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A) EMENTA DO CURSO
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UNIDADE III - PLURALISMO JURÍDICO E ACESSO À JUSTIÇA; PARTICIPAÇÃO
POPULAR.
- Sociologia dos tribunais (estudo da ordem normativa, da legitimidade e
direito, e da administração da justiça): 1. pluralismo jurídico. 1.1 monismo
jurídico e pluralismo jurídico; 1.2 teorias modernas do pluralismo jurídico; 2.
acesso à justiça. 2.1 acessos formal e real; 2.2 barreiras econômicas, sociais,
pessoais, jurídicas; 3. participação popular. 3.1 opinião pública e direito; 3.2 os
institutos processuais das audiências públicas e do amicus curiae.
D) Material didático
E) Avaliações
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Para o regime não-presencial
O aluno será submetido a avaliações que totalizam 100 pontos, sendo 30 deles
reservados à prova global. Os 70 pontos restantes serão assim distribuídos:
Duas provas no valor de 35 pontos cada uma delas (temas e datas serão
definidos e comunicados oportunamente a turma, podendo ser individual ou
em grupo; escrita ou expositiva);
PROVA SUBSTITUTIVA - o aluno poderá realizar apenas a substitutiva de uma
das 2 notas distribuídas anteriormente a prova global. A data desta prova
substitutiva será informada e aplicada entre a 2ª avaliação e com a devida
antecedência da prova global;
PROVA ESPECIAL – o aluno que não totalizar 30 pontos nas 2 avaliações
anteriores a prova global não terá direito à prova especial, pois estará
matematicamente impossibilitado de alcançar os 60 pontos mínimos de
aprovação.
F – PROLEGÔMENOS
f.1 Somente para nos situarmos, recordamos a ementa da disciplina cursada no 1º Período:
TEORIAS SOCIOLÓGICAS CLÁSSICAS E CONTEMPORÂNEAS.
EMENTA: O legado dos clássicos e da teoria social atual para análise das sociedades
contemporâneas. Temas fundamentais: ordem social e desvio, mudança social, formas de
estratificação e questões socioambientais.
Bom curso.
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AULAS - UNIDADE I - MÉTODOS DA SOCIOLOGIA JURÍDICA.
Quando se falar da VERDADE deveremos ter em conta o seu oposto que é o ERRO, pois
somente os conjugando poderemos avaliar a qualidade científica de uma pesquisa.
II. Espírito Positivo - ...é aquele que se orienta mais por dados objetivos do que
subjetivos. ... Faz mesmo esforço para evitar que o subjetivismo influa em seus juízos.
Raciocinar com base em dados e não em suposições...é o contrário daquele que
acredita em fatos que não possam ser provados ou em fatos para os quais são dadas
explicações não naturais.
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III. Espírito Crítico - ... é aquele que sempre alimenta certa dúvida e que não dá total
crédito às primeiras impressões sem antes examiná-las cuidadosamente. (...) A esta
atitude pode-se dar, também, o nome de ‘dúvida cartesiana’. (...).
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Pelo exposto, verifica-se que o cientista (aí incluído o cientista social, e, dentre estes,
os juristas e sociólogos), por necessariamente ter que possuir aquelas 7 características,
é um ser metódico. Metódico como sinônimo daquele que, na investigação e
demonstração da verdade, se deixa orientar por método: “Pode-se dizer ... que o
método é o conjunto coerente de procedimentos racionais ou prático-racionais que
orienta o pensamento para serem alcançados conhecimentos válidos” (Nérici, Imídio
Giuseppe. Introdução à lógica. 9ª e. São Paulo: Nobel, 1985, p. 115).
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“O método próprio de investigação sociológica é o indutivo, sendo que o
dedutivo, quando muito, pode servir-lhe de instrumento de controle. O
método indutivo, em Sociologia, começa por observar os fatos presentes e a
coligir dados por meio de inquéritos, entrevistas, questionários ou
experiências, estas limitadas” (Nérici, Imídio Giuseppe. Introdução à lógica. 9ª
e. São Paulo: Nobel, 1985, p. 174);
“Os dados assim colhidos podem ser comparados entre si ou com outros
obtidos por meio da História e da Etnografia, sendo que estes dados todos
podem ser trabalhados pela Estatística. Os resultados assim obtidos fornecerão
ao sociólogo os meios de generalização. Como foi visto, a observação, a
experiência e a comparação, com auxílio da Estatística, são processos
necessários para a generalização ou indução sociológica, trabalhando sobre
dados fornecidos pela experiência presente, pela História e pela Etnografia”
(Nérici, Imídio Giuseppe. Introdução à lógica. 9ª e. São Paulo: Nobel, 1985, p.
174-175).
Obs.
-Etnografia – estudo das etnias, de suas características antropológicas, sociais, como são, por
exemplo: as técnicas desenvolvidas, as organizações laborais, as crenças religiosas e filosóficas,
os sistemas de comunicações etc.;
-Estatística – ciência que estuda a coleta, a organização e a análise de dados por amostragens;
Algumas das excelentes pesquisas a merecerem destaque são as seguintes publicações com
conteúdo sociojurídico:
- Atlas da Violência: produzido pelo IPEA e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública - FBSP
(organização não-governamental, sem fins lucrativos). Alguns títulos constantes do Atlas da
Violência: Homicídios no Brasil / Homicídios por unidades da federação / Perfil das vítimas por
faixa etária e sexo /Homicídios de mulheres / Homicídios de negros / Violência contra a
população LGBTQI+ Etc.
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A título de exercício prático façamos a apreciação de algumas pesquisas sociais com a
divulgação das conclusões disponibilizadas na web, como são, dentre outras, as já
mencionadas:
Entre no site da FMD e clique em PESQUISA. Você terá informações sobre o NAP –
Núcleo Acadêmico de Pesquisa
1. Ciência é conhecimento racional, isto é, que segue método para estabelecer relações
necessárias. Há mais de uma modalidade de ciência e, por isso, também, modalidades de leis
científicas. Confira:
Leis Físicas: descrevem aquilo que na natureza é sempre igual (= relação causa
Leis e efeito invariável). São determinismos rígidos próprias das ciências da
Científicas natureza: leis da física, química, matemática etc.).
Leis Jurídicas: descrevem aquilo que na sociedade convencionalmente “deve
ser” (= leis normativas). São as normas jurídicas. Variam no tempo e espaço.
Leis Sociológicas: descrevem aquilo que na sociedade “tende a ser” (= leis
constatativas). Tendências deterministas dos fenômenos humanos.
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3 – Objetos da sociologia e da sociologia jurídica: a sociologia geral estuda a organização da
sociedade analisando todo o fenômeno social, a sociologia jurídica estuda principalmente um
destes fenômenos sociais: o Direito.
O sociólogo fornece ao jurista uma base científica para o regramento adotado pelo Direito.
Assim todas as leis terão uma justificativa sociológica. Dois elementos indispensáveis para a
justificação sociológica:
“Para todo problema complexo existe uma solução clara, simples e errada” (George Bernard
Shaw). Irlandês – 94 anos (1856-1950) – dramaturgo (comédia satírica). Obs. Esta frase às
vezes aparece como da autoria do jornalista estadunidense Henry Louis Mencken (1880-1956).
- segundo: admitir sempre o pluralismo das ideias: Hans Georg Gadamer (alemão – 1900-
2002).
A ideia de Gadamer é aproximadamente esta: a conversa tem rumo próprio e nos enreda. Não
é apenas a nossa vontade. Por isso a profusão de línguas é positiva. É uma negação da
uniformidade em benefício do plural. A Torre de Babel não é castigo, é prêmio ao pluralismo.
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- SISTEMA SOCIAL;
- Etc.
No caso de nossos estudos empenharemos, primeiramente, no conhecimento das
principais interpretações de um dentre os muitos dos sistemas existentes : o sistema
social (sistema comumente tratado por sociedade).
Os 3 esquemas são:
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A teoria clássica dita “funcionalista” (o exponencial é Émile Durkheim)
Weber afirmava que não é o todo que faz com que os indivíduos
sejam o que eles são, mas são os indivíduos que fazem com que
a sociedade seja o que ela é. Nessa frase está contida um
conceito contrário ao de Durkheim. O termo sociologia
compreensiva é muito apropriado para a proposta weberiana
porque é a partir da compreensão/interpretação da ação
individual que se explicaria a sociedade.
1) Qual a ordem de nascimento entre Karl Marx, Émile Durkheim e Max Weber?
R–
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- A sociedade não é a soma dos indivíduos porque não é a soma dos estudos
psicológicos de cada um dos indivíduos.
WEBER – Opondo-se a Durkheim, Weber entende que são as ações ou condutas dos
indivíduos as causas que geram efeitos na sociedade, LOGO não é o todo (“todo” como
consciência coletiva) que faz com que os indivíduos sejam o que eles são. O sentido
pensado por um indivíduo (sujeito) toma por referência a conduta de outro indivíduo
(sujeito). Aqui exsurge uma percepção da “dominação” a partir de condutas individuais
adotadas a partir de comportamentos “fortes” desempenhados por certos indivíduos.
R - A história estará sempre ligada ao mundo real dos homens, isto é, ao mundo
material que é o da estrutura econômica que implica a luta de classes.
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4) Assinale C ou E, conforme se apresentem CORRETAS ou ERRADAS, as conclusões
propostas para o recorte textual abaixo, da autoria do professor Júlio César Rodrigues
(Filosofia e Noções de Sociologia. BH: Editora LOG, p.184):“Na perspectiva de Karl Marx não
se pode pensar o indivíduo fora da concepção das relações sociais(...). As relações sociais,
por sua vez, determinam-se através da forma como os seres humanos produzem os meios
necessários para sustentar a materialidade da vida social. Dessa forma, a materialidade da
vida social é o que determina todo o processo da vida social, política e, até mesmo espiritual
da sociedade. Assim, para Karl Marx, o fundamental na compreensão da relação social é que
a sua base é sempre material, isto é ...”
R) C, para ambas.
R – Verdadeiro.
7) Para Weber, a sociologia deverá buscar compreender as ações dos seres humanos
individuais ou coletivamente consideradas? Por quê?
R – Individualmente, porque, embora para Weber não exista oposição entre indivíduo
e sociedade, não se poderá perder em conta que os fatos sociais não são ações sociais.
Os fatos sociais são meios coletivos de pensar/sentir e fazer impostos ao indivíduo pela
consciência coletiva, ao passo em que as ações sociais somente se manifestam em
cada indivíduo sob forma de motivação.
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R – Não, mas ocorrerá ação social se se cumprimentarem, se entrarem em conflito, ou
negociarem etc.
R – Ação social racional com relação aos objetos (também tratada como ação social
racional com relação aos fins): é aquela ação orientada pelo emprego dos meios tidos
como os mais adequados para alcançar os fins previamente determinados. Exemplos:
buscar a aprovação em concursos / formar academicamente e ganhar dinheiro / entrar
em greve / “montar” uma empresa capitalista etc.
- Ação social racional com relação aos valores: é aquela ação orientada “pelos
princípios últimos” dos homens, ou seja, pelos valores morais. A moral como critério
superior para a prática de atos concretos. Exemplos: promover ou participar de
campanhas de solidariedade / ir à Igreja / escolher partido político / realizar trabalho
voluntário etc.
- Ação social tradicional: é determinada por hábitos arraigados ditados por valores
culturais absorvidos pelo indivíduo como naturais. Exemplos: festejar o Natal e outras
festas religiosas ou cívicas / ir a Igreja aos domingos / votar sempre nos mesmos
candidatos / persignar-se (“fazer sinal da cruz”) antes das práticas esportivas etc.
- Ação social afetiva: é determinada pelos estados emotivos. Exemplos: torcida por
times, comemorar a vitória de times / correções paternas e fraternas etc.
( ) - Para Karl Marx, cada indivíduo, inserido na vida social, está ajustado pela perspectiva
econômica em que se inclui. A alienação é o eixo/base da manipulação das massas de
operários que são controlados/manobrados pela burguesia.
( ) - Para Durkheim, os fatos sociais independem da vontade do indivíduo, mas de sua
interação/contato com a sociedade, e, por isso, frisam a passividade do indivíduo perante a
ação social. Assim, a sociedade como um todo é sempre mais importante/influente que os
indivíduos que a compõem.
( ) - Para Max Weber, em sentido oposto a Durkheim, o indivíduo pode modificar
mentalidades e, consequentemente, o rumo da sociedade com a sua conduta/ação
individual.
R) C para todas.
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SEGUNDO ESQUEMA (conhecido por esquema das teorias clássicas
ressignificadas, com a inclusão das teorias utilitarista e microinteracionista):
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- Qual a função/papel do direito no sistema social, segundo o modelo de sociedade
expressado nas teorias conflitualistas?
