do sistema jurídico, que sofre pressões políticas. O direito responde a essas
pressões tirando o foco de suas comunicações da lei e seu caráter partidário e enfatiza
sua interpretação e aplicação nas cortes, conforme o código jurídico (lícito x ilícito).
Discute-se a “juridicidade” da lei e das situações de que ela trata, abordando-se temas
como sua validade ou a necessidade de aplicação de sanções.
Também a Constituição gera acoplamento entre o direito e a política. A partir do
momento em que ela delimita cada um desses sistemas, organizando a representação
política e delimitando as competências judiciais, ela os conecta ao pertencer a ambos.
Os sistemas funcionam a partir de normas e princípios constitucionais e por meio deles
podem trocar “irritações”.
Destaca-se, no Brasil, nesse ponto de contato, o Superior Tribunal Constitucional. Ao
interpretar juridicamente a constituição que delimita as fronteiras entre o direito e a
política, suas decisões devem pertencer necessariamente ao sistema jurídico,
operando com o código lícito x ilícito convertido em constitucional x inconstitucional.
Mas essa fala recoloca as fronteiras e reestrutura o próprio sistema jurídico,
convertendo-se, em última instância, em uma escolha que pode sofrer interferências
do sistema político e, até mesmo, do sistema econômico. Podemos dizer que o STF
encontra-se em estado de perpétua “irritação”, podendo repelir ou absorver
(convertidas no código jurídico) essas “irritações” conforme a posição ocupada pelo
sistema jurídico em seu ambiente”. Disponível em < https://direito.legal/sociologia-
do-direito/12-luhmann-e-o-direito/ > Acesso: 2.janeiro.2021.

Para quem desejar aprofundar-se em Niklas Luhmann vale a pena estudar dois
autores:

- Matemático George Spencer-Brown (pronúncia fonética: Georgê Ispencer


Bráum)

- Filósofo Arnold Gehlen (pronúncia fonética: Arnoldi Guílen)

===========================================================

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AULAS - UNIDADE III - PLURALISMO JURÍDICO E ACESSO À JUSTIÇA; PARTICIPAÇÃO
POPULAR.

No conteúdo programático a ementa foi assim desenvolvida:

- SOCIOLOGIA DOS TRIBUNAIS (estudo da ordem normativa, da


legitimidade e direito, e da administração da justiça): 1. pluralismo
jurídico. 1.1 monismo jurídico e pluralismo jurídico; 1.2 teorias
modernas do pluralismo jurídico; 2. acesso à justiça. 2.1 acessos
formal e real; 2.2 barreiras econômicas, sociais, pessoais, jurídicas; 3.
participação popular. 3.1 opinião pública e direito; 3.2 os institutos
processuais da audiência pública e do amicus curiae.

Portanto, as temáticas do pluralismo jurídico, do acesso à justiça e da participação popular


serão tratadas como intercorrências da Sociologia dos Tribunais.

 1º - INTRODUÇÃO.

A natureza humana faz da criatura um ser que busca a presença de outras criaturas para
estabelecer a convivência. Tem-se distinguido entre “agrupamento” e “sociedade”:

“Um conjunto numeroso de pessoas, mesmo que unido por


determinados ideais, somente será considerado como sociedade se
apresentar estabilidade e se reunir determinados elementos comuns
a todas as sociedades. Se não forem encontrados estes elementos, o
conjunto de pessoas reunidas será mero agrupamento, mas não
sociedade. [...] Os elementos necessários para que um grupo de
pessoas possa ser reconhecido como sociedade são: a) apresentar
estabilidade; b) ter finalidade social comum; c) manifestar-se
ordenadamente, em conjunto, e d) existir um poder social” (Cretella
Neto, José.; Cretella Júnior. 1.000 perguntas e respostas de
introdução à sociologia, de sociologia jurídica e de lógica jurídica. Rio
de Janeiro: Forense, 2010, p.10).

O relacionamento constante, organizado e finalístico de pessoas somente se viabiliza porque


ocorre, da parte das pessoas, uma espécie de predisposição de aceitação de padrões de
comportamento, padrões estes que asseguram a manutenção da sociedade. Quando se diz
“padrões de comportamento” está-se a se referir a modelos normativos representados pelas
prescrições das leis, da moral, da ética, do decoro, da religião, dos usos e costumes.

Quando se menciona os padrões de comportamento estabelecidos pelas leis, se o faz ao


pressuposto de que as leis são sinônimas de “justiça”, e, por isso, o direito que a encampa se
trata de um direito racional, ligado a este sentimento natural de justiça, e não aos interesses
de grupos com interesses escusos:

43
“O sentimento de justiça existe em cada indivíduo, como resultado de
suas interações sociais e os respectivos condicionamentos.
Independentemente de ter ou não estudado Direito, todas as pessoas
têm uma noção do que é certo e do que é errado, do que é justo e do
que é injusto. Também a sociedade desenvolve um sentimento
coletivo, no qual se baseia para estabelecer os padrões de
comportamento aceitáveis ou não, que acabam por traduzir-se em
leis” (Cretella Neto, José. 1.000 perguntas e respostas de introdução à
sociologia, de sociologia jurídica e de lógica jurídica. Rio de Janeiro:
Forense, 2010, p.106).

Uma sociedade não poderá cultivar uma indisposição aos seus padrões de comportamentos,
pois estaria se elipsando como sociedade, para se constituir de mero agrupamento, agravado
pela barbárie decorrentes da escancarada desordem impunida da corja, da choldra, ou
agravada pela sutil manutenção estratégica do poder de dominação do que se denominou de
poder do “direito irracional”, estabelecido pelo arbítrio dos procedimentos sem rito prévio e
de legislações e decisões judiciais à moda de oráculos, como se alguns integrantes do grupo
fossem dotados de carismas proféticos.

Denomina-se de “controle social” todo mecanismo desenvolvido para garantir a obediência


aos padrões de comportamento, pois, se não for obtida esta obediência, a sociedade não se
materializará pela carência de “povo civilizado”:

“O controle social se presta a pressionar o indivíduo a apresentar um


comportamento esperado pela sociedade, como forma de
manutenção da integração social e a fim de permitir o convívio entre
todos. Exercida por meio do controle social, a orientação do
comportamento do indivíduo na sociedade permite a socialização,
que se constitui no aprendizado de um conjunto de maneiras de agir
dentro de um grupo, propiciando e evitando conflitos com os demais”
(OLIVEIRA, Dalton. Sociologia Jurídica – São Paulo: Saraiva, 2011 –
Coleção os 10+; vol. 21, p. 62).

Os mecanismos de controle social detêm várias classificações, podendo-se indicar as seguintes:

 Controle social formal e controle social informal


- Formal: é o do Estado e seus aparelhos e repartições (tribunais, por
exemplo). Tem amparo legitimador na lei;
- Informal: opinião pública, tradições e costumes.

 Controle social interno e controle social externo


- Interno: da própria organização mental da pessoa (crenças, por
exemplo);
- Externo: da organização de grupos sociais (meios persuasivos dos
grupos informais e formais, tipo, igrejas, clubes e também o estado).

Estas classificações são uteis para entender parcialmente o título da Unidade III de nosso
curso: SOCIOLOGIA DOS TRIBUNAIS, ou seja, estudar sociologicamente o controle social
externo promovido pelo Estado e o controle social formal promovido pelos tribunais do Poder
Judiciário do Estado.

44
Pode-se dizer tratar-se de uma sociologia centrada nos tribunais como instituição política
dotada de poder de decisão (tribunais entendidos como subsistema do processo político), sem
perder-se em conta a existência de órgãos extrajudiciais também dotados de poder de solução
de conflitos.

Dalton de Oliveira, apoiado nas pesquisas do sociólogo português Boaventura de Sousa


Santos, indica quais são os 3 grandes temas SOCIOLOGIA DOS TRIBUNAIS e oferece uma
síntese do diagnóstico da nova política judiciária:

- 1º tema: o acesso à Justiça


- 2º tema: a administração da Justiça enquanto instituição política e profissional
- 3º tema: a litigiosidade social e os mecanismos da sua resolução existentes na sociedade

“A nova política judiciária


(...)
a) Democratização da administração da justiça, que se realiza com: I)
maior participação dos cidadãos; II) simplificação dos atos processuais
e incentivo à conciliação; III) aumento dos poderes do juiz; IV)
ampliação dos conceitos de legitimidade das partes e do interesse de
agir; e V) democratização do acesso à justiça;
b) Ampliação do direito substantivo às classes menos favorecidas,
bem como defesa de sua aplicação;
c) A diminuição relativa do contencioso civil detectada em vários
países, sobretudo nas classes menos favorecidas, pelas razões acima
expostas, e nas mais abastadas, porque buscam caminhos de
resolução de conflito para preservar sigilosamente a composição de
interesses em relação ao Estado e ao público em geral;
d) Reforma da organização judiciária (democratização + racionalização
da divisão do trabalho) combinada com a reforma da formação e dos
processos de recrutamento dos magistrados (conhecimentos vastos e
diversificados)” (OLIVEIRA, Dalton. Sociologia Jurídica - São Paulo:
Saraiva, 2011 - Coleção os 10+; vol. 21, p. 46-47).

Para a formação dos magistrados vide a Res.CNJ 75/2009.

Assim situados, passemos a compreensão de algumas destas questões, dos problemas que elas
trazem à reflexão.

 2º - PLURALISMO JURÍDICO: monismo jurídico e pluralismo jurídico; teorias


modernas do pluralismo jurídico.

a - MONISMO E PLURALISMO JURÍDICOS (DIREITO COMO FENÔMENO SOCIAL) - MONISMO


e PLURALISMO como composição do sistema jurídico. Monismo e pluralismo: ligados a
produção de leis estatais e não-estatais para a obediência da coletividade:

Visão monista - Apenas o grupo social organizado (Estado) pode criar normas de direito;
(centralismo jurídico) (Art. 59 e 61 da CF)
Lei: regra geral (= para - Sistema jurídico é composto por normas legais que possuem validade
todos) emanada de no território do Estado = princípio da territorialidade (CF. Arts. 5º, § 2º e
autoridade 84).
competente

45
Visão pluralista - Todo grupo social consistente (e * ITÁLIA: Camorra Napolitana;
(policentrismo não apenas o Estado) impõe Drangueta Calabreza; Corona
jurídico). Estado x normas de funcionamento entre Pugliesa.
antiestado = poder os seus (tornam-se verdadeiras JAPÃO: Yakuza e/ou
paralelo e não Estado- leis, ainda que em choque com as Boryokudan.
paralelo normas estatais. Ex: máfia*, leis CHINA: Tríades Chinesas.
do morro, cangaço, coronéis, Obs.: Yakuza às vezes é
prisões, multinacionais, torcidas sinônimo de Boryokudan.
organizadas, cartéis de drogas,
contrabandistas de armas, gangs
urbanas).

b- no espaço social, isto é, na sociedade, o ESTADO como responsável pelo funcionamento


regular da estrutura social, recebe o contributo de normas promanadas de diferentes órgãos
de adaptação social, ou seja, dos órgãos responsáveis pela edição das regras
comportamentais. Com efeito, há várias formas de regulamentação do comportamento social.

