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Introdução às Ciências Sociais

Módulo I-II

As ciências sociais e o conhecimento da realidade social

o Conhecimento e ciência

Conhecimento – é o processo de integração de informações controladas no âmbito da


socialização primária (normas, costumes, valores que nos são ensinadas pela nossa família na
infância) e secundária (tudo o que aprendemos ao longo da nossa vida).

 Tipos de conhecimento:

A essência, o senso comum e a experiência, são a base do conhecimento e só conseguimos


construir a partir destes três aspetos.

 Fatores que influenciam o conhecimento:


• Investigadores – dos interesses científicos e extra científicos que os motivam, das
suas posições e atitudes relativamente à estrutura e à dinâmica social, cultura e
política;
• Meios de produção – que os cientistas manipulam: métodos, conceitos e teorias
disponíveis, técnicas de pesquisa, recursos financeiros, entre outros;
• Estrutura, funcionamento e de relacionamento com outras estruturas e instituições
sociais – isto é, quem as financia, qual o seu grau de dependência ou de liberdade
em relação a organizações e forças exteriores; qual a sua estrutura interna de
poderes e quais os mecanismos da sua administração e gestão científica.

Ciência – o importante são que as características do produto científico dependem da


natureza e do enquadramento estrutural do sistema social de produção de conhecimentos que
o produz. Por isso mesmo, a ciência designa duas realidades distintas:

• “um corpo de conhecimentos e de resultados.”


• “um sistema de produção desse produto.”

Pode dividir-se em:

• Ciências exatas – onde o foco destas é a resolução de problemas utilizando a


matemática e fornecendo resultados lógicos e precisos; as ciências exatas são as que
utilizam mais o raciocínio lógico, cálculos, números e o teste de hipóteses.
• Ciências humanas – o foco destas é o estudo social, uma vez que, estudam o ser humano
como indivíduo e como sociedade; procuram, através de dados e análises de
acontecimentos históricos, compreender o movimento das estruturas sociais e da
cultura.

Método científico – é um conjunto de regras básicas para um cientista desenvolver uma


experiência controlada para o bem da ciência (observação de um facto, formulação de um
problema, proposta de uma hipótese); a hipótese é o caminho que deve levar à formulação de
uma teoria, onde o cientista tem que ter em conta dois objetivos:

1. Explicar um facto;
2. Prever outros acontecimentos dele decorrentes.

A hipótese deve ser testada em experiências laboratoriais controladas e, se os resultados


obtidos pelos pesquisadores comprovarem perfeitamente a hipótese, então ela será aceite
como uma teoria.

Experiência controlada – é realizada com técnicas para descartar as variáveis que podem
mascarar o resultado; utiliza-se o método do duplo-cego, onde estão inseridos dois grupos, um
grupo de teste (grupo que será testado) e um grupo de controlo (grupo que não é testado,
servindo apenas para comprovar que o teste é válido).

O método científico apresenta quatro fases principais:

1. Observação (não é passiva)

Implica:

Seleção de dados a observar em função de um dado modelo teórico que o cientista já


dispõe, ou seja, o que deve ser e de que forma deve ser observado; uma observação é já uma
interpretação; o que é essencial é separado do que é acessório, unificando-se a diversidade
empírica; a observação pode originar múltiplas experiências, levando assim, a uma melhor
observação dos fenómenos em condições controladas; é mediatizada por instrumentos
(microscópios, telescópios, etc.) e por uma linguagem mais específica, o que nos permite que
seja possível conferir um maior rigor na recolha dos dados.

2. Hipótese

Diz respeito ao momento inventivo da investigação, sendo a hipótese uma explicação


provisória sobre as relações entre dois ou mais fenómenos, que é obtida através de induções e
de deduções:
2.1. Raciocínio indutivo, onde se extrai uma lei que é comum depois de se observar
relações/prioridades comuns a vários fenómenos da mesma espécie, isto é,
partimos de um caso em concreto e tentamos generalizar a qualquer outro tipo de
estudo. Por exemplo, a queda dos corpos – Galileu.
2.2. Raciocínio dedutivo, onde se pretende controlar a validade/generalidade das
relações, formulando a hipótese dentro da sua generalidade, procurando também
construir uma teoria científica, ou seja, partindo de uma generalização existente,
vamos tentar adaptar a outro caso ou problema específico.

Uma hipótese é considerada adequada quando cumpre algumas condições, como:

a. Ser compatível com os factos estudados;


b. Ser coerente com outras hipóteses anteriormente admitidas;
c. Permitir que se façam observações ou experiências que a confirmem ou refutem.
3. Experimentação

Trata-se de testar a hipótese na sua máxima generalidade em condições que sejam


controladas; caso a hipótese seja refutada pela experiência, volta-se ao início do processo.

