Você está na página 1de 117

DIREITO EMPRESARIAL

PROF.ª LUCIANA ARANALDE

1
DIREITO EMPRESARIAL
Prof. Luciana Aranalde

SUMÁRIO
01. PARTE GERAL.................................................................................................................................. 2
02. CONTRATOS EMPRESARIAIS .................................................................................................. 19

01. Parte geral

1. DA CONSTITUIÇÃO SOCIAL E SEU REGISTRO


1.1. ESPECIFICIDADES
Constituída a sociedade pela formalização e assinatura do contrato social,
devem os sócios proceder ao registro do ato constitutivo da sociedade no órgão
competente (Cartório ou Junta, a depender do objeto social), para que ela
adquira personalidade jurídica (art. 985 do Código Civil) e possa dar início às suas
atividades (art. 967 do Código Civil).
De acordo com o art. 998 do Código Civil, o prazo para a efetivação do
registro do ato constitutivo da sociedade é de 30 (trinta) dias: “nos trinta dias
subsequentes à sua constituição, a sociedade deverá requerer a inscrição do
contrato social no Registro Civil das Pessoas Jurídicas do local de sua sede” (ver
também art. 36 da Lei 8.934/1994).
Complementando a regra acima transcrita, dispõem seus parágrafos: “o
pedido de inscrição será acompanhado do instrumento autenticado do contrato,
e, se algum sócio nele houver sido representado por procurador, o da respectiva
procuração, bem como, se for o caso, da prova de autorização da autoridade
competente” (§ 1º); e “com todas as indicações enumeradas no artigo
antecedente, será a inscrição tomada por termo no livro de registro próprio, e
obedecerá a número de ordem contínua para todas as sociedades inscritas” (§ 2º).
A constituição das sociedades empresárias, do tipo limitada, para o correto
registro perante o Registro Público de Empresa, deve conter,
2
OBRIGATORIAMENTE o instrumento de contrato social, em três vias, assinado
por todos os sócios ou seus procuradores.
No caso do instrumento de constituição social que será levado a registro
conter representação por procurador, é obrigatório exigir a respectiva
procuração com poderes específicos para o ato, bem com a aprovação prévia do
órgão governamental competente, quando for o caso. É, ainda preciso estar
devidamente consignado no corpo do instrumento de constituição a declaração
de desimpedimento do administrador ou em ato separado, se não constar em
cláusula própria.
PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA DE EMPRESA ESTRANGEIRA: deve ser
anexado ao instrumento de constituição que será levado a registro a prova da
existência legal da empresa e da legitimidade de sua representação.
PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA DE EMPRESA PÚBLICA: sociedade de
economia mista, autarquia ou fundação pública é necessário juntar ao
instrumento de constituição social a edição da folha do Diário Oficial da União,
do Estado ou do Município que contiver o ato de autorização legislativa; ou
citação, no contrato social, da natureza, número e data do ato de autorização
legislativa, bem como do nome, data e folha do jornal oficial em que foi publicada;
fotocópia do documento de Identidade do Representante Legal; Ficha de
Cadastro; comprovantes de pagamento dos emolumentos dos serviços:
recolhimento federal; recolhimento estadual.
ELEMENTOS: título; preâmbulo; corpo do contrato; cláusulas obrigatórias
(Lei 8.934/1994); fecho. O instrumento contratual não poderá conter emendas,
rasuras ou entrelinhas.

Obrigatoriamente constará do preâmbulo do instrumento de constituição


social a qualificação completa dos sócios, pessoas físicas ou jurídicas e ou de seus
representantes. Caso qualquer dos sócios seja representado por procurador,
deve vir no preâmbulo do instrumento a qualificação completa do mesmo.

3
O contrato social conterá:
• o nome empresarial (poderá ser razão social ou denominação social - a razão
social deve ser composta com sobrenome ou nome civil completo ou
abreviada de, pelo menos, um dos sócios);
• capital da sociedade;
• a participação de cada sócio;
• a forma e o prazo de sua integralização;
• município da sede, com endereço completo, bem como o endereço das filiais
– se houver;
• declaração precisa e minuciosa do objeto social;
• prazo de duração da sociedade;
• data de encerramento do exercício social, quando não coincidente com o ano
civil;
• nomeação do administrador, devidamente qualificado.

No final do instrumento contratual deverá constar o local e data; nomes


dos sócios e respectivas assinaturas; nomes das testemunhas instrumentárias
(duas, pelo menos) respectivas assinaturas, com o número do documento da
identidade (RG) e órgão expedidor e o visto de advogado, sendo este último não
determinado para as Microempresas (ME) e as Empresas de Pequeno Porte
(EPP).
PODEM SER SÓCIOS: desde que não haja empecilho legal, os
absolutamente capazes e o menor emancipado. Os menores, desde que
devidamente representados.
NÃO PODEM SER SÓCIOS: os estrangeiros sem visto permanente.
NOME EMPRESARIAL: obedecerá ao princípio da veracidade e da
novidade, incorporando os dados específicos ou complementares exigidos ou
não proibidos em lei (tanto na razão social como na denominação social deve
haver a indicação do objeto social).

4
CAPITAL SOCIAL: as quotas serão correspondentes ao montante da
contribuição de cada sócio. Poderão ser utilizados para integralização de capital
quaisquer bens, desde que suscetíveis de avaliação em dinheiro.
FILIAIS: é necessário que o instrumento de constituição para cada uma
delas indique o respectivo município e endereço completo.

2. DA ALTERAÇÃO CONTRATUAL
São os mesmos requisitos exigidos para o registro de instrumento de
alteração contratual e para o instrumento de constituição social, principalmente,
no que se refere ao preâmbulo e quanto ao seu corpo.
Deve mencionar as alterações pretendidas e no caso de consolidação e
inserir uma nova redação, conforme a alteração efetuada.
REDUÇÃO DE CAPITAL:
• devido a perdas irreparáveis, o instrumento de alteração contratual deverá
ser firmado pelos sócios, onde se formalizará a redução, com a diminuição
proporcional do valor nominal das quotas (artigos 1.082 e 1.083, CC/2002).
• por ser considerado demasiado em relação ao objeto da sociedade, o
instrumento de alteração contratual deverá ser formalizado com a
indicação da redução com a devolução de parte do valor das quotas aos
sócios, ou dispensando-os de prestações ainda devidas, com a redução
proporcional também neste caso, do valor nominal das quotas.

INSTRUMENTO DE ALTERAÇÃO:
Em uma via original, podendo ser realizado por escritura pública ou
particular, independentemente da forma de que se houver revestido o respectivo
ato de constituição. Devem conter os seguintes elementos: título, preâmbulo e
corpo da alteração (nova redação das cláusulas alteradas, expressando as
modificações introduzidas, redação das cláusulas incluídas, indicação das
cláusulas suprimidas; fecho.

5
• Quando o instrumento de alteração for requerido por deliberação
majoritária, deverá constar do preâmbulo apenas o nome dos sócios que
dela fazem parte e que a deliberação se faz por maioria do capital,
• O instrumento de alteração pode conter a hipótese da sociedade adquirir
quotas de sócio quando houver quotas liberadas, ou seja, integralizadas,
desde que o faça com fundos disponíveis e sem ofensa ao capital, por
acordo dos sócios; e quotas não liberadas de sócio remisso excluído, desde
que o faça com fundos disponíveis e sem ofensa ao capital.
• As alterações contratuais, quando registradas por instrumento particular,
serão assinadas por todos os sócios e por duas testemunhas, salvo na
hipótese de determinação majoritária.
• Em hipótese alguma os registros de instrumentos de alterações sociais
representam a constituição de nova sociedade.

3. DA NATUREZA JURÍDICA DO CAPITAL SOCIAL


O conceito de capital social está intrinsecamente ligado à estrutura do
contrato social. Estabelece-se, a partir da constituição de um patrimônio
separado para a criação de uma sociedade, via de regra, para conciliar a limitação
da responsabilidade dos sócios, com a garantia dos credores.
Em outras palavras, a sociedade, para dar início à sua atividade econômica,
necessita evidentemente de recursos, isto é, de meios indispensáveis ao
desenvolvimento da empresa abrangida no objeto social. Cabe aos sócios prover
tais recursos. Fazem-no transferindo, do seu patrimônio ao da pessoa jurídica.
O capital social é a medida da contribuição dos sócios para a sociedade e
serve como referência à sua força econômica.
Capital social subscrito: mensuração do montante prometido pelos sócios para
a sociedade a título de capitalização.
Capital social integralizado: recursos já transferidos para o patrimônio social.
Uma das principais funções do capital social é a de mensurar a contribuição dos
sócios, de modo a funcionar como um fundo de garantia dos credores – e

6
assenta-se na ideia da limitação da responsabilidade dos sócios. Tem a ver com
a constituição de um patrimônio separado ou autônomo, que passará a suportar,
com exclusividade, a eventual ação dos credores, nos limites de sua constituição,
para preservar sua integridade.