c- Ensina Eugen Ehrlick: “Um grupo social é uma pluralidade de seres humanos que, em suas
relações mútuas, reconhecem certas regras de conduta como obrigatórias e, em geral pelo
menos, regulam de fato sua conduta de acordo com elas. Essas regras são de vários tipos e
têm vários nomes: regras de direito, de moral, de religião, de costume ético, de honra, de
decoro, de tato, de etiqueta, de elegância... Essas regras são fatos sociais, resultantes das
forças que operam na sociedade, e não podem ser consideradas separadas e à parte da
sociedade, na qual são operantes, assim como o movimento das ondas não pode ser
computado sem se considerar o elemento em que elas se movem...” (“Os grandes filósofos
do Direito”, por Clarence Morris, trad. Reinaldo Gurany, SP:Martins Fontes, 2002, p.448).

d – Na verdade, não é possível, em tempos modernos, defender a idéia de que a ordem na


sociedade decorre apenas do contributo das regras comportamentais promanadas
exclusivamente de um órgão controlador do comportamento social (o Estado): advém de
todos os órgãos normativos: família, igreja, escola, clube, associações etc. A sociologia jurídica
estuda todas as normas porque são estas, em conjunto, a “verdadeira” realidade jurídica.
Recorde-se: o órgão normativo oficial é o Estado, ele é o responsável pelas normas jurídicas
que comumente chamamos de leis, isto é, leis civis, penais, processuais, constitucionais,
trabalhistas, previdenciárias, tributárias etc. São aquelas regras que todos devem obedecer,
aquelas regras que são estudadas nas faculdades de Direito, que são o material de trabalho de
advogados, professores, promotores, delegados, policiais, agentes penitenciários, escrivães,
notários, oficiais de justiça, juízes etc. (Estas leis, em linguagem figurada, são tomadas como
sinônimo de DIREITO).
Os órgãos normativos não-oficiais editam regras de comportamento sem a estatura da lei
estatal, ou seja, a observância, diferente daquelas, não é assegurada por meio de coerção
determinada pelos tribunais e executada pela força pública quando descumpridas. Diz-se
comumente regras de família, prescrições dos partidos políticos, cânones das igrejas
organizadas, regimentos das instituições de ensino, estatutos das associações, sindicatos e
clubes, regimentos das companhias artísticas, regulamentos das empresas e os
regulamentários das demais organizações da sociedade civil. O potencial punitivo das normas
não-jurídicas é bem menor do que o grau das sanções jurídicas.
Confira: “Os processos de adaptação social, embora se constituam de normas de natureza
comportamental, não têm, exceto o Direito, o poder de vincular incondicionalmente as
condutas, donde ficarem à mercê da adesão das pessoas. O Direito, diferentemente, é

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obrigatório e nisto consiste o elemento que o caracteriza e o distingue dos demais processos
de adaptação social.” (“Teoria do fato jurídico”, por Marcos Bernardes de Mello,
SP:Saraiva,1995, p.5).

e -Todas as regras comportamentais (os oficiais e as não-oficiais) são indistintamente


chamadas de NORMAS. Porém, “norma social” é gênero de que “norma jurídica” é apenas
uma das espécies. As normas sociais compõem o sistema normativo social (incluídas as normas
jurídicas). O sistema jurídico-normativo (ou simplesmente sistema jurídico), por sua vez, é
composto apenas de normas jurídicas. A maioria dos autores ao tratar da questão do
monismo ou pluralismo jurídico utiliza o vocábulo “ordenamento jurídico”, e não “sistema
jurídico”.

f - em ciência (no geral) e na filosofia, quando se diz monismo ou pluralismo se está


posicionando pela possibilidade ou não da coexistência de mais de um ordenamento jurídico.
O prefixo “pluri”, do latim “plure”, é designativo de “número indeterminado”. Quando se diz
“pluralismo” se quer dizer exatamente que alguma coisa não impera com exclusividade ou que
a realidade não é um todo orgânico, mas é composta de uma pluralidade de entidades
interdependentes. O prefixo oposto a “pluri” é “uni” (do latim une), designativo de um, de
único. Em grego,o prefixo para a ideia de unidade é “mono”, por isso se diz monismo jurídico
em contraposição a pluralismo jurídico.

g - Determinar criteriosamente o que é monismo e pluralismo jurídicos requer a tomada de


posicionamentos COMO OS SEGUINTES:

g.1 - para identificar da coexistência ou não de ordenamentos jurídicos na sociedade:


qual a definição de ordenamento jurídico que irá se adotar?

- a dos positivistas dogmáticos: normas jurídicas são unicamente aquelas criadas pelas
autoridades estatais, previstas em textos legais, e de cumprimento obrigatório por todos OU
a dos positivistas com perspectiva sociológica: todo sistema de normas com alto grau de
aceitação, consideradas obrigatórias em um grupo social.

Utilizando uma sinonímia imprópria, mas sempre empregada, que toma Direito por
“ordenamento jurídico”, pode-se resumir o problema assim: Direito são as leis do Estado OU
Direito são todas as regras obrigatórias para o grupo social? Erlich afirma: “O direito é uma
ordem interna de associações sociais...Nunca existiu uma época em que o direito
proclamado pelo Estado tivesse sido o único direito”.

Os POSITIVISTAS DOGMÁTICOS consideram que o DIREITO ESTATAL é o único sistema


jurídico existente na sociedade porque apenas o ESTADO É FONTE FORMAL DE DIREITO. ESTA
CONCEPÇÃO É DENOMINADA DE MONISMO JURÍDICO.
OS POSITIVISTAS COM PERSPECTIVA SOCIOLÓGICA consideram outros modos de
“juridicidade” porque o DIREITO NÃO SE ENCONTRA EXCLUSIVAMENTE NAS FONTES OFICIAIS
DO DIREITO OFICIAL-ESTATAL. ESTA CONCEPÇÃO É DENOMINADA DE PLURALISMO JURÍDICO.

g.2 - identificada a coexistência de ordenamentos jurídicos na sociedade: qual a


relação possível entre ordenamentos?

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Os POSITIVISTAS DOGMÁTICOS não consideram a possibilidade da coexistência, por
isso não estabelecem relação possível.
OS POSITIVISTAS COM PERSPECTIVA SOCIOLÓGICA consideram que mesmo sendo o
Direito estatal o modo de juridicidade dominante, ele coexiste na sociedade com outros
modos de juridicidade: os que com ele se articulam (ordenamentos complementares) e os que
com ele não se articulam (ordenamentos contraditórios ou antagônicos).

g.3 - identificada a coexistência de ordenamentos jurídicos contraditórios na


sociedade: qual norma a ser aplicada se houver preceitos contraditórios que levem a
soluções diferentes para a mesma situação fática?

Os POSITIVISTAS DOGMÁTICOS não consideram a possibilidade da coexistência, por isso não se


preocupam com este conflito que entendem ser apenas “aparente”.
Os POSITIVISTAS COM PERSPECTIVA SOCIOLÓGICA consideram que o monopólio do Direito
estatal está superado, pois suas leis são seguidas apenas quando coincidirem com as regras da
vivência de determinados grupos e situações sociais.

h – AS 4 PRINCIPAIS TEORIAS OU CONCEPÇÕES MODERNAS DO PLURALISMO: definição e


crítica.

PRIMEIRA – “A DA INTERLEGALIDADE” (perspectiva pós-modernista): O Direito é uma


mistura desigual de ordens jurídicas com diferentes regras e áreas de competência, mas que
interagem entre si. Ex: O Direito Estatal e o Direito em âmbitos mais estritos (Direito Familial
Patriarcal: domínio masculino/ Direito nos espaços da produção e consumo: a exploração da
mão –de- obra e a alienação dos detentores da propaganda – domínio do poder econômico)
etc.

SEGUNDA – “A DO DIREITO À DIFERENÇA” (perspectiva multiculturalista): O Direito respeita


todas as diferenças culturais dos que convivem em sociedade, e, no resguardo da isonomia,
emprega ações afirmativas. Ex: Direitos especiais das mulheres e negros, crianças e idosos,
deficientes físicos, homossexuais etc.O regime de cotas para negros, vagas partidárias para as
mulheres etc.
TERCEIRA- “A DO DIREITO SOBREESTATAL” (perspectiva internacional e comunitária): Direito
é a coexistência de normas estatais com normas de organizações internacionais e de
instituições supranacionais. Ex: Direito Comunitário (União Europeia), Legislação do Mercosul,
NAFTA etc., além dos estatutos da ONU, OEA etc.
QUARTA – “A DO DIREITO INFORMAL” (Direito do povo ou Justiça alternativa): O Direito é
apenas uma pequena parte da experiência jurídica. Há fenômenos normativos autônomos
funcionando no seio das várias instituições sociais (ex: igreja,sindicato,empresa etc) e
funcionando nos espaços ocupados pelo poder paralelo ( ex: favelas).

i – CRÍTICAS AO PLURALISMO JURÍDICO (do ponto de vista do Direito Estatal):

- Todo direito informal somente poderá ser reconhecido se o Estado permitir. É a chamada
delegação legislativa. Submetida, porém, ao controle judicial de legalidade. ( CF.Art.5ª, XXXV).

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Empresas podem criar regulamentos e associações podem criar os seus estatutos -, desde que
não contrariem as leis do Estado. Outro exemplo é o caso dos Índios: por força dos Arts.12 e 13
da Lei nº 6.001/73 (Estatuto do Índio) foi assegurado o direito de registrar em Cartório Civil o
casamento realizado de acordo com os costumes tribais e registrado na FUNAI.
- Todas as punições por outros “corpos normativos” poderão ser examinadas pelo Poder
Judiciário do Estado.

A Constituição Federal de 1988, em seu Art. 5º, inciso XXXV, ao enunciar que “a lei não
excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, instituiu o princípio da
inafastabilidade judiciária, abolindo a chamada jurisdição condicionada, ou Instância
Administrativa como corolário prévio para obtenção de um provimento judicial.  Atenção:
quando se exige, a lei indica, como no caso do Art. 217, parágrafo 1º da CF: “O Poder Judiciário
só admitirá ações relativas à disciplina e às competências desportivas após esgotarem-se as
instâncias da justiça desportiva, regulada em lei”.

- Para não existir conflito, o termo “direito’ indicará apenas o Direito Estatal. As outras normas
sociais são apenas “infradireito” ou “fenômeno infra jurídico”, específicos da vivência de
determinados grupos e situações sociais.

 3º - ACESSO À JUSTIÇA: ACESSOS FORMAL E REAL; BARREIRAS


ECONÔMICAS, SOCIAIS, PESSOAIS, JURÍDICAS.

I - Preliminarmente, vale informar que há autores que diferenciam entre acesso à justiça e
acesso ao poder judiciário. Confira:

“Acesso à justiça x acesso ao Poder Judiciário


O princípio do acesso à justiça é um direito constitucional expresso, denominado
também como princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional ou princípio do
direito de ação, e encontra previsão no art. 5º, XXXV da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988, que assim dispõe: “a lei não excluirá da apreciação do
Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
É por meio do acesso à justiça que poderemos perceber caracteres relacionados à
eficiência e efetividade do Poder Judiciário quanto aos processos que lhe são levados
ao conhecimento. O acesso à justiça caracteriza-se por ser um dos maiores, senão o
maior mecanismo para garantir uma ordem jurídica justa e então efetivar o exercício
da plena cidadania.
O ilustre doutrinador José Joaquim Gomes Canotilho, referindo-se ao
ordenamento português, apregoa: Note-se que o “direito de acesso aos tribunais”
colocado em epígrafe no texto anterior da Constituição foi agora substituído pelo
direito à tutela jurisdicional efetiva. Visa-se não apenas garantir o acesso aos
tribunais, mas sim e principalmente possibilitar aos cidadãos a defesa de direitos
e interesses legalmente protegidos através de um acto de jurisdictio.
Convergindo com o entendimento do doutrinador supramencionado,
Mauro Cappelletti e Bryant Garth, na obra Acesso à Justiça, afirmam que: O acesso à
justiça pode, portanto, ser encarado como requisito fundamental – o mais básico dos
direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda
garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos.
Nesta mesma obra, os referidos doutrinadores ensinam que: O “acesso” não é apenas
um direito social fundamental, crescentemente reconhecido; ele é, também,
necessariamente, o ponto central da moderna processualística. Seu estudo pressupõe

49
um alargamento e aprofundamento dos objetivos e métodos da moderna ciência
jurídica.
Como bem preleciona Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart: O direito de
acesso à justiça exige que o Estado preste a adequada tutela jurisdicional que, para
esses autores, significa, também, a tutela estatal tempestiva e efetiva. Há tutela
adequada quando, para determinado caso concreto, há procedimento que pode ser
dito adequado, porque hábil para atender determinada situação concreta, que é
peculiar ou não a uma situação de direito material.
Conforme analisado, não basta que seja garantido ao cidadão o direito ao acesso
à justiça, é necessário que, além disso, seja um acesso efetivo, pois de nada adianta
um ordenamento jurídico repleto de normas programáticas que exaltam os direitos e
garantias fundamentais, como a nossa Constituição Federal de 1988, se o instrumento
que possibilita o acesso a tais normas é deficiente.
Torna-se perceptível que muitos dos legisladores brasileiros e demais gestores
do poder público, ao defenderem o ideal do acesso à justiça, restringem-se, única e
exclusivamente, em colocar à disposição da sociedade o direito de ter acesso ao
Poder Judiciário brasileiro, contribuindo para um movimento de judicialização de toda
e qualquer demanda, sem se preocupar com o resultado qualitativo de tal ação e com
a atual realidade vivida pelo sistema judiciário. Assim, na prática, muitos doutrinadores
ainda confundem as noções de acesso à justiça e de acesso ao Poder Judiciário.
A ideia de acesso justiça não se vincula propriamente ao Poder Judiciário nem a
uma única tutela jurisdicional. O nosso ordenamento jurídico apresenta em si próprio
uma série de recursos alheios ao Poder Judiciário, denominados de
métodos alternativos de resolução de conflitos, devendo implementá-los em sua
totalidade e, com isso, complementar o conteúdo do princípio do acesso à justiça.
À luz da doutrina de Cândido Dinamarco, o acesso à justiça consiste no acesso à ordem
jurídica justa, não bastando apenas que o interessado tenha o simples acesso, sem
que lhe seja garantido que sua tutela será analisada em tempo razoável, caso
contrário, a decisão acerca dessa pretensão pode configurar-se inútil: Sentenças,
decisões, comandos e remédios ditos heroicos concedidos por juízes e tribunais não
passariam de puras balelas, não fora pelo resultado prático que sejam capazes de
produzir na vida das pessoas e nas efetivas relações com outras e com os bens da vida.
O pensador moderno não encara mais o processo, como dantes, a partir do aspecto
interno representado pelos atos e relações em que se envolvem seus protagonistas,
senão pelo ângulo externo a partir do qual seja possível sentir a sua utilidade.
No esforço de apresentar um conceito abrangente, isto é, com sentido integral
ao acesso à justiça, Benjamin seguiu o entendimento de Cândido Dinamarco e prolatou
em sua obra: Seria, então, o próprio acesso ao Direito, vale dizer, a uma ordem
jurídica justa (inimiga dos desequilíbrios e destituída de presunção de
igualdade), conhecida (social e individualmente reconhecida) e implementável
(efetiva), contemplando e combinando, a um só tempo, um rol apropriado de
direitos, acesso aos tribunais, acesso aos mecanismos alternativos (principalmente
os preventivos), estando os sujeitos titulares plenamente conscientes de seus direitos
e habilitados, material e psicologicamente, a exercê-los, mediante superação das
barreiras objetivas e subjetivas e, nessa última acepção dilatada, o acesso à Justiça
significa o acesso ao poder.
Ada Pellegrini Grinover destaca que o acesso à justiça pode ser considerado o
direito mais importante, "na medida em que dele depende a viabilização dos demais".
A temática do acesso à justiça pertinente aos ramos processualistas da ciência jurídica
é embasada numa perspectiva constitucional, visto que este princípio está
insculpido em nosso ordenamento jurídico maior – Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988, inserindo-se na teoria do processo a partir da ideia de
Democracia Social, de participação, de justiça de social.
Luiz Guilherme Marinoni destaca em uma de suas consagradas obras a ligação que há
entre o acesso à justiça e justiça social, afirmando que: A temática do acesso à justiça,
sem dúvida, está intimamente ligada à noção de justiça social. Podemos até dizer que
o “acesso à justiça” é o “tema- ponte” a interligar o processo civil com a justiça social.

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Cappelletti e Bryant advertem no sentido de que o estudo acerca do acesso à
justiça deve ser contínuo e que ainda há muitos passos a serem dados: O surgimento
em tantos países do “enfoque do acesso à justiça” é uma razão para que se encare
com otimismo a capacidade de nossos sistemas jurídicos modernos em atender às
necessidades daqueles que, por tanto tempo, não tiveram possibilidade de reivindicar
seus direitos. Reformas sofisticadas e inter-relacionadas, tais como as que
caracterizam o sistema sueco de proteção ao consumidor, revelam o grande potencial
dessa abordagem. O potencial, no entanto, precisa ser traduzido em realidade, mas
não é fácil vencer a oposição tradicional à inovação. É necessário que enfatizar
que, embora realizações notáveis já tenham sido alcançadas, ainda estamos apenas no
começo. Muito trabalho resta a ser feito, para que os direitos das pessoas comuns
sejam efetivamente respeitados.
Ao tempo que Cappelletti e Bryant são favoráveis às reformas no que diz respeito
ao acesso à justiça, não descartam que "Ao saudar o surgimento de novas e ousadas
reformas, não podemos ignorar seus riscos e limitações. Podemos ser céticos, por
exemplo, a respeito do potencial das reformas tendentes ao acesso à justiça em
sistemas sociais fundamentalmente injustos." É preciso que se reconheça que as
reformas judiciais e processuais não são substitutos suficientes para as
reformas políticas e sociais.
Conforme abordado, o direito de acesso à justiça, ou de acesso à ordem jurídica
justa, deve ser entendido como um autêntico direito fundamental, positivado no rol
dos direitos fundamentais da Constituição Federal de 1988. No entanto, apesar de
possuir um caráter de indispensabilidade, o direito de acesso à justiça deve ser
encarado como um direito de importância ímpar na ordem constitucional brasileira.
Isso porque tal direito caracteriza-se por ser um verdadeiro instrumento de garantia da
efetividade e força normativa dos demais direitos fundamentais e, de forma ampla, a
todos os direitos fundamentais.
Em suma, o acesso a uma ordem jurídica justa traz implícita ideia da
necessária eficiência na prestação do direito, o que deve ocorrer em obediência ao
princípio do devido processo legal, que vai muito além de garantir ao cidadão o acesso
ao Poder Judiciário” (por Professor Ismael Silva. Disponível em <
https://jus.com.br/artigos/35533/acesso-a-justica-x-acesso-ao-poder-judiciario >
Acesso: 2. janeiro.2021

Obs.

- Proibição legal ao exercício arbitrário das próprias razões. CP Art. 345

- Proibição ao NON LIQUET = não está claro, não liquidar. CPC Art.140 e CF Art.5º, XXXV

- Obrigação da fundamentação das decisões judiciais. CPC Art. 4º,6º // CF Art. 5º, inciso
LXXVIII e Art.93, inciso IX

- Acesso à Justiça diferente de acesso ao Poder Judiciário: soluções não jurisdicionais (CPC
Art. 3º, Res.CNJ 125/2010, Lei n. 13.140/2015 (mediação e conciliação) e Lei n. 9.307/96
( arbitragem) etc.

CP

Art. 345 - Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora
legítima, salvo quando a lei o permite:
Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa, além da pena correspondente à
violência.

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CPC

Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.


§ 1º É permitida a arbitragem, na forma da lei.
§ 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.
§ 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos
deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do
Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.

Art. 4º As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito,
incluída a atividade satisfativa.

Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha,
em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.

Art. 140. O juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do
ordenamento jurídico.

CF

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade,
à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do


processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

Art. 93. X todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e
fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade ...

RESOLUÇÃO CNJ n. 125/2010

Art. 8º Os tribunais deverão criar os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e


Cidadania (Centros ou CEJUSCS), unidades do Poder Judiciário, preferencialmente,
responsáveis pela realização ou gestão das sessões e audiências de conciliação e
mediação que estejam a cargo de conciliadores e mediadores, bem como pelo
atendimento e orientação ao cidadão. 

RESOLUÇÃO CNJ n. 358/2020 – regulamenta a criação de soluções tecnológicas de


conflitos pelo Poder Judiciário por meio de conciliação e mediação.

Lei nº 9.307/1996 - Dispõe sobre a arbitragem

Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir
litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.

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Lei nº 13.140/2015 - Dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de
solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da
administração pública...

Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a mediação como meio de solução de controvérsias entre
particulares e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração
pública.

Parágrafo único. Considera-se mediação a atividade técnica exercida por terceiro


imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e
estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia.

II- ACESSO À JUSTIÇA

Trataremos do acesso à justiça sob DUAS modalidades: teórica e prática. Vejamos:

a) tratamento teórico

Esta temática nos remete obrigatoriamente a Mauro Cappelletti (1927-2004) e Bryant Garth
autores do livro Acesso à justiça. Da obra vale recordar as 3 ondas ou fases assim
indicadas como óbices:

1ª onda - buscar a eliminação dos óbices financeiros;

2ª onda - buscar a criação de mecanismos efetivos de resolução de tutelas coletivas;

3ª onda - buscar a impressão de celeridade/efetividade/instrumentalidade (ex : juizados


pequenas causas, arbitragem, tutelas de urgência etc).

José Cretella Neto e José Cretella Júnior oferecem um excelente enquadramento à questão
teórica do acesso à justiça:

“A democratização da administração da Justiça apresenta duas


vertentes: a) a constituição interna do processo; e b) a facilitação do
acesso à Justiça por parte das camadas mais carentes da
população(...).
A constituição interna do processo deve ser alterada mediante a
adoção de diversas medidas, tais como: a) a simplificação dos atos
processuais; b) o incentivo à conciliação das partes; c) o aumento dos
poderes do juiz; d) ampliação do conceito de legitimidade processual
e de interesse de agir; e) incentivo ao maior envolvimento da
população na administração da Justiça, individualmente ou em grupos
organizados em torno de interesses comuns (...).
Como deve ser facilitado o acesso à Justiça por parte da camada mais
carente da população? Deve ser criado um sistema de serviços

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jurídico-sociais, gerido pelo Estado e pelas autarquias locais, contando
com representantes da sociedade civil – tais como organizações
profissionais e sociais, ONG´s, associações de moradores e outras –
para possibilitar a todas as camadas sociais iguais possibilidades de
acesso à Justiça. Aos trabalhadores deve ser dada formação para que
possam resolver questões trabalhistas nas Comissões de Conciliação,
onde houver. Devem ser criados e divulgados mais Juizados Especiais,
para que questões de valor relativamente reduzido sejam resolvidas
com brevidade e a baixo custo. Além disso, os obstáculos de cunho
cultural e social precisam ser removidos, mediante a conscientização
das pessoas sobre seus direitos, lançando mão de cursos e campanhas
educativas, realizados nos locais de trabalho, nas associações de
moradores e nas escolas, bem como de divulgação pela mídia(...).
Um fator importante, o qual provoca a desigualdade na proteção dos
interesses jurídico-sociais, conforme a classe a que pertencem as
pessoas, reside muitas vezes no próprio direito material, concebido
de forma discriminatória em relação aos mais pobres(...).
O obstáculo ao acesso à Justiça constituído pelo caráter
discriminatório do direito material pode ser aliviado, basicamente, de
dois modos: a) alterando-se o próprio direito material, caminho difícil
pela natureza do processo legislativo e pela influência que grupos de
pressão (lobbies),geralmente representativos de organizações
economicamente fortes, exercem sobre os parlamentares; e b)
interpretando-se o direito substantivo vigente de forma mais
inovadora, o que se consegue mediante a conscientização dos juízes
de sua importância como agentes transformadores da sociedade e o
aumento de seus poderes na condução do processo (Cretella Neto,
José.; Cretella Júnior. 1.000 perguntas e respostas de introdução à
sociologia, de sociologia jurídica e de lógica jurídica. Rio de Janeiro:
Forense, 2010, p.94-95).

b) ACESSO À JUSTIÇA (na prática)

A questão prática do acesso à justiça poderá ser identificada na atuação do Conselho Nacional
de Justiça - CNJ, órgão do Poder Judiciário composto de 15 membros com mandato de 2 anos
( renováveis), criado pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004 e instalado em 14 de junho
de 2005, nos termos dos arts. 92, I-A e 103-B da Constituição Federal, visando, dentre outros
objetivos desenvolver políticas judiciárias que promovam efetividade da Justiça brasileira.

Vejamos como distinguir entre os acessos formal e real à Justiça:

A Constituição Federal, no Art. 5º, inciso XXXV, assegura o direito de ação e o direito ao
controle judicial. Confira:

Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade,
à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou


ameaça a direito.

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No entanto, pode-se afirmar que, de maneira explicita, foi o novo CPC, que assegurou
processualmente o acesso à justiça, ao dispor no Art. 7º:

Art. 7º - É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao


exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa,
aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais,
competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório.

Ora, uma coisa é assegurar a todos o direito de ação, e outra coisa é assegurar a todos,
absolutamente a todos, os meios paritários para o exercício do direito de propor ação judicial,
eis que este ato propositivo perante o Poder Judiciário é cercado do atendimento a
determinados pressupostos processuais, cuja não atendimento “sacrifica” o direito de ação,
que sequer será proposta, e, quando proposta, despida de viabilidade impeditiva da
apreciação do mérito da causa.

Também a inafastabilidade do controle judiciário das lesões ou ameaças de direito é ato a


posteriori, no sentido de que somente se o assegura [o controle judiciário] na hipótese do ato
anterior de já se ter proposto a ação ou propostos os procedimentos extrajudiciais e
administrativos. Um círculo vicioso: se o que já fora proposto vinha despido de viabilidades
processual ou procedimental, de que serviria se assegurar o controle do Poder Judiciário?

Há um brocardo latino que diz: “quem dá o direito e nega os meios, não dá o direito”. O Art. 7º
do novo CPC, ao utilizar a expressão “assegurada às partes paridade de tratamento em relação
ao exercício de direitos e faculdades processuais...”, quer traduzir a essência da garantia de
acesso à justiça, ou seja, se efetivamente não for assegurada esta paridade a todos os
cidadãos, os obstáculos reais continuarão sendo a “não-dação” do direito de ação e do direito
de resposta à ação e intervenções pertinentes, justamente pela negativa dos meios
viabilizadores tanto da propositura da ação , quanto da resposta e intervenções na ação
judicial proposta -, todos atos com o atendimento dos pressupostos processuais, o que requer,
indiscutivelmente, para todos eles, o patrocínio de profissional advogado qualificado para a
redação e realização dos atos processuais e, principalmente, da engenharia da estratégia
judicial.

Distinguindo entre “dar o direito” e “negar os meios”, pode-se identificar que a oferta de
meios para assegurar realmente o direito ao acesso à justiça tem merecido providências
concretas do CNJ – Conselho Nacional de Justiça.

Colhe-se do sítio oficial do CNJ: https://www.cnj.jus.br/.

“O que o CNJ faz?


...Na Gestão: definir o planejamento estratégico, os planos de metas
e os programas de avaliação institucional do Poder Judiciário.

• Na Eficiência dos Serviços Judiciais: realizar, fomentar e


disseminar melhores práticas que visem à modernização e à
celeridade dos serviços dos órgãos do Judiciário. Com base no
relatório estatístico sobre movimentação processual e outros
indicadores pertinentes à atividade jurisdicional em todo o
País, formular e executar políticas judiciárias, programas e
projetos que visam à eficiência da justiça brasileira”.

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Para fins desta definição de planejamento estratégico, dos planos de metas e dos programas
de avaliação institucional do Poder Judiciário, bem como da formulação e execução de
políticas judiciárias e de programas e projetos que visam à eficiência da justiça brasileira -,
pode-se identificar:

 a criação, no âmbito do CNJ, de uma COMISSÃO voltada aos enfrentamentos


obstaculizadores ao Acesso à Justiça. De acordo com a Resolução CNJ n. 67, de
3/3/2009 foi aprovado o Regimento Interno do CNJ, cujo art. 27 prevê que podem ser
criadas comissões permanentes e temporárias.

As atuais comissões estão previstas na Res. CNJ n. 296/2019. Dentre elas, podem-se
mencionar duas comissões permanentes intituladas de: COMISSÃO PERMANENTE DE
SOLUÇÃO ADEQUADA DE CONFLITOS e COMISSÃO PERMANENTE DE DEMOCRATIZAÇÃO E
APERFEIÇOAMENTO DOS SERVIÇOS JUDICIÁRIOS, incumbidas de proporem estudos que visem
à democratização do acesso à justiça (cf. Art 1º, incisos VIII e IX; Arts. 9º e 10).

 a edição de vários normativos CNJ, sendo que atualmente vige a seguinte


RESOLUÇÃO:

RESOLUÇÃO CNJ N. 325, DE 29/06/2020 - Dispõe sobre a Estratégia


Nacional do Poder Judiciário 2021-2026 e dá outras providências.

Art. 1º Instituir a Estratégia Nacional do Poder Judiciário para o


sexênio 2021-2026, aplicável aos tribunais indicados nos incisos II a VII
do art. 92 da Constituição Federal e aos Conselhos de Justiça, nos
termos do Anexo I desta Resolução, sintetizada nos seguintes
componentes:
I – missão;
II – visão;
III – valores;
IV – macrodesafios do Poder Judiciário; e
V – indicadores de desempenho.
Parágrafo único. Os atos normativos e as políticas judiciárias nacionais
produzidos pelo CNJ serão fundamentados, no que couber, na
Estratégia Nacional do Poder Judiciário.

Art. 2º Consideram-se, para os efeitos desta Resolução:


...
II – Metas Nacionais do Poder Judiciário: compromissos, realizados
anualmente, dos órgãos do Poder Judiciário com o aperfeiçoamento
da prestação jurisdicional, buscando aprimorar os resultados dos
indicadores de desempenho dos Macrodesafios definidos nesta
Resolução, sob monitoramento do CNJ;

III – Metas específicas: compromissos, realizados anualmente, dos


órgãos do Poder Judiciário para alcance de objetivos comuns ao
segmento de justiça ou ao Tribunal Superior, que deverão monitorá-
los e comunicá-los ao CNJ;

IV – diretriz estratégica: orientações, instruções ou indicações


norteadoras da execução da Estratégia Nacional do Poder Judiciário

56
ou da efetivação de uma Meta Nacional ou de programas, projetos ou
ações;
...
Art. 12. As Metas Nacionais do Poder Judiciário serão elaboradas,
prioritariamente, a partir dos indicadores relacionados a cada um dos
Macrodesafios de que trata o Anexo II desta Resolução.

§ 1º A formulação das Metas Nacionais é regulamentada por ato do


Presidente do CNJ.
§ 2º As Metas Nacionais e as Metas Específicas poderão ser de
natureza processual ou de gestão administrativa.
§ 3º Os dados relativos às Metas Nacionais de natureza processual
serão extraídos da Base Nacional de Dados Processuais do Poder
Judiciário – DATAJUD.
§ 4º Os dados relativos às demais Metas Nacionais deverão ser
informados periodicamente ao CNJ.
§ 5º O Departamento de Gestão Estratégica – DGE do CNJ divulgará o
relatório anual do desempenho das Metas Nacionais até o final do
primeiro semestre do ano subsequente.
Art. 13. A Meta Nacional 1 – Julgar mais processos que os distribuídos
– e a Meta Nacional 2 – Julgar processos mais antigos –, que visam,
respectivamente, à prevenção de formação de estoque e à redução
de passivo processual, comporão obrigatoriamente o monitoramento
da Estratégia Nacional do Poder Judiciário 2021 -2026.
...
Art. 17. Os Encontros Nacionais do Poder Judiciário serão realizados
preferencialmente no mês de novembro de cada ano, observando-se
os seguintes objetivos, sem prejuízo de outros:
...
V – revisar e aprovar Metas Nacionais, Metas Específicas e Diretrizes
Estratégicas para o ano subsequente.
...
§ 4º As Metas Nacionais e as Metas Específicas aprovadas nos
Encontros Nacionais do Poder Judiciário serão divulgadas no portal do
CNJ.
...”.

O PORTAL CNJ esclarece sobre as METAS nacionais e específicas:

“As Metas Nacionais do Poder Judiciário representam o compromisso


dos tribunais brasileiros com o aperfeiçoamento da prestação
jurisdicional, buscando proporcionar à sociedade serviço mais célere,
com maior eficiência e qualidade. As Metas Nacionais foram traçadas
pela primeira vez em 2009, resultantes de acordo firmado entre os
presidentes dos tribunais para o aperfeiçoamento da Justiça brasileira
(...)A partir de 2013, com a instituição da Rede de Governança
Colaborativa do Poder Judiciário (Portaria CNJ n.138/2013), houve
maior inclusão de atores, representantes de tribunais, para participar
da revisão da estratégia para o período 2015-2020 (que culminou na
Resolução 198/2014) e de reuniões preparatórias de elaboração das
Metas Nacionais. Com o novo ciclo da Estratégia Nacional 2015-2020,
o processo de formulação das Metas Nacionais passou a ser mais

57
democrático e participativo e a cada ano o CNJ vem buscando
aperfeiçoar esse processo, a fim de torná-lo mais transparente e
possibilitando maior envolvimento das pessoas”.

As metas poderão ser consultadas no sítio do CNJ.

O ANEXO II da Resolução CNJ n. 325/2020 elenca uma tabela de dupla coluna: a dos
“macrodesafios” diagnosticados no Poder Judiciário, e a coluna dos correspondentes índices
que mensuram os “indicadores de desempenho” no enfrentamento destes obstáculos ao real
alcance do acesso à uma justiça eficiente. O primeiro dos macrodesafios pontuados é a
“garantia dos direitos fundamentais” assim avaliado pelo indicador de desempenho
mensurado pelo IAJ – Índice de Acesso à Justiça.

O pessoal do CNJ – na esteira dos cientistas sociais - apontam como barreiras de acesso à
justiça entraves pessoais, econômicos, sociais e culturais, jurídicos. Em contraposição a eles, há
algumas indicações para superá-los.

Vejamos:

i. BARREIRAS PESSOAIS

- Problema: CUSTOS PSICOLÓGICOS PELO PERDIMENTO DA CONFIANÇA NO PODER JUDICIÁRIO


(JUDICIÁRIO COMO AMBIENTE INTIMIDADOR, DE FORMALISMOS E PROCEDIMENTOS
COMPLICADOS, DE INJUSTIÇAS ESTRUTURAIS etc.).
-Indicação garantidora de acesso à justiça: A Resolução CNJ n. 296/2019 fixa a competência da
Comissão Permanente de Comunicação do Poder Judiciário para propor medidas destinadas ao
fortalecimento da imagem do Poder Judiciário, checagem de informações e combate à
disseminação de notícias falsas e zelar pela divulgação das políticas judiciárias. O ANEXO II da
Resolução CNJ n. 325/2020 elenca uma tabela de dupla coluna: a dos “macrodesafios”
diagnosticados no Poder Judiciário, e a coluna dos correspondentes índices que mensuram os
“indicadores de desempenho” no enfrentamento destes obstáculos ao real alcance do acesso
à uma justiça eficiente:
- macrodesafio: Fortalecimento da relação institucional do Judiciário com a Sociedade
- Indicador de desempenho: 2 indicadores (pesquisa de avaliação do poder judiciário; índice de
transparência).

- Problema: GARANTIAS JUDICIÁRIAS AO INDÍGENA.


- Indicação garantidora de acesso à justiça: A Resolução CNJ n. 287/2019 estabelece
procedimentos ao tratamento das pessoas indígenas acusadas, rés, condenadas ou privadas de
liberdade, e dá diretrizes para assegurar os direitos dessa população no âmbito criminal do
Poder Judiciário. O Art. 5º reza que “A autoridade judicial buscará garantir a presença de
intérprete preferencialmente membro da própria comunidade indígena, em todas as etapas do
processo em que a pessoa indígena figure como parte: ... III – mediante solicitação da defesa
ou da FUNAI; ou IV – a pedido da pessoa interessada”.

-Problema: GARANTIAS JUDICIÁRIAS A PESSOA DEFICIENTE.


-Indicação garantidora de acesso à justiça: A Resolução CNJ n.401/2020 estabelece que os
órgãos do Poder Judiciário deverão proporcionar aos seus usuários processo eletrônico
adequado e acessível a todos os tipos de deficiência, inclusive às pessoas que tenham
deficiência visual, auditiva ou da fala.

Etc.

58
ii. BARREIRAS ECONÔMICAS

- Problema: CUSTO DA LITIGAÇÃO E DA JUSTIÇA GRATUITA E ASSISTÊNCIA JURÍDICA


GRATUITA.
- Indicação garantidora de acesso à justiça: A Res. CNJ n. 296/2019 – Art. 10, II fixa a
competência da Comissão Permanente de Democratização e Aperfeiçoamento dos Serviços
Judiciários para monitorar as políticas judiciárias de custas, despesas processuais e assistência
judiciária gratuita.

Etc.
iii. BARREIRAS SOCIAIS E CULTURAIS

-Problema: DO DESCONHECIMENTO POPULAR DE DIREITOS NÃO-TRADICIONAIS E DA MÁ


EDUCAÇÃO ÉTICO-MORAL.
-Pretensão garantidora de acesso à justiça: A Res. CNJ n. 296/2019 – Art. 10, III e V fixa a
competência da Comissão Permanente de Democratização e Aperfeiçoamento dos Serviços
Judiciários para promover ações voltadas a ampliar a conscientização sobre direitos, deveres e
valores do cidadão, disseminar valores éticos e morais em universidades, associações de classe
etc. A mesma Resolução fixa a competência da Comissão Permanente de Políticas Sociais e de
Desenvolvimento do Cidadão para promover ações voltadas a ampliar a conscientização sobre
os direitos sociais.

Etc.

iv. BARREIRAS JURÍDICAS

-Problema: FALTA DE PREVENÇÃO DE LITÍGIOS E ADOÇÃO DE SOLUÇÕES CONSENSUAIS PARA


OS CONFLITOS.
-Pretensão garantidora de acesso à justiça: A Resolução CNJ n. 296/2019 fixa a competência da
Comissão Permanente de Solução Adequada de Conflitos para a implementação dos métodos
consensuais de solução de conflitos, a prevenção de litígios e a desjudicialização dos
processos. A Resolução CNJ n. 125/2010 dispõe sobre a política judiciária nacional de
tratamento adequado dos conflitos de interesse. Desde 2006, o CNJ promove a Semana
Nacional de Conciliação envolvendo os Tribunais de Justiça, Tribunais do Trabalho e Tribunais
Federais.
O ANEXO II da Resolução CNJ n. 325/2020 elenca uma tabela de dupla coluna: a dos
“macrodesafios” diagnosticados no Poder Judiciário, e a coluna dos correspondentes índices
que mensuram os “indicadores de desempenho” no enfrentamento destes obstáculos ao real
alcance do acesso à uma justiça eficiente. Exemplos:
- macrodesafio: prevenção de litígios e adoção de soluções consensuais para os conflitos.
- indicador de desempenho: 4 indicadores (Índice de Conciliação; Índice de Realização de
Audiências nos CEJUSC´s (Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania), Índice de
Casos Remetidos para a Câmara de Conciliação/Mediação, IC 334 – Índice de Realização de
Audiências do Art. 334 do CPC).

-Problema: FALTA DE AMPLIAÇÃO NO ROL DOS LEGITIMADOS ATIVOS PARA AS AÇÕES


COLETIVAS NA SOLUÇÃO DOS CONFLITOS DE MASSA E REPRESENTAÇÃO DOS DIREITOS
DIFUSOS (na ação individual, o titular do direito individual postula em nome próprio direito
próprio ; na ação coletiva, a parte autora no processo é o substituto processual, que postula
em nome próprio direito alheio de um conjunto de pessoas ou até mesmo de toda a
sociedade: o acesso à representação em juízo é uma vertente do acesso à justiça).

59
-Pretensão garantidora de acesso à justiça: A Resolução CNJ n. 296/2019 fixa a competência da
Comissão Permanente de Políticas Sociais e de Desenvolvimento do Cidadão para acompanhar
e monitorar ações que tenham por objeto direitos e interesses coletivos, difusos e individuais
homogêneos. O processo civil clássico, individualista, é insuficiente para resolver direitos que
transcendem a esfera do indivíduo, os quais, ele (o indivíduo), por si, não se animaria a exercê-
los. Vide CF. Art.5º, XXI e 8º, inciso III / CPC Arts. 17 e 18 / Lei n. 7.347/85 – Art. 5º (Ação Civil
Pública de responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor etc.), etc.

- Problema: FALTA DE RACIONALIZAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS PELA AUSÊNCIA DE


CONSOLIDAÇÃO DOS SISTEMA DE PRECEDENTES OBRIGATÓRIOS.
-Pretensão garantidora de acesso à justiça: promoção do sistema de precedentes estabelecido
pelo novo Código de Processo Civil - CPC, buscando fortalecer as decisões judiciais, racionalizar
o julgamento de casos análogos, garantir a segurança jurídica, bem como, a coerência e a
integridade dos provimentos judiciais. Abarca também a redução do acúmulo de processos
relativos à litigância serial, visando reverter a cultura da excessiva judicialização.
O ANEXO II da Resolução CNJ n. 325/2020 elenca uma tabela de dupla coluna: a dos
“macrodesafios” diagnosticados no Poder Judiciário, e a coluna dos correspondentes índices
que mensuram os “indicadores de desempenho” no enfrentamento destes obstáculos ao real
alcance do acesso à uma justiça eficiente. Exemplos:
- macrodesafio: consolidação do sistema de precedentes obrigatórios.
- indicador de desempenho: 3 indicadores (Tempo Médio entre o trânsito em julgado/ou
sentença de mérito do precedente e a sentença de aplicação da tese, Tempo Médio entre a
afetação/admissão e a publicação do acórdão de mérito nos Incidentes de Resolução de
Demandas Repetitivas – IRDR (CPC. Art 976 e sgts, 987), Tempo Médio entre a
afetação/admissão e a publicação do acórdão de mérito nos Incidentes de Assunção de
Competência - IAC).

-Problema: FALTA DE AGILIDADE E PRODUTIVIDADE NA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL.


-Pretensão garantidora de acesso à justiça: materializar a razoável duração do processo em
todas as suas fases. Trata-se de garantir a prestação jurisdicional efetiva e ágil, com segurança
jurídica e procedimental na tramitação dos processos judiciais. Visa também soluções para um
dos principais gargalos do Poder Judiciário, qual seja a execução fiscal. Busca elevar a eficiência
na realização dos serviços judiciais e extrajudiciais.
O ANEXO II da Resolução CNJ n. 325/2020 elenca uma tabela de dupla coluna: a dos
“macrodesafios” diagnosticados no Poder Judiciário, e a coluna dos correspondentes índices
que mensuram os “indicadores de desempenho” no enfrentamento destes obstáculos ao real
alcance do acesso à uma justiça eficiente. Exemplos:
- macrodesafio: agilidade e produtividade na prestação jurisdicional
- indicador de desempenho: 4 indicadores (Tempo de Tramitação dos Processos Pendentes
considerando as fases dentro do Judiciário, IAD – Índice de Atendimento à Demanda, TCL -
Taxa de Congestionamento Líquida exceto execuções fiscais, Taxa de Congestionamento das
Execuções Fiscais).

O sítio do TJDFT divulgou um tema criado em 13/4/2020, com o título “O princípio da


razoabilidade na duração do processo nas esferas judicial e administrativa". Tal tema traz
atualizada a questão do prazo razoável à luz da jurisprudência atualizada do STF, STJ e TJ´s:

“Constituição Federal
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do

60
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes: (...)
LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável
duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”
Código de Processo Civil 
“Art. 4º As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do
mérito, incluída a atividade satisfativa. (...)
Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha,
em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva. (...)
Art. 8º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às
exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa
humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade
e a eficiência.”

Destaque ao seguinte, dentre os julgados ali citados:

STJ
 Responsabilidade civil do Estado - demora excessiva na prestação jurisdicional –
violação ao princípio da razoável duração do processo
“1. Trata-se de ação de execução de alimentos, que por sua natureza já exige maior
celeridade, esta inclusive assegurada no art. 1º, c/c o art. 13 da Lei n. 5.478/1968.
Logo, mostra-se excessiva e desarrazoada a demora de dois anos e seis meses para se
proferir um mero despacho citatório. O ato, que é dever do magistrado pela
obediência ao princípio do impulso oficial, não se reveste de grande complexidade,
muito pelo contrário, é ato quase que mecânico, o que enfraquece os argumentos
utilizados para amenizar a sua postergação. 2.(...). A demora na entrega da prestação
jurisdicional, assim, caracteriza uma falha que pode gerar responsabilização do Estado,
mas não diretamente do magistrado atuante na causa. 3. A administração pública está
obrigada a garantir a tutela jurisdicional em tempo razoável, ainda quando a dilação se
deva a carências estruturais do Poder Judiciário, pois não é possível restringir o alcance
e o conteúdo deste direito, dado o lugar que a reta e eficaz prestação da tutela
jurisdicional ocupa em uma sociedade democrática. A insuficiência dos meios
disponíveis ou o imenso volume de trabalho que pesa sobre determinados órgãos
judiciais isenta os juízes de responsabilização pessoal pelos atrasos, mas não priva os
cidadãos de reagir diante de tal demora, nem permite considerá-la inexistente . 4. A
responsabilidade do Estado pela lesão à razoável duração do processo não é matéria
unicamente constitucional, decorrendo, no caso concreto, não apenas dos arts. 5º,
LXXVIII, e 37, § 6º, da Constituição Federal, mas também do art. 186 do Código Civil,
bem como dos arts. 125, II, 133, II e parágrafo único, 189, II, 262 do Código de
Processo Civil de 1973 (vigente e aplicável à época dos fatos), dos arts. 35, II e III, 49, II,
e parágrafo único, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, e, por fim, dos arts. 1º e
13 da Lei n. 5.478/1965. 5. Não é mais aceitável hodiernamente pela comunidade
internacional, portanto, que se negue ao jurisdicionado a tramitação do processo em
tempo razoável, e também se omita o Poder Judiciário em conceder indenizações pela
lesão a esse direito previsto na Constituição e nas leis brasileiras. As seguidas
condenações do Brasil perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos por esse
motivo impõem que se tome uma atitude também no âmbito interno, daí a

61
importância de este Superior Tribunal de Justiça posicionar-se sobre o
tema.” (grifamos) REsp 1383776/AM 
Etc.

A estratégia nacional do Poder Judiciário para o sexênio 2021-2026 constitui, na expressão,


“quem dá o direito e nega os meios, não dá o direito”, justamente a parte relativa a real dação
dos meios de acesso à justiça.

c) ACESSO À JUSTIÇA SOB NOVEIS PERSPECTIVAS

- CNJ - Res. 332/ agosto 2020 : Justiça 4.0 ( obs. 4.0 porque seria a 4ª fase da revolução
industrial) + Res. 398/2021 ( dispõe sobre os núcleos de justiça 4.0 a que alude a Res.
385/2021)

- CNJ - Res. 345/ outubro 2020 : Justiça 100% digital + Res. 408/2021 + 420/2021

- CNJ - Res. 349/ outubro 2020 : Criação do Centro de Inteligência do Poder Judiciário - CIPJ

- CNJ - Res. 354/ novembro 2020 : Cumprimento digital de ato processual e de ordem
judicial
( regulamenta audiências e sessões por videoconferência e telepresenciais etc)
Obs. Vide Res. 357/ novembro 2020 – audiência de custódia por videoconferência

E mais:

Res. 360/2020;361/2020;362/2020;363/2021;370/2021 ( ENTIC-JUD – Estratégia Nacional de


Tecnologia da Informação e Comunicação do Poder Judiciário);372/2021 ( BALCÃO VIRTUAL
– regulamenta a criação da plataforma de videoconferência denominada “Balcão Virtual”);
383/2021 ( cria o SInSIPJ – Sistema de Inteligência de Segurança Institucional do Poder
Judiciário);385/2021 ( dispõe sobre a criação dos núcleos de justiça 4.0 );390/2021, 395/2021
( institui a política de gestão de inovação no âmbito do poder judiciário); 396/2021 ( ENSEC-
PJ – institui a estratégia nacional de segurança cibernética do poder judiciário); 425/21
( importantíssima)

Res. CNJ 425/2021 – PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA ( ir ao site do CNJ): DIRETRIZES E


PRINCÍPIOS
Art. 1o Instituir, no âmbito do Poder Judiciário, a Política Nacional de Atenção a Pessoas em
Situação de Rua e suas interseccionalidades com o objetivo de:
I – assegurar o amplo acesso à justiça às pessoas em situação de rua, de forma célere e
simplificada, a fim de contribuir para superação das barreiras decorrentes das múltiplas
vulnerabilidades econômica e social, bem como da sua situação de precariedade e/ou ausência
habitacional;
II – considerar a heterogeneidade da população em situação de rua, notadamente quanto ao
nível de escolaridade, naturalidade, nacionalidade, identidade de gênero, características
culturais, étnicas, raciais, geracionais e religiosas, e com atenção aos aspectos interseccionais
no atendimento a essa população, pensando em mulheres, população LGBTQIA+, crianças e
adolescentes, pessoas idosas, pessoas convalescentes, população negra, pessoas egressas do
sistema prisional, migrantes, povos indígenas e outras populações tradicionais, pessoas com
deficiência, com especial atenção às pessoas em sofrimento mental, incluindo aquelas que
fazem uso abusivo de álcool e outras drogas, exigindo tratamento equitativo e políticas
afirmativas, para assegurar o gozo ou exercício dos direitos, nos termos do art. 5 o da
Convenção Interamericana contra Toda Forma de Discriminação e Intolerância;
III – monitorar o andamento e a solução das ações judiciais envolvendo a temática;

62
IV – propor medidas concretas e normativas para o aperfeiçoamento de procedimentos e o
reforço à efetividade dos processos judiciais, por meio da implantação e modernização de
rotinas, a organização, especialização e estruturação dos órgãos competentes de atuação do
Poder Judiciário para o adequado enfrentamento e solução de demandas envolvendo as
pessoas em situação de rua;
V – promover o levantamento de dados estatísticos relativos aos números, à tramitação e
outros dados relevantes sobre ações judiciais que envolvam pessoas em situação de rua,
visando dar visibilidade à política e promover a gestão das ações voltadas ao aprimoramento e
sua efetividade; inclusive analisando os dados oficiais e dos centros de defesa, a fim de
diagnosticar o grau de acesso à justiça nacional, regional e local e as barreiras para sua
efetividade;
VI – estimular a adoção de medidas preventivas de litígios que envolvam as pessoas em
situação de rua no âmbito do sistema multiportas, como Centros de Conciliação, Laboratórios
de Inovação e Centros de Inteligência do Poder Judiciário;
VII – estimular a atuação articulada com os demais poderes, por seus órgãos integrantes do
Sistema de Justiça, órgãos gestores das políticas de Assistência Social e de Habitação, dentre
outras políticas, comitês interinstitucionais e centros locais de assistência social, como Centro
de Referência de Assistência Social (CRAS), Centro de Referência Especializado em Assistência
Social (CREAS), Centro ou CREAS Pop, e Organizações da Sociedade Civil;
VIII – fomentar e realizar processos de formação continuada de magistrados e servidores
judiciários e demais órgãos do Poder Público, bem como organizar encontros nacionais,
regionais e seminários de membros do Poder Judiciário, com a participação de outros
segmentos do poder público, da sociedade civil, das comunidades e outros interessados;
IX – estimular a cooperação administrativa e judicial entre órgãos judiciais e outras
instituições, nacionais ou internacionais, incluindo centros de pesquisa, instituições de
pesquisa e universidades em favor dos direitos e garantias das pessoas em situação de rua;
X – assegurar o acesso das pessoas em situação de rua à identificação civil básica e ao
alistamento eleitoral;
XI – promover e garantir os direitos humanos de crianças e adolescentes em situação de rua,
reconhecendo-as como sujeitos de direitos, em consonância com Estatuto da Criança e do
Adolescente; e
XII – dar especial atenção aos programas, projetos, serviços, ações e atividades direcionados
para as pessoas em situação de rua com deficiência e mobilidade reduzida, observando-se o
disposto na Lei no 13.146/2015 (Lei Brasileira de Inclusão).
Art. 2o Para os efeitos desta Política, considera-se população em situação de rua o grupo
populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, eventuais vínculos
familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular, e
que utiliza os logradouros públicos e as áreas degradadas como espaço de moradia,
sociabilidade e sustento, de forma temporária ou permanente, bem como as unidades de
acolhimento para pernoite temporário ou como moradia provisória.

D) ADVOCACIA 5.0 - LEIA O EXCELENTE ARTIGO DE GABRIELA BARRETO:

“O que você precisa saber sobre a nova realidade da Advocacia 5.0

A Advocacia 5.0 tem como foco o equilíbrio entre os seres humanos e a tecnologia em


busca da solução de problemas sociais por meio de alternativas digitais e inteligentes.
Surgiu a partir do conceito de Sociedade 5.0, divulgado no Japão.Você já deve ter

63
ouvido falar sobre impressão 3D e realidade aumentada, certo? Ou, então sobre
veículos autônomos, Internet das Coisas (IoT), Jurimetria e Blockchain? Todas essas são
tecnologias que já vivenciamos em nossa realidade e que terão seus impactos
englobados em um novo modelo, a Sociedade 5.0. Este período que se instaura é
marcado pela disrupção sem precedentes, no ritmo mais rápido da história. A
tecnologia de automação vai impactar a todos, desde trabalhadores de chão de
fábricas até grandes executivos. E o foco dessas mudanças terá como prioridade o ser
humano com suas necessidades e habilidades intrínsecas. Em um contexto holístico de
sociedade digital, ao alternar o modo de trabalho e a manipulação dos dados
referentes ao comportamento humano, tais transformações trazem benefícios
econômicos. Surgem, também, novos modelos de mercado, com foco no
comprometimento com geração de valor. As organizações passam a ser mais
descentralizadas, e o desenvolvimento tem um caráter harmônico e empático.O meio
jurídico também caminha nesse sentido, rumo ao Direito 5.0 e à Advocacia 5.0. Junto a
esses modelos, vêm novas formas de trabalho, de gerenciamento e entrega de valor
ao cliente. E é sobre isso que vou falar neste texto, trazendo um contexto geral sobre
o assunto e esclarecendo alguns conceitos. Boa leitura!

Revoluções da sociedade até a Advocacia 5.0


Antes de chegar à era tecnológica, a humanidade passou por diversas transformações
– algumas delas marcadas por verdadeiras revoluções, tamanhas as mudanças. Dessa
forma, para compreender com êxito o que é e representa a Advocacia 5.0, é
importante relembrar alguns marcos e conceitos. 

1º Revolução Industrial:  Globalização 1.0, Sociedade 1.0 (caçadora-coletor)

Ocorreu entre 1760 e 1860 e contemplou o aparecimento das indústrias de tecidos de


algodão. Ficou marcada pela mecanização de processos, ou seja, pela invenção de
máquinas para acelerar e substituir o trabalho humano. A Advocacia 1.0 era de
produção artesanal, na própria comarca, com recursos escassos, serviços repetitivos e
semelhantes. Durante esse período foram criadas as primeiras turmas dos cursos de
Direito no Brasil, em 1827, nas cidades de Olinda e São Paulo. Já em nível mundial, na
Universidade de Bolonha, em 1150.

2ª Revolução Industrial: Globalização 2.0, Sociedade 2.0 (agrícola)

É o período marcado entre os anos de 1860 e 1900. A Sociedade 2.0 trouxe o  emprego
do aço, a utilização da energia elétrica e dos combustíveis derivados do petróleo para
sanar necessidades humanas. Nesta época também ocorreu o desenvolvimento da
indústria química e a criação de novos inventos, como automóveis, telefones e rádios. 
A Advocacia 2.0 foi marcada pelo crescimento das bancas e pela fundação dos
escritórios de advocacia, fruto do aumento das demandas jurídicas. 

64
3ª Revolução Industrial: Globalização 3.0, Sociedade 3.0 (industrializada)

Surgiu em torno de 1950, fruto dos avanços ocorridos nos séculos XIX e XX. Ficou
marcada pelo surgimento de equipamentos eletrônicos, da telecomunicação, de
computadores, fax e celular. É o período em que se desenvolveu a engenharia
genética e pesquisas na área da biotecnologia. Possibilitou, também, a exploração
espacial, a invenção dos robôs e autômatos, ou máquinas que operam de forma
automática, além do modo de produção chamado de Toyotismo. A Advocacia 3.0
ganhou agilidade para executar as tarefas do dia a dia, principalmente pelo surgimento
da internet. Foi implementada a automatização de contratos e de procedimentos,
além do uso de robôs de mensagens (chatbots). Surgiram as sociedades de
advogados, os processos eletrônicos, a assinatura digital e os documentos
digitalizados.

4ª Revolução Industrial, Globalização 4.0, Sociedade 4.0 (informação)

Com a origem da internet, as conexões entre as pessoas tornaram-se cada vez mais
rápidas e eficazes. Nesse contexto surge a Sociedade 4.0. O período é marcado pelo
foco na indústria e na produtividade, além do desenvolvimento de sistemas para
diminuir operações manuais e mitigar a incidência de erros humanos. As informações
passaram a ser digitalizadas e entrou em cena o uso de dados para garantir eficiência,
reduzir falhas e aumentar a sustentabilidade e a lucratividade da indústria.

Na Advocacia 4.0, as temáticas surgem a mesma velocidade que as inovações. Alguns


dos marcos do período são: Direito Digital, Jurimetria, Compliance, Propriedade
Intelectual, Fashion Law, Lei Geral de Proteção de Dados. Também foram
consolidadas bases para os negócios digitais, implicando na aplicação do Direito do
Consumidor de forma online. Entre essas novidades estão as Fintechs, o comércio
eletrônico, além de ações como a Black Friday. 

Os advogados têm à disposição recursos tecnológicos que auxiliam para uma atuação
mais estratégica no processo de tomada de decisões. 

Expectativas em relação à Sociedade 5.0 e à Advocacia 5.0


A era da Sociedade 5.0, também chamada de “sociedade super inteligente”, é
impulsionada por tecnologias digitais, como a análise de Big Data, Inteligência
Artificial (IA), Internet das Coisas e robótica.O conceito foi apresentado em janeiro de
2016, pelo governo japonês, no lançamento do 5º Plano Básico de Ciência e
Tecnologia. Formulado pelo Conselho de Ciência, Tecnologia e Inovação (CSTI), o plano
consiste em uma estratégia nacional de cinco anos. O objetivo é, nesse período, utilizar
as tecnologias criadas no período da 4ª Revolução Industrial a favor da convergência,
visando dar mais qualidade às necessidades humanas. Com isso, espera-se resultados
satisfatórios em diversos setores da vida.Essa nova era surge invertendo os valores e
quebrando paradigmas, em busca de equilibrar o avanço econômico e a resolução de
problemas sociais com alternativas totalmente sustentáveis. A ideia é conseguir
beneficiar a população transformando costumes para que as pessoas consigam se

65
adaptar à “sociedade superinteligente” e realizar qualquer tarefa com o auxílio de
tecnologias de conectividade e rastreabilidade.

O impacto da Inteligência Artificial no Japão é um pilar importante para a Sociedade


5.0. Isso porque traz práticas de desenvolvimento e de uso da informação por meio de
áreas como saúde, mobilidade e produtividade.Assim, são notórios os avanços para
aumentar a longevidade humana, ou até mesmo curar doenças extremas. Já em
relação à organização dos espaços e das cidades, surge a mobilidade personalizada e o
planejamento de cidades conectadas e inteligentes, possibilitando mais segurança
pública. Também são foco as desigualdades sociais e os problemas ocasionados pelos
desastres naturais.

O futuro dos profissionais do direito na Advocacia 5.0


Por vezes, surgem apontamentos sobre as transformações no mercado jurídico que
afirmam que o profissional da área poderá ser substituído por ferramentas de
automação, Inteligência Artificial, plataformas de resolução de conflitos online (ODRs),
dentre outras tecnologias disponíveis no mercado. Uma realidade temida por muitos
profissionais do direito. O impacto da tecnologia já é aplicado nos processos internos,
especialmente na gestão de escritórios de advocacia, em bancos de dados, na gestão
de processos judiciais e nas leituras de decisões judiciais. Essa última por meio de
algoritmos que categorizam e exportam dados dos processos, construindo o perfil
decisório do juiz específico. 

O papel do advogado do futuro deverá ser estratégico, a fim de:

 Supervisionar as máquinas para que investiguem recomendações cada vez


mais assertivas;
 Validar o sistema matemático para a avaliação de quais teses poderão ser
aplicáveis, aprofundando, assim, seu conhecimento;
 Verificar pontos favoráveis, através de brechas jurídicas, em busca do
sucesso na causa.

Com isso, poderá criar teses próprias, com controle mais detalhado sobre as decisões
judiciais e sabendo, de imediato, quantas vezes aquela vara ou aquela turma já julgou
a mesma matéria.

Os sistemas de inteligência artificial de fato se sobressaem frente à identificação de


padrões, linguagem natural, eliminação de preconceitos e capacidade de armazenar
grandes volumes de dados. Porém, atuarão como super assessores, complementando
as habilidades dos advogados, mas jamais substituindo-os.Desta forma, os
profissionais que já estão transformando a sua advocacia e utilizando as novas
possibilidades estão um passo mais próximos dessa nova realidade. Já aqueles
advogados executores de atividades repetitivas e que pouco usam o seu potencial
cognitivo, de fato, deverão desenvolver outras competências, como relacionamento
interpessoal com cliente. 

66
O papel do advogado 5.0

Como advogados 5.0, precisamos ter uma conduta de protagonistas de um meio


ambiente sustentável e em conformidade com as legislações. 
Devemos fazer isso, principalmente, por meio das relações interpessoais, para que não
percamos o senso de conexão social e de interação. Desta forma, é essencial praticar a
ética aliada à tecnologia, desenvolver a criatividade, prezar pela inclusão social e o ter
um olhar sistêmico para encontrar soluções mais rápidas aos problemas de clientes.
Na era da Sociedade 5.0, qualquer produto ou serviço será entregue de forma ideal à
sociedade e adaptado às necessidades das pessoas.
Ao mesmo tempo, com o surgimento da Advocacia 5.0, teremos novos desafios sociais.
Por exemplo, a polarização social, o despovoamento e as instalações relacionadas à
energia e ao meio ambiente. A estratégia para o advogado do futuro deve ser se
aprofundar ainda mais em temáticas como:

 Desenvolvimento sustentável
 Estratégias de direitos humanos
 Reforma regulatória
 Dados abertos
 Segurança cibernética
 Governança mundial de dados

Como se preparar para a Advocacia 5.0


A mentalidade jurídica tradicional, hierárquica, centralizadora e conservadora vem se
transformando. Isso acontece desde a sociedade pré-digital e segue, aos poucos, se
adaptando à Advocacia 5.0 em formação.

Desta forma, frente ao mercado tão concorrido, nós, advogados do futuro, não
podemos nos perpetuar na vida profissional baseados em antigos paradigmas. Isso, na
verdade, nos distancia da Advocacia 5.0, e precisamos enxergar o Direito como meio e
não um fim. Advogados autônomos, escritórios e departamentos jurídicos que
não implementarem a tecnologia aliada às pessoas em sua gestão, certamente não
obterão grandes êxitos. Isso porque estarão em desvantagem em relação ao mercado
competitivo, frente à jurimetria avançada.
Apesar de minoria, já existem, hoje, modelos que prestam serviços apenas através da
internet, por meio de escritórios de advocacia virtuais. É uma modalidade muito
comum entre os jovens advogados, que já iniciaram sua advocacia no mundo do
processo digital. Nessa realidade, muitos deles não possuem espaços físicos, captam
clientes e os atendem por videoconferências e fazem contratos e distribuem ações
sem nunca terem se encontrado pessoalmente.
Outra ferramenta indispensável atualmente, e também na Advocacia 5.0, são os
celulares e dispositivos móveis, que cada vez mais ganham mais relevância ao
cotidiano da advocacia na era digital. Afinal, são utilizados na consulta de processos,
busca por informações e no contato com os clientes. E, no futuro, podem ter ainda
outras funcionalidades.

Conclusão
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A Advocacia 5.0 vai exigir dos profissionais do direito o desenvolvimento de novas
características técnicas e pessoais. É preciso ser visionário e estratégico, ter um olhar
diferente para os problemas, buscando soluções focadas no cliente. Além disso, buscar
novas possibilidades do direito, especializações em áreas pouco desbravadas e intitular
a marca do seu negócio a um propósito. 
Nesses novos caminhos, o advogado 5.0 deve estar aberto a ser um eterno aprendiz.
Dessa forma, minha dica é que os profissionais nunca parem de estudar em busca de
seu desenvolvimento. Atuar na Advocacia 5.0 vai exigir conhecimento, uma postura
ativa e auto conhecimento” ( Por Gabriela Barreto. Disponível em <
https://www.aurum.com.br/blog/advocacia-5-0/ >. Acesso: 2.Janeiro.2021.

 4º - PARTICIPAÇÃO POPULAR: OPINIÃO PÚBLICA E DIREITO; OS INSTITUTOS


PROCESSUAIS DAS AUDIÊNCIAS PÚBLICAS E DO AMICUS CURIAE.

Sob o farol da Democratização da Administração da Justiça, o mundo do Direito passou a


conviver com os processos participativos estrelados pela participação da sociedade civil em
modalidades como as seguintes:

a) MESA DE DIÁLOGO: mecanismo de interação, presencial ou a distância, com a


participação de representantes de diferentes órgãos do Poder Judiciário, e,
eventualmente, dos demais Poderes e da sociedade civil, com o objetivo de trocar
livremente ideias e experiências sobre tema específico e obter sugestões;
b) VIDEOCONFERÊNCIA: reuniões virtuais realizadas em tempo real com o auxílio
tecnológico de áudio e vídeo que permitam o contato visual e sonoro entre pessoas
localizadas em diferentes localidades, ou provenientes de diferentes tribunais,
instituições ou da sociedade civil, quando for o caso;
c) CONSULTA PÚBLICA: mecanismo participativo, de caráter consultivo, a se realizar por
escrito, no formato e em prazo definidos previamente, aberto a qualquer interessado.
As opiniões podem ser coletadas por formulários eletrônicos, e-mail ou outros meios;
d) AUDIÊNCIA PÚBLICA: meio de participação presencial, aberto a qualquer interessado,
que possibilita a manifestação oral dos participantes, nos termos das regras definidas
pelo Tribunal para a ocasião, e tem por objetivo possibilitar a expressão de opiniões,
especializadas ou não, e a obtenção de soluções para demandas específicas;
e) GRUPO DE TRABALHO: grupo formalmente instituído para análise de demanda
específica e apresentação de resultados sob a forma de estudos, relatórios e propostas
de normatização, em prazo previamente estabelecido;

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f) OUVIDORIAS: unidades de comunicação entre o cidadão e os órgãos do Poder
Judiciário, que constitui espaço de participação social e democrática, e de controle da
qualidade dos serviços públicos.

Etc.
Vale conferir a Res. CNJ 221/2016 e suas atualizações ( Art.4º ), por mencionar estes
processos participativos ( e outros como enquetes e pesquisas,fóruns e encontros).

Já o sítio do STF
<http://www.stf.jus.br/portal/audienciaPublica/audienciaPublicaPrincipal.asp > é bastante
esclarecedor sobre o histórico das audiências públicas e as perguntas frequentes:

“As audiências públicas no Poder Judiciário foram previstas, inicialmente, pelas


Leis 9.868/99 e 9.882/99, que disciplinam processo e julgamento das ações diretas de
inconstitucionalidade, ações declaratórias de constitucionalidade e arguições de
descumprimento de preceito fundamental. No âmbito do Supremo Tribunal Federal, as
audiências públicas foram regulamentadas pela Emenda Regimental 29/2009, que atribuiu
competência ao Presidente ou ao Relator, nos termos dos arts. 13, XVII, e 21, XVII,
do Regimento Interno, para “convocar audiência pública para ouvir o depoimento de pessoas
com experiência e autoridade em determinada matéria, sempre que entender necessário o
esclarecimento de questões ou circunstâncias de fato, com repercussão geral e de interesse
público relevante” debatidas no Tribunal. O procedimento a ser observado consta do art. 154,
parágrafo único, do Regimento Interno. A primeira audiência pública realizada pelo Tribunal foi
convocada pelo Min. Ayres Britto, Relator da ADI 3510, que impugnava dispositivos da Lei de
Biossegurança (Lei 11.105/2005), e ocorreu no dia 20 de abril de 2007”.

O mesmo sítio da conta das audiências já realizadas e atualiza-nos a respeito das previstas. As
já realizadas até agosto de 2020 foram as seguintes:

1. pesquisas com células-tronco embrionárias (ADI nº 3.510)

2. importação de pneus usados (ADPF nº 101)

3. interrupção de gravidez - feto anencéfalo (ADPF nº 54)

4. judicialização do direito à saúde (SL nº 47, SL nº 64, STA nº 36, STA nº 185, STA nº 211,
STA nº 278, SS nº 2.361, SS nº 2.944, SS nº 3.345, SS nº 3.355)

5. políticas de ação afirmativa de acesso ao nível superior (ADPF nº 186 e RE nº 597.285)

6. proibição de venda de bebidas alcoólicas nas proximidades de rodovias (ADI nº 4.103)

7. proibição do uso de amianto (ADI nº 3.937)

8. novo marco regulatório para a TV por assinatura no Brasil (ADI nº 4.679, ADI nº 4.756 e
ADI nº 4.747)

9. campo eletromagnético de linhas de transmissão de energia (RE nº 627.189)

10. queimadas em canaviais (RE nº 586.224)

69
11. regime prisional (RE nº 641.320)

12. financiamento de campanhas eleitorais (ADI nº 4.650)

13. biografias não autorizadas (ADI nº 4.815)

14. programa “Mais Médicos” (ADI nº5.037 e ADI nº 5.035)

15. alterações no marco regulatório da gestão coletiva de direitos autorais no Brasil (ADI
nº 5062 e ADI nº5065)

16. internação hospitalar com diferença de classe no SUS (RE nº 581.488)

17. ensino religioso em escolas públicas (ADI n º 4.439),

18. uso de depósito judicial (ADI 5.072),

19. novo Código Florestal (ADI nº 4.901, ADI nº 4.902, ADI nº 4.903, ADI nº 4.937),

20. armazenamento de perfis genéticos de condenados por crimes violentos ou hediondos


(RE nº. 973.837),

21. audiência pública simultânea sobre os arts. 10, § 2º, e 12, III e IV, da lei nº 12.965/2014
- Marco Civil da Internet (ADI nº 5.527) e a suspensão do aplicativo Whatsapp por
decisões judiciais no Brasil (ADPF nº 403)

22. aplicabilidade do direito ao esquecimento na esfera civil, em especial quando esse for
invocado pela própria vítima ou por seus familiares (RE 1.010.606).
23. interrupção voluntária da gestação (ADPF 442).
24. tabelamento de fretes ( ADI 5956).
25. transferência de controle acionário de empresas públicas, sociedades de economia
mista e de suas subsidiárias ou controladas (ADI 5624).
26.conflitos federativos sobre questões fiscais dos estados e da união (ACO
3233).
27. liberdades públicas de expressão artística, cultural, de comunicação e direito
à
informação (ADPF 614).
28. candidatura avulsa (ARE 1054490 reautuado para RE 1238853 ).
29. controle de dados de usuários por provedores de internet no exterior (ADC 51).
30. funcionamento do fundo nacional sobre mudança do clima (fundo clima) e políticas
públicas em matéria ambiental;
31. funcionamento do fundo Amazônia e a implementação de políticas em matéria
Ambiental;
32. discussão para a redução da letalidade policial;
33. Monitoramento prisional;
34. Plano Nacional de Educação Especial;
35. juiz das garantias.

70
O novo CPC dispõe sobre as AUDIÊNCIAS PÚBLICAS ao tratar:

 DO INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS - Art. 983. O relator ouvirá


as partes e os demais interessados, inclusive pessoas, órgãos e entidades com
interesse na controvérsia, que, no prazo comum de 15 (quinze) dias, poderão requerer
a juntada de documentos, bem como as diligências necessárias para a elucidação da
questão de direito controvertida, e, em seguida, manifestar-se-á o Ministério Público,
no mesmo prazo. § 1º Para instruir o incidente, o relator poderá designar data para,
em audiência pública, ouvir depoimentos de pessoas com experiência e conhecimento
na matéria.
 DO JULGAMENTO DOS RECURSOS EXTRAORDINÁRIO E ESPECIAL REPETITIVOS – Art.
1.038. O relator poderá: I - solicitar ou admitir manifestação de pessoas, órgãos ou
entidades com interesse na controvérsia, considerando a relevância da matéria e
consoante dispuser o regimento interno; II - fixar data para, em audiência pública,
ouvir depoimentos de pessoas com experiência e conhecimento na matéria, com a
finalidade de instruir o procedimento.

O novo CPC dispõe sobre o AMICUS CURIAE:

- LIVRO III: DOS SUJEITOS DO PROCESSO - TÍTULO III: DA INTERVENÇÃO DE TERCEIROS -


CAPÍTULO V: DO AMICUS CURIAE: Art. 138. O juiz ou o relator, considerando a relevância da
matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia,
poderá, por decisão irrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes ou de quem pretenda
manifestar-se, solicitar ou admitir a participação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou
entidade especializada, com representatividade adequada, no prazo de 15 (quinze) dias de sua
intimação. § 1º A intervenção de que trata o caput não implica alteração de competência nem
autoriza a interposição de recursos, ressalvadas a oposição de embargos de declaração e a
hipótese do § 3º. § 2º Caberá ao juiz ou ao relator, na decisão que solicitar ou admitir a
intervenção, definir os poderes do amicus curiae . § 3º O amicus curiae pode recorrer da
decisão que julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas.

A participação formal de pessoa (natural e jurídica) adquire relevância, fazendo parte do


próprio exercício da cidadania, com a ampla consagração do AMICUS CURIAE, ou amigo da
corte, ou, também, amigo do tribunal. A expressão latina foi aplicada para designar um
instituto jurídico que tem a tarefa hermenêutica de fornecer subsídios às decisões do Poder
Judiciário, pluralizando o debate por meio da colheita de informações, dados e entendimentos
não postos pelas partes litigantes, nem pelos magistrados ou seus órgãos auxiliares ,
reduzindo-se, pelo oferecimento, menor margem de possibilidade das decisões judiciais se
não tomarem em conta no resultado interpretativo das leis infraconstitucionais e da própria
Constituição Federal.

A título de breve histórico, pode-se, em apertada síntese, registrar que o instituto jurídico do
amicus curiae surgiu, no Brasil, mais palpavelmente, com a edição da Lei n. 9.868/99, que
dispõe sobre o processamento e julgamento no STF, da ação direta de inconstitucionalidade
(ADI) e da ação declaratória de constitucionalidade (ADC). De rigor esclarecer que a referida lei
não empregou a expressão amicus curiae.

Respiga-se das anotações de vários doutrinadores:

- A edição da Lei n. 9.868/99 nunca intimidou os ministros do STF da largueza contemplativa


do amicus curiae para além das ações de controle concentrado de constitucionalidade (ADI,
ADC e ADPF), reconhecendo sua pertinência nos recursos de sua competência aos quais se

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aludem nos artigos 102 e seguintes da CF, a conferir: RE 672215 CE; RE 611586 PR; RE 665134
MG).

- Exemplos de casos notórios com a participação do amicus curiae:

 STF : na ação que pleiteava declaração da obrigatoriedade de reconhecimento de


união estável em uniões homoafetivas quando presentes os requisitos legais (STF ADI
nº 4.277; ADPF nº 178); na ação que versava acerca da lei de biossegurança, que
resultou na liberação de pesquisas com células-tronco embrionárias (STF ADI nº
3.510).
 STJ : na ação na qual se discutiu a legitimidade - ou não - da cobrança de tarifa na
prestação de serviço de coleta e transporte de dejetos (STJ REsp nº 1.339.313 - RJ).

O novo CPC, além de utilizar a expressão amicus curiae, contemplou sua admissibilidade em
todos os graus de jurisdição, e não mais apenas nas ações de controle de constitucionalidade.
Da leitura do Art. 138 identifica-se que houve avanços, como por exemplo, a admissão de
pessoa natural e a intervenção ainda em primeira instância. Vale informar que este avanço não
liberou o patrocínio do advogado: o STF, no julgamento da ADPF 180-SP, decidiu que o pedido
de admissão do amicus curiae deverá estar subscrito por advogado constituído, sob pena de
não ser admitido/conhecido.

Pode-se entender que admissão do amicus curiae é uma dimensão alargada do contraditório
(Art. 5º, LV, da CF/1988), um contraditório exercido por terceiro autônomo e sem interesse
direto na causa, por se tratar de uma “causa social”, quer pela dimensão de salvaguardar
direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos , quer pelo aspecto do alcance da eficácia
presente nos processos de controle concentrado, de repercussão geral (artigo 1.035, parágrafo
4º do CPC) e de incidente de resolução de demandas repetitivas (artigo 983 do CPC).

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