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I.

A Ciência como forma particular de conhecimento: Construção Científica


e Rutura com o Senso-Comum
O modelo racional que baseia a e fundamenta toda a ciência moderna constitui-se a partir do
século XVI e foi desenvolvido nos séculos seguintes, sobretudo no que se refere às ciências
exatas e naturais. Só no século XIX é que tal modelo se estende às ciências sociais.
A opinião popular nas sociedades modernas é a de que ciência, objetividade e rigor são uma e
a mesma coisa.
Esta conceção, embora esteja a sofrer algumas alterações na atualidade, está profundamente
enraizada nas descobertas científicas e no próprio método científico desenvolvidos após o
século XVI

1.3 O conhecimento como construção e abstração


A observação dos fenómenos na realidade, depende de muitos fatores:

● da teoria utilizada;

● da cultura onde observador e fenómeno observado se inserem;

● das expectativas do observador;

● das suas próprias e subjetivas experiências;

É devido a esta relativização, por assim dizer, do método científico que, atualmente a ciência é
cada vez mais posta em questão.
Se na ciência clássica a natureza era concebida como um autómato, uma máquina, explicada
por leis matemáticas, da qual se julgava o observador ausente (ou seja, não interferia no que
observava), hoje em dia ela situa também o Homem, e o protagonista da observação na
realidade que estuda e pretende explicar.
De certa forma, podemos considerar que a ciência se humanizou e se fragmentaram as formas
de conhecimento científico porque a realidade não é completamente apreendida de um só
modo e a partir de uma só perspetiva.
A verdade, mesmo no domínio da ciência, pode ser considerado algo relativo, que depende de
condições mais vastas do que a metodologia utilizada pelo cientista.
«O conhecimento científico, tal como a linguagem, é intrinsecamente propriedade de um
grupo ou não é nada. Para o compreendermos teríamos de reconhecer as características
particulares do grupo que a criou e utiliza» – Thomas Khun
Progresso cientifico segundo Khun:

«a natureza da revolução científica que hoje atravessamos é estruturalmente diferente da que


aconteceu no século XVI. Sendo uma revolução científica ocorre numa sociedade ela própria
revolucionada pela ciência, o paradigma a emergir dela pode não ser apenas um paradigma
científico (o paradigma do conhecimento prudente), tem de ser também um paradigma social
(o paradigma para uma vida decente)» - Sousa Santos

2.1. As várias formas de interpretação sobre a realidade


Senso comum: conhecimento prático, proveniente da experiência do quotidiano
Religião e ideologias: conhecimento dogmático, fundamentado em normas subjetivas
articuladas num determinado pensamento.
Estas interpretações não são: abordagens próximas da realidade; idênticas às abordagens que
a ciência faz de um dado fenómeno; abordagens com a mesma validade da ciência; e não se
regem pelos mesmos critérios que a atividade científica. Porque não estão sustentadas por
métodos e técnicas de construção, porque não têm subjacente a preocupação de analisar
objetivamente a realidade.
É precisamente essa necessidade de apropriação e questionamento do real, através de um
conjunto de métodos e técnicas apropriadas e rigorosas, que confere à ciência o seu estatuto
de forma de conhecimento que mais se aproxima da verdade. O conhecimento científico é a
única forma relativamente isenta de abordar a realidade.
«A ciência é suscitada por procuras sociais, resultantes da necessidade de apropriação
cognitiva e prática do real»; «a realidade é silenciosa, torna-se indispensável questioná-la para
produzir respostas». – João Ferreira de Almeida e José Madureira Pinto

O que é a Ciência?

● Racional: apoia-se em métodos e técnicas rigorosos e objetivos de observação dos

fenómenos reais;

● Empírica: estas teorias/hipóteses de trabalho, através da observação da realidade,

pela experimentação;

● Geral: utiliza factos para testar teorias e utiliza teorias gerais para fazer previsões

acerca de determinados fenómenos;


● Cumulativa: avança através de ruturas com o conhecimento anterior. As conclusões

científicas são testadas e concretizadas, através de tentativas.

Nenhuma ciência se constitui como ciência sem ter um objeto de estudo, podemos dizer que
cada ciência produz o seu próprio objeto científico.
A base de construção do objeto científico ou objeto de estudo é semelhante aquela que se
encontra subjacente ao reconhecimento e utilização dos objetos com que diariamente
lidamos. Todos os dias lidamos com objetos diversos que somos capazes de reconhecer e de
identificar, na medida em que sobre eles possuímos já imagens construídas. Estas imagens são
o nosso código de leitura da realidade que nos rodeia, são aquilo que atribui significado ao que
nos rodeia.
A ciência é precisamente uma outra forma de ler a realidade. A leitura científica da realidade
pressupõe uma rutura com aquilo que é evidente, ou seja, a ciência utiliza um novo código de
leitura da realidade, código esse que varia de acordo com a sua abordagem da própria
realidade. A leitura que a Economia faz de certos fenómenos não é a mesma que a Sociologia.
O objeto científico é assim construído em função da natureza dos problemas que cada ciência
se propões estudar.

Podem-se distinguir:

● Objeto Real – aquele que de facto existe e de que raramente possuímos total

consciência

● Objeto Apreendido – aquele que é percecionado pelos nossos sentidos, sob a forma de

imagens, associadas a valores e a conceitos que possuímos. Este objeto surge


espontaneamente como real e garante-nos a transparência das coisas, ao nível da
linguagem e da compreensão.

● Objeto Científico – é uma tradução específica, conceptual do real. É um objeto que

tem normas próprias de construção, variáveis de acordo com as diversas ciências. É


construído através de métodos e técnicas específicas. É diferente em natureza do
objeto real e em grau de complexidade do objeto apreendido.

Na Construção do Objeto de Estudo é importante traduzir o objetos apreendidos em objetos


científicos:
● Através do domínio do conhecimento científico produzido na mesma área ou áreas

semelhantes

● Definir com precisão os conceitos com que trabalhamos: o que significam os conceitos

no âmbito da nossa investigação

● Identificar os critérios e parâmetros utilizados para medir os conceitos com que

trabalhamos: de que fatores vamos fazer depender a nossa análise? Como vamos
perguntar o que queremos saber e precisamos de saber aos inquiridos?