Princípios do regime legal do capital social:


• unidade: toda sociedade deve ter um único capital social;
• fixidez: o capital social somente pode ser modificado nos casos previstos
em lei e de acordo com as normas legais;
• irrevogabilidade: os sócios não podem ser dispensados da obrigação de
realizar as entradas que se obrigaram perante a sociedade;
• realidade: a cifra do capital deve corresponder ao valor real das entradas
feitas pelos sócios;
• intangibilidade: os sócios não podem “beliscar” o capital social, ou seja, não
podem tocar neste fundo permanente enquanto a sociedade continua
operando e os credores não foram integralmente satisfeitos.

3.1. DO ENTENDIMENTO DA JUNTA COMERCIAL:


O art. 53, inciso III, alínea “c”, da Lei 8.934/1994 é claro e não admite
concessões, quando proíbe o arquivamento dos atos constitutivos se deles não
constar o capital da sociedade, a forma e o prazo de sua integralização.
No mesmo sentido os artigos. 1.054 c/c o art. 997, incisos III e IV do CC:
“Art. 1.054. O contrato mencionará, no que couber, as indicações do
art. 997, e, se for o caso, a firma social.”
“Art. 997. A sociedade constitui-se mediante contrato escrito,
particular ou público, que, além de cláusulas estipuladas pelas
partes, mencionará:
(...)
III - capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo
compreender qualquer espécie de bens, suscetíveis de avaliação
pecuniária; IV - a quota de cada sócio no capital social, e o modo de
realizá-la”.

7
Entre as orientações das Juntas Comercial, insertas nas Instruções
Normativas do DREI, constam a necessidade de indicação numérica e por
extenso do total do capital social; bem como a necessidade de mencionar o valor
nominal de cada quota, que pode ter valor desigual.
Há de se mencionar o total de quota(s) de cada sócio e declarar a forma e
o prazo de integralização do capital – se houver sócio menor, o capital deverá
estar totalmente integralizado.
No caso de se tratar de integralização com bem imóvel, obrigatoriamente,
haverá a descrição e identificação do imóvel, sua área, dados relativos a sua
titulação, número de matrícula no Registro de Imóveis e autorização do cônjuge
no instrumento contratual com a referência pertinente, salvo se o regime de
bens for o de separação absoluta.
O legislador concedeu liberdade os sócios de escolherem a maneira de
integralizar o capital social, tornou, porém, obrigatória cláusula contratual
dispondo sobre o prazo e a forma de sua integralização (dinheiro ou bens
suscetíveis de avaliação em dinheiro).

8
* Para todos verem: esquema sobre registro e elementos do contrato social.

1. PERSONALIDADE E PESSOAS JURÍDICAS


1.1. PERSONALIDADE JURÍDICA
A personalidade jurídica é o que confere à pessoa jurídica a aptidão de
adquirir direitos, bem como contrair obrigações. Assim, não é pura e
simplesmente, a condição de sujeito de direito que caracteriza a personalidade,
mas a aptidão genérica para tanto, até porque, os entes despersonalizados

9
também são sujeitos de direitos capazes de praticar atos jurídicos, ainda que de
forma limitada, como é o caso da Massa Falida e do Espólio.
1.2. PESSOAS JURÍDICAS
As pessoas jurídicas se dividem em dois grupos, de direito público (interno
ou externo) e de direito privado (estatais ou particulares), que possuem
regulamentação nos art. 40, art. 41, art. 42 e art. 43, todos do Código Civil:
* Para todos verem: tabela abaixo.

PESSOAS JURÍDICAS PESSOAS JURÍDICAS PESSOAS JURÍDICAS


DE DIREITO PÚBLICO DE DIRIEITO PÚBLICO DE DIREITO
INTERNO: EXTERNO: PRIVADO:

União; Associações;
Estados, DF e Territórios; Sociedades;
Estados estrangeiros;
Municípios; Fundações;
Todas as pessoas
Autarquias, inclusive as Organizações
regidas pelo Dir. Int.
associações públicas; Religiosas;
Público.
Demais entidades de Partidos Públicos
caráter público criadas EIRELI
por lei.

Lembre-se que as pessoas jurídicas de direito público estão submetidas a


regime distinto das pessoas jurídicas de direito privado, na medida em que têm
suas regras sujeitas ao direito administrativo, submetendo-se ao princípio da
estrita legalidade.
Quanto às pessoas jurídicas de direito privado é importante saber que não
se limitam àquelas previstas no art. 44, do Código Civil, podendo existir outras,
tais como, os sindicatos, as confederações, as federações, dentre outras.

2. AUTONOMIA PATRIMONIAL DA PESSOAS JURÍDICA


Assim prevê o art. 1.024 do Código Civil: Os bens particulares dos sócios
não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de
executados os bens sociais.

10
Isso se dá em virtude da autonomia patrimonial das sociedades, a qual
determina que a responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais será
subsidiária, podendo também ser limitada a depender do tipo societário.
Essa concepção tornou-se ainda mais forte a partir da edição da Lei da
Liberdade Econômica (Lei 13.874/2019) a partir da inclusão do art. 49-A ao
Código Civil. O referido artigo em seu caput não deixa qualquer margem de
dúvidas:
A pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados,
instituidores ou administradores”.
Parágrafo único. A autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é
um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos,
estabelecido pela lei com a finalidade de estimular
empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e
inovação em benefício de todos”.

2.1. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DOS SÓCIOS


A regra geral, portanto, é que os bens da sociedade que responderão pelas
dívidas sociais enquanto a empresa ainda os possuir. Isso é que garante aos
sócios o chamado benefício de ordem.
No caso de a empresa não possuir bens, deve-se atentar para o tipo de
responsabilidade dos sócios, se limitada: seus bens particulares poderão ser
executados, se ilimitada; seus bens particulares não poderão, a princípio, ser
executados.
Exemplos:
• Sociedade em nome coletivo: responsabilidade ilimitada;
• Sociedade anônima: responsabilidade limitada.

3. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA


A desconsideração da personalidade jurídica surge para solidificar o
instituto do princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, a fim de evitar
que haja fraude ou abuso de direito. Ou seja, ela é um reforço indireto para que

11
sócios e administradores atuem visando ao bem comum da sociedade
empresária, preservando-a e mantendo a sua função social, coibindo
manipulação da pessoa jurídica com o fim de fraudar credores.
Assim, se utilizada para fazer valer fraude em detrimento de terceiros,
considerar-se-á ineficaz a personificação com relação aos atos praticados de
forma abusiva ou fraudulenta, podendo atingir os bens particulares dos sócios
envolvidos na administração da sociedade.
O Código de Defesa do Consumidor foi a primeira norma a prever a
possibilidade de desconsiderar a personalidade jurídica; neste caso a aplicação
se dá quando há abuso em detrimento do consumidor, excesso de poder,
infração da lei, fato ou ato ilícito, violação dos estatutos ou do contrato social, ou
ainda, quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou
inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração (art. 28). A teoria
presente no CDC é chamada de “teoria menor”, sendo a “teoria maior” aquela
presente no Código Civil (art. 50).
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado
pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz,
a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe
couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de
certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos
bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa
jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. (Redação
dada pela Lei nº 13.874, de 2019)
3.1. TEORIA MAIOR VERSUS TEORIA MENOR
A desconsideração da autonomia patrimonial da pessoa jurídica,
conforme já vimos, é medida extrema, coibindo a fraude ou o abuso de direito de
uma forma mais simples e objetiva, pois incluídos nos dois institutos citados, a
confusão patrimonial, permitindo que no caso em concreto, respeitado o devido
processo legal, o credor alcance os bens particulares dos sócios e
administradores. O referido instituto reforça a autonomia patrimonial da pessoa

12
jurídica e a preservação da empresa, não devendo ser utilizada tão somente
porque a pessoa jurídica não tem mais bens para satisfazer aos seus credores.
Existem duas teorias aplicadas quando da desconsideração da
personalidade jurídica: a “teoria menor” e a “teoria maior”.
A teoria menor é aplicada quando nos casos que envolvam relação de
consumo (art. 28, do CDC), condutas lesivas ao meio ambiente (art. 4º da Lei
9.605/98) ou ainda, quando se tratar de infração da ordem econômica (art. 34 da
Lei 12.529/11). Já a teoria maior é considerada aquela prevista no art. 50, do CC.
Para o STF “a teoria menor da desconsideração, acolhida em nosso
ordenamento jurídico excepcionalmente no Direito do Consumidor e no Direito
Ambiental, incide com a mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o
pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de
finalidade ou de confusão patrimonial” STJ – 3a Turma – REsp 279273/SP, Rel.
Ministro Ari Pargendler, Rel. p/ Acórdão Ministra Nancy Andrighi, 3a T., julgado
em 4‐12‐2003, DJ 29‐3‐2004, p. 230. No mesmo sentido: STJ – REsp 1735004/SP,
Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 26‐06‐2018, DJe 29‐06‐
2018.
Sobre a distinção entre o art. 50 do Código Civil e as demais regras legais
que tratam da desconsideração da personalidade jurídica, o enunciado 9 das
Jornadas de Direito Comercial do CJF diz o seguinte: “quando aplicado às
relações jurídicas empresariais, o art. 50 do Código Civil não pode ser interpretado
analogamente ao art. 28, § 5º, do CDC ou ao art. 2º, § 2º, da CLT”.