- Qual a função/papel do direito no sistema social, segundo o modelo de sociedade
expressado nas teorias funcionalistas?
- Qual a função/papel do direito no sistema social, segundo o modelo de sociedade
expressado nas teorias compreensivas?
- Qual a função/papel do direito no sistema social, segundo o modelo de sociedade
expressado nas teorias utilitaristas?
- Qual a função/papel do direito no sistema social, segundo o modelo de sociedade
expressado nas teorias microinteracionistas?
- Qual a função/papel do direito no sistema social, segundo o modelo de sociedade
expressado na teoria autopoiética?
- Primeiro intelectual - DURKHEIM: Autor da teoria dos fatos sociais. Trata-se de teoria
funcionalista aplicada à sociedade.
Para Durkheim, fatos sociais são maneiras de comportar que permitem a identificação
de uma consciência coletiva, a qual age detrás dos indivíduos, influenciando as suas
ações. Ou seja: os fatos sociais moldam a maneira de agir das pessoas pela influência
que exercem sobre estas. Como os fatos sociais independem da vontade do indivíduo,
mas de sua interação/contato com a sociedade, dever-se-á reconhecer a passividade
do indivíduo perante a ação social, já que a sociedade - como um todo - será sempre
mais importante/influente que os indivíduos que a compõem: o fato social não pode
ser modificado pela ação individual, pois há uma força exterior (a consciência coletiva)
que o molda.
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entre pessoas e fatos. A solidariedade costuma ser comparada a uma espécie de
cimento que liga os fatos, não devendo ser confundida com a ideia cristã de auxiliar o
próximo. Ela se efetiva por meio de mecanismos de controle social. Podemos dizer que
o controle social promove a integração dos fatos sociais ao todo, recorrendo, se
necessário, à força física. O Estado, os estabelecimentos educacionais, a religião, são
mecanismos de controle social. Para nosso estudo, devemos destacar também o
direito, que atua como um dos mais importantes desses mecanismos. Para Durkheim,
o direito é, portanto, um mecanismo de controle social. Seu objetivo é assegurar a
solidariedade, impedindo que fatos contrários à sociedade ocorram ou passem
impunes. Assim, as normas jurídicas estabelecem os padrões socialmente desejáveis
de comportamento e suas sanções são aplicadas, pelo Poder Judiciário, àqueles que se
desviam desses padrões. Órgãos estatais como a polícia cuidam da fiscalização geral
das pessoas, procurando aqueles que se comportam de modo indesejável para serem
punidos. O estudo do direito pode, inclusive, revelar o tipo de sociedade e o grau de
consciência coletiva de seus membros. As sociedades menos complexas costumam
possuir um direito essencialmente repressivo; as sociedades mais complexas, possuem
um direito essencialmente restitutivo. Esses direitos indicam o tipo de solidariedade
que interliga os fatos sociais. As sociedades menos complexas são mantidas coesas
pela solidariedade mecânica. Essas sociedades são unificadas por fatores de
semelhança, como, por exemplo, o vínculo familiar, clânico ou tribal. Possuem, no mais
das vezes, fortes valores religiosos compartilhados. Os membros da sociedade se
reconhecem como semelhantes e afastam o diferente do convívio social.
O direito dessas sociedades é essencialmente penal, punindo o comportamento que
destoa dos demais. Seu objetivo é reprovar tais pessoas, diferentes das demais, por
meio de uma sanção repressiva que pune a violação aos padrões de conduta. As
sociedades mais complexas, por seu lado, possuem solidariedade orgânica. São
sociedades marcadas pelo aprofundamento da divisão social do trabalho, sendo
constituídas por atividades cada vez mais especializadas. Quanto mais tempo um
indivíduo passa fazendo algo altamente especializado, menos tempo dedica ao
trabalho que possa produzir outras coisas, como comida, roupas ou utensílios
domésticos. Assim, quanto maior a divisão do trabalho, mais uma pessoa precisa de
todas as demais da sociedade. Mas há um aparente paradoxo: quanto mais as pessoas
realizam atividades diferenciadas na sociedade, mais elas se enxergam como
diferentes umas das outras. Um professor se vê como diferente de um agricultor,
assim como um advogado se vê como diferente de um médico. Assim, a divisão do
trabalho, ao mesmo tempo, gera a diferenciação entre os indivíduos e a necessidade
de integração entre eles. Esse paradoxo marca a sociedade orgânica: cada atividade
especializada corresponde a um “órgão” dentro do organismo social, cumprindo sua
função própria, indispensável para os demais. Se uma pessoa trabalha todo o seu
tempo em uma atividade altamente especializada e depende das outras atividades
altamente especializadas para sobreviver, haverá a necessidade de ele se relacionar
com outras pessoas. Essa necessidade gera um direito contratual, marcado pela
separação dos interesses públicos e privados. O objetivo central desse direito não é
mais punir o diferente, posto que a diferença se torna comum, mas restaurar as
eventuais relações contratuais violadas a uma situação anterior à celebração do
contrato, para que as partes possam agir novamente celebrando outros contratos,
superando os danos sofridos. A sanção, nesse caso, deve restituir a cada um o que era
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seu antes da contratação, limitando-se a reparar os danos sofridos. Numa sociedade
marcada pelo aprofundamento das diferenças sociais, as normas jurídicas, caso
pretendam dirigir-se a todos enquanto leis, devem adquirir uma forma geral e
abstrata. Somente assim poderão ser válidas e aplicadas universalmente, apesar das
diferenças entre os indivíduos. Além disso, as normas deixam de ter um fundamento
religioso, tornando-se seculares e se organizando em códigos. Com o aprofundamento
da divisão do trabalho, surgem regras jurídicas (leis e contratos) que regulam a
cooperação entre os indivíduos diferenciados e surgem instituições especializadas que
cuidam de interesses coletivos, como, por exemplo, as profissões. Os profissionais
especializam-se em cuidar de temas que são também indispensáveis para o todo,
como a saúde e o direito. Portanto, num ambiente de solidariedade orgânica, há um
direito com normas gerais e abstratas, essencialmente contratual, acompanhado pela
formação das profissões jurídicas que cuidam da interpretação e da aplicação das leis,
auxiliando o Estado no processo de unificação do todo. É importante salientar que
nenhum direito é exclusivamente penal ou contratual, possuindo caracteres de ambos,
mas predominando uma ou outra das características. Isso ocorre porque as sociedades
possuem características mecânicas, ligadas à coesão do todo e a semelhança causada
por valores nacionais, mas também características orgânicas, oriundas da
modernização e da acentuação da divisão do trabalho, que a tornam mais complexas.
A tendência seria, a partir do século XX, de predomínio dos elementos contratuais no
direito. Hoje, alguns autores da sociologia jurídica apontam uma “contratualização do
direito”, indicando a perda de força da lei. Esse fenômeno pode ser interpretado do
ponto de vista de Durkheim: isso indicaria o predomínio da complexidade social
decorrente de uma especialização cada vez maior de funções que dificultaria a
comunicação geral e abstrata do Estado com todos os indivíduos, cada vez mais
diferenciados, e descartaria a postura meramente punitiva. A criação, a interpretação
e a aplicação das leis precisam ser negociadas com os grupos ou as partes
interessadas. As normas se dirigem a grupos mais precisos, como crianças e
adolescentes, idosos, empregados, consumidores. Uma última observação: para
Durkheim, o comportamento ilícito é uma ofensa à consciência coletiva. Contraria os
padrões de solidariedade e pode causar a desarticulação social. Porém, analisando-o
objetivamente, é um fato social, ou seja, algo normal em qualquer sociedade. Sempre
haverá o desvio às regras. Essa normalidade decorre da dinâmica social: como as
sociedades se transformam, surgem comportamentos que, em um primeiro momento,
são considerados ilícitos; com o tempo, podem vir a ser aceitos, exigindo uma
mudança no direito e indicando que houve uma transformação social. Um exemplo
recente é o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Embora visto como um
comportamento ilícito em quase todos os países, nem por isso reprimiu a união de fato
entre homossexuais. Nos últimos anos, algumas leis já foram modificadas e tornaram
esse tipo de casamento lícito. As sociedades e seus direitos se transformaram”. Artigo
da autoria do professor Adriano Ferreira. Disponível em <
https://direito.legal/sociologia-do-direito/08-durkheim-e-o-direito/ > Acesso:
08/06/2021.
- Segundo intelectual - WEBER: Autor da teoria das ações sociais. Trata-se de teoria
compreensivista aplicada à sociedade. Para Max Weber, em sentido oposto a
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Durkheim, o indivíduo poderá modificar mentalidades e, consequentemente, o rumo
da sociedade com a sua conduta/ação individual. Embora, para Weber, não exista
oposição entre indivíduo e sociedade, não se poderá perder em conta que os fatos
sociais não são ações sociais. Os fatos sociais são meios coletivos de pensar/sentir/
fazer/ que são impostos ao indivíduo pela consciência coletiva, ao passo em que as
ações sociais somente se manifestam em cada indivíduo quando motivadas. Segundo
os estudos de Max Weber, tem-se 4 principais tipos ou formas de ações sociais
definidas a partir das razões que as motivam (vide anteriormente).
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funcionar, há a necessidade de um Estado adstrito aos termos das leis, praticando o
menor número de atos imprevisíveis que puder. Conforme Weber, o Estado é
composto por agentes públicos e órgãos, monopolizando, dentro de um território
determinado, o uso legítimo da coerção física. Entre seus afazeres está policiar a
sociedade, administrar a justiça, cultivar interesses culturais, criar legislativamente o
direito e defender o território. As pessoas que compõem o Estado, a fim de que ele se
torne limitado pelas leis, transformam-se em burocratas. Não há qualquer juízo de
valor negativo na afirmação, talvez o contrário: a burocracia é indispensável para a
dominação legal-racional. Sua finalidade é adotar uma conduta intencional-racional
dentro do Estado, buscando os meios administrativos mais eficientes para o
funcionamento estatal e a implementação de políticas públicas. Para a racionalidade
burocrática se consumar, há a necessidade de possuir algumas características:
1. Sujeição dos órgãos e dos funcionários a princípios gerais que delimitam
esferas de competência dentro das quais podem atuar;
2. Estrutura hierárquica dentro de cada órgão e entre os órgãos, respeitadas as
esferas de competência;
3. Gerenciamento do trabalho a partir de regras gerais que podem ser aprendidas
pelos subalternos e direcionam suas atuações;
4. Treinamento especializado dos funcionários conforme as regras gerais que
norteiam suas atividades;
5. Rotina full-time baseada na produção de documentos escritos que deixa um
rastro comprobatório da atividade desempenhada com eficiência e respeito aos
limites da competência.
A atividade burocrática torna-se estável, operando de modo impessoal e disciplinado,
executando ordens recebidas diuturnamente. Permite ao Estado funcionar de forma
eficiente e previsível ao mesmo tempo, permitindo a concretização de um dos
pressupostos para a legitimação legal-racional do poder. O outro desses pressupostos
é a existência de um direito formal-racional.
Weber detecta quatro tipos de direito, conforme o conteúdo e o procedimento dos
julgamentos:
1. Direito racional-material – os julgamentos são realizados por meio de normas
gerais conhecidas, mas não internas a um sistema legal, como crenças éticas,
ideológicas, máximas políticas ou jusnaturalistas. De certo modo, as pessoas
conhecem os critérios gerais de julgamento, mas não conhecem seus
procedimentos;
2. Direito irracional-material – os julgamentos são realizados caso a caso, sem a
ocorrência de generalizações e abstrações. O caso é decidido na hora,
conforme uma impressão qualquer, uma emoção, um juízo repentino. um
segundo caso parecido pode receber uma decisão completamente diferente do
primeiro;
3. Direito irracional-formal – os julgamentos são realizados conforme
procedimentos conhecidos, porém não racionais. Os resultados são
imprevisíveis ou desconectados do teor do assunto ou do conflito julgado. As
decisões baseadas em ordálios ou oráculos exemplificam o tipo;
4. Direito racional-formal – os julgamentos são realizados conforme
procedimentos e conteúdos conhecidos e compatíveis com o conflito em
questão. Há normas gerais prevendo as fases de julgamento e normas gerais
aplicáveis a casos parecidos estabelecendo os parâmetros para a decisão.
O quarto tipo de direito é ideal para a modernidade, baseada na conduta intencional-
racional, e, em complemento com a burocracia estatal, consolida a dominação política
legal-racional. Ele se torna um sistema fechado, composto por regras jurídicas
hierarquicamente estruturadas e criadas conforme um procedimento legislativo
previamente definido.