● Ter sempre em conta estudos anteriormente elaborados na mesma área ou áreas

semelhantes

3.1 O senso-comum como obstáculo ao conhecimento científico

A ilusão que temos frequentemente de que a realidade é transparente e familiar, é muitas


vezes o maior obstáculo à análise científica. Ela está por trás de uma resistência profunda
que provém, segundo Alain Touraine «da nossa ligação à crença de que os factos sociais
são comandados por uma ordem superior, metassocial». Seja esta ordem superior a
vontade divina, o arbítrio humano, a nossa natureza biológica, etc.

A regra metodológica que Durkheim propôs «explicar o social pelo social» ainda se
constitui hoje como uma das regras-chave para superar os obstáculos do senso-comum,
sobretudo se for entendida como a afirmação de que não existem elementos metassociais
que possam dar cientificamente conta dos fenómenos sociais.

Existem três níveis a que podem ser colocados obstáculos ao conhecimento científico-
social:

● As representações mais imediatas e espontâneas sobre a realidade – ou senso-

comum

● As conceções mais elaboradas, que se enquadram em formações ideológico-

doutrinárias precisas

● As ramificações de umas e de outras no interior de disciplinas científicas

consolidadas.

Três questões que são determinantes ao nível do senso-comum e que como tal, constituem
obstáculos importantes para a formação de conhecimento no âmbito das ciências sociais:
● As relações entre natureza e cultura – ou naturalismo

● As relações entre individuo e sociedade – ou individualismo

● As relações entre ‘nós’ e os ‘outros’ – ou etnocentrismo

3.2. Crítica de Algumas interpretações de senso-comum sobre a realidade

Explicar o Social pelo Social

Esta regra implica:

● Que a razão de ser dos factos sociais deve ser procurada (e explicada) em (e por)

outros factos sociais;

● Que não existe nenhuma ordem superior, metassocial, que permita dar conta, do

ponto de vista científico, dos fenómenos sociais;

● A permanente relativização das propriedades dos factos/fenómenos sociais e a

afirmação de que estes são sempre explicáveis através de sistemas lógicos de relações
entre aquelas propriedades.

Através desta regra, põe-se frequentemente em causa alguns dos mais enraizados
preconceitos e algumas características das ideologias mais correntes, decorrentes do
naturalismo, individualismo e etnocentrismo.

É porque reconhecemos que o trabalho científico implica elementos de senso-comum e


elementos ideológicos, que podemos afirmar também que:

● é possível designá-los e reconhecê-los, assim como à sua influência na formação

do conhecimento científico;

● é possível pô-los à prova pela análise científica e, assim, exercer sobre eles, uma

permanente vigilância crítica;


● tais elementos são, eles próprios, transformados pela prática científica, que

condicionam.

A rutura com o senso-comum não constitui um trabalho realizado e em absoluto nas fases
iniciais de qualquer investigação científica, nem uma terminológica. Representa ainda um
processo contínuo e sempre inacabado.

Distinguimos, no processo de produção de conhecimento científico, três atos metodológicos e


epistemológicos que permitem a rutura com o senso-comum e com as ideologias:

● A rutura com as evidências do senso-comum que possam constituir-se como

obstáculos ao processo científico;

● A construção do objeto de estudo e a determinação das teorias científicas que podem

explicá-lo;

● A verificação da validade dessas teorias, através do seu teste, ou seja, do seu

confronto com a observação empírica.

Isto significa que é a própria atitude científica e a sua capacidade problematizadora que se
constituem como instrumentos fundamentais de rutura com o senso comum e as ideologias.

Sistematizando esses instrumentos:

● a relativização dos fenómenos sociais - ao demonstrar que os fenómenos sociais não

podem ser imputados a qualquer entidade absoluta ou explicados através de


propriedades universais e só podem ser explicados num determinado tempo e espaço
e nos contextos históricos e sociais em que se produzem (i.e., o social deve ser
explicado pelo social);

● a relacionação dos factos - os factos sociais só podem ser explicados por sistemas de

relações entre eles e não de forma isolada;

● a análise científica das conceções de senso-comum ¬ ou seja, a pesquisa científica

pode tornar as conceções de senso-comum e as formulações ideológicas em objeto de


análise, i.e., pode submetê-los aos seus próprios mecanismos de controlo.
II. A Unidade do Social e a Pluralidade das Ciências Sociais

1. Formação e desenvolvimento histórico das ciências sociais

Os contributos mais relevantes para a formação de uma noção de sociedade e para a sua
análise partiram de autores como:

● Montesquieu - procurou compreender os regimes políticos relacionando-os com

as totalidades sociais em que surgiam e insistindo sempre na interdependência


dos factos humanos. Propôs ainda a formulação de leis científicas para
compreender os regimes políticos.

● Adam Ferguson- estabeleceu princípios que se tornaram essenciais para o

desenvolvimento das ciências sociais:


o no estudo dos grupos reside a forma mais correta de abordar a realidade
social, porque os comportamentos individuais são socialmente
determinados/ condicionados;
o a análise dos comportamentos sociais e dos grupos sociais deve integrar a
observação empírica.

Em termos de método, poderemos dizer que as ciências sociais nasceram sob a égide
metodológica das ciências naturais e exatas. Este modelo de racionalidade científica parecia, à
luz da história da ciência, ser o único capaz de dar origem ao conhecimento científico. É um
modelo racional, que se baseava na tentativa de estabelecer generalizações e leis, sustentadas
nas sequências e regularidades manifestadas pelos fenómenos observados e submetidos a
experiências.
Foi essencialmente através das questões que a Sociologia colocou às disciplinas anteriores a si
própria, como por exemplo, à Filosofia, que se forjou e consolidou o padrão típico da análise e
investigação científico-social.