3.2. DESVIO DE PERSONALIDADE E CONFUSÃO PATRIMONIAL


DESVIO DE FINALIDADE:
Art. 50, § 1º Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade
é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores
e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza.
No abuso por desvio de finalidade a personificação existe para um fim
ilícito, como acontece quando a atividade da pessoa jurídica é em si lícita, mas

13
seria ilícita se exercida pelo sócio, ou seja, a pessoa jurídica é usada para encobrir
a ilicitude da ação dos sócios.
Art. 50, § 5º Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou
a alteração da finalidade original da atividade econômica específica
da pessoa jurídica.
CONFUSÃO PATRIMONIAL:
Art. 50, § 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de
separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por:
I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio
ou do administrador ou vice-versa;
II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas
contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente
insignificante; e
III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.
O pagamento de obrigações do sócio pela pessoa jurídica ou vice-versa é
um exemplo clássico caracterizado como hipótese de confusão patrimonial,
contudo, verifica-se que o dispositivo exige expressamente que se trate de um
cumprimento repetitivo, ou seja se trata de uma obrigação isolada.
A transferência de ativos ou passivos realizada sem a devida justificativa
econômica pode ser caracterizada quando os sócios ou administradores utilizam
o patrimônio da pessoa jurídica e vice-versa. Empréstimos entre a pessoa jurídica
e o sócio, por exemplo, embora comuns, precisam obedecer às condições
normais de mercado, sob pena de representarem um mecanismo de mistura dos
patrimônios.

4. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA E SEUS EFEITOS


A desconsideração da personalidade jurídica tem os seus efeitos ligados
ao caso concreto em que foi requerida, ou seja, continua a existir normalmente e
a ter os efeitos da sua personalização respeitados em todas as demais relações
jurídicas em que figurar.

14
Nesse sentido, inclusive, já decidiu o STJ que “a desconsideração não
importa em dissolução da pessoa jurídica, mas se constitui apenas em um ato de
efeito provisório, decretado para determinado caso concreto e objetivo,
dispondo, ainda, os sócios incluídos no polo passivo da demanda, de meios
processuais para impugná-la” (REsp 1.169.175).
A aplicação da teoria da desconsideração atinge, tão somente, aqueles
sócios que se beneficiaram do uso abusivo da pessoa jurídica, logo, não significa
que atingirá todos os sócios e/ou administradores da sociedade, indistintamente.
Essa interpretação ganhou reforço após a edição da Lei 13.874/2019 (Lei da
Liberdade Econômica), que alterou a redação do caput do art. 50 do Código Civil
para deixar claro que a desconsideração da personalidade jurídica só pode atingir
os administradores ou sócios “beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso”.

5. DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA


Conforme já vimos, a teoria da desconsideração é aplicada com a
finalidade de permitir a execução de bens particulares dos sócios e/ou
administradores por dívidas da sociedade. O caminho inverso também pode ser
feito: desconsiderar a pessoa jurídica para executar bens sociais por dívidas
pessoais de um de seus sócios.
A desconsideração inversa consiste na aplicação dos fundamentos da
disregard doctrine para permitir que a pessoa jurídica responda por obrigações
pessoais de um ou mais sócios.
Nesse sentido já decidiu o STJ: “considerando-se que a finalidade da
disregard doctrine é combater a utilização indevida do ente societário por seus
sócios, o que pode ocorrer também nos casos em que o sócio controlador esvazia
o seu patrimônio pessoal e o integraliza na pessoa jurídica, conclui-se, de uma
interpretação teleológica do art. 50 do CC/2002, ser possível a desconsideração
inversa da personalidade jurídica, de modo a atingir bens da sociedade em razão
de dívidas contraídas pelo sócio controlador, conquanto preenchidos os
requisitos previstos na norma” (REsp 948.117).

15
A aplicação da desconsideração inversa é bem comum em questões que
envolvam direito de família, quando se constata, por exemplo, que um dos
cônjuges, cria uma pessoa jurídica com o objetivo de ocular se patrimônio, os
afastando da partilha ou frustrando a cobrança de pensão alimentícia.
Ainda sobre o assunto, confira-se o enunciado 283 das Jornadas de Direito
Civil do CJF: “é cabível a desconsideração da personalidade jurídica denominada
‘inversa’ para alcançar bens de sócio que se valeu da pessoa jurídica para ocultar
ou desviar bens pessoais, com prejuízo a terceiros”.
Neste aspecto, vale destacar que desde a edição da Lei 13.874/2019 (Lei da
Liberdade Econômica), a desconsideração inversa está expressamente
autorizada pelo Código Civil no §3º do art. 50.

6. DESCONSIDERAÇÃO E DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA SOCIEDADE


E comum ocorrer no Brasil, a chamada “dissolução irregular” da empresa,
isto é, o encerramento das atividades sem a devida baixa na Junta Comercial.
De acordo com o Súmula 435 do STJ, “presume-se dissolvida
irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem
comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da
execução fiscal para o sócio-gerente”.
No entanto, esse entendimento restringe-se à execução fiscal. As Turmas
de direito privado do STJ (3ª e 4ª Turmas, que compõem a 2ª Seção) entendem
que a mera dissolução irregular da empresa não é motivo suficiente para
aplicação da desconsideração da personalidade jurídica.
“A desconsideração da personalidade jurídica de sociedade empresária
com base no art. 50 do Código Civil exige, na esteira da jurisprudência desta Corte
Superior, o reconhecimento de abuso da personalidade jurídica. O encerramento
irregular da atividade não é suficiente, por si só, para o redirecionamento da
execução contra os sócios. Limitação da Súmula 435/STJ ao âmbito da execução
fiscal. Precedentes específicos do STJ” (AgRg no REsp 1.386.576).

16
“A mera circunstância de a empresa devedora ter encerrado suas
atividades sem baixa na Junta Comercial, se não evidenciado dano decorrente
de violação ao contrato social da empresa, fraude, ilegalidade, confusão
patrimonial ou desvio de finalidade da sociedade empresarial, não autoriza a
desconsideração de sua personalidade para atingir bens pessoais de herdeiro de
sócio falecido. Inaplicabilidade da Súmula 435/STJ, que trata de
redirecionamento de execução fiscal ao sócio-gerente de empresa
irregularmente dissolvida, à luz de preceitos do Código Tributário Nacional”
(AgRg no AREsp 251.800).

7. PRAZO PARA REQUERIMENTO DA DESCONSIDERAÇÃO DA


PERSONALIDADE JURÍDICA
Assim prevê o art. 1.032 do CC: “a retirada, exclusão ou morte do sócio, não
o exime, ou a seus herdeiros, da responsabilidade pelas obrigações sociais
anteriores, até dois anos após averbada a resolução da sociedade; nem nos dois
primeiros casos, pelas posteriores e em igual prazo, enquanto não se requerer a
averbação”.
Baseado referido dispositivo, há quem alegue que a desconsideração da
personalidade jurídica não poderia, por exemplo, atingir um sócio que já se
retirou da sociedade há mais de dois anos. No entanto, o STJ já decidiu que a
regra do art. 1.032 do CC não tem aplicação quando se trata de desconsideração
da personalidade jurídica, conforme segue:
“Descabe, por ampliação ou analogia, sem qualquer previsão legal, trazer
para a desconsideração da personalidade jurídica os prazos prescricionais
previstos para os casos de retirada de sócio da sociedade (arts. 1.003, 1.032 e 1.057
do Código Civil), uma vez que institutos diversos (REsp 1.312.591).
“O artigo 1.032 do Código Civil de 2002 trata da ultratividade da
responsabilidade do sócio tem pelas obrigações da sociedade em situações
ordinárias. Na hipótese não se cuida de uma responsabilidade ordinária, mas de
responsabilidade extraordinária, fundada na existência de abuso de direito, tanto

17
assim que aplicada a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, razão
por que o referido dispositivo não tem incidência” (REsp 1.269.897).