Enquanto sistema de normas, o direito se transforma em um conjunto coerente e
completo. Tendo-se em vista que cumpre o objetivo de gerar previsibilidade na
conduta estatal e na proteção de direitos subjetivos, suas normas não podem ser
incoerentes, ou seja, conflitantes entre si, posto que isso geraria incerteza e
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insegurança. Além disso, todas as situações sociais devem estar previstas nas leis, não
podendo haver lacunas ou incompletudes.
Mas o direito moderno não se limita a um conjunto de leis. Há a necessidade de órgãos
e funcionários que interpretem e apliquem essas leis sem gerar instabilidade ao
sistema. De nada adiantaria a coerência e a completude das leis se os juízes as
interpretassem sem quaisquer critérios e decidissem os casos de modo aleatório e
arbitrário.
Assim, as decisões do Poder Judiciário devem seguir regras estritas não apenas quanto
a procedimentos, mas também quanto ao seu conteúdo. Em termos lógicos, para a
fidelidade ao sistema ser total, gerando um grau máximo de certeza e segurança, a
decisão deve ser fruto de um raciocínio dedutivo silogístico que simplesmente opere a
conversão da norma geral e abstrata que está na lei em uma norma individual e
concreta que estará na sentença. O juiz torna-se a “boca da lei”, proferindo decisões
sem colocar nelas suas preferências pessoais, sem levar em conta as características
pessoais dos envolvidos, nem tratar o conflito de modo parcial. As leis são aplicadas a
todos de modo imparcial e impessoal, quase mecanicamente. O equivalente da
burocracia estatal para o direito é sua profissionalização. Os funcionários das cortes
são treinados profissionalmente, aprendendo a identificar e aplicar as normas jurídicas
dentro dos limites do ordenamento. Mas também os operadores do direito que
entram em contato com a população tornam-se profissionais (os advogados) e
aprendem a agir do mesmo modo que os juízes com relação à interpretação das
normas jurídicas. Esse fenômeno acelera a transformação do direito moderno em
formal-racional.O poder político legitima-se adotando uma dominação legal-racional.
Para tanto, confina o Estado aos limites da legislação por meio de uma burocracia e de
um direito formal-racional que se tornam previsíveis para a sociedade que age
calculando. Em específico, a economia capitalista beneficia-se dessa equação, pois
seus imperativos (livre iniciativa, livre trabalho e concorrência) pressupõem um
ambiente de certeza e a segurança. Durante o início do século XX, contudo, Weber
detecta uma tendência de materialização do direito moderno, ou seja, de julgamentos
realizados a partir de imperativos éticos ou valorativos interpretados de modo a
ganhar um significado externo ao ordenamento jurídico. Em específico, tais
imperativos, como a efetivação do bem comum, da dignidade da pessoa humana e da
justiça, levam ao surgimento de novos direitos, chamados de sociais. Esse surgimento
deriva de uma consequência do excessivo formalismo e aprisionamento sistêmico do
direito: ao ser obrigado a julgar exclusivamente de acordo com as leis e princípios
interpretados de modo silogístico, o Poder Judiciário termina por afastar-se da
realidade concreta e seus problemas reais. Uma fria interpretação das leis leva a
decisões que são vistas como injustas pela sociedade. Para corrigir isso, os juízes
buscam novos princípios e novas interpretações que tensionam a racionalidade formal
do Judiciário, agindo movidos pela razão valorativa. O resultado é a criação de novas
normas jurídicas que consagram tais princípios e rompem o rigor lógico do direito
garantidor.O problema dessa materialização é que ela torna imprevisível a atuação do
Poder Judiciário, gerando incerteza e insegurança. Com isso, a equação entre a política
legal-racional e o Estado limitado pelo direito formal-racional e pela burocracia
começa a romper-se. Por um lado, a legitimidade política entra em crise; por outro, a
atuação estatal e judiciária começa a atrapalhar o desenvolvimento econômico de
vários países. Essa lógica weberiana se faz presente em muitas análises
contemporâneas que associam os direitos sociais a barreiras para o funcionamento da
economia. O discurso da flexibilização do direito trabalhista é fruto dessa lógica. Em
linhas gerais, afirma-se que quanto maior a proteção ao trabalhador, menos atrativo o
ambiente se torna para empresas e capitais estrangeiros. Também podemos destacar
a presença do pensamento weberiano em discursos pela Reforma do Poder Judiciário,
associando-a ao desenvolvimento econômico. Esse ponto de vista preconiza que um
Poder Judiciário previsível, funcionando de modo rápido e eficiente, gera certeza e
segurança aos investidores capitalistas”. Artigo da autoria do professor Adriano
Ferreira. Disponível em <https://direito.legal/sociologia-do-direito/09-weber-e-o-
direito/> Acesso: 08/06/2021.
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-Terceiro intelectual - PARSONS: Autor da teoria funcional dos sistemas. Adota a
teoria funcionalista aplicada à sociedade. Para Parsons as coisas existem para ter uma
função. Ele fez a junção das teorias de Durkheim e Weber baseada no esquematismo fim/meio
com o componente “sistema” de Durkheim e o componente “ação” de Weber. Por
conseguinte, tanto para Durkheim, Weber e Parsons, o indivíduo (= o ser humano) é
elemento indissolúvel da sociedade, estando dentro do sistema, e não fora dele (ou
seja, o indivíduo está no sistema, e não está no ambiente). As teorias de Durkheim,
Weber e Parsons não diferenciam sistema de ambiente, como os diferenciará Niklas
Luhmann.
Para uma visão panorâmica da teoria da sociedade de Talcott Parsons, atente-se aos
grifos destacados nos textos a seguir:
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b) “(...) O ator de Parsons é o ser em situação, já que sua ação é
sempre a leitura de um conjunto de sinais, que ele percebe no seu
ambiente e aos quais reage. O ambiente do ator é, primeiro, o meio
físico em que se desenvolve sua ação, isto é, os objetos materiais, as
condições climáticas, a geografia e a geologia locais, mas é também o
organismo biológico no caso do ator individual. O ator sente o peso
ou a influência desses objetos, explica-os, desenvolve sentimentos a
seu respeito, utiliza-os para fins que lhes determina. Todas essas
relações com o meio físico supõem um jogo de interpretações
através das quais o ator percebe a realidade e lhe dá um sentido em
função do qual age. Mas, no ambiente que envolve o ator, o objeto
privilegiado é evidentemente o objeto social, quer dizer, primeiro
os outros atores. Com estes a ação social torna-se interação. A
análise da subjetividade do ator toma-se então dupla ou múltipla: à
subjetividade de ego responde a subjetividade de alter, seja singular
ou coletivo. Em toda a sua obra, Parsons insiste na complexidade das
relações sociais entre pessoas humanas. Esta interação entre dois ou
mais atores e a subjetividade aí subjacente constituem um dos
principais eixos da teoria parsoniana. Porém, há ainda uma outra
categoria de objetos sociais privilegiados segundo Parsons; são os
OBJETOS CULTURAIS OU SIMBÓLICOS. Por ser prenhe de
significação, a ação social se reveste necessariamente de
simbolismo. É através de sinais e de símbolos que o ator conhece
seu meio, sente-o, avalia-o e o manipula. Na interação social o
simbolismo, essencial à comunicação sob todas suas formas, une os
atores uns aos outros. Interação e ação estão, pois, envolvidas num
vasto universo simbólico, pelo qual cada ação tem um sentido tanto
aos olhos do próprio ator, quanto aos dos outros. O SIMBOLISMO
TEM NA AÇÃO SOCIAL UMA OUTRA FUNÇÃO: MEDIATIZAR AS
REGRAS DO COMPORTAMENTO, AS NORMAS, OS VALORES
CULTURAIS QUE SERVEM PARA GUIAR O ATOR NA ORIENTAÇÃO DA
SUA AÇÃO. Normas e valores são, com efeito, de natureza
essencialmente simbólica sob vários aspectos. Inicialmente, pode-se
dizer que tornam comunicável o comportamento dos atores: pelas
normas e valores a que se refere a ação humana torna-se menos
incompreensível para os outros atores e bem assim para o do ator
atuante, pois que todos nela podem ver um sentido, uma orientação,
uma continuidade. Além do mais, é através de normas e valores que
o ator pode interpretar uma situação, nela descobrir pontos de
referência, limites e forças que deve levar em consideração em sua
conduta. Enfim as normas e os valores fornecem ao ator finalidades e
meios que lhe servem de guia, conferindo ao mesmo tempo à sua
ação um significado particular a seus próprios olhos e aos dos
demais” (Rocher,Guy.Tradução Olga Lopes da Cruz.Talcott Parsons e
a Sociologia Americana. Disponível em <
https://rodrigocantu.weebly.com/uploads/2/3/0/7/23070264/rocher
_1976_a_teoria_geral_da_acao.pdf > Acesso: 15 junho 2020.
23
c) “(...) Neste sentido PARTIA DA IDEIA DAS PARTES EM FUNÇÃO DO
TODO, EM QUE, ENQUANTO ESTE SE MANTIVESSE ESTÁVEL, TODOS
OS DEMAIS COMPONENTES SUBSISTIRIAM, TENDO INFLUÊNCIA
DIRETA NO MODUS OPERANDI DO SISTEMA. Desta feita, o respeito
à esfera de atuação de cada um individualmente afigura-se essencial
ao desempenho das funções. Porém, indispensável que a atuação
seja carregada pela interação entre os componentes, no intuito da
escorreita funcionalização. Ademais, os elementos individuais
deveriam cumprir funções internas e externas, visando o equilíbrio
intra e extra sistêmico. Para tanto, a comunicação entre tais
elementos se apresenta essencial na medida em que é atribuída
interdependência entre os compostos do todo (...)”. CARVALHO,
Marco Túlio Rios. Conteúdo Jurídico, Brasília-DF: 03 jun 2020.
Disponível em:
<https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/24248/bases-
sociologicas-do-funcionalismo-penal>. Acesso em: 03 jun 2020.
24
O DIREITO É CONSIDERADO, NAS SOCIEDADES MODERNAS, O
ELEMENTO CENTRAL DO SISTEMA COMUNITÁRIO (O TERCEIRO
ACIMA), PROMOVENDO O CONTROLE SOCIAL. COMPOSTO POR
NORMAS, TRIBUNAIS E PROFISSIONAIS, CUMPRE FUNÇÕES
PRECISAS:
apresenta um significado oficial para as normas jurídicas,
interpretando-as;
transforma as normas gerais e abstratas, presentes nas leis, em
normas individuais e concretas, presentes em sentenças e decisões
administrativas, aplicando-as;
aplica, também, as punições previstas nas sanções presentes em
normas jurídicas;
divide o território em jurisdições, deixando claro onde, quando e
por quem as normas jurídicas legais serão aplicadas;
promove a integração individual, regulando as interações entre
os membros da sociedade, estabelecendo comportamentos
permitidos, proibidos e obrigatórios;
promove a integração social dos sistemas, cujas fronteiras são
delimitadas por meio de normas que também regulam as trocas
entre eles.
25
por promover a interiorização das regras da sociedade e a educação
primária dos indivíduos. A família tem por função social ensinar aos
novos membros do social sobre as regras de coesão e coerção social,
criação de laços e de identidade, mesmo que não seja feito de
maneira racional e reflexiva sobre sua ação. Ao ensinar o papel de
meninos e meninas, a família cumpre sua função de socialização de
indivíduos em um sistema social em que está inserida e que cobrará
desses indivíduos tais posturas sociais. “A FAMÍLIA, ACREDITAVA
PARSONS, É UMA DAS VÁRIAS INSTITUIÇÕES, COMO O SISTEMA
EDUCACIONAL E O JURÍDICO, QUE TEM PAPÉIS QUE SE SUSTENTAM
E GARANTEM O ESTÁVEL FUNCIONAMENTO DA SOCIEDADE COMO
UM TODO. (...)”. Letícia Rodrigues Ferreira Netto, Sistema social.
Disponível em < https://www.infoescola.com/sociologia/sistema-
social/ > Acesso: 14 maio 2020.
Segue daí que o indivíduo se define pela interiorização dos códigos comuns “da
sociedade como um todo”. Esta interiorização se opera a partir do papel. O optimum
de estabilidade social irá ocorrer se cada indivíduo cumprir o papel que se lhe atribui,
atuando em função do “todo”. É que - para Talcoot Parsons - esta equação de
cumprimento dos papeis tem relevância porque “uma das piores agressões” para o
indivíduo que convive em sociedade é “perder o respeito de pessoas cujo respeito se
esperava”.
26
Busquemos, didaticamente, simplificar o quanto possível esta complexa teoria.
1 - Há 3 tipos de sistemas :
Para explicar a sua teoria dos sistemas sociais, NL tomou como base, dentre outros
cientistas, a teoria elaborada pelos biólogos chilenos Humberto Maturana e Francisco
Varela para explicar a dinâmica do funcionamento dos sistemas vivos, ou seja, sua
estrutura e seu desenvolvimento).