Em meados do século XIX, mais precisamente em 1839, Auguste Comte escreveu e publicou a
obra intitulada Cours de Philosophie Positive, em que aplicava justamente o método positivista
ao estudo dos fenómenos sociais. Auguste Comte é também considerado o pai da Sociologia
ou como o próprio dizia de uma espécie de física social.

Nos finais do século XIX, em 1895, Émile Durkheim escreve as Regras do Método Sociológico.
Nesta obra referia a necessidade de analisar os factos sociais como coisas, reforçando o
princípio de exterioridade e constrangimento dos factos sociais relativamente ao indivíduo.
Nesta obra foram lançadas as primeiras regras metodológicas da sociologia, como o princípio
já nosso conhecido – explicar o social pelo social.

No início do século XX, Max Weber alarga a perspetiva sociológica à análise da interação social
e do sentido da ação social, refletindo sobre essa perspetiva tendo em consideração também a
economia e a história. Max Weber propunha igualmente um método de análise do social, mais
compreensivo, contrariando e abandonando a perspetiva positivista na análise dos fenómenos
sociais.

2.1. A Unidade do social – o conceito de Fenómeno social total proposto por Marcel Mauss

São fenómenos que, seja na sua estrutura própria, seja nas suas relações e determinações,
possuem implicações simultaneamente em vários níveis da realidade social e em diferentes
dimensões dessa mesma realidade. São, portanto, suscetíveis de interessar a várias – senão
mesmo a todas – as ciências sociais.

Esta definição permite estabelecer dois princípios:

● qualquer fenómeno, quer ocorra em sociedades arcaicas, quer ocorra em sociedades

modernas, é sempre complexo e pluridimensional e pode ser apreendido através de


ângulos distintos e perspetivas diversas;
● todo o comportamento social remete para uma totalidade. Isto significa que

constelações complexas de recursos, representações, valores, normas, ações e


instituições sociais, intervêm nas mais elementares relações entre os indivíduos num
dado contexto social.

As ciências sociais distinguem-se entre si, basicamente porque:

● possuem fins/objetivos diversos

● a natureza dos problemas estudados por cada uma é diferente

● os critérios de delimitação desses problemas são diferentes

● as matrizes teórico-explicativas são também diversas

● possuem métodos e técnicas de abordar a realidade que são também diferentes e,

logicamente, adaptados aos problemas estudados por cada uma delas.


III. A lógica da investigação científica em ciências sociais: da Teoria à
Investigação Empírica
1. Problemática teórica, problemas e meios de investigação~

Meios de Trabalho característicos das Ciências:

Teorias são sistemas de conceitos e relações entre conceitos que, por se referenciarem mais
ou menos diretamente aos objetos e processos reais, podem ser designados como
substantivos. Em sentido lato, a expressão Teoria designa toda a matriz de conhecimentos que
são produzidos e validados e a que se pode recorrer no âmbito de uma dada disciplina
científica (por exemplo, a teoria económica, a teoria sociológica, etc.). Em sentido mais
restrita, a expressão Teoria remete-nos para subconjuntos de conhecimentos que são
produzidos no âmbito de uma disciplina científica (por exemplo, a teoria dos preços, na
Economia ou a teoria da mobilidade social, na Sociologia).

Métodos/estratégias de investigação, são conjuntos de procedimentos no âmbito de uma


dada disciplina científica. É aos métodos que compete a seleção das técnicas (de recolha da
informação e de tratamento dos dados recolhidos), sempre por referência ao objeto de estudo
e à teoria (ou teorias) que o enquadra. Compete igualmente o controle das condições úteis de
exercício/aplicação das técnicas, tendo por objetivo a obtenção dos resultados e a
relacionação desses resultados na perspetiva da obtenção do resultado final (i.e. a
confirmação ou infirmação das hipóteses. Ou, dito de outro modo, o teste das hipóteses).A
cada pesquisa científica corresponde a sua própria estratégia que, evidentemente, se inscreve
no método mais geral de cada disciplina científica.

Técnicas de Investigação, são conjuntos de procedimentos operatórios que se destinam a


produzir (em articulação com os outros elementos da prática científica) resultados. As técnicas
disponíveis no âmbito das ciências sociais são diversas:

O formato que cada uma destas Técnicas assume em cada investigação científica está
extremamente dependente das hipóteses colocadas e dos conceitos que as integram.Estes
conceitos desdobram-se em variáveis e em indicadores. Quando, como acontece na maior
parte das investigações científicas, é necessário proceder ao teste empírico (i.e. ao confronto
com a realidade, à recolha da informação, para o teste das hipóteses) há necessidade de
construir indicadores (ou índices). Estes são igualmente conceitos, mas possuem menor
complexidade e menor abstração e por isso mesmo mostram-se mais capazes de abordar
operacionalmente a complexidade e a diversidade do fenómeno em análise.

2.1.Da linguagem teórica à operacionalização dos conceitos

Todo e qualquer processo de investigação científica comporta um determinado número de


procedimentos metodológicos, que se encontram interligados e que não têm de seguir
exatamente a ordem descrita:

I. Etapa Preliminar - a preparação da investigação:


1. A ideia da pesquisa
2. Os objetivos da pesquisa
3. A construção do objeto de estudo
4. A delimitação do objeto de estudo - estabelecimento de critérios que delimitam a
investigação/definição da população-alvo do estudo
5. A definição de hipóteses de investigação
6. A tradução das hipóteses em indicadores – a operacionalização dos conceitos
7. A construção da amostra

II. Etapa Intermédia – a recolha de informação


1. A preparação do(s) instrumento(s) de recolha da informação
2. O trabalho de campo – a aplicação do(s) instrumento(s) de recolha de informação à
população-alvo ou amostra

III. A Etapa Final – a análise e apresentação dos resultados


1. Interpretação e análise da informação recolhida (análise qualitativa/análise
quantitativa/confronto das hipóteses e da teoria com a informação recolhida)
2. Os efeitos da investigação (publicação e divulgação dos resultados)

Hipóteses

O estabelecimento de hipóteses é um dos mais importantes passos da investigação científica.