LEMBRE-SE!
A desconsideração da personalidade jurídica NÃO SE CONFUNDE com a
despersonalização da pessoa jurídica, esta atinge a validade do ato constitutivo,
ao passo que a desconsideração objetiva atingir o patrimônio dos sócios,
tratando-se de um ato momentâneo.

* Para todos verem: esquema sobre teoria menor, teoria maior e desconsideração da personalidade jurídica.

Desconsideração da Pessoa Jurídica

Autonomia da Pessoa Jurídica: os bens dos sócios e/ou administradores não se


confundem com os bens da pessoa jurídica.

18
02. DIREITO SOCIETÁRIO

1. SOCIEDADE SIMPLES
As sociedades simples além de se constituírem no tipo pertinente a
atividades societária intelectual, também têm suas normas consideradas uma
espécie de parte geral do direito societário, pois suas regras têm aplicação
subsidiária à maioria das sociedades empresárias contratuais. As sociedades
cooperativas são consideradas sociedades simples, conforme dispõe o parágrafo
único do art. 982, do CC: “Salvo as exceções expressas, considera-se empresária
a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário
sujeito a registro (art. 967); e, simples, as demais. Parágrafo único.
Independentemente de seu objeto, considera-se empresária a sociedade por
ações; e, simples, a cooperativa.”

19
As sociedades simples estão reguladas nos artigos 997 a 1038, do Código
Civil e conforme artigo 997 são constituídas por meio de contrato.

1.1. QUALIFICAÇÃO DOS SÓCIOS


Art. 997. A sociedade constitui-se mediante contrato escrito,
particular ou público, que, além de cláusulas estipuladas pelas
partes, mencionará:
I - nome, nacionalidade, estado civil, profissão e residência dos
sócios, se pessoas naturais, e a firma ou a denominação,
nacionalidade e sede dos sócios, se jurídicas;
II - denominação, objeto, sede e prazo da sociedade;
III - capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo
compreender qualquer espécie de bens, suscetíveis de avaliação
pecuniária;
IV - a quota de cada sócio no capital social, e o modo de realizá-la;
V - as prestações a que se obriga o sócio, cuja contribuição consista
em serviços;
VI - as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade,
e seus poderes e atribuições;
VII - a participação de cada sócio nos lucros e nas perdas;
VIII - se os sócios respondem, ou não, subsidiariamente, pelas
obrigações sociais.
Parágrafo único. É ineficaz em relação a terceiros qualquer pacto
separado, contrário ao disposto no instrumento do contrato.

1.2. CONTRATO SOCIAL


1.2.1. QUALIFICAÇÃO DOS SÓCIOS
Art. 997. A sociedade constitui-se mediante contrato escrito,
particular ou público, que, além de cláusulas estipuladas pelas
partes, mencionará:
I - nome, nacionalidade, estado civil, profissão e residência dos
sócios, se pessoas naturais, e a firma ou a denominação,
nacionalidade e sede dos sócios, se jurídicas;
* Para todos verem: tabela abaixo.

20
Sócios pessoas naturais: Sócios pessoas jurídicas:

- Incapazes
- Impedidos - Holding
- Pessoas casadas

1.2.2 QUALIFICAÇÃO DAS SOCIEDADES


Art. 997. A sociedade constitui-se mediante contrato escrito,
particular ou público, que, além de cláusulas estipuladas pelas
partes, mencionará:
II - denominação, objeto, sede e prazo da sociedade;
* Para todos verem: tabela abaixo.

Nome empresarial: Objeto social:

- Firma
Profissão intelectual /
(enunciado 213 das Jornadas de Direito Civil)
atividade rural
- Denominação

1.3. CAPITAL SOCIAL


Art. 997. A sociedade constitui-se mediante contrato escrito,
particular ou público, que, além de cláusulas estipuladas pelas
partes, mencionará:
(...) III - capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo
compreender qualquer espécie de bens, suscetíveis de avaliação
pecuniária;
Capital social é o montante correspondente à participação dos sócios
na sociedade, decorrente de aportes dos sócios, consistentes na
transferência de dinheiro, bens ou créditos para a sociedade.

IMPORTANTE!
- Capital social = patrimônio inicial.
- Patrimônio líquido » capital social » distribuir/reservar lucros.

Art. 1.059. Os sócios serão obrigados à reposição dos lucros e das


quantias retiradas, a qualquer título, ainda que autorizados pelo

21
contrato, quando tais lucros ou quantia se distribuírem com
prejuízo do capital.

O capital funciona como uma garantia dos credores, bem como é o que
viabiliza a realização do objeto social e define as relações de poder dos sócios no
controle da sociedade, da mesma forma que define a responsabilidade de cada
sócio.
Quanto ao valor do capital social o debate sobre a necessidade ou não de
haver um capital social mínimo para constituição de uma determinada
sociedade é antigo, havendo ordenamentos jurídicos que fazem essa exigência.
Existem diversos fundamentos acerca da exigência de um capital mínimo, como
por exemplo: cumprimento das funções de garantia e produtividade. No Brasil,
com exceção da EIRELI, não se exige capital social mínimo para a constituição de
sociedades.
A exigência de adequação do capital social ao objeto social pode ser
extraída de uma interpretação dos arts. 173 da Lei 6.404/1976 (“a assembleia geral
poderá deliberar a redução do capital social se houver perda, até o montante dos
prejuízos acumulados, ou se julgá-lo excessivo”) e 1.082, II, do CC (“pode a
sociedade reduzir o capital, mediante a correspondente modificação do contrato:
(...) II – se excessivo em relação ao objeto da sociedade” (princípio da
congruência).
• Subcapitalização formal: a sociedade possui um capital próprio ínfimo em
relação à atividade que desenvolve, porque obtém recursos de terceiros
(financiamentos, por exemplo).
• Subcapitalização substancial: há uma clara desproporção entre o volume de
negócios de uma empresa e o seu capital social, sem que existam outras fontes
de recursos para compensar.

22
1.3.1. SUBSCRIÇÃO DO CAPITAL
No direito brasileiro, exige-se a subscrição total do capital social no
momento da constituição da sociedade, contudo, a integralização pode ser
futura.
O ato de subscrição representa o comprometimento dos sócios a
contribuir para a formação do capital social, e é com base nele, em tese, que se
estabelecem as respectivas participações societárias.
Art. 997. A sociedade constitui-se mediante contrato escrito,
particular ou público, que, além de cláusulas estipuladas pelas
partes, mencionará:
(...) IV - a quota de cada sócio no capital social, e o modo de realizá-
la; V - as prestações a que se obriga o sócio, cuja contribuição
consista em serviços;
A integralização consiste na efetiva contribuição dos sócios para a
formação do capital social, podendo ser feita de diversas formas: com bens –
móveis ou imóveis, materiais ou imateriais –, dinheiro ou créditos. Na sociedade
simples, admite-se até a contribuição em serviços (enunciado 206 das Jornadas
de Direito Civil: “a contribuição do sócio exclusivamente em prestação de serviços
é permitida nas sociedades cooperativas – art. 1.094, I – e nas sociedades simples
propriamente ditas – art. 983, 2.ª parte”).
Se o sócio integralizar sua quota com transferência de bens, estes devem
ser suscetíveis de avaliação pecuniária, além de o sócio responder pela evicção,
isto é, caso a sociedade perca esse bem posteriormente em razão de ele ser de
outrem (art. 1005, CC), o sócio que o havia transferido terá que pagar a ela o seu
valor. Já se integralizar sua quota com a transferência de créditos de sua
titularidade, responderá pela solvência do devedor, ou seja, caso os créditos
cedidos não sejam pagos pelos seus devedores, o sócio que os cedeu terá que
pagá-los (art. 1006, CC).