Como sabemos, a matéria viva abrange os reinos animal e vegetal. A matéria não viva
é a do reino mineral. Embora animais e vegetais sejam diversos, a unidade morfológica
comum a ambos é a célula. Interessante, também, estabelecer que no reino vivo
animal, os animais racionais se distinguem dos irracionais, pois, diferentes dos últimos,
faz uso da razão, e, por isso, tem uma vida mental e não meramente instintiva. Os
animais racionais são tratados por sistemas psíquicos:
Para que não fiquemos “perdidos”, posso adiantar que NL, a partir dos estudos da
autopoiesis observada nos sistemas vivos, buscou estender a aplicação biológica da
autopoiesis aos sistemas sociais. Mas, é importante, observar que o objeto de estudo
da sociologia, a saber, o sistema social, já fora antes definido como algo portador de
uma estrutura interna e evolucional, o que, em princípio, justificaria a possibilidade
autopoiética:
27
Sistemas sociais - “A sociologia é a ciência das
leis que determinam a estrutura interna dos grupos (anatomia e
morfologia social), a evolução interna dos grupos e suas
interrelações ( fisiologia e dinâmica social)” [ estudos da filósofa
francesa Simone Daval, 1913-2010, 108 anos ; e do historiador francês
Bernard Guilhemain, 1923- 2012, 89 anos).
2- AUTOPOIESIS em HM e FV
28
autoconservação mantenedora das características da espécie nas sucessivas
reproduções.
A autoconservação e reprodução das características identitárias somente são
possíveis porque os SV têm a capacidade natural de AUTO-ORGANIZAREM-SE
estruturalmente.
HM e FV observaram que as características identitárias dos SV não perdiam as
propriedades originárias assecuratórias da autoconservação e reprodução por
que:
- os SV são como um sistema AUTO-SUFICIENTE, ié, organizados com a
capacidade de AUTOPRODUÇÃO de componentes que lhe garantem a
AUTOCONSERVAÇÃO e as sucessivas reproduções. A isto denominaram de
AUTOPOIESE.
- A ideia de AUTOPOIESE dos SV está ligada à SISTEMA OPERACIONALMENTE
FECHADO, isto é, os seres vivos, para se autoconservarem iguais, utilizam-se
das suas próprias referências operacionais.
- Os conceitos de autopoiese e sistema fechado acabam sendo a chave para
explicar a autorreferência: os sistemas vivos como sistemas fechados
operacionalmente na sua autorreferencialidade são ao mesmo tempo
“produtor” e “produto”.
3- AUTOPOIESIS em NL
29
Para Luhmann, o indivíduo (= o ser humano) é elemento distinto da sociedade,
estando fora do sistema, e não dentro dele (ou seja, o indivíduo não está no
sistema, mas no ambiente).
30
ambiente para enaltecer sua competência interna, nas palavras de
Luhmann, o ambiente é para o sistema “... uma pressuposição de
identidade do sistema, porque a identidade só é possível quando há
diferença... Nem ontológica, nem analiticamente o sistema é mais
importante do que o ambiente. Porque ambos são o que são apenas
em relação ao outro” (LUHMANN, 1984, p. 243). Assim, portanto,
cada indivíduo é sujeito para si mesmo, tornando-se um sistema
autorreferencial próprio e particular que consiste em sua
consciência. Essa ideia nos remete ao conceito de que a sociedade é
uma realidade com clausura autorreferencial, isto é, um sistema
que se basta, pois tudo que deve ser mudado ou substituído é feito
a partir do seu próprio interior”. (XXX Encontro da ANPAD - RJ - 6 a
10/9/2008 - Comunicação Organizacional - Confronto entre Luhmann
e Habermas - Conjecturas Necessárias. Autoria: Onésimo de Oliveira
Cardoso, Maria Ivete Trevisan Fossá). Disponível em
<http://www.anpad.org.br/admin/pdf/EOR-C2315.pdf> Acesso 3
junho 2020.
31
do sistema social), e, por força desta localização, ele (ser humano), esteja fora
do sistema “sociedade”, não é possível a existência de sociedade sem o ser
humano: por isso ele (o ser humano) precisará existir, porém, terá existência
fora da sociedade.
A sociologia de Niklas Luhmann é tratada como “SOCIOLOGIA PRIMEIRA”
porque, a maneira da “filosofia primeira”, ocupa-se de identificar as
abstrações dos princípios primeiros, princípios estes tidos por superiores
justamente em razão de seu metaempirismo. Luhmann afirmará que a
sociedade, ou seja, o sistema social, é uma abstração, não há nele nada de
material.
Surge, assim, a abstração de Niklas Luhmann acerca do sistema social: ele é
autopoiético. Grosso modo, autopoiese é a capacidade de algo produzir-se a si
próprio:
“...enquanto para Maturana a autopoiese dá-se em nível de
elementos, que se autoproduzem, em Luhmann isso ocorre ao
nível de sistema, ‘que autoproduziria seus elementos...e, logo,
também a si mesmo´’’(ALFERES).
32
comunicativos. Somente a comunicação "é uma operação puramente social
porque pressupõe o envolvimento de vários sistemas psíquicos sem que se
possa atribui-la exclusivamente a um ou outro destes sistemas: não pode haver
comunicação individual". Dessa forma, não é o ser humano quem comunica,
mas o sistema social, daí a ideia de uma comunicação e de uma "sociedade
sem seres humanos". Como os autores reforçam, "A COMUNICAÇÃO NÃO
MORRE QUANDO ALGUÉM MORRE E NÃO NASCE QUANDO ALGUÉM NASCE,
ELA PERPASSA A EXISTÊNCIA DE QUALQUER UM”. Enquanto "o sistema social
existe e se reproduz como sistema de comunicação [...] os sistemas psíquicos,
as consciências, reproduzem os pensamentos”. O conceito de comunicação
ocupa, portanto, um lugar central na teoria dos sistemas sociais de Luhmann.
"A comunicação é o limite da sociedade, [...] é o nó górdio a partir do qual se
inicia o estudo da sociologia”. Melo Júnior, Luiz Cláudio Moreira. A teoria dos
sistemas sociais em Niklas Luhmann (resenha de obra: RODRIGUES, Leo
Peixoto; NEVES, Fabrício Monteiro. Niklas Luhmann: a sociedade como sistema.
Porto Alegre: Edipucrs, 2012, 132 p.). Disponível em
< https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
69922013000300013 > Acesso: 11 jul.2020.
Tudo que existe é sistema ou ambiente. O sistema não existe sem o ambiente,
nem o ambiente existe sem o sistema: eles são dependentes;
33
estruturação interna com relação aos subsistemas, Luhmann
toma como foco de estudo justamente essa diferença entre
sistema e ambiente. Segundo esse foco, a sociedade não é
constituída de pessoas e de relações entre pessoas, mas a
sociedade seria constituída exclusivamente de comunicação. As
pessoas estão no ambiente do sistema social, sendo, portanto,
um subsistema, denominado sistema psíquico’’(ALFERES);
Todo modelo de sistema social tem por pressuposição que não há sociedade
sem equilíbrio, haja vista que, sem ordem na sociedade, a desordem leva ao
desaparecimento do sistema social. Anomia é mais que ausência de normas, é
a própria ausência de sociedade, pois não há sociedade desorganizada,
considerando-se que a sociedade é um sistema, e a desordem é um
dessistema. O modelo organizacional autopoiético de sistema social proposto
por Niklas Luhmann também se submete ao necessário equilíbrio sistêmico. O
sistema social autopoiético - apreciado à luz dos conceitos de sistemas
fechados e sistemas abertos - tem por fundamento que, para a obtenção de
ordem na sociedade (ou seja, obtenção do equilíbrio sistêmico) haverá a
necessária confluência contributiva das dinâmicas das operações que marcam
os sistemas abertos e fechados. Assim:
- Para Luhmann, a sociedade é sistema, e sistema
operacionalmente fechado, pois gera e produz internamente seus
próprios elementos de funcionamento sem a interferência ou influência
dos elementos externos encontrados no ambiente (entorno).
- Para Luhmann, a sociedade é sistema, e sistema cognitivamente aberto,
pois realiza o intercâmbio entre seus próprios elementos de
funcionamento e os elementos externos do ambiente (entorno).
34
último conceito, torna-se evidente a existência do desapontamento. Este é,
também, outro conceito trabalhado por Luhmann, o qual está no fato de que
diante das expectativas é possível se desapontar já que pode ser que a
expectativa que um indivíduo espera de outro indivíduo pode ser diferente da
expectativa que este outro indivíduo espera que esse indivíduo expecta dele”
(ARAÚJO);
5. Eu julgo que outras pessoas querem, assim como eu, formar em curso superior
submetendo-se ao exame de seleção qualificadora;
6. Quando eu reconheço que outro pode querer o mesmo que eu quero, reconheço
o “outro” como “outro eu”. Segue daí que:
- Se o outro almeja, mas não realiza como eu, DISCORDO. Ele deixa de ser “outro eu”.
8. A dupla contingência é que explica o PAPEL DO DIREITO: criar normas com a
“definição” de meios comportamentais postos a observância de todos, normas que
35
objetivam a promover a satisfação do que se “definiu” por expectativas, evitando-se os
desapontamentos. Para que o Direito não reflita unicamente normas com as quais eu
concordo, deverão ser adotadas normas que reflitam entendimentos que equilibrem a
equação “satisfação-desapontamento”:
36
“O sistema jurídico, para Luhmann, integra o ‘sistema imunológico’ das
sociedades, imunizando-as de conflitos entre seus membros, surgidos já em
outros sistemas sociais (político, econômico, familiar etc.). (…) Para tanto, a
complexidade da realidade social, com sua extrema contingência, é reduzida
pela construção de uma ‘para-realidade’, codificada a partir do esquematismo
binário ‘direito/não-direito’ (ou ‘lícito/ilícito), em que se preveem os conflitos
que são conflitos para o Direito e se oferecem as soluções que são conformes
ao Direito” (ALFERES).
37
nasceu com o intuito de resolver conflitos. Apesar de ser esse o
seu papel principal, ele não é o único, pois o direito é erguido no
conflito e vive do conflito. O direito, além de solucionar esses
conflitos, deve ser capaz de prevê-los. Desse modo, o direito
não apenas pacifica conflitos como também os cria mediante
suas estruturas internas no processo de autopoiesis. O direito
como sistema autopoiético transforma a realidade ao mesmo
tempo que transforma a si mesmo, no labor pré-determinado
de suas estruturas internas. Não há nenhuma determinação
estrutural que provenha de fora. Somente o direito pode dizer o
que é direito. Nesse sentido, Luhmann afirma que o direito tem
a força de reconhecer, produzir e resolver conflitos através da
complexidade do sistema jurídico. Sob esse prisma, o direito é
um sistema normativamente fechado e cognitivamente aberto.
É a partir de suas próprias estruturas que o direito faz o
acoplamento estrutural com outros sistemas filtrando e
absorvendo aquilo que é necessário para suas estruturas
desenvolverem a autopoiesis. Direito e sociedade estão em
relação de interdependência (acoplamento estrutural)
recíproca: o Direito é uma estrutura do sistema social, ou seja,
constitui parte da sociedade. Sua função essencial é reduzir uma
parcela da complexidade desestruturada da sociedade e, ao
mesmo tempo, fazer com que esta alcance uma complexidade
mais alta e estruturada. Em suma: o Direito é “uma construção
de alta complexidade estruturada”, satisfazendo a necessidade
de ordenamento na sociedade. Sem o Direito, não há
orientação de condutas no meio social. Nesse processo, o
sistema usa seu código binário para bloquear, pelo fechamento
operativo e sem isolar-se do meio, as perturbações
provenientes do ambiente ou de outros sistemas. Luhmann
observa que o direito é um sistema que opera ligado à
observação. Pela diferenciação entre sistema e meio, o sistema
se reproduz com suas próprias estruturas” (PAIM).
38
dos demais sistemas sociais, o da moral, religião, economia,
política, ciência, etc., funcionalmente diferenciados em
sociedades complexas como as que se têm na atualidade. Essa
autonomia significa, na verdade, que o sistema jurídico funciona
com um código próprio, sem necessidade de recorrer a critérios
fornecidos por algum daqueles outros sistemas, aos quais, no
entanto, o sistema jurídico se acopla, através
de procedimentos desenvolvidos em seu seio, procedimentos
de reprodução jurídica, de natureza legislativa, administrativa,
contratual e, principalmente, judicial”. [EXEMPLO]: “Quando,
por exemplo, a conduta que gerou a reação do sistema jurídico
ao produzir uma norma reguladora do sistema social, é
proveniente de outro sistema, fala-se na necessidade de realizar
o acoplamento estrutural do sistema jurídico com outros
sistemas sociais, como o político, econômico etc. Nesse
contexto a constituição é a grande responsável pelo
acoplamento estrutural ente os sistemas jurídico e político”
(ALFERES).
39
comunica. Isso causa, também, sua imprevisibilidade. Numa sociedade medieval, por
outro lado, cada indivíduo estava limitado a possibilidades comunicativas conforme
seu papel social, que não pode mudar, pois deriva de uma ordem divina.Imaginemos
uma sala de aula, sem o professor, durante o intervalo. Sobre qual assunto os alunos
conversam? A quais rumos a conversa será levada? Não podemos prever.Todavia, essa
comunicabilidade infinita pode causar problemas para a sociedade. Existem assuntos
que não podem ser discutidos interminavelmente, pois levam a situações em que
decisões precisam ser tomadas, resolvendo problemas ou determinando rumos. A
sociedade deve produzir e distribuir bens, prevenir e solucionar conflitos, consagrar
determinados valores e repudiar outros.
Para impedir que essa comunicabilidade infinita atrapalhe o funcionamento da
sociedade, surgem os sistemas sociais. São sistemas comunicativos que reduzem a
complexidade social em determinados setores, permitindo que funcionem de modo
satisfatório, por meio de códigos próprios. Cada um desses sistemas cumpre, assim,
funções na sociedade, diferenciando-se do todo graças a sua comunicação específica,
que deriva desses códigos.
Voltemos à sala de aula. O professor inicia sua aula de sociologia do direito. A qualquer
momento um aluno pode fazer uma pergunta sobre qualquer assunto. Se todo aluno
se manifestar sobre assuntos os mais diversos, o professor não cumprirá sua função
específica, lecionar a disciplina. Para evitar isso, o professor estabelece um código que
limita as comunicações possíveis: durante a aula, por exemplo, toda comunicação deve
versar sobre sociologia jurídica (e, talvez, o tema específico da aula). Assim, a
complexidade da sala de aula é reduzida pelo código “ser assunto de sociologia do
direito” e “não ser assunto de sociologia do direito”. Não é mais qualquer
comunicação sobre qualquer assunto que ocorrerá durante a aula, mas apenas aquelas
que correspondam à disciplina que será, então, lecionada. Forma-se um sistema
dentro da Universidade.
O sistema social é fechado operacionalmente, ou seja, funciona conforme dois
pressupostos: auto-organização e autopoiesis. Auto-organização significa que cada
sistema produz sua própria estrutura, delimitando suas fronteiras e estabelecendo o
que pode ser comunicado conforme seu código e o que não pode ser
comunicado. Autopoiesis significa que cada novo elemento do sistema (cada nova
comunicação) será produzido a partir de pressupostos fornecidos pelo próprio sistema.
Se voltarmos outra vez ao exemplo da sala de aula, agora transformada em um
sistema da disciplina sociologia do direito, perceberemos que, no momento em que se
definir o que é sociologia do direito, serão também delimitadas as fronteiras do
sistema, determinando-se o que pertence e o que não pertence a ele. Ainda, quando
os temas da disciplina forem definidos, será delimitada uma estrutura interna do
sistema. Assim, no nosso caso, o próprio professor de sociologia do direito vai se
comunicar para dizer que a sala só pode tratar do assunto de sua disciplina e, em
seguida, irá defini-la e segmentá-la em temas. Note: isso não será feito pelo professor
de outra disciplina, mas pelo próprio professor de sociologia do direito.
Depois de definir a disciplina e seus temas, toda nova comunicação sobre cada um dos
temas partirá dessa definição genérica. Sendo assim, podemos dizer que o sistema
“disciplina sociologia do direito” é autopoiético, pois cada nova comunicação é
produzida a partir de pressupostos contidos nas anteriores, internos ao sistema. Em
última instância, existem os princípios que delimitam a disciplina, dos quais toda
comunicação partirá. O professor lecionará sociologia do direito falando conforme os
termos definidos pela própria sociologia do direito. Quando explicar um conceito, o
fará utilizando outros conceitos pertencentes ao sistema.
O mesmo se passa com os sistemas sociais. Podemos pensar no sistema político, no
sistema jurídico, no sistema econômico, entre outros. Cada um deles possui um código
próprio que delimita o teor das comunicações que produzem; cada nova comunicação
produzida decorre de outras comunicações pertencentes ao sistema. O sistema
político, cujo código é governo x oposição, só produz comunicações a partir desse
código. Toda fala política parte do sistema e tem por fim a manutenção ou a obtenção
do poder.
40
Embora os sistemas sejam operacionalmente fechados (auto-organizados
e autopoiéticos), existem em um ambiente que pode “irritá-los”. Como o ambiente de
um sistema social é composto não apenas pela matéria física e orgânica, mas também
por todos os outros sistemas sociais, a “irritação” comumente é causada por um
sistema no outro.
Por exemplo: a política, como visto, opera com o código governo x oposição; a
economia opera com o código dinheiro x não-dinheiro. O funcionamento do sistema
político, no qual partidos discutem pelo poder, pode ser perturbado pela lógica do
sistema econômico, no qual os agentes discutem pelo dinheiro.
Quando há uma “irritação”, duas coisas podem ocorrer: ela pode ser repelida pelo
sistema, que continua a funcionar conforme seu código próprio; ou ela pode ser
absorvida pelo sistema. Neste caso, o sistema transforma a perturbação em uma
comunicação que utiliza seu código próprio. Podemos pensar em decisões jurídicas
que usam o código do direito (lícito x ilícito) mas derivam de “irritações” políticas ou
econômicas.
Para Luhmann, o direito é um sistema social. Como dito, seu código é lícito x ilícito (ou
direito x não-direito). As comunicações produzidas por ele têm por finalidade indicar
se um fato ou um ato é lícito ou não, estabelecendo eventuais sanções. Seu
funcionamento segue um programa: “se… então…”. Caso uma hipótese prevista em lei
ocorra (“se”), deve ocorrer uma consequência ou uma determinada decisão deve ser
tomada (“então”).
Trata-se, como os demais, de um sistema operacionalmente fechado. A Constituição
Federal, no caso do sistema jurídico brasileiro, que é sua parte integrante, define sua
estrutura e suas fronteiras, estabelecendo os princípios dos quais partirão todas as
demais decisões que criam normas jurídicas (em leis, sentenças e contratos). A teoria
geral do direito estabelece os mecanismos gerais de funcionamento do sistema,
indicando critérios de validade e interpretação das normas (auto-organização). Toda
nova norma jurídica (que é um texto comunicativo) deve ser criada a partir de
elementos contidos em outras normas superiores ou nos princípios constitucionais
(autopoiese).
Uma marca do direito moderno, para Luhmann, é a positividade. As normas jurídicas
(em leis, sentenças e contratos) derivam de decisões tomadas por pessoas
competentes e/ou capazes. Cada norma criada deriva de uma decisão tomada por uma
autoridade que se comunica partindo de outras decisões anteriores que foram
tomadas e comunicaram normas superiores. Assim, o legislador decide (por votação) e
cria uma lei; essa decisão pressupõe decisões que foram tomadas pelo poder
constituinte originário, criando o próprio poder legislativo e lhe atribuindo, dentro de
limites, competência para criar leis. O conteúdo dessa lei deve seguir o conteúdo da
Constituição.
Há, contudo, um aparente paradoxo. O direito é um sistema social, nascendo para
reduzir a complexidade do ambiente, permitindo que conflitos sejam evitados e
resolvidos. Para tanto, suas comunicações limitam-se ao código lícito x ilícito,
conforme seu programa. Mas a busca dessa redução de complexidade exige que mais
e mais novas comunicações internas ao sistema sejam feitas, para prever todos os
comportamentos sociais e para transmitir certeza e segurança quanto ao seu
conteúdo. Essas novas comunicações, por sua vez, embora dentro do código do
direito, geram uma nova complexidade, que o distancia da realidade e o torna assunto
de especialistas.
Se pensarmos nas aulas de disciplinas dogmáticas, muitas vezes essa situação é visível.
O professor costuma lecionar sobre uma lei, explicando o significado de seus artigos.
Ora, essa lei já foi uma tentativa de reduzir a complexidade por meio do código
jurídico. Assim, o professor leciona sobre a comunicação jurídica, gerando novas
comunicações que a explicam e exigem explicações da explicação, e pouco fala do
ambiente social complexo que antecede a lei. Compreender o direito exige a
compreensão dessas comunicações, afastadas da realidade.Reiteramos o paradoxo: o
direito tenta simplificar a realidade por meio de seu código, mas, ao fazê-lo, cria tantas
comunicações sobre si mesmo que gera uma nova complexidade, embora limitada por
esse código.
41
O ambiente do direito é composto por todos os outros sistemas sociais. Ainda que
operacionalmente fechado, ambos se relacionam produzindo “irritações”, como
descrito acima. Mas as “irritações” só são absorvidas se transformadas no código
próprio do direito.
Verificamos isso nas relações do direito com a moralidade. Esta funciona com o código
bom x ruim. Uma situação avaliada como ruim pelo sistema moral pode ser
considerada lícita pelo direito, e o contrário. Para que o sistema moral interfira no
direito é necessário que seu juízo seja convertido no código lícito x ilícito, passando a
operar como comunicação jurídica interna. Do contrário, persistirá o fechamento.
No caso do sistema político, que funciona conforme o código governo x oposição, a
situação se repete com um agravante: existem elementos que são comuns a ambos,
como a lei e a Constituição, gerando o que Luhmann denomina de acoplamentos
estruturais (pontos de contato entre sistemas).
As discussões parlamentares resultam na criação de leis. Do ponto de vista político,
essas leis fortalecem ou enfraquecem o governo. Mas elas se tornam também
elementos do sistema jurídico, que sofre pressões políticas. O direito responde a essas
pressões tirando o foco de suas comunicações da lei e seu caráter partidário e enfatiza
sua interpretação e aplicação nas cortes, conforme o código jurídico (lícito x ilícito).
Discute-se a “juridicidade” da lei e das situações de que ela trata, abordando-se temas
como sua validade ou a necessidade de aplicação de sanções.
Também a Constituição gera acoplamento entre o direito e a política. A partir do
momento em que ela delimita cada um desses sistemas, organizando a representação
política e delimitando as competências judiciais, ela os conecta ao pertencer a ambos.
Os sistemas funcionam a partir de normas e princípios constitucionais e por meio deles
podem trocar “irritações”.
Destaca-se, no Brasil, nesse ponto de contato, o Superior Tribunal Constitucional. Ao
interpretar juridicamente a constituição que delimita as fronteiras entre o direito e a
política, suas decisões devem pertencer necessariamente ao sistema jurídico,
operando com o código lícito x ilícito convertido em constitucional x inconstitucional.
Mas essa fala recoloca as fronteiras e reestrutura o próprio sistema jurídico,
convertendo-se, em última instância, em uma escolha que pode sofrer interferências
do sistema político e, até mesmo, do sistema econômico. Podemos dizer que o STF
encontra-se em estado de perpétua “irritação”, podendo repelir ou absorver
(convertidas no código jurídico) essas “irritações” conforme a posição ocupada pelo
sistema jurídico em seu ambiente”. Disponível em < https://direito.legal/sociologia-
do-direito/12-luhmann-e-o-direito/ > Acesso: 2.janeiro.2021.
Para quem desejar aprofundar-se em Niklas Luhmann vale a pena estudar dois
autores:
===========================================================
42
AULAS - UNIDADE III - PLURALISMO JURÍDICO E ACESSO À JUSTIÇA; PARTICIPAÇÃO
POPULAR.
1º - INTRODUÇÃO.
A natureza humana faz da criatura um ser que busca a presença de outras criaturas para
estabelecer a convivência. Tem-se distinguido entre “agrupamento” e “sociedade”:
43
“O sentimento de justiça existe em cada indivíduo, como resultado de
suas interações sociais e os respectivos condicionamentos.
Independentemente de ter ou não estudado Direito, todas as pessoas
têm uma noção do que é certo e do que é errado, do que é justo e do
que é injusto. Também a sociedade desenvolve um sentimento
coletivo, no qual se baseia para estabelecer os padrões de
comportamento aceitáveis ou não, que acabam por traduzir-se em
leis” (Cretella Neto, José. 1.000 perguntas e respostas de introdução à
sociologia, de sociologia jurídica e de lógica jurídica. Rio de Janeiro:
Forense, 2010, p.106).
Uma sociedade não poderá cultivar uma indisposição aos seus padrões de comportamentos,
pois estaria se elipsando como sociedade, para se constituir de mero agrupamento, agravado
pela barbárie decorrentes da escancarada desordem impunida da corja, da choldra, ou
agravada pela sutil manutenção estratégica do poder de dominação do que se denominou de
poder do “direito irracional”, estabelecido pelo arbítrio dos procedimentos sem rito prévio e
de legislações e decisões judiciais à moda de oráculos, como se alguns integrantes do grupo
fossem dotados de carismas proféticos.
Estas classificações são uteis para entender parcialmente o título da Unidade III de nosso
curso: SOCIOLOGIA DOS TRIBUNAIS, ou seja, estudar sociologicamente o controle social
externo promovido pelo Estado e o controle social formal promovido pelos tribunais do Poder
Judiciário do Estado.
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Pode-se dizer tratar-se de uma sociologia centrada nos tribunais como instituição política
dotada de poder de decisão (tribunais entendidos como subsistema do processo político), sem
perder-se em conta a existência de órgãos extrajudiciais também dotados de poder de solução
de conflitos.
Assim situados, passemos a compreensão de algumas destas questões, dos problemas que elas
trazem à reflexão.
Visão monista - Apenas o grupo social organizado (Estado) pode criar normas de direito;
(centralismo jurídico) (Art. 59 e 61 da CF)
Lei: regra geral (= para - Sistema jurídico é composto por normas legais que possuem validade
todos) emanada de no território do Estado = princípio da territorialidade (CF. Arts. 5º, § 2º e
autoridade 84).
competente
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Visão pluralista - Todo grupo social consistente (e * ITÁLIA: Camorra Napolitana;
(policentrismo não apenas o Estado) impõe Drangueta Calabreza; Corona
jurídico). Estado x normas de funcionamento entre Pugliesa.
antiestado = poder os seus (tornam-se verdadeiras JAPÃO: Yakuza e/ou
paralelo e não Estado- leis, ainda que em choque com as Boryokudan.
paralelo normas estatais. Ex: máfia*, leis CHINA: Tríades Chinesas.
do morro, cangaço, coronéis, Obs.: Yakuza às vezes é
prisões, multinacionais, torcidas sinônimo de Boryokudan.
organizadas, cartéis de drogas,
contrabandistas de armas, gangs
urbanas).
c- Ensina Eugen Ehrlick: “Um grupo social é uma pluralidade de seres humanos que, em suas
relações mútuas, reconhecem certas regras de conduta como obrigatórias e, em geral pelo
menos, regulam de fato sua conduta de acordo com elas. Essas regras são de vários tipos e
têm vários nomes: regras de direito, de moral, de religião, de costume ético, de honra, de
decoro, de tato, de etiqueta, de elegância... Essas regras são fatos sociais, resultantes das
forças que operam na sociedade, e não podem ser consideradas separadas e à parte da
sociedade, na qual são operantes, assim como o movimento das ondas não pode ser
computado sem se considerar o elemento em que elas se movem...” (“Os grandes filósofos
do Direito”, por Clarence Morris, trad. Reinaldo Gurany, SP:Martins Fontes, 2002, p.448).
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obrigatório e nisto consiste o elemento que o caracteriza e o distingue dos demais processos
de adaptação social.” (“Teoria do fato jurídico”, por Marcos Bernardes de Mello,
SP:Saraiva,1995, p.5).
- a dos positivistas dogmáticos: normas jurídicas são unicamente aquelas criadas pelas
autoridades estatais, previstas em textos legais, e de cumprimento obrigatório por todos OU
a dos positivistas com perspectiva sociológica: todo sistema de normas com alto grau de
aceitação, consideradas obrigatórias em um grupo social.
Utilizando uma sinonímia imprópria, mas sempre empregada, que toma Direito por
“ordenamento jurídico”, pode-se resumir o problema assim: Direito são as leis do Estado OU
Direito são todas as regras obrigatórias para o grupo social? Erlich afirma: “O direito é uma
ordem interna de associações sociais...Nunca existiu uma época em que o direito
proclamado pelo Estado tivesse sido o único direito”.
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Os POSITIVISTAS DOGMÁTICOS não consideram a possibilidade da coexistência, por
isso não estabelecem relação possível.
OS POSITIVISTAS COM PERSPECTIVA SOCIOLÓGICA consideram que mesmo sendo o
Direito estatal o modo de juridicidade dominante, ele coexiste na sociedade com outros
modos de juridicidade: os que com ele se articulam (ordenamentos complementares) e os que
com ele não se articulam (ordenamentos contraditórios ou antagônicos).
- Todo direito informal somente poderá ser reconhecido se o Estado permitir. É a chamada
delegação legislativa. Submetida, porém, ao controle judicial de legalidade. ( CF.Art.5ª, XXXV).
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Empresas podem criar regulamentos e associações podem criar os seus estatutos -, desde que
não contrariem as leis do Estado. Outro exemplo é o caso dos Índios: por força dos Arts.12 e 13
da Lei nº 6.001/73 (Estatuto do Índio) foi assegurado o direito de registrar em Cartório Civil o
casamento realizado de acordo com os costumes tribais e registrado na FUNAI.
- Todas as punições por outros “corpos normativos” poderão ser examinadas pelo Poder
Judiciário do Estado.
A Constituição Federal de 1988, em seu Art. 5º, inciso XXXV, ao enunciar que “a lei não
excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, instituiu o princípio da
inafastabilidade judiciária, abolindo a chamada jurisdição condicionada, ou Instância
Administrativa como corolário prévio para obtenção de um provimento judicial. Atenção:
quando se exige, a lei indica, como no caso do Art. 217, parágrafo 1º da CF: “O Poder Judiciário
só admitirá ações relativas à disciplina e às competências desportivas após esgotarem-se as
instâncias da justiça desportiva, regulada em lei”.
- Para não existir conflito, o termo “direito’ indicará apenas o Direito Estatal. As outras normas
sociais são apenas “infradireito” ou “fenômeno infra jurídico”, específicos da vivência de
determinados grupos e situações sociais.
I - Preliminarmente, vale informar que há autores que diferenciam entre acesso à justiça e
acesso ao poder judiciário. Confira:
49
um alargamento e aprofundamento dos objetivos e métodos da moderna ciência
jurídica.
Como bem preleciona Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart: O direito de
acesso à justiça exige que o Estado preste a adequada tutela jurisdicional que, para
esses autores, significa, também, a tutela estatal tempestiva e efetiva. Há tutela
adequada quando, para determinado caso concreto, há procedimento que pode ser
dito adequado, porque hábil para atender determinada situação concreta, que é
peculiar ou não a uma situação de direito material.
Conforme analisado, não basta que seja garantido ao cidadão o direito ao acesso
à justiça, é necessário que, além disso, seja um acesso efetivo, pois de nada adianta
um ordenamento jurídico repleto de normas programáticas que exaltam os direitos e
garantias fundamentais, como a nossa Constituição Federal de 1988, se o instrumento
que possibilita o acesso a tais normas é deficiente.
Torna-se perceptível que muitos dos legisladores brasileiros e demais gestores
do poder público, ao defenderem o ideal do acesso à justiça, restringem-se, única e
exclusivamente, em colocar à disposição da sociedade o direito de ter acesso ao
Poder Judiciário brasileiro, contribuindo para um movimento de judicialização de toda
e qualquer demanda, sem se preocupar com o resultado qualitativo de tal ação e com
a atual realidade vivida pelo sistema judiciário. Assim, na prática, muitos doutrinadores
ainda confundem as noções de acesso à justiça e de acesso ao Poder Judiciário.
A ideia de acesso justiça não se vincula propriamente ao Poder Judiciário nem a
uma única tutela jurisdicional. O nosso ordenamento jurídico apresenta em si próprio
uma série de recursos alheios ao Poder Judiciário, denominados de
métodos alternativos de resolução de conflitos, devendo implementá-los em sua
totalidade e, com isso, complementar o conteúdo do princípio do acesso à justiça.
À luz da doutrina de Cândido Dinamarco, o acesso à justiça consiste no acesso à ordem
jurídica justa, não bastando apenas que o interessado tenha o simples acesso, sem
que lhe seja garantido que sua tutela será analisada em tempo razoável, caso
contrário, a decisão acerca dessa pretensão pode configurar-se inútil: Sentenças,
decisões, comandos e remédios ditos heroicos concedidos por juízes e tribunais não
passariam de puras balelas, não fora pelo resultado prático que sejam capazes de
produzir na vida das pessoas e nas efetivas relações com outras e com os bens da vida.
O pensador moderno não encara mais o processo, como dantes, a partir do aspecto
interno representado pelos atos e relações em que se envolvem seus protagonistas,
senão pelo ângulo externo a partir do qual seja possível sentir a sua utilidade.
No esforço de apresentar um conceito abrangente, isto é, com sentido integral
ao acesso à justiça, Benjamin seguiu o entendimento de Cândido Dinamarco e prolatou
em sua obra: Seria, então, o próprio acesso ao Direito, vale dizer, a uma ordem
jurídica justa (inimiga dos desequilíbrios e destituída de presunção de
igualdade), conhecida (social e individualmente reconhecida) e implementável
(efetiva), contemplando e combinando, a um só tempo, um rol apropriado de
direitos, acesso aos tribunais, acesso aos mecanismos alternativos (principalmente
os preventivos), estando os sujeitos titulares plenamente conscientes de seus direitos
e habilitados, material e psicologicamente, a exercê-los, mediante superação das
barreiras objetivas e subjetivas e, nessa última acepção dilatada, o acesso à Justiça
significa o acesso ao poder.
Ada Pellegrini Grinover destaca que o acesso à justiça pode ser considerado o
direito mais importante, "na medida em que dele depende a viabilização dos demais".
A temática do acesso à justiça pertinente aos ramos processualistas da ciência jurídica
é embasada numa perspectiva constitucional, visto que este princípio está
insculpido em nosso ordenamento jurídico maior – Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988, inserindo-se na teoria do processo a partir da ideia de
Democracia Social, de participação, de justiça de social.
Luiz Guilherme Marinoni destaca em uma de suas consagradas obras a ligação que há
entre o acesso à justiça e justiça social, afirmando que: A temática do acesso à justiça,
sem dúvida, está intimamente ligada à noção de justiça social. Podemos até dizer que
o “acesso à justiça” é o “tema- ponte” a interligar o processo civil com a justiça social.
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Cappelletti e Bryant advertem no sentido de que o estudo acerca do acesso à
justiça deve ser contínuo e que ainda há muitos passos a serem dados: O surgimento
em tantos países do “enfoque do acesso à justiça” é uma razão para que se encare
com otimismo a capacidade de nossos sistemas jurídicos modernos em atender às
necessidades daqueles que, por tanto tempo, não tiveram possibilidade de reivindicar
seus direitos. Reformas sofisticadas e inter-relacionadas, tais como as que
caracterizam o sistema sueco de proteção ao consumidor, revelam o grande potencial
dessa abordagem. O potencial, no entanto, precisa ser traduzido em realidade, mas
não é fácil vencer a oposição tradicional à inovação. É necessário que enfatizar
que, embora realizações notáveis já tenham sido alcançadas, ainda estamos apenas no
começo. Muito trabalho resta a ser feito, para que os direitos das pessoas comuns
sejam efetivamente respeitados.
Ao tempo que Cappelletti e Bryant são favoráveis às reformas no que diz respeito
ao acesso à justiça, não descartam que "Ao saudar o surgimento de novas e ousadas
reformas, não podemos ignorar seus riscos e limitações. Podemos ser céticos, por
exemplo, a respeito do potencial das reformas tendentes ao acesso à justiça em
sistemas sociais fundamentalmente injustos." É preciso que se reconheça que as
reformas judiciais e processuais não são substitutos suficientes para as
reformas políticas e sociais.
Conforme abordado, o direito de acesso à justiça, ou de acesso à ordem jurídica
justa, deve ser entendido como um autêntico direito fundamental, positivado no rol
dos direitos fundamentais da Constituição Federal de 1988. No entanto, apesar de
possuir um caráter de indispensabilidade, o direito de acesso à justiça deve ser
encarado como um direito de importância ímpar na ordem constitucional brasileira.
Isso porque tal direito caracteriza-se por ser um verdadeiro instrumento de garantia da
efetividade e força normativa dos demais direitos fundamentais e, de forma ampla, a
todos os direitos fundamentais.
Em suma, o acesso a uma ordem jurídica justa traz implícita ideia da
necessária eficiência na prestação do direito, o que deve ocorrer em obediência ao
princípio do devido processo legal, que vai muito além de garantir ao cidadão o acesso
ao Poder Judiciário” (por Professor Ismael Silva. Disponível em <
https://jus.com.br/artigos/35533/acesso-a-justica-x-acesso-ao-poder-judiciario >
Acesso: 2. janeiro.2021
Obs.
- Proibição ao NON LIQUET = não está claro, não liquidar. CPC Art.140 e CF Art.5º, XXXV
- Obrigação da fundamentação das decisões judiciais. CPC Art. 4º,6º // CF Art. 5º, inciso
LXXVIII e Art.93, inciso IX
- Acesso à Justiça diferente de acesso ao Poder Judiciário: soluções não jurisdicionais (CPC
Art. 3º, Res.CNJ 125/2010, Lei n. 13.140/2015 (mediação e conciliação) e Lei n. 9.307/96
( arbitragem) etc.
CP
Art. 345 - Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora
legítima, salvo quando a lei o permite:
Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa, além da pena correspondente à
violência.
51
CPC
Art. 4º As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito,
incluída a atividade satisfativa.
Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha,
em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.
Art. 140. O juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do
ordenamento jurídico.
CF
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade,
à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
Art. 93. X todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e
fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade ...
Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir
litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.
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Lei nº 13.140/2015 - Dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de
solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da
administração pública...
Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a mediação como meio de solução de controvérsias entre
particulares e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração
pública.
a) tratamento teórico
Esta temática nos remete obrigatoriamente a Mauro Cappelletti (1927-2004) e Bryant Garth
autores do livro Acesso à justiça. Da obra vale recordar as 3 ondas ou fases assim
indicadas como óbices:
José Cretella Neto e José Cretella Júnior oferecem um excelente enquadramento à questão
teórica do acesso à justiça:
53
jurídico-sociais, gerido pelo Estado e pelas autarquias locais, contando
com representantes da sociedade civil – tais como organizações
profissionais e sociais, ONG´s, associações de moradores e outras –
para possibilitar a todas as camadas sociais iguais possibilidades de
acesso à Justiça. Aos trabalhadores deve ser dada formação para que
possam resolver questões trabalhistas nas Comissões de Conciliação,
onde houver. Devem ser criados e divulgados mais Juizados Especiais,
para que questões de valor relativamente reduzido sejam resolvidas
com brevidade e a baixo custo. Além disso, os obstáculos de cunho
cultural e social precisam ser removidos, mediante a conscientização
das pessoas sobre seus direitos, lançando mão de cursos e campanhas
educativas, realizados nos locais de trabalho, nas associações de
moradores e nas escolas, bem como de divulgação pela mídia(...).
Um fator importante, o qual provoca a desigualdade na proteção dos
interesses jurídico-sociais, conforme a classe a que pertencem as
pessoas, reside muitas vezes no próprio direito material, concebido
de forma discriminatória em relação aos mais pobres(...).
O obstáculo ao acesso à Justiça constituído pelo caráter
discriminatório do direito material pode ser aliviado, basicamente, de
dois modos: a) alterando-se o próprio direito material, caminho difícil
pela natureza do processo legislativo e pela influência que grupos de
pressão (lobbies),geralmente representativos de organizações
economicamente fortes, exercem sobre os parlamentares; e b)
interpretando-se o direito substantivo vigente de forma mais
inovadora, o que se consegue mediante a conscientização dos juízes
de sua importância como agentes transformadores da sociedade e o
aumento de seus poderes na condução do processo (Cretella Neto,
José.; Cretella Júnior. 1.000 perguntas e respostas de introdução à
sociologia, de sociologia jurídica e de lógica jurídica. Rio de Janeiro:
Forense, 2010, p.94-95).
A questão prática do acesso à justiça poderá ser identificada na atuação do Conselho Nacional
de Justiça - CNJ, órgão do Poder Judiciário composto de 15 membros com mandato de 2 anos
( renováveis), criado pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004 e instalado em 14 de junho
de 2005, nos termos dos arts. 92, I-A e 103-B da Constituição Federal, visando, dentre outros
objetivos desenvolver políticas judiciárias que promovam efetividade da Justiça brasileira.
A Constituição Federal, no Art. 5º, inciso XXXV, assegura o direito de ação e o direito ao
controle judicial. Confira:
Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade,
à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
54
No entanto, pode-se afirmar que, de maneira explicita, foi o novo CPC, que assegurou
processualmente o acesso à justiça, ao dispor no Art. 7º:
Ora, uma coisa é assegurar a todos o direito de ação, e outra coisa é assegurar a todos,
absolutamente a todos, os meios paritários para o exercício do direito de propor ação judicial,
eis que este ato propositivo perante o Poder Judiciário é cercado do atendimento a
determinados pressupostos processuais, cuja não atendimento “sacrifica” o direito de ação,
que sequer será proposta, e, quando proposta, despida de viabilidade impeditiva da
apreciação do mérito da causa.
Há um brocardo latino que diz: “quem dá o direito e nega os meios, não dá o direito”. O Art. 7º
do novo CPC, ao utilizar a expressão “assegurada às partes paridade de tratamento em relação
ao exercício de direitos e faculdades processuais...”, quer traduzir a essência da garantia de
acesso à justiça, ou seja, se efetivamente não for assegurada esta paridade a todos os
cidadãos, os obstáculos reais continuarão sendo a “não-dação” do direito de ação e do direito
de resposta à ação e intervenções pertinentes, justamente pela negativa dos meios
viabilizadores tanto da propositura da ação , quanto da resposta e intervenções na ação
judicial proposta -, todos atos com o atendimento dos pressupostos processuais, o que requer,
indiscutivelmente, para todos eles, o patrocínio de profissional advogado qualificado para a
redação e realização dos atos processuais e, principalmente, da engenharia da estratégia
judicial.
Distinguindo entre “dar o direito” e “negar os meios”, pode-se identificar que a oferta de
meios para assegurar realmente o direito ao acesso à justiça tem merecido providências
concretas do CNJ – Conselho Nacional de Justiça.
55
Para fins desta definição de planejamento estratégico, dos planos de metas e dos programas
de avaliação institucional do Poder Judiciário, bem como da formulação e execução de
políticas judiciárias e de programas e projetos que visam à eficiência da justiça brasileira -,
pode-se identificar:
As atuais comissões estão previstas na Res. CNJ n. 296/2019. Dentre elas, podem-se
mencionar duas comissões permanentes intituladas de: COMISSÃO PERMANENTE DE
SOLUÇÃO ADEQUADA DE CONFLITOS e COMISSÃO PERMANENTE DE DEMOCRATIZAÇÃO E
APERFEIÇOAMENTO DOS SERVIÇOS JUDICIÁRIOS, incumbidas de proporem estudos que visem
à democratização do acesso à justiça (cf. Art 1º, incisos VIII e IX; Arts. 9º e 10).
56
ou da efetivação de uma Meta Nacional ou de programas, projetos ou
ações;
...
Art. 12. As Metas Nacionais do Poder Judiciário serão elaboradas,
prioritariamente, a partir dos indicadores relacionados a cada um dos
Macrodesafios de que trata o Anexo II desta Resolução.
57
democrático e participativo e a cada ano o CNJ vem buscando
aperfeiçoar esse processo, a fim de torná-lo mais transparente e
possibilitando maior envolvimento das pessoas”.
O ANEXO II da Resolução CNJ n. 325/2020 elenca uma tabela de dupla coluna: a dos
“macrodesafios” diagnosticados no Poder Judiciário, e a coluna dos correspondentes índices
que mensuram os “indicadores de desempenho” no enfrentamento destes obstáculos ao real
alcance do acesso à uma justiça eficiente. O primeiro dos macrodesafios pontuados é a
“garantia dos direitos fundamentais” assim avaliado pelo indicador de desempenho
mensurado pelo IAJ – Índice de Acesso à Justiça.
O pessoal do CNJ – na esteira dos cientistas sociais - apontam como barreiras de acesso à
justiça entraves pessoais, econômicos, sociais e culturais, jurídicos. Em contraposição a eles, há
algumas indicações para superá-los.
Vejamos:
i. BARREIRAS PESSOAIS
Etc.
58
ii. BARREIRAS ECONÔMICAS
Etc.
iii. BARREIRAS SOCIAIS E CULTURAIS
Etc.
59
-Pretensão garantidora de acesso à justiça: A Resolução CNJ n. 296/2019 fixa a competência da
Comissão Permanente de Políticas Sociais e de Desenvolvimento do Cidadão para acompanhar
e monitorar ações que tenham por objeto direitos e interesses coletivos, difusos e individuais
homogêneos. O processo civil clássico, individualista, é insuficiente para resolver direitos que
transcendem a esfera do indivíduo, os quais, ele (o indivíduo), por si, não se animaria a exercê-
los. Vide CF. Art.5º, XXI e 8º, inciso III / CPC Arts. 17 e 18 / Lei n. 7.347/85 – Art. 5º (Ação Civil
Pública de responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor etc.), etc.
“Constituição Federal
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do
60
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes: (...)
LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável
duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”
Código de Processo Civil
“Art. 4º As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do
mérito, incluída a atividade satisfativa. (...)
Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha,
em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva. (...)
Art. 8º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às
exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa
humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade
e a eficiência.”
STJ
Responsabilidade civil do Estado - demora excessiva na prestação jurisdicional –
violação ao princípio da razoável duração do processo
“1. Trata-se de ação de execução de alimentos, que por sua natureza já exige maior
celeridade, esta inclusive assegurada no art. 1º, c/c o art. 13 da Lei n. 5.478/1968.
Logo, mostra-se excessiva e desarrazoada a demora de dois anos e seis meses para se
proferir um mero despacho citatório. O ato, que é dever do magistrado pela
obediência ao princípio do impulso oficial, não se reveste de grande complexidade,
muito pelo contrário, é ato quase que mecânico, o que enfraquece os argumentos
utilizados para amenizar a sua postergação. 2.(...). A demora na entrega da prestação
jurisdicional, assim, caracteriza uma falha que pode gerar responsabilização do Estado,
mas não diretamente do magistrado atuante na causa. 3. A administração pública está
obrigada a garantir a tutela jurisdicional em tempo razoável, ainda quando a dilação se
deva a carências estruturais do Poder Judiciário, pois não é possível restringir o alcance
e o conteúdo deste direito, dado o lugar que a reta e eficaz prestação da tutela
jurisdicional ocupa em uma sociedade democrática. A insuficiência dos meios
disponíveis ou o imenso volume de trabalho que pesa sobre determinados órgãos
judiciais isenta os juízes de responsabilização pessoal pelos atrasos, mas não priva os
cidadãos de reagir diante de tal demora, nem permite considerá-la inexistente . 4. A
responsabilidade do Estado pela lesão à razoável duração do processo não é matéria
unicamente constitucional, decorrendo, no caso concreto, não apenas dos arts. 5º,
LXXVIII, e 37, § 6º, da Constituição Federal, mas também do art. 186 do Código Civil,
bem como dos arts. 125, II, 133, II e parágrafo único, 189, II, 262 do Código de
Processo Civil de 1973 (vigente e aplicável à época dos fatos), dos arts. 35, II e III, 49, II,
e parágrafo único, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, e, por fim, dos arts. 1º e
13 da Lei n. 5.478/1965. 5. Não é mais aceitável hodiernamente pela comunidade
internacional, portanto, que se negue ao jurisdicionado a tramitação do processo em
tempo razoável, e também se omita o Poder Judiciário em conceder indenizações pela
lesão a esse direito previsto na Constituição e nas leis brasileiras. As seguidas
condenações do Brasil perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos por esse
motivo impõem que se tome uma atitude também no âmbito interno, daí a
61
importância de este Superior Tribunal de Justiça posicionar-se sobre o
tema.” (grifamos) REsp 1383776/AM
Etc.
- CNJ - Res. 332/ agosto 2020 : Justiça 4.0 ( obs. 4.0 porque seria a 4ª fase da revolução
industrial) + Res. 398/2021 ( dispõe sobre os núcleos de justiça 4.0 a que alude a Res.
385/2021)
- CNJ - Res. 345/ outubro 2020 : Justiça 100% digital + Res. 408/2021 + 420/2021
- CNJ - Res. 349/ outubro 2020 : Criação do Centro de Inteligência do Poder Judiciário - CIPJ
- CNJ - Res. 354/ novembro 2020 : Cumprimento digital de ato processual e de ordem
judicial
( regulamenta audiências e sessões por videoconferência e telepresenciais etc)
Obs. Vide Res. 357/ novembro 2020 – audiência de custódia por videoconferência
E mais:
62
IV – propor medidas concretas e normativas para o aperfeiçoamento de procedimentos e o
reforço à efetividade dos processos judiciais, por meio da implantação e modernização de
rotinas, a organização, especialização e estruturação dos órgãos competentes de atuação do
Poder Judiciário para o adequado enfrentamento e solução de demandas envolvendo as
pessoas em situação de rua;
V – promover o levantamento de dados estatísticos relativos aos números, à tramitação e
outros dados relevantes sobre ações judiciais que envolvam pessoas em situação de rua,
visando dar visibilidade à política e promover a gestão das ações voltadas ao aprimoramento e
sua efetividade; inclusive analisando os dados oficiais e dos centros de defesa, a fim de
diagnosticar o grau de acesso à justiça nacional, regional e local e as barreiras para sua
efetividade;
VI – estimular a adoção de medidas preventivas de litígios que envolvam as pessoas em
situação de rua no âmbito do sistema multiportas, como Centros de Conciliação, Laboratórios
de Inovação e Centros de Inteligência do Poder Judiciário;
VII – estimular a atuação articulada com os demais poderes, por seus órgãos integrantes do
Sistema de Justiça, órgãos gestores das políticas de Assistência Social e de Habitação, dentre
outras políticas, comitês interinstitucionais e centros locais de assistência social, como Centro
de Referência de Assistência Social (CRAS), Centro de Referência Especializado em Assistência
Social (CREAS), Centro ou CREAS Pop, e Organizações da Sociedade Civil;
VIII – fomentar e realizar processos de formação continuada de magistrados e servidores
judiciários e demais órgãos do Poder Público, bem como organizar encontros nacionais,
regionais e seminários de membros do Poder Judiciário, com a participação de outros
segmentos do poder público, da sociedade civil, das comunidades e outros interessados;
IX – estimular a cooperação administrativa e judicial entre órgãos judiciais e outras
instituições, nacionais ou internacionais, incluindo centros de pesquisa, instituições de
pesquisa e universidades em favor dos direitos e garantias das pessoas em situação de rua;
X – assegurar o acesso das pessoas em situação de rua à identificação civil básica e ao
alistamento eleitoral;
XI – promover e garantir os direitos humanos de crianças e adolescentes em situação de rua,
reconhecendo-as como sujeitos de direitos, em consonância com Estatuto da Criança e do
Adolescente; e
XII – dar especial atenção aos programas, projetos, serviços, ações e atividades direcionados
para as pessoas em situação de rua com deficiência e mobilidade reduzida, observando-se o
disposto na Lei no 13.146/2015 (Lei Brasileira de Inclusão).
Art. 2o Para os efeitos desta Política, considera-se população em situação de rua o grupo
populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, eventuais vínculos
familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular, e
que utiliza os logradouros públicos e as áreas degradadas como espaço de moradia,
sociabilidade e sustento, de forma temporária ou permanente, bem como as unidades de
acolhimento para pernoite temporário ou como moradia provisória.
63
ouvido falar sobre impressão 3D e realidade aumentada, certo? Ou, então sobre
veículos autônomos, Internet das Coisas (IoT), Jurimetria e Blockchain? Todas essas são
tecnologias que já vivenciamos em nossa realidade e que terão seus impactos
englobados em um novo modelo, a Sociedade 5.0. Este período que se instaura é
marcado pela disrupção sem precedentes, no ritmo mais rápido da história. A
tecnologia de automação vai impactar a todos, desde trabalhadores de chão de
fábricas até grandes executivos. E o foco dessas mudanças terá como prioridade o ser
humano com suas necessidades e habilidades intrínsecas. Em um contexto holístico de
sociedade digital, ao alternar o modo de trabalho e a manipulação dos dados
referentes ao comportamento humano, tais transformações trazem benefícios
econômicos. Surgem, também, novos modelos de mercado, com foco no
comprometimento com geração de valor. As organizações passam a ser mais
descentralizadas, e o desenvolvimento tem um caráter harmônico e empático.O meio
jurídico também caminha nesse sentido, rumo ao Direito 5.0 e à Advocacia 5.0. Junto a
esses modelos, vêm novas formas de trabalho, de gerenciamento e entrega de valor
ao cliente. E é sobre isso que vou falar neste texto, trazendo um contexto geral sobre
o assunto e esclarecendo alguns conceitos. Boa leitura!
É o período marcado entre os anos de 1860 e 1900. A Sociedade 2.0 trouxe o emprego
do aço, a utilização da energia elétrica e dos combustíveis derivados do petróleo para
sanar necessidades humanas. Nesta época também ocorreu o desenvolvimento da
indústria química e a criação de novos inventos, como automóveis, telefones e rádios.
A Advocacia 2.0 foi marcada pelo crescimento das bancas e pela fundação dos
escritórios de advocacia, fruto do aumento das demandas jurídicas.
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3ª Revolução Industrial: Globalização 3.0, Sociedade 3.0 (industrializada)
Surgiu em torno de 1950, fruto dos avanços ocorridos nos séculos XIX e XX. Ficou
marcada pelo surgimento de equipamentos eletrônicos, da telecomunicação, de
computadores, fax e celular. É o período em que se desenvolveu a engenharia
genética e pesquisas na área da biotecnologia. Possibilitou, também, a exploração
espacial, a invenção dos robôs e autômatos, ou máquinas que operam de forma
automática, além do modo de produção chamado de Toyotismo. A Advocacia 3.0
ganhou agilidade para executar as tarefas do dia a dia, principalmente pelo surgimento
da internet. Foi implementada a automatização de contratos e de procedimentos,
além do uso de robôs de mensagens (chatbots). Surgiram as sociedades de
advogados, os processos eletrônicos, a assinatura digital e os documentos
digitalizados.
Com a origem da internet, as conexões entre as pessoas tornaram-se cada vez mais
rápidas e eficazes. Nesse contexto surge a Sociedade 4.0. O período é marcado pelo
foco na indústria e na produtividade, além do desenvolvimento de sistemas para
diminuir operações manuais e mitigar a incidência de erros humanos. As informações
passaram a ser digitalizadas e entrou em cena o uso de dados para garantir eficiência,
reduzir falhas e aumentar a sustentabilidade e a lucratividade da indústria.
Os advogados têm à disposição recursos tecnológicos que auxiliam para uma atuação
mais estratégica no processo de tomada de decisões.
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adaptar à “sociedade superinteligente” e realizar qualquer tarefa com o auxílio de
tecnologias de conectividade e rastreabilidade.
Com isso, poderá criar teses próprias, com controle mais detalhado sobre as decisões
judiciais e sabendo, de imediato, quantas vezes aquela vara ou aquela turma já julgou
a mesma matéria.
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O papel do advogado 5.0
Desenvolvimento sustentável
Estratégias de direitos humanos
Reforma regulatória
Dados abertos
Segurança cibernética
Governança mundial de dados
Desta forma, frente ao mercado tão concorrido, nós, advogados do futuro, não
podemos nos perpetuar na vida profissional baseados em antigos paradigmas. Isso, na
verdade, nos distancia da Advocacia 5.0, e precisamos enxergar o Direito como meio e
não um fim. Advogados autônomos, escritórios e departamentos jurídicos que
não implementarem a tecnologia aliada às pessoas em sua gestão, certamente não
obterão grandes êxitos. Isso porque estarão em desvantagem em relação ao mercado
competitivo, frente à jurimetria avançada.
Apesar de minoria, já existem, hoje, modelos que prestam serviços apenas através da
internet, por meio de escritórios de advocacia virtuais. É uma modalidade muito
comum entre os jovens advogados, que já iniciaram sua advocacia no mundo do
processo digital. Nessa realidade, muitos deles não possuem espaços físicos, captam
clientes e os atendem por videoconferências e fazem contratos e distribuem ações
sem nunca terem se encontrado pessoalmente.
Outra ferramenta indispensável atualmente, e também na Advocacia 5.0, são os
celulares e dispositivos móveis, que cada vez mais ganham mais relevância ao
cotidiano da advocacia na era digital. Afinal, são utilizados na consulta de processos,
busca por informações e no contato com os clientes. E, no futuro, podem ter ainda
outras funcionalidades.
Conclusão
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A Advocacia 5.0 vai exigir dos profissionais do direito o desenvolvimento de novas
características técnicas e pessoais. É preciso ser visionário e estratégico, ter um olhar
diferente para os problemas, buscando soluções focadas no cliente. Além disso, buscar
novas possibilidades do direito, especializações em áreas pouco desbravadas e intitular
a marca do seu negócio a um propósito.
Nesses novos caminhos, o advogado 5.0 deve estar aberto a ser um eterno aprendiz.
Dessa forma, minha dica é que os profissionais nunca parem de estudar em busca de
seu desenvolvimento. Atuar na Advocacia 5.0 vai exigir conhecimento, uma postura
ativa e auto conhecimento” ( Por Gabriela Barreto. Disponível em <
https://www.aurum.com.br/blog/advocacia-5-0/ >. Acesso: 2.Janeiro.2021.
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f) OUVIDORIAS: unidades de comunicação entre o cidadão e os órgãos do Poder
Judiciário, que constitui espaço de participação social e democrática, e de controle da
qualidade dos serviços públicos.
Etc.
Vale conferir a Res. CNJ 221/2016 e suas atualizações ( Art.4º ), por mencionar estes
processos participativos ( e outros como enquetes e pesquisas,fóruns e encontros).
Já o sítio do STF
<http://www.stf.jus.br/portal/audienciaPublica/audienciaPublicaPrincipal.asp > é bastante
esclarecedor sobre o histórico das audiências públicas e as perguntas frequentes:
O mesmo sítio da conta das audiências já realizadas e atualiza-nos a respeito das previstas. As
já realizadas até agosto de 2020 foram as seguintes:
4. judicialização do direito à saúde (SL nº 47, SL nº 64, STA nº 36, STA nº 185, STA nº 211,
STA nº 278, SS nº 2.361, SS nº 2.944, SS nº 3.345, SS nº 3.355)
8. novo marco regulatório para a TV por assinatura no Brasil (ADI nº 4.679, ADI nº 4.756 e
ADI nº 4.747)
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11. regime prisional (RE nº 641.320)
15. alterações no marco regulatório da gestão coletiva de direitos autorais no Brasil (ADI
nº 5062 e ADI nº5065)
19. novo Código Florestal (ADI nº 4.901, ADI nº 4.902, ADI nº 4.903, ADI nº 4.937),
21. audiência pública simultânea sobre os arts. 10, § 2º, e 12, III e IV, da lei nº 12.965/2014
- Marco Civil da Internet (ADI nº 5.527) e a suspensão do aplicativo Whatsapp por
decisões judiciais no Brasil (ADPF nº 403)
22. aplicabilidade do direito ao esquecimento na esfera civil, em especial quando esse for
invocado pela própria vítima ou por seus familiares (RE 1.010.606).
23. interrupção voluntária da gestação (ADPF 442).
24. tabelamento de fretes ( ADI 5956).
25. transferência de controle acionário de empresas públicas, sociedades de economia
mista e de suas subsidiárias ou controladas (ADI 5624).
26.conflitos federativos sobre questões fiscais dos estados e da união (ACO
3233).
27. liberdades públicas de expressão artística, cultural, de comunicação e direito
à
informação (ADPF 614).
28. candidatura avulsa (ARE 1054490 reautuado para RE 1238853 ).
29. controle de dados de usuários por provedores de internet no exterior (ADC 51).
30. funcionamento do fundo nacional sobre mudança do clima (fundo clima) e políticas
públicas em matéria ambiental;
31. funcionamento do fundo Amazônia e a implementação de políticas em matéria
Ambiental;
32. discussão para a redução da letalidade policial;
33. Monitoramento prisional;
34. Plano Nacional de Educação Especial;
35. juiz das garantias.
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O novo CPC dispõe sobre as AUDIÊNCIAS PÚBLICAS ao tratar:
A título de breve histórico, pode-se, em apertada síntese, registrar que o instituto jurídico do
amicus curiae surgiu, no Brasil, mais palpavelmente, com a edição da Lei n. 9.868/99, que
dispõe sobre o processamento e julgamento no STF, da ação direta de inconstitucionalidade
(ADI) e da ação declaratória de constitucionalidade (ADC). De rigor esclarecer que a referida lei
não empregou a expressão amicus curiae.
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aludem nos artigos 102 e seguintes da CF, a conferir: RE 672215 CE; RE 611586 PR; RE 665134
MG).
O novo CPC, além de utilizar a expressão amicus curiae, contemplou sua admissibilidade em
todos os graus de jurisdição, e não mais apenas nas ações de controle de constitucionalidade.
Da leitura do Art. 138 identifica-se que houve avanços, como por exemplo, a admissão de
pessoa natural e a intervenção ainda em primeira instância. Vale informar que este avanço não
liberou o patrocínio do advogado: o STF, no julgamento da ADPF 180-SP, decidiu que o pedido
de admissão do amicus curiae deverá estar subscrito por advogado constituído, sob pena de
não ser admitido/conhecido.
Pode-se entender que admissão do amicus curiae é uma dimensão alargada do contraditório
(Art. 5º, LV, da CF/1988), um contraditório exercido por terceiro autônomo e sem interesse
direto na causa, por se tratar de uma “causa social”, quer pela dimensão de salvaguardar
direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos , quer pelo aspecto do alcance da eficácia
presente nos processos de controle concentrado, de repercussão geral (artigo 1.035, parágrafo
4º do CPC) e de incidente de resolução de demandas repetitivas (artigo 983 do CPC).
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