De facto, podemos dizer que as hipóteses são o motor de toda a investigação empírica. As
hipóteses são sempre colocadas como afirmações, nas quais existe sempre a questão a que
queremos responder e a respetiva resposta (provisória). As hipóteses contém assim: O que
queremos explicar (a questão) e o que pensamos que explica o que queremos explicar (a
resposta).
Por exemplo podemos ter como hipótese: O tipo de atividades de recreio e lazer praticadas em
meio rural, varia de acordo com a classe social a que pertencem os indivíduos. Neste caso: O
que é que queremos explicar? O tipo de atividades de recreio e lazer desenvolvidas nas áreas
rurais. O que é que explica? A classe social dos indivíduos Assim, numa hipótese existe sempre
uma relação entre o problema que queremos investigar e a possível solução.

O teste das hipóteses através da observação empírica é antecedido de um passo muitíssimo


importante para a construção de técnicas de recolha e análise de dados:

Operacionalização dos conceitos.


Operacionalizar significa transformar os conceitos (decompô-los) no sentido de com eles ser
possível trabalhar na recolha e análise de informação. Significa tornar os conceitos
trabalháveis. A operacionalização dos conceitos está associada a um processo muito
importante no trabalho científico: a medida dos fenómenos que estudamos. Operacionalizar é,
assim, decompôr os conceitos teóricos abstractos em variáveis e indicadores (noções com
menor nível de abstracção), no sentido de encontrar o melhor modo de medir as dimensões
do nosso problema para testar as hipóteses de investigação, através da observação empírica.

Conceitos - São noções formais e lógicas acerca dos fenómenos que se analisam. Os conceitos
são os ‘tijolos’ das teorias. Aquilo em que elas assentam e que, ao mesmo tempo, permite
construí-las e consolidá-las.

Variáveis- noções logicamente construídas para estabelecer a diversidade interna dos


conceitos e que podem ser empiricamente observadas e medidas. As variáveis são as
dimensões empíricas dos conceitos e podem possuir vários valores ou indicadores.

Indicadores - são noções utilizadas para designar e distinguir diferenças dentro das variáveis.
Podemos também designá-los como valores que uma dada variável assume.

Os conceitos, as variáveis e os indicadores podem ser independentes ou dependentes,


consoante o papel explicativo que têm na hipótese ou hipóteses de trabalho e,
consequentemente, na investigação.

● Conceitos Independentes – são aqueles que explicam (ou se pensa à partida que

poderão explicar) o fenómeno (ou parte dele) que estamos a analisar;

● Conceitos dependentes – são os que se pretendem explicar.


Variáveis
Utilizando a definição de Almeida e Pinto (1981) «variável é um conceito operacional e
classificatório que, através da partição de um conjunto teoricamente relevante [para o que
estamos a estudar] assume vários valores».
Podemos distinguir:

● Variáveis Dicotómicas - aquelas a que correspondem apenas dois valores, por

exemplo, a variável sexo que só pode assumir como valores ou indicadores masculino
ou feminino.

● Variáveis Contínuas - variáveis que podem assumir não, dois, nem três, nem quatro,

mas sim uma infinidade de valores. Pode ser o caso da variável idade ou da variável
profissão

● Variáveis Classificatórias - situam-se entre o primeiro caso e o segundo, ou seja

assumem mais de dois valores mas sempre um número finito e não muito elevado.

Escala de medida de variáveis:

Escala Nominal (para variáveis de tipo qualitativo): variáveis que se limitam a estabelecer uma
categorização de um dado objeto sem que se pretenda efetuar operações aritméticas sobre os
valores atribuídos aos indicadores que essa variável pode assumir. Nestas variáveis os números
atribuídos aos valores que assumem constituem meros sucedâneos das designações verbais
desses valores. Estas variáveis situam-se, pois, ao nível mais elementar da medida – são
variáveis de nível elementar ou cuja medida é a escala nominal. As propriedades formais da
escala nominal são, assim, a simetria e a transitividade.
Escala Ordinal (para variáveis de
tipo qualitativo): No nível de medida anterior – a escala nominal – cumpria-se já a exigência
básica de qualquer procedimento de classificação: a construção de categorias/indicadores
exaustivos e mutuamente exclusivos. Na escala ordinal mantém-se essa característica,
acrescida de uma outra – a de ordenação. Neste caso, os números não têm de ser apenas
diferentes, para nos permitir distinguir os valores assumidos pela variável, eles têm de ser
também maiores ou menores, consoante a posição relativa que ocupam. As propriedades
formais da escala ordinal são a transitividade e a anti-simetria.

Escala de Intervalo e Escala de Proporções (para variáveis de tipo quantitativo): Uma escala de
intervalo implica, para além da ordenação dos valores assumidos por uma dada variável,
informação acerca da grandeza das diferenças entre esses valores, o que envolve o
estabelecimento de uma unidade de medida relativamente à qual se exprimem e comparam
aquelas diferenças. Raciocinando na perspetiva de um conjunto numérico é possível dizer que
a diferença entre 2 e 1 é igual à diferença entre 3 e 2 e por conseguinte comparável à
diferença entre 3 e 1. Nesta escala (de intervalo) o ponto zero é convencional e arbitrário. A
escala de proporções distingue-se da anterior porque exige a existência de um zero absoluto.

O problema da validade da medida decorre de vários aspetos:

● decorre dos fatores relacionados com os aspetos sobre os quais as ciências sociais se

debruçam – a sua complexidade que torna muito difícil a delimitação do campo em


que se trabalha e ainda o carácter dinâmico da realidade social;
● decorre de fatores relacionados com as teorias disponíveis para explicar os fenómenos

que se analisam. As teorias são frequentemente generalistas, são insuficientes em


conceitos de nível operacional.

● decorre de fatores relacionados com os procedimentos técnicos utilizáveis –

dificuldade que advém da insuficiente possibilidade de repetição das medidas e da


ausência de instrumentos estandardizados de medida, etc.
Estes últimos fatores, ligados às técnicas das ciências sociais, costumam também enunciar-se a
propósito o problema da fidelidade da medida: serão fiéis e confiáveis as observações
realizadas por observadores diversos sobre os mesmos objetos, se essas observações forem
concordantes.

A questão da objetividade está estreitamente associada ao facto de que toda a observação


realizada no âmbito das ciências sociais é antes de tudo uma relação social. Por um lado, os
cientistas sociais são indivíduos que vivem num determinado contexto social, que observam
outros indivíduos do mesmo ou de outro(s) contexto(s) social(ais). Isto significa portanto que
qualquer relação que se estabeleça entre o cientista-observador e o observado é sempre uma
relação social. Como em qualquer relação social, o observador possui frequentemente
expectativas quanto ao observado e este também as possui relativamente ao observador ou à
pesquisa que este representa. O observado adota com frequência várias atitudes que podem
interferir no processo de observação: por exemplo, pode querer impressionar o observador
(dando a resposta que julga ir mais ao encontro da opinião da do investigador); pode querer
ainda tirar partido da situação (dando um tipo de resposta que não revela a sua opinião, mas
que vá de encontro ao proveito que pensa poder tirar da investigação); pode ainda não se
querer revelar a um estranho fornecendo, assim, respostas radicalmente diferentes da sua
opinião ou situação, etc. Pelo simples enunciar destes entraves à observação parece óbvio que
algumas vezes esses entraves podem comprometer a validade e a fiabilidade das investigações
cientificas, dado que impedem a medida da realidade social.
IV. Métodos e técnicas em ciências sociais: o problema da recolha da
informação

1. Proposta de Classificação dos Métodos e das técnicas


Métodos:
Experimental - importado das ciências exatas e naturais, com aplicabilidade restrita nas
ciências sociais.
De Medida - implica a observação, por meio de questões diretas e/ou indiretas, de
populações relativamente vastas, com o objetivo de obter respostas suscetíveis de serem
manejadas mediante uma análise quantitativa. Este método impõe o recurso a técnicas de
amostragem, uma vez que implica análises extensivas a populações de grandes dimensões. As
características principais deste método são a extensividade, a rigidez e a quantificação.
De Casos - também designado por análise intensiva. Consiste no exame intensivo, tanto em
amplitude como em profundidade, utilizando todas as técnicas disponíveis de uma amostra
particular, selecionada de acordo com determinado objetivo, de um fenómeno social,
organizando os dados de forma a preservar o carácter unitário da amostra. Tudo isto com a
finalidade de obter uma ampla compreensão do fenómeno na sua totalidade. As
características principais deste método são a intensidade, a flexibilidade e a medida
qualitativa.

Técnicas das Ciências Sociais – observações:

● Não se distinguiu entre técnicas de recolha de dados e técnicas de tratamento dos

mesmos;

● Não se autonomizam as técnicas estatístico-matemáticas; que são instrumentos

utilizados em todas as investigações e integram certos momentos da maior parte das


técnicas disponíveis nas ciências sociais, quer ao nível da recolha, quer ao nível do
tratamento dos dados (embora com mais nitidez neste último).

● Por essa razão não surgem, igualmente, no esquema as técnicas de amostragem.

Técnicas de Amostragem
Na maior parte das investigações nem sempre é possível inquirir ou observar toda a população
que seria interessante para o nosso estudo, por razões várias, desde a escassez de recursos
humanos e financeiros até à escassez de tempo. Por estas razões se recorre, com frequência, a
amostras retiradas da população global que nos interessa observar.

Podemos distinguir dois tipos fundamentais de procedimentos de constituição da amostra:

● amostragem probabilística ou aleatória - garante que cada um dos elementos tem uma

possibilidade conhecida e não nula de ser integrado e representado na amostra (i.e.,


cada elemento de uma dada população tem a mesma probabilidade estatística de vir a
ser incluído na amostra).

● amostragem não probabilística - não se garante que todos os elementos de uma dada

população tenham uma probabilidade conhecida e não nula de serem integrados na


amostra (ou seja, nem todos os elementos da população têm a mesma probabilidade
estatística de serem representados na amostra).

As amostras construídas a partir das técnicas de amostragem do primeiro tipo são as únicas
que garantem a representatividade estatística da população, implicando que exista um
conhecimento prévio da população a inquirir em termos das características que se considerem
relevantes para a investigação.

Amostra Simples ou Elementar: neste caso, a seleção dos indivíduos componentes da amostra
realiza-se através de uma e só uma operação. Pressupõe-se que a população-alvo seja
homogénea relativamente às características que interessam à investigação.
Há duas formas de construir uma amostra simples ou elementar:
1. tiragem à sorte: por exemplo, quando todos os elementos da população estão identificados
por um número. Representando cada um deles num papel que se pode introduzir num saco ou
recorrendo a uma tabela de números aleatórios, é possível selecionar aleatoriamente o
conjunto de elementos constitutivos da amostra
2. tiragem sistemática: se os elementos se encontrarem classificados segundo uma ordem,
indiferente quanto Às características pertinentes para a observação, pode proceder-se de um
modo mais simples: tirar por exemplo da lista todos os elementos que tenham um dado
número (todos os com o nº 2 ou 3 ou 1, por exemplo).

Amostra Estratificada: Envolve em geral mais do que uma operação. No caso da nossa
população-alvo ser muito pouco homogénea, deve proceder-se a uma decomposição prévia da
mesma em estratos homogéneos (a obtenção destes estratos pode ser baseada num único
critério, por exemplo a idade dos indivíduos ou numa combinação de 2 ou mais critérios). A
amostra total será constituída pelo conjunto das subamostras relativas a cada um dos estratos
construídos e obtidas através do método aplicável para as amostras simples (as anteriormente
descritas). Importa observar que no caso de os estratos terem uma dimensão suficiente, as
dimensões da amostra em cada estrato poderão ser idênticas. Contudo, é sempre preferível
fazer depender a dimensão da amostra do grau de homogeneidade do estrato, i.e., quanto
menor este for, mais ampla deverá ser a amostra para que se possa compensar a dispersão e a
heterogeneidade.

Amostra por cachos: as amostras por cachos não são constituídas, como as anteriores, por
unidades individuais, mas sim por conjuntos (cachos), sendo que cada um dos indivíduos que
integram cada cacho ou conjunto serão incluídos na amostra. A seleção faz-se relativamente
aos conjuntos (por exemplo, quarteirões de uma cidade, bairros, ruas, sectores de uma
empresa, famílias, etc.) e não ao nível dos indivíduos. Para esta amostra, quando estão
envolvidos conjuntos territoriais é frequente utilizarem-se cartas ou fotografias aéreas, sobre
as quais se delimitam os cachos.

Amostra com vários graus: como a própria designação indica, utilizam-se sucessivamente
vários procedimentos da amostragem probabilística.
Amostra Acidental: Apenas são considerados na amostra casos acidentalmente surgidos.
(Frequente nas sondagens de rua. Pouco utilizada nas ciências sociais)

Amostra intencional: o pressuposto básico de uma amostra intencional é o de que com uma
boa intuição e uma estratégia adequada será possível selecionar os elementos que devem ser
incluídos na amostra. As amostras intencionais têm sido utilizadas por exemplo, para tentar
prever resultados eleitorais. As sondagens eleitorais são realizadas com frequência através da
seleção em cada distrito do país de um certo número de concelhos que, em eleições
anteriores, se tenham aproximado muito dos resultados globais do distrito. Nesses concelhos
inquirem-se os eleitores para conhecer as respetivas intenções de voto e espera-se que os
concelhos ainda sejam típicos em ralação aos respetivos distritos, o que nem sempre se
verifica. Trata-se de uma técnica pouco utilizada nas ciências sociais.

Amostra por quotas: através da utilização desta técnica de construção de amostras, procura-se
atingir objetivos idênticos aos da amostragem probabilística, ou seja, construir uma amostra
que seja um modelo reduzido e fiel da população-alvo da investigação. O ponto de partida
para a construção da amostra por quotas é, no entanto, oposto ao da amostragem
probabilística: em vez de se tomar como base o conjunto de indivíduos que constituem a nossa
população-alvo, começa-se por estabelecer um inventário das proporções estatísticas
correspondentes à combinação dos vários critérios a ser utilizados (por exemplo, sexo, idade,
profissão, etc.). Para que na amostra sejam salvaguardadas as proporções reais de ocorrência
daqueles critérios na população-alvo, estabelecesse para cada inquiridor/observador, um
quota indicando relativamente a cada critério o número de indivíduos a inquirir/observar.
Sendo assim, a amostra final deverá apresentar uma estrutura muito semelhante à da
população-alvo.

Amostra bola de neve: Trata-se de uma técnica de construção de amostras pouco utilizada.
Consiste em partir de um número restrito de pessoas que possuem as características que
interessam à investigação e ir acrescentando outras, por indicação das precedentes, até ao
número final pretendido.

Problemas da Amostragem:

Enviesamentos Introduzidos no momento de recolha da informação junto dos indivíduos


seleccionados para a amostra:
● As ausências – quando pretendemos inquirir uma determinada pessoa, ela poderá

estar ausente da sua casa por várias razões. Se o inquiridor passar à pessoa seguinte,
com base no argumento de que aquela pessoa foi escolhida à sorte, então no final é
muito provável que tenhamos uma amostra constituída por pessoas que saem pouco
de casa. É igualmente provável que essas pessoas possuam características muito
diferentes daquelas que saem mais de casa e, consequentemente, teremos uma
amostra enviesada. Para evitar estes enviesamentos, os inquiridores poderão tomar
certas precauções: evitar fazer os inquéritos/recolher os dados nos meses tradicionais
de férias; distribuir o trabalho de aplicação das técnicas de recolha de informação por
vários períodos do dia/noite e ao fim-de-semana; tentar realizar um primeiro contacto
(por telefone ou pessoalmente) com as pessoas a inquirir.
Outra situação que podemos encontrar quando nos baseamos numa listagem para a
construção da amostra, é o facto daquela poder não se encontrar atualizada.

● As recusas - Segundo Ghiglione e Matalon (1992) há tipos de recusa que são mais

frequentes: recusa em responder a qualquer tipo de inquérito/entrevista e recusa em


responder a inquéritos/entrevista específicos, pela temática que aborda. No primeiro
caso trata-se também de uma recusa global e nesta situação podemos encontrar
categorias mais frequentes de não-respondentes:
o os trabalhadores por conta própria –Dizem-se quase sempre muito ocupados
com as suas atividades e os seus horários mal definidos;
o pessoas idosas - têm frequentemente maior receio de desconhecidos e por
essa razão recusam-se a responder mais do que outras categorias. Por outro
lado, apresentam uma atitude que as leva a desvalorizar as suas próprias
opiniões e a não querer participar na investigação;
o algumas mulheres casadas - recusam-se a responder, escondendo-se atrás do
marido.
o certos meios sociogeográficos - apresentam uma maior resistência à resposta
a inquéritos/entrevistas... Por exemplo, os residentes das cidades recusam
com mais frequência responder do que os habitantes das aldeias

Para tentar reduzir as probabilidades de recusa, o inquiridor poderá: ter sempre


uma carta de apresentação; pedir a alguém influente junto da população-alvo que
interceda junto da mesma. Por outro lado, os enviesamentos introduzidos pelas
recusas em responder por parte de certas pessoas/unidades poderão ser
corrigidos com a seleção aleatória de outras pessoas/unidades, com características
idênticas.

Enviesamentos da amostragem não probabilística (por quotas)

No caso das amostras por quotas, os riscos de enviesamento são maiores e mais importantes
do que nos casos anteriores, desde logo porque são menos visíveis e mais difíceis de controlar,
sobretudo porque o inquiridor não dispõe de uma listagem de pessoas e das suas
características. Isto significa que não se poderá substituir facilmente uma pessoa que esteja
ausente ou se recuse a responder por outra pessoa com características semelhantes. A juntar a
estes enviesamentos, temos que ter em conta outros, mais específicos da amostra por quotas:
os que decorrem do modo como o inquiridor seleciona as pessoas que vai abordar; os que
decorrem do risco do inquiridor só selecionar pessoas conhecidas ou aquelas que lhe pareçam
mais amigáveis. Tanto no primeiro caso, como no segundo, estes riscos podem ser
minimizados se se forneceram ao inquiridor instruções rigorosas quanto às pessoas que devem
ser inquiridas.

Dimensão da Amostra
Só é possível calcular a dimensão da amostra no caso das amostras probabilísticas ou
aleatórias. No caso das amostras não probabilísticas, aceita-se como razoável que a amostra
seja de 10% a 20% da população total, devendo as características da população-alvo estarem
representadas, na mesma proporção, na amostra.
Quanto à dimensão da amostra para o caso das amostras probabilísticas ou aleatórias,
podemos começar por dizer que:

● essa dimensão se encontra dependente da dimensão da população-alvo. Assim, em

princípio, quanto maior for a população-alvo, maior terá de ser a amostra;

● a dimensão da amostra também se encontra dependente do grau de heterogeneidade

da população-alvo: quanto mais heterogénea for a população-alvo, maior terá de ser a


dimensão da amostra. Se se tratar de uma população-alvo muito homogénea, a
dimensão da amostra poderá ser reduzida.
A forma mais frequente de calcular a dimensão da amostra é através do cálculo da margem de
erro da mesma relativamente à população-alvo. Os pressupostos deste cálculo são os
seguintes:
● se a amostra fosse igual à população-alvo, a margem de erro da mesma seria zero e o

grau de confiança dos resultados seria, evidentemente, de 100%.

● como, na maioria dos casos, não é possível inquirir toda a população-alvo, temos de

ter em conta que existe sempre uma margem de erro e que o nosso grau de confiança
nunca será igual a 100%. Habitualmente aceita-se como margem de erro satisfatória os
0,05, o que significa que o grau de confiança aceitável será de 95%.

● Existem várias formas de calcular a margem de erro e, simultaneamente, calcular a

dimensão da nossa amostra.

O Inquérito por Questionário


3.1. O seu planeamento
Como refere Virgínia Ferreira (1987) «Toda a acção de pesquisa se traduz no acto de
perguntar». Neste processo de questionar e obter respostas sobre uma dada realidade que
observamos, tudo o que é necessário saber é fazer as perguntas e saber ao mesmo tempo
identificar os elementos constituintes das respostas. O processo que envolve a construção de
perguntas e a obtenção de respostas é bastante complexo.~

O IQ pode ser considerado como um conjunto de perguntas concretas, estandardizadas que


permitem ao investigador estudar os fenómenos sociais e quantificar a informação recolhida
de forma mais imediata. Permite assim, uma mais rápida objetivação dos resultados e também
uma mais rápida recolha de dados.

1. Planeamento do Inquérito por Questionário


a. Delimitação dos problemas a estudar (construção do objeto de estudo)
b. Objetivos do IQ (que tipo de informação se pretende obter)
c. Hipóteses teóricas e/ou práticas (de que fatores vamos fazer depender a nossa
análise)
d. Tradução das hipóteses em indicadores (processo de operacionalização dos conceitos)
e. delimitação da população a inquirir (construção da amostra)
2.Preparação do IQ
a. Redação de um projeto de IQ
b. Realização de um pré-teste
c. Elaboração definitiva do IQ (com base nos resultados do pré-teste)
3.Aplicação do IQ – Trabalho de campo
a. Seleção e formação dos inquiridores (administração indireta)
b. Envio ou entrega dos IQ (auto-administração)
4.Análise dos resultados da aplicação do IQ
a. Codificação das respostas (pode também ser feita na fase 2)
b. Apuramento da informação recolhida
d. Elaboração das conclusões – confronto dos resultados com as hipóteses e o
‘enquadramento teórico’

Uma questão eficiente pode ser definida por:


Em primeiro lugar por proporcionar o máximo de clarificação possível das categorias acionadas
pelos inquiridos, de modo a que possam ser comparadas com as dos outros inquiridos e com
as do próprio investigador.
Neste sentido, antes de formular em definitivo uma questão, temos de ter em atenção: se a
questão vai efetivamente ao encontro do que pretendemos saber; se os inquiridos terão
facilidade em compreender a questão e consequentemente em lhe responder; de que forma
podem ser obtidas respostas a questões difíceis, ou seja, quais os meios de que dispomos para
obter essas respostas; se a linguagem utilizada é acessível a todos os inquiridos,
independentemente da sua formação escolar e de outras características; se a questão
proporciona condições de resposta idênticas para todos os inquiridos.

3.2. A sua preparação

Como o IQ por questionário se pretende um instrumento de recolha de informação,


estandardizado e objetivo, as questões incluídas nele são normalmente de tipo fechado,
embora também possam existir algumas questões de tipo aberto.

Questões fechadas são aquelas em que os inquiridos devem cingir a sua resposta às
alternativas propostas pelos investigadores no IQ e, deste modo, condicionam mais as
respostas dos entrevistados e perdemos alguma riqueza do discurso dos mesmos. Esta é aliás a
grande desvantagem destas questões. Por outro lado, este tipo de questões facilitam
enormemente a anotação no ato de inquirição e facilitam o posterior tratamento dos dados
recolhidos, uma vez que proporcionam uma maior comparabilidade dos dados, porque as
categorias de resposta são comuns para todos os indivíduos inquiridos.
Questões abertas são aquelas em que o inquirido pode responder em total liberdade. Não lhe
são fornecidas a priori alternativas de resposta. Este tipo de questão apresenta mais
desvantagens que o anterior, no que se refere ao tratamento das respostas e às possibilidades
de comparação. Tem como vantagem principal o facto de o discurso do inquirido não estar
condicionado.