23
1.4. ADMINISTRAÇÃO DA SOCIEDADE SIMPLES
Art. 997. A sociedade constitui-se mediante contrato escrito,
particular ou público, que, além de cláusulas estipuladas pelas
partes, mencionará:
(...)
VI - as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade,
e seus poderes e atribuições;
Verifica-se que as sociedade simples (e isso vale também para as demais
sociedades contratuais), não podem ser administradas por pessoa jurídica, já que
o dispositivo usa a expressão pessoas naturais para se referir aos administradores.
Também não podem administrar a sociedade as pessoas mencionadas no
art. 1.011, § 1º do Código Civil: “não podem ser administradores, além das pessoas
impedidas por lei especial, os condenados a pena que vede, ainda que
temporariamente, o acesso a cargos públicos; ou por crime falimentar, de
prevaricação, peita ou suborno, concussão, peculato; ou contra a economia
popular, contra o sistema financeiro nacional, contra as normas de defesa da
concorrência, contra as relações de consumo, a fé pública ou a propriedade,
enquanto perdurarem os efeitos da condenação”.
Caso o contrato social não designe expressamente seus administradores,
aplica-se o art. 1.013 do Código Civil: “a administração da sociedade, nada
dispondo o contrato social, compete separadamente a cada um dos sócios”.
Dispõem seus parágrafos: §1º: “se a administração competir separadamente a
vários administradores, cada um pode impugnar operação pretendida por
outro, cabendo a decisão aos sócios, por maioria de votos”; §2º. “responde por
perdas e danos perante a sociedade o administrador que realizar operações,
sabendo ou devendo saber que estava agindo em desacordo com a maioria”. E,
ainda, o art. 1.014 do Código Civil que prevê que “nos atos de competência
conjunta de vários administradores, torna-se necessário o concurso de todos,
salvo nos casos urgentes, em que a omissão ou retardo das providências possa
ocasionar dano irreparável ou grave”.

24
Nada impede que os sócios, embora não tenham designado o
administrador no próprio contrato social, façam-no em ato separado
posteriormente. Nesse caso, deve-se atentar apenas para a imprescindibilidade
de averbação do ato no órgão de registro da sociedade, em obediência ao art.
1.012 do Código Civil: “o administrador, nomeado por instrumento em separado,
deve averbá-lo à margem da inscrição da sociedade, e, pelos atos que praticar,
antes de requerer a averbação, responde pessoal e solidariamente com a
sociedade”.
A diferença entre o administrador nomeado no contrato social e o
administrador nomeado em ato separado está no fato de que os poderes
daquele, caso seja sócio, são, em tese, irrevogáveis, salvo por decisão judicial que
reconheça a ocorrência de justa causa para a revogação. Já os poderes de
administrador, não sócio ou de administrador designado em ato separado, ainda
que sócio, são revogáveis a qualquer tempo pela vontade dos demais, conforme
prevê o art. 1.019 do Código Civil: “são irrevogáveis os poderes do sócio investido
na administração por cláusula expressa do contrato social, salvo justa causa,
reconhecida judicialmente, a pedido de qualquer dos sócios. Parágrafo único.
São revogáveis, a qualquer tempo, os poderes conferidos a sócio por ato
separado, ou a quem não seja sócio”.
Nota-se que sócio administrador contratualmente nomeado, possui uma
espécie de estabilidade, podendo representar aos demais sócios um grave
comprometimento de seus interesses. Para afastar essa estabilidade, a
nomeação dos administradores pode ser processada por ato separado. Esse
termo, para efeito de eficácia externa, deverá ser averbado à margem da
inscrição da sociedade. Importa mencionar que, ainda que nomeado
administrador no próprio contrato, o não sócio não está protegido contra a
destituição
A atividade do administrador é personalíssima, não podendo outrem
exercer suas funções; o máximo permitido é a delegação de certas atividades a
mandatários, nos termos do art. 1.018 do Código Civil: “ao administrador é vedado

25
fazer-se substituir no exercício de suas funções, sendo-lhe facultado, nos limites
de seus poderes, constituir mandatários da sociedade, especificados no
instrumento os atos e operações que poderão praticar”.

TEORIA ORGÂNICA
Prevê o art. 1.022, do CC que “a sociedade adquire direitos, assume obrigações e
procede judicialmente por meio de administradores com poderes especiais, ou, não os
havendo, por intermédio de qualquer administrador.”
Os administradores são os representantes legais da sociedade. De acordo com a
teoria orgânica, o administrador não é tecnicamente representante, mas presentante
(órgão integrante da própria sociedade, que externa a sua vontade, ou seja, torna-a
presente). Não obstante, o art. 1.011, § 2º, do Código Civil dispõe que “aplicam-se à
atividade dos administradores, no que couber, as disposições concernentes ao
mandato”.

1.4.1. DEVER DE DILIGÊNCIA DOS ADMINISTRADORES


O administrador da sociedade deverá ter, no exercício de suas funções, o
cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na
administração de seus próprios negócios (art. 1.011, CC - art. 153 da Lei 6.404/1976).
Entende-se que esse dever de diligência será atendido sempre que o
administrador atuar em conformidade com os padrões de gestão fixados pela
ciência da administração de empresas. Para tanto, deve-se verificar se sua
atuação foi (i) independente, (ii) desinteressada, (iii) informada e (iv) no interesse
da companhia (business judgement rule).

1.4.2. LIMITAÇÃO DE PODERES DOS ADMINISTRADORES


Se houver lacuna no contrato social acerca dos poderes e atribuições dos
seus administradores, entende-se que estes podem praticar todos e quaisquer
atos pertinentes à gestão da sociedade, salvo oneração ou alienação de bens
imóveis, o que só poderão fazer se tais atos constituírem o próprio objeto social.

26
É o que dispõe o art. 1.015 do Código Civil:
“no silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos
os atos pertinentes à gestão da sociedade; não constituindo objeto
social, a oneração ou a venda de bens imóveis depende do que a
maioria dos sócios decidir”.
Caso o contrato social estabeleça expressamente os poderes e atribuições
dos administradores, é preciso analisar que efeitos para a sociedade produzirão
os atos de gestão que extrapolarem os limites estabelecidos.
O art. 1.015, parágrafo único do Código Civil, porém, afirma o seguinte:
“o excesso por parte dos administradores somente pode ser oposto
a terceiro se ocorrer pelo menos uma das seguintes hipóteses: I – se
a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro
próprio da sociedade; II – provando-se que era conhecida do
terceiro; III – tratando-se de operação evidentemente estranha aos
negócios da sociedade”.

TEORIA DOS ATOS ULTRA VIRES


A regra do art. 1.015, parágrafo único do Código Civil consagra a aplicação da teoria
dos atos ultra vires, segundo a qual a sociedade não deve responder pelos atos com
excesso de poderes praticados pelos seus administradores.
Nesse sentido, confira-se o enunciado 219 das Jornadas de Direito Civil: “a) o ato
ultra vires não produz efeito apenas em relação à sociedade; b) sem embargo, a
sociedade poderá, por meio de seu órgão deliberativo, ratificá-lo; c) o Código Civil
amenizou o rigor da teoria ultra vires, admitindo os poderes implícitos dos
administradores para realizar negócios acessórios ou conexos ao objeto social, os quais
não constituem operações evidentemente estranhas aos negócios da sociedade (...)”.
De acordo com o enunciado 11 das Jornadas de Direito Comercial, “a regra do art.
1.015, parágrafo único, do Código Civil deve ser aplicada à luz da teoria da aparência e do
primado da boa-fé objetiva, de modo a prestigiar a segurança do tráfego negocial. As
sociedades se obrigam perante terceiros de boa-fé”.
No mesmo sentido desse enunciado, o STJ já decidiu que a boa-fé do credor da
sociedade deve ser protegida, aplicando-se a teoria da aparência, especialmente

27
quando o ato ultra vires do administrador acarretou proveito aos demais sócios (REsp
704.546/DF).
Nos casos em que o administrador agir com culpa no desempenho de suas
atribuições, seja praticando ato regular de gestão ou ato com excesso de poderes, ele
responderá tanto perante terceiros quanto perante a sociedade, nos termos do art. 1.016
do Código Civil: “os administradores respondem solidariamente perante a sociedade e
os terceiros prejudicados, por culpa no desempenho de suas funções”.

1.5. DISTRIBUIÇÃO NOS LUCROS E RESULTADOS


Da mesma forma que todos os sócios devem contribuir para a formação do
capital social, é também requisito especial de validade do contrato social a
garantia de que todos eles participem dos resultados sociais (lucros ou prejuízos),
cabendo-lhes disciplinar a matéria no ato constitutivo.
Art. 1.027, CC: “Os herdeiros do cônjuge de sócio, ou o cônjuge do que se
separou judicialmente, não podem exigir desde logo a parte que lhes couber na
quota social, mas concorrer à divisão periódica dos lucros, até que se liquide a
sociedade.”

1.5.1. PARTICIPAÇÃO PROPORCIONAL X PARTICIPAÇÃO DESPROPORCIONAL


O sócio participa dos lucros e das perdas, na proporção das respectivas
quotas, mas aquele, cuja contribuição consiste em serviços, somente participa
dos lucros na proporção da média do valor das quotas, salvo de os sócios
dispuserem em contrário (art. 1007, CC). Portanto, em tese, a participação dos
sócios é proporcional às suas respectivas quotas, porém o contrato social pode
dispor de forma diversa, determinando uma participação desproporcional.