4. Formulação de leis

Depois de a hipótese ser confirmada na sua máxima generalização, pode formular-se uma
lei. Cada lei, deve ter em conta: que o seu princípio base é a universalidade, isto é, sempre que
nas mesmas circunstâncias ocorram as mesmas causas, produzir-se-ão os mesmos efeitos.

O espírito científico

Métodos quantitativos Métodos qualitativos


Mais apropriado para todos os fenómenos Mais recomendável para o estudo de
matematizáveis, como os que ocorrem na fenómenos mais complexos, como os
natureza; humanos;
O método de referência destas ciências seria Apresenta diferentes metodologias de
o método experimental; estudo, apoiadas em análise de documentos,
entrevistas e observações participantes;
Trata-se de metodologias reconhecidas como Metodologias onde são mais evidentes os
muito objetivas, que nos dão uma explicação conflitos de interpretações, e notória a
precisa dos fenómenos observados. subjetividade do cientista.

A questão da cientificidade

O que permite conferir legitimidade científica aos resultados da investigação?


• Confrontação dos factos (questão de Popper – garantem-nos apenas a
refutabilidade da teoria);
• O facto científico é conquistado, construído e verificado (Bachelard);
• Processo de conhecimento científico obedecendo a uma hierarquia de atos
epistemológicos: rutura, construção e verificação/experimentação (P.
Bourdieu);
• Em ciência, as ideias devem subjugar-se a procedimentos epistemológicos
rigorosos.

Conhecimento científico Senso comum


Objetivo, procura as estruturas universais e Subjetivo, exprime sentimentos e opiniões
necessárias das coisas investigadas; individuais ou de grupos, dependendo das
condições em que vivem;
Quantitativo, busca critérios de comparação Qualitativo, julga as coisas como
e de avaliação para coisas que parecem ser pesadas/leves, doces/azedas, quente/frio,
diferentes; entre outros;
Homogéneo, busca leis gerais de Heterogéneo, refere-se a factos que se
funcionamento dos fenómenos; julgam diferentes entre si;
Generalizador, reúne individualidades Individualizador, cada coisa ou cada facto
percebidas como diferentes sob as mesmas aparece como um indivíduo ou como um ser
leis, os mesmos padrões ou critérios de autónomo;
medida;
Só estabelecem relações causais depois de Estabelece relações de causa e efeito entre
estudar a estrutura do facto e as suas coisas ou factos;
relações com outros semelhantes ou
diferentes;
Surpreende-se com a regularidade, Admira o extraordinário;
frequência, a repetição e a diferença das
coisas e procura mostrar que o extraordinário
é um caso particular do que é normal;
Distingue-se da magia, pois opera um Confunde o conhecimento científico com a
desencadeamento ou desenfeitiçamento do magia, considerando que ambas lidam com o
mundo, mostrando que nele não agem forças misterioso, o oculto, o incompreensível;
secretas, mas causas e efeitos racionalmente
inteligíveis;
Afirma que pelo conhecimento, o homem Costuma projetar nas coisas ou no mundo
pode libertar-se dos medos e das suas sentimentos de angústia e medo diante do
superstições; desconhecido;
Procura renovar-se e modificar-se Cristaliza-se em preconceitos com os quais
continuamente; passamos a interpretar toda a realidade que
nos cerca;
Diferenciador, não reúne nem generaliza por Generalizador, tende a reunir numa só opinião
semelhanças aparentes, mas distingue os que ou idealizar coisas e factos julgados
parecem iguais desde que obedeçam a semelhantes;
estruturas diferentes.
Conceitos a saber…

• Paradigma – é um conjunto de ideias pré-existentes à nossa investigação a partir do qual


realizamos a mesma;
• Teoria – é o resultado final da nossa investigação, desde que tenha a característica da
universalidade, isto é, desde que possa ser aplicada a várias áreas do conhecimento;
• Modelo – é também o resultado da nossa investigação. No entanto, não possui a
característica da universalidade, mas sim, a característica regional ou setorial, ou seja,
apenas se aplica a uma região ou a uma área do saber;
• Método – é o percurso que fazemos ao longo da nossa investigação, podendo ter dois
sentidos: um que aponta para os procedimentos da investigação; e o outro, que aponta
para a ideia de teoria.

o Pluralidade de abordagens
 A emergência e a institucionalização das Ciências Sociais
A. Fatores sociais e políticos:
• Transformação políticas e sociais durante os séculos XVIII e XIX (forte
necessidade do surgimento das ciências sociais).
• O Estado Moderno necessitava de possuir conhecimento sobre onde basear
as suas decisões, de forma a organizar a mudança social (começa-se a
perceber que tem de haver uma separação do poder terreno do eclesiástico.
Como tal, o poder da Igreja começa a diminuir e o da burguesia a aumentar).
B. Condições Institucionais e Organizativas:
• Existe um declínio da faculdade de Teologia e a subdivisão da Faculdade de
Filosofia em Ciências Sociais (a Teologia é substituída pela Filosofia);
• Há, ainda, uma revitalização e reorganização da Universidade;
• A Universidade passou a ser o espaço de tensão entre Humanidades e
Ciências Exatas e Naturais (ciências que se “preocupavam” com o homem).
 Reorganização da estrutura das Ciências Sociais

Dois domínios de investigação:

• Investigação histórica – reconstituição documentada das histórias dos povos


e das nações;
• Recolha de dados quantificáveis sobre a realidade social – e o
estabelecimento de regularidades observáveis entre eles.

Polaridades epistemológicas das Ciências Socias

➢ Polaridade relativa à natureza específica do seu objeto


• Determinismo – para os deterministas, se se verificassem um
acontecimento específico, o resultado final seria sempre igual, isto é, para
uma causa, o efeito era sempre o mesmo independentemente da sociedade
ou do momento. Por exemplo, sempre que chove, o chão fica molhado.
Todas as investigações que tinham como base o determinismo, como
dependiam de forma financeira do Estado, procuravam criar modelos que
não colocassem em causa a forma como a sociedade estava organizada.
• Não-determinismo – para os não-deterministas, o resultado final de um
determinado acontecimento vai depender das pessoas que estão envolvidas
na ação. Também definam que, após a observação de um fenómeno, tinham
que conseguir identificar todos os fatores do meio envolvente, uma vez que,
esses iam influenciar o resultado final; não seguiam as regras que estavam
estabelecidas e colocavam em causa os poderes instalados, achando que só
assim se podia evoluir na investigação.
➢ A polaridade epistemológica opõe duas orientações que são opostas:
• Nomotética – conhecimento que seria fruto da investigação das relações
regulares, constantes e universais entre fenómenos, para enunciar “leis”; os
investigadores consideravam que só se deve fazer a investigação se o
objetivo final for criar uma nova lei ou teoria.
• Ideográfica – conhecimento que seria fruto da descrição e interpretação de
contextos particulares e de casos individuais; os investigadores consideram
que o objetivo da investigação é resolver problemas concretos do dia-a-dia.

Nas ciências sociais:

➢ Corrente Positivista (August Comte)


• Associa-se ao determinismo;
• Defendia a necessidade de aplicar aos fenómenos humanos a mesma
metodologia experimental (positivista) utilizadas nas ciências da natureza,
levando ao estabelecimento de leis universais.
➢ Corrente Hermenêutica (Wilhelm Dilthey)
• Associa-se ao não-determinismo;
• Defendiam que as ciências sociais visavam a compreensão dos processos e
produtos da ação humana.

Implicações organizativas e epistemológicas da reestruturação das Ciências Sociais:

• O problema da validade das distinções disciplinares – validade,


universalidade e pertinência da separação entre “culturas.”;
• Problema da universalidade dos resultados das ciências sociais
 Ligada a:
• Natureza organizativa;
• Interdisciplinaridade;
• Imparcialidade dos investigadores.

O problema do lugar das ciências sociais na estrutura dos saberes – a evolução da ciência
moderna procura um conhecimento objetivo, liberto de mitologias. Para tal, foram
estabelecidas três condições:

• Condição de objetividade: separação rigorosa entre o investigador e o objeto;


• Condição de universalidade: qualquer estudo só será aceite e validado se conduzir à
criação de novas teorias que possam ser aplicadas a várias áreas de estudo;
• Condição de progresso e eficácia do conhecimento: exige que qualquer investigação
promova o progresso do conhecimento, rejeitando, por isso, estudos que se limitassem
a estudar o que já se sabia.

Necessidades para o futuro das Ciências Socias:

• Necessidade de desmantelar as fronteiras artificiais estabelecidas entre seres humanos


e natureza (ambos fazem parte do mesmo universo enformado pelo tempo);
• Necessidade de considerar o investigador inserido no seu contexto (social e físico);
• Necessidade de introduzir os fatores espaço e tempo como variáveis, constitutivas da
análise científica;
• Necessidade de superar a separação artificial entre os domínios do político, do social e
do económico.
Perspetivas e orientações para uma “abertura” das ciências sociais

• Reformulação da distinção entre Homem e Natureza (tratar os problemas, bem como


os seres humanos e a natureza, na sua complexidade e inter-relações);
• O Estado como molde analítico (sistema mundo Vs força intraestatais);
• Reformulação da relação entre o universal e o particular (como encarar toda uma
pluralidade de mundividências, sem com isso perder de vista a noção de que existe a
possibilidade de conhecer e de entender sistemas de valores que podem ser, ou tornar-
se, comuns a toda a humanidade);
• Redefinição das condições de objetividade (postura intelectual da inclusão; autoanálise
dos modelos teóricos e dos elementos subjetivos).

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