Temos ainda um tipo de questões que podemos designar como semi-abertas ou semi-
fechadas. Estas questões são aquelas em que o inquirido escolhe uma das categorias de
resposta propostas pelo investigador, mas tem de completar a resposta com o seu próprio
discurso.

Temos ainda de ter em conta num IQ as questões de escolha múltipla, i.e., aquelas em que o
inquirido pode escolher mais do que uma das opções de resposta apresentadas. Estas
questões são sempre de tipo fechado e podem ser simples ou de hierarquização.

Normalmente um IQ apresenta duas partes distintas:

● questões de caracterização/identificação dos inquiridos – procuram caracterizar os

inquiridos quanto às variáveis que se consideram importantes para a situação em


estudo, geralmente para as variáveis independentes. São normalmente variáveis de
natureza mais objetiva cuja resposta se prende com a situação de facto e não com a
opinião dos indivíduos inquiridos (sexo, idade, escolaridade, estado civil, profissão,
etc.)

● questões de investigação – circunscrevem-se às situações que se desejam conhecer e

explicar. Testam as hipóteses de que se parte na investigação. São normalmente as


variáveis a explicar, ou dependentes, que têm uma natureza mais subjetiva, como por
exemplo as opiniões dos inquiridos face a… as atitudes, as posições, as definições
pessoais, etc.

Para além destas, muitas vezes os IQ também incluem questões de comprovação ou


consistência, que são questões de investigação mas que servem para garantir que não há erros
no IQ que possam ser imputados às questões, ao inquiridor ou à própria condução da
pesquisa.

Os IQ podem ser aplicados por:

● autoadministração - o próprio inquirido que preenche o questionário (podendo este

ter-lhe sido enviado pelo correio, email ou entregue em mão).


● administração indireta - é o caso, o mais frequente, o inquiridor coloca as questões ao

inquirido e anota as suas respostas.

Ghiglione e Matalon, (1990) apontam pelo menos 5 razões para a participação das pessoas:

● timidez, que impede a recusa;

● interesse científico;

● desejo de ter um contacto for a do comum no seu quotidiano;

● desejo de expressar a sua opinião;

● orgulho de participar num estudo que, eventualmente, aparecerá nos jornais.

Ao aceitar participar na situação do inquérito, os indivíduos poderão desenvolver


determinadas expectativas e ter determinado objetivos, cujos principais são:

● manter boas relações com o inquiridor, i.e., não entrar em conflito;

● dar uma imagem favorável de si próprio para obter a aprovação do inquiridor ou para

impressionar positivamente a instituição a que ele pertence;

● dar uma imagem de conformidade e de normalidade de si mesmo, i.e., o inquirido tem

a preocupação de parecer em conformidade com a norma, dando as respostas que,


socialmente, lhe parecem ser as mais corretas e normais. Este aspeto muitas vezes
está também relacionado com uma necessidade de defesa contra a utilização abusiva
ou indiscreta das informações que fornece;

● alcançar um determinado objetivo exterior ao âmbito do IQ. Frequentemente, os

inquiridos utilizam as suas respostas como meio de resolver uma determinada situação
(tentando, por exemplo, enegrecê-la), com esperança de que as autoridades tomem as
medidas que pretende

4. As Entrevistas e as Biografias/Histórias de Vida


O Inquérito por Entrevista é uma técnica que, por comparação com o Inquérito por
Questionário, deixa maior liberdade aos entrevistados para responderem, i.e., não limita o
discurso dos inquiridos. Quanto maior for a liberdade dada aos entrevistados e quanto maior
for a duração da entrevista, mais profunda e rica será a informação recolhida, isto, claro, se o
guião tiver sido elaborado de modo a que as questões sejam eficientes. Alguns dos aspetos
que referimos a propósito do Questionário, por exemplo, no que se refere à eficiência das
questões, à sua ordem, ao tipo de linguagem utilizada, etc., são válidos também para a
Entrevista. O processo de operacionalização dos conceitos antecede igualmente a preparação
dos Inquéritos por entrevista, embora não seja necessário identificar as alternativas de
resposta às questões.

Clínica:

● Envolve entrevistas repetidas aos mesmos indivíduos, em que lhes é deixada uma

grande liberdade e iniciativa nas respostas, incluindo, muitas vezes, os próprios


assuntos a serem tratados.

● São entrevistas utilizadas sobretudo na Psicologia e na Psicologia Social.

● São entrevistas que têm um mínimo de orientação por parte do entrevistador.

● Podem ser também chamadas entrevistas não-dirigidas ou não-estruturadas

exatamente porque a orientação é mínima.

● Têm uma utilização restrita nas ciências sociais e humanas, à exceção das duas

disciplinas mencionadas.

Em Profundidade:

● O objetivo deste tipo de entrevista é a recolha de dados sobre um determinado

assunto.

● É um tipo de entrevista muito centrado no entrevistado e no seu discurso.


● Através do uso deste tipo de inquérito por entrevista pretende-se analisar as atitudes

e os comportamentos do entrevistado e mesmo a sua personalidade.

● São entrevistas que possuem, na maior parte dos casos, um guião prévio composto

pelas questões ou pontos fundamentais a ser focados ao longo da situação de


entrevista e que delimitam, ainda que de modo flexível, os assuntos a abordar.

● É um tipo de entrevista muito utilizado pelas ciências sociais, sobretudo nas chamadas

histórias de vida e/ou biografias.

● Este tipo de entrevista também pode ser designado como semi-dirigido ou semi-

estruturado.

Centrada:

● É o tipo de entrevista mais utilizado pela generalidade das ciências sociais.

● Através dele procura-se obter uma informação mais ‘padronizada’ e generalizável.

● É também no caso deste tipo de entrevista que o plano de investigação científica é

mais válido, i.e., este é o tipo de entrevista que melhor permite testar as hipóteses de
trabalho.

● É um tipo de entrevista muito dirigido ou estruturado, com um guião que limita o

entrevistado quanto aos assuntos a serem abordados.

● O guião deste tipo de entrevista é, muito frequentemente, constituído por questões

diretas, que exigem também respostas bastante diretas.

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