1.5.2. CLÁUSULA LEONINA


Conforme art. 1.008 do CC “é nula a estipulação contratual que exclua
qualquer sócio de participar dos lucros e das perdas”, depreende-se, portanto,
que é vedada chamada “cláusula leonina”.

28
Outrossim, a distribuição de lucros ilícitos ou fictícios acarreta
responsabilidade solidária dos administradores que a realizarem e dos sócios que
os receberem, conhecendo ou devendo conhecer-lhes a ilegitimidade (Art. 1.009,
CC).
1.6. RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS
Conforme já vimos, a pessoa jurídica não se confunde com seus sócios,
administradores, associados, instituidores (art. 49-A, do CC).
Art. 49-A. A pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios,
associados, instituidores ou administradores.
Parágrafo único. A autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é
um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos,
estabelecido pela lei com a finalidade de estimular
empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e
inovação em benefício de todos.

1.6.1. RESPONSABILIDADES SUBSIDIÁRIA DOS SÓCIOS


A responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais, seja qual for o tipo
societário, é sempre subsidiária em relação à sociedade, nos termos do art. 1.024
do Código Civil: “os bens particulares dos sócios não podem ser executados por
dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais”. Desta forma,
enquanto a sociedade possuir bens, são esses bens que devem responder por
suas dívidas, garantindo-se aos sócios o benefício de ordem.
Não havendo mais bens sociais a serem executados, a responsabilidade
dos sócios pelas dívidas sociais remanescentes será determinada pelo tipo
societário escolhido: na sociedade em nome coletivo, todos responderão de
forma ilimitada e solidária (art. 1.039 do Código Civil); na sociedade em comandita
simples, apenas os comanditados responderão de forma ilimitada e solidária (art.
1.045 do Código Civil); e na sociedade limitada, nenhum sócio responderá, salvo
se o capital não estiver integralizado, caso em que todos responderão
solidariamente pelo que faltar a integralizar (art. 1.052 do Código Civil).

29
Em se tratando de sociedade simples “pura”, a responsabilidade, em
princípio, é ilimitada, mas não solidária, conforme previsão do art. 1.023 do Código
Civil: “se os bens da sociedade não lhe cobrirem as dívidas, respondem os sócios
pelo saldo, na proporção em que participem das perdas sociais, salvo cláusula de
responsabilidade solidária”.
Destaque-se, porém, que a parte final do dispositivo legal em questão
ressalva a possibilidade de pactuação de cláusula de responsabilidade solidária,
tornando a responsabilidade dos sócios da sociedade simples “pura”, nesse caso,
igual a dos sócios de uma sociedade em nome coletivo.
Essa cláusula de responsabilidade solidária é a prevista no art. 997, inciso
VIII do Código Civil, que estabelece a possibilidade de o contrato social prever “se
os sócios respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais”.

1. 6.2. RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS NA SOCIEDADE SIMPLES


No caso de omissão no contrato da sociedade simples propriamente dita
contrato, valerão as regras gerais dos arts. 1.023 e 1.024 do Código Civil, ou seja, a
responsabilidade dos sócios será subsidiária em relação à sociedade (art. 1.024),
mas ilimitada e proporcional entre eles (art. 1.023, primeira parte). Porém, se
pactuado expressamente, a responsabilidade dos sócios será subsidiária em
relação à sociedade (art. 1.024), mas ilimitada e solidária entre eles (art. 1.023, parte
final).
Ainda sobre a responsabilidade dos sócios da sociedade simples, o
enunciado 10 das Jornadas de Direito Comercial diz o seguinte: “nas sociedades
simples, os sócios podem limitar suas responsabilidades entre si, à proporção da
participação no capital social, ressalvadas as disposições específicas”.
Art. 1.025. O sócio, admitido em sociedade já constituída, não se exime das
dívidas sociais anteriores à admissão.
Art. 1.032. A retirada, exclusão ou morte do sócio, não o exime, ou a seus
herdeiros, da responsabilidade pelas obrigações sociais anteriores, até dois anos

30
após averbada a resolução da sociedade; nem nos dois primeiros casos, pelas
posteriores e em igual prazo, enquanto não se requerer a averbação.
Em um processo no qual se discutia a extensão da responsabilidade de ex-
sócio com base nas regras dos arts. 1.003, parágrafo único, e 1.032 do Código Civil,
a 3ª Turma do STJ decidiu que, “na hipótese de cessão de quotas sociais, a
responsabilidade do cedente pelo prazo de até 2 (dois) anos após a averbação da
respectiva modificação contratual restringe-se às obrigações sociais contraídas
no período em que ele ainda ostentava a qualidade de sócio, ou seja, antes da
sua retirada da sociedade. Inteligência dos arts. 1.003, parágrafo único, 1.032 e
1.057, parágrafo único, do Código Civil de 2002” (REsp 1.537.521/RJ).
Os Ministros reconheceram que o sócio que sai da sociedade responde por
dívidas sociais até dois anos após sua saída, mas destacaram que essa
responsabilidade se refere a dívidas anteriores à sua saída, e não a dívidas
posteriores.
Art. 1.026. O credor particular de sócio pode, na insuficiência de outros bens
do devedor, fazer recair a execução sobre o que a este couber nos lucros da
sociedade, ou na parte que lhe tocar em liquidação.
Parágrafo único. Se a sociedade não estiver dissolvida, pode o credor
requerer a liquidação da quota do devedor, cujo valor, apurado na forma do art.
1.031, será depositado em dinheiro, no juízo da execução, até noventa dias após
aquela liquidação. Esse dispositivo admite a penhora de quotas para execução
de dívida particular de sócio, nesses casos, aplica-se a regra do art. 861 do CPC.

1.7. DELIBERAÇÕES SOCIAIS


Em princípio, compete aos administradores praticar os atos pertinentes à
gestão dos negócios da sociedade, conforme o seu objeto social, contudo,
quando se tratar de assuntos mais relevantes, a decisão não cabe ao
administrador, mas ao conjunto de sócios, ou seja, exige, deliberação social
prévia.

31
As matérias que dependem da deliberação dos sócios poderão ser
expressas no contrato social. Em alguns casos, porém, é a própria lei que o faz,
como nas hipóteses de dissolução da sociedade (art. 1.033, III do Código Civil) ou
de exclusão do sócio remisso (art. 1.004, parágrafo único do Código Civil).
Quanto ao quorum de deliberação dispõe o art. 1.010: “quando, por lei ou
pelo contrato social, competir aos sócios decidir sobre os negócios da sociedade,
as deliberações serão tomadas por maioria de votos, contados segundo o valor
das quotas de cada um.”
A regra é que as deliberações sejam tomadas por maioria, mas a própria lei
ou o contrato social pode estabelecer quórum qualificado para certas matérias,
como 2/3 (dois terços), 3/4 (três quartos) ou até mesmo unanimidade (o art. 999
do Código Civil, por exemplo, exige unanimidade para mudanças nas cláusulas
obrigatórias do contrato social, descritas no art. 997).
Enunciado 385 das Jornadas de Direito Civil: “a unanimidade exigida para
a modificação do contrato social somente alcança as matérias referidas no art.
997, prevalecendo, nos demais casos de deliberação dos sócios, a maioria
absoluta, se outra mais qualificada não for prevista no contrato”. Art. 1.010, § 2º.
Prevalece a decisão sufragada por maior número de sócios no caso de empate,
e, se este persistir, decidirá o juiz.
A maioria absoluta não diz respeito ao número de sócios votantes, mas ao
valor de suas quotas. A aferição do número de sócios votantes será importante,
entretanto, quando pelo valor das quotas houver empate na votação. Nesse caso,
prevalecerá a decisão que teve o apoio da maior quantidade de sócios. No caso
de empate também no número de sócios, a matéria deverá ser levada ao Poder
Judiciário.

IMPORTANTE!
Art. 1.010, § 3º. Responde por perdas e danos o sócio que, tendo em alguma
operação interesse contrário ao da sociedade, participar da deliberação que a
aprove graças a seu voto.

32
1.8. DA MORTE, RETIRADA OU EXCLUSÃO DO SÓCIO
Conforme Art. 1.028:
No caso de morte de sócio, liquidar-se-á sua quota, salvo:
I - se o contrato dispuser diferentemente;
II - se os sócios remanescentes optarem pela dissolução da
sociedade;
III - se, por acordo com os herdeiros, regular-se a substituição do
sócio falecido; e
Art. 1.029. Além dos casos previstos na lei ou no contrato, qualquer
sócio pode retirar-se da sociedade; se de prazo indeterminado,
mediante notificação aos demais sócios, com antecedência
mínima de sessenta dias; se de prazo determinado, provando
judicialmente justa causa.
Parágrafo único. Nos trinta dias subsequentes à notificação,
podem os demais sócios optar pela dissolução da sociedade.

Sobre o tema já se manifestou o STJ reiteradas vezes:


“O direito de retirada de sociedade constituída por tempo indeterminado, a partir
do Código Civil de 2002, é direito potestativo que pode ser exercido mediante a
simples notificação com antecedência mínima de sessenta dias (art. 1.209),
dispensando a propositura de ação de dissolução parcial para tal finalidade”
(REsp 1602240/MG, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA,
julgado em 06/12/2016, DJe 15/12/2016). RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE
DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE LIMITADA DE PRAZO INDETERMINADO.
NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. APURAÇÃO DE HAVERES. DATA-BASE. PRAZO DE 60
DIAS. (...) 2. O propósito recursal é definir a data-base para apuração dos haveres
devidos ao sócio em caso de dissolução parcial de sociedade limitada de prazo
indeterminado. 3. O direito de recesso, tratando-se de sociedade limitada
constituída por prazo indeterminado, pode ser exercido mediante envio de
notificação prévia, respeitado o prazo mínimo de sessenta dias. Inteligência do
art. 1.029 do CC.4. O contrato societário fica resolvido, em relação ao sócio
retirante, após o transcurso de tal lapso temporal, devendo a data-base para
33
apuração dos haveres levar em conta seu termo final. (REsp 1735360/MG, Rel.
Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/03/2019, DJe
15/03/2019)

Assim consta no Manual de registro da sociedade limitada:


“4.4.3. Retirada nos casos de prazo determinado ou indeterminado
Além dos casos previstos na lei ou no contrato, qualquer sócio pode retirar-se da
sociedade:
I - se de prazo indeterminado, mediante notificação aos demais sócios, com
antecedência mínima de sessenta dias, a contar da notificação do último sócio.
Nesta hipótese, observar-se-á o seguinte:
a) passado o prazo, deverá ser providenciado arquivamento da
notificação, que poderá ser por qualquer forma que ateste a
cientificação dos sócios;
b) a junta anotará no cadastro da empresa a retirada do sócio;
c) a sociedade deverá, na alteração contratual seguinte, regularizar o
quadro societário; e
II - se de prazo determinado, provando judicialmente justa causa”.

Quanto à exclusão do sócio, resta disciplinado no artigo 1.030:


ressalvado o disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, pode o sócio ser
excluído judicialmente, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios, por
falta grave no cumprimento de suas obrigações, ou, ainda, por incapacidade
superveniente.
Parágrafo único. Será de pleno direito excluído da sociedade o sócio declarado
falido, ou aquele cuja quota tenha sido liquidada nos termos do parágrafo único
do art. 1.026.

Quanto ao tema, julgou o STJ:


RECURSO ESPECIAL. DIREITO SOCIETÁRIO. AÇÃO DE DISSOLUÇÃO PARCIAL DE
SOCIEDADE. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA.

34
CERCEAMENTO DE DEFESA. INEXISTÊNCIA. SÓCIO MAJORITÁRIO. PRÁTICA DE
FALTA GRAVE. EXCLUSÃO. ART. 1.030 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. SÓCIOS
MINORITÁRIOS. INICIATIVA. POSSIBILIDADE.
1. Controvérsia limitada a definir se é possível a exclusão judicial de sócio
majoritário de sociedade limitada por falta grave no cumprimento de suas
obrigações, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios.
2. Nos termos do Enunciado nº 216/CJF, aprovado na III Jornada de Direito Civil, o
quórum de deliberação previsto no art. 1.030 do Código Civil de 2002 é de maioria
absoluta do capital representado pelas quotas dos demais sócios.
3. Na apuração da maioria absoluta do capital social para fins de exclusão judicial
de sócio de sociedade limitada, consideram-se apenas as quotas dos demais
sócios, excluídas aquelas pertencentes ao sócio que se pretende excluir, não
incidindo a condicionante prevista no art. 1.085 do Código Civil de 2002, somente
aplicável na hipótese de exclusão extrajudicial de sócio por deliberação da
maioria representativa de mais da metade do capital social, mediante alteração
do contrato social. 4. Recurso especial não provido. (REsp 1653421/MG, Rel.
Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em
10/10/2017, DJe 13/11/2017)

Em resumo, quanto à exclusão do sócio pode ser ordenada da seguinte


orientação:
a) o sócio remisso, por iniciativa da maioria dos demais sócios, poderá ser
excluído da sociedade, exclusão essa que se realizará de forma extrajudicial;
b) o sócio declarado falido ou civilmente insolvente, na forma das respectivas
leis de regência, bem como o sócio cuja quota for liquidada nos termos do
parágrafo único do art. 1.026 do Código, serão, de pleno direito, excluídos da
sociedade, exclusão essa que se dá, portanto, no plano extrajudicial;
c) o sócio que incorrer em falta grave no cumprimento de suas obrigações, ou,
ainda, o sócio declarado incapaz por fato superveniente, poderão ser excluídos
por decisão da maioria dos demais sócios, mas a exclusão far-se-á judicialmente
Nesses casos, observa-se quanto às quotas o que prevê o art. 1.031.
35
Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o
valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente
realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário,
com base na situação patrimonial da sociedade, à data da
resolução, verificada em balanço especialmente levantado.
§ 1º O capital social sofrerá a correspondente redução, salvo se os
demais sócios suprirem o valor da quota.
§ 2º A quota liquidada será paga em dinheiro, no prazo de noventa
dias, a partir da liquidação, salvo acordo, ou estipulação contratual
em contrário.

Importante salientar ainda, que no que diz respeito à apuração de haveres


o ideal é que esteja disciplinado no próprio contrato social, estabelecendo:

a) O critério de apuração dos haveres.


Art. 606, CPC. Em caso de omissão do contrato social, o juiz definirá,
como critério de apuração de haveres, o valor patrimonial apurado
em balanço de determinação, tomando-se por referência a data da
resolução e avaliando-se bens e direitos do ativo, tangíveis e
intangíveis, a preço de saída, além do passivo também a ser
apurado de igual forma.
b) A forma e prazo de pagamentos dos haveres.
Art. 604 (...), CPC.
§ 1º O juiz determinará à sociedade ou aos sócios que nela
permanecerem que depositem em juízo a parte incontroversa dos
haveres devidos.
§ 2º O depósito poderá ser, desde logo, levantado pelo ex-sócio, pelo
espólio ou pelos sucessores.
§ 3º Se o contrato social estabelecer o pagamento dos haveres, será
observado o que nele se dispôs no depósito judicial da parte
incontroversa.

36
c) Os direitos do sócio durante a apuração dos haveres.
Art. 608, parágrafo único, do CPC. Após a data da resolução, o ex-sócio, o espólio
ou os sucessores terão direito apenas à correção monetária dos valores apurados
e aos juros contratuais ou legais.

EM RESUMO
* Para todos verem: esquema abaixo.

37
2. SOCIEDADE LIMITADA
2.1. RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS
Art. 1.052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio
é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem
solidariamente pela integralização do capital social.

- Responsabilidade subsidiária:
Se a sociedade tiver bens, é a própria sociedade quem responde pelas
dívidas sociais (autonomia patrimonial da sociedade: art. 49-A e 1.024 do CC).
- Responsabilidade limitada:
Se a sociedade não tiver mais bens, e o capital social estiver totalmente
integralizado, os sócios não respondem com seus bens pessoais pelas dívidas
sociais.
- Responsabilidade solidária:
Se a sociedade não tiver mais bens, e o capital social não estiver totalmente
integralizado, os sócios respondem com seus bens pessoais pelas dívidas sociais,
solidariamente, pelo que faltar para a integralização.
- Responsabilidade direta:
Se houver abuso de personalidade jurídica, o(s) sócio(s) que se beneficiou
(aram) direta ou indiretamente do abuso responde(m) com seus bens pessoais
pelas dívidas sociais, independentemente de a sociedade ainda ter bens
(desconsideração da personalidade jurídica: art. 50 do CC).

2.2. SOCIEDADE LIMITADA UNIPESSOAL


Art. 1.052. (...)
§ 1º A sociedade limitada pode ser constituída por 1 (uma) ou mais
pessoas.
§ 2º Se for unipessoal, aplicar-se-ão ao documento de constituição
do sócio único, no que couber, as disposições sobre o contrato
social.
Não se confunde com a EIRELI: São pessoas jurídicas distintas, embora o
regime jurídico seja muito parecido (a EIRELI é regida pelas regras da Limitada).
38
Mas há algumas diferenças: na EIRELI, exige-se capital mínimo, o titular pessoa
natural só pode constituir uma única EIRELI e há, pelo menos em tese, uma
maior proteção patrimonial (porque o titular só responde por dívidas da EIRELI
em caso de fraude).
Já na Limitada unipessoal não se exige capital mínimo, o sócio (mesmo
sendo pessoa natural) pode constituir mais de uma Limitada unipessoal e pode
ser responsabilizado pelas dívidas da sociedade não apenas em caso de fraude,
mas em qualquer situação que permita a desconsideração da PJ.
Não se trata de um novo tipo societário.

2.3. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DAS NORMAS DE SOCIEDADE ANÔNIMA


Art. 1.053. (...)
Parágrafo único. O contrato social poderá prever a regência
supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade
anônima.
A aplicação supletiva das normas da sociedade anônima à sociedade
limitada será feita quando o contrato social previr e se tratar de matéria que os
sócios podem contratar.
A regência supletiva não pode ser absoluta, somando-se ao texto da lei da
sociedade limitada todo o texto das normas das sociedades simples ou todo o
texto da lei das sociedades anônimas. Tal forma de regência encontra seus
limites no critério de compatibilidade, entendida esta com a necessidade de se
respeitar as questões ligadas à natureza e às finalidades econômicas e
empresariais das sociedades, bem como na necessidade de não lesar normas
gerais e abstratas não adstritas à vontade dos sócios.
Os limites de regência supletiva se aplicam tanto em relação à sociedade
anônima como em relação à sociedade simples. (...)
Tratando-se de direito disponíveis, reguláveis no contrato social por conta
do contratualismo da sociedade, as regras do contrato prevalecem em
detrimento das normas de regência supletiva, ainda que sobre a questão o
capítulo da sociedade limitada seja omisso.
39
A regência supletiva não deve implicar a transformação do tipo societário.
Assim, a limitada não deve transformar-se em subespécie de sociedade anônima
ou subespécie de sociedade simples. Não pode ainda implicar a
descaracterização, desnaturação, perda de flexibilidade e adaptabilidade, que
são as principais riquezas da sociedade limitada, juntamente com a
responsabilidade limitada dos sócios.

Enunciado 223 das Jornadas de Direito Civil.


“O parágrafo único do art. 1.053 não significa a aplicação em bloco da Lei
6.404/1976 ou das disposições sobre a sociedade simples. O contrato social pode
adotar, nas omissões do Código sobre as sociedades limitadas, tanto as regras
das sociedades simples quanto as das sociedades anônimas”.

2.4. CONTRATO SOCIAL


Art. 1.054. O contrato mencionará, no que couber, as indicações do
art. 997, e, se for o caso, a firma social.
Art. 997. A sociedade constitui-se mediante contrato escrito,
particular ou público, que, além de cláusulas estipuladas pelas
partes, mencionará:
I - nome, nacionalidade, estado civil, profissão e residência dos
sócios, se pessoas naturais, e a firma ou a denominação,
nacionalidade e sede dos sócios, se jurídicas;
II - denominação, objeto, sede e prazo da sociedade;
III - capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo
compreender qualquer espécie de bens, suscetíveis de avaliação
pecuniária;
IV - a quota de cada sócio no capital social, e o modo de realizá-la;
V - as prestações a que se obriga o sócio, cuja contribuição consista
em serviços;
VI - as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade,
e seus poderes e atribuições;
VII - a participação de cada sócio nos lucros e nas perdas;

40
VIII - se os sócios respondem, ou não, subsidiariamente, pelas
obrigações sociais.
Cláusulas obrigatórias:
1. Qualificação dos sócios:
Sócio incapaz, sócio impedido e sócios casados.
2. Qualificação da sociedade:
Nome empresarial, objeto, sede e prazo.
3. Capital social:
Funções, diferença para o patrimônio e ‘subcapitalização’.
4. Subscrição e integralização das quotas:
Impossibilidade de contribuições em serviços.
5. Administração da sociedade:
Administrador não sócio e conselho de administração.
6. Participação nos lucros e nas perdas:
Quotas preferenciais.

2.5. INTEGRALIZAÇÃO EM BENS OU CRÉDITOS:


Art. 1.055. O capital social divide-se em quotas, iguais ou desiguais,
cabendo uma ou diversas a cada sócio.
Art. 1.005. O sócio que, a título de quota social, transmitir domínio,
posse ou uso, responde pela evicção; e pela solvência do devedor,
aquele que transferir crédito.
§ 1º Pela exata estimação de bens conferidos ao capital social
respondem solidariamente todos os sócios, até o prazo de cinco
anos da data do registro da sociedade.

a) Se o sócio integralizar sua quota com transferência de bens, estes devem


ser suscetíveis de avaliação pecuniária, além de o sócio responder pela evicção,
isto é, caso a sociedade perca esse bem posteriormente em razão de ele ser de
outrem, o sócio que o havia transferido terá que pagar a ela o seu valor (segundo

41
alguns doutrinadores, deveria o CC ter previsto também a responsabilidade do
sócio por eventuais vícios redibitórios da coisa).
b) Se o sócio integralizar sua quota com a transferência de créditos de sua
titularidade, responderá pela solvência do devedor, isto é, caso os créditos
cedidos não sejam pagos pelos seus devedores, o sócio que os cedeu terá que
pagá-los.
c) Nas sociedades limitadas não é necessário laudo de avaliação dos bens
usados para integralização do capital social, e isso vale tanto para a constituição
da sociedade quanto para os casos de aumento do capital social.
d) A doutrina costuma destacar que os bens cedidos à sociedade a título
de integralização do capital social (i) devem estar relacionados ao objeto social,
tendo utilidade direta ou indireta para a atividade exercida pela sociedade, e (ii)
devem ser aptos à execução por eventuais credores sociais, de modo que não
seria permitido integralizar quotas com bens impenhoráveis.

2.5.1. INTEGRALIZAÇÃO EM BENS MÓVEIS


Art. 35, VII, ‘a’ da Lei 8.934/1994: o contrato social deve conter “a descrição e
identificação do imóvel, sua área, dados relativos à sua titulação, bem como o
número da matrícula no registro imobiliário”.
O arquivamento de contrato social com essa estipulação não é suficiente
para transferir a propriedade do imóvel do sócio para a sociedade. Deve-se
observar o art. 64 da Lei 8.934/1994: “a certidão dos atos de constituição e de
alteração de sociedades mercantis, passada pelas juntas comerciais em que
foram arquivados, será o documento hábil para a transferência, por transcrição
no registro público competente, dos bens com que o subscritor tiver contribuído
para a formação ou aumento do capital social”.
Assim, após fazer o arquivamento do contrato social, pega-se a certidão da
Junta Comercial para que ela seja levada a registro no cartório de imóveis, e é isso
o que operará a transferência de titularidade do bem.

42
2.5.2. CONTRIBUIÇÃO EM SERVIÇOS:
Art. 1.006. O sócio, cuja contribuição consista em serviços, não pode, salvo
convenção em contrário, empregar-se em atividade estranha à sociedade, sob
pena de ser privado de seus lucros e dela excluído.
Nas sociedades limitadas, não se admite a contribuição em serviços (art.
1.055, § 2º do Código Civil).

2.6. INDIVISIBILIDADE DAS QUOTAS


Art. 1.056. A quota é indivisível em relação à sociedade, salvo para
efeito de transferência, caso em que se observará o disposto no
artigo seguinte.
§ 1º No caso de condomínio de quota, os direitos a ela inerentes
somente podem ser exercidos pelo condômino representante, ou
pelo inventariante do espólio de sócio falecido.
§ 2º Sem prejuízo do disposto no art. 1.052, os condôminos de quota
indivisa respondem solidariamente pelas prestações necessárias à
sua integralização.
O condomínio de quotas pode ser decorrente de ato inter vivos ou de
sucessão causa mortis. A quota terá mais de um dono, mas perante a sociedade,
como ela é indivisível, apenas um dos condôminos poderá exercer os direitos que
ela confere, o condômino-sócio (condômino escolhido ou inventariante).

2.6.1. CESSÃO DE QUOTAS


As sociedades contratuais são normalmente sociedades de pessoas,
existindo uma forte affectio societatis entre os sócios, de modo que o vínculo
contratual formado entre eles é intuitu personae. Assim, a entrada de estranhos
no quadro societário depende, em regra, da anuência dos demais.
Art. 1.002. O sócio não pode ser substituído no exercício das suas
funções, sem o consentimento dos demais sócios, expresso em
modificação do contrato social.

43
Art. 1.003. A cessão total ou parcial de quota, sem a correspondente
modificação do contrato social com o consentimento dos demais
sócios, não terá eficácia quanto a estes e à sociedade.
Art. 1.057. Na omissão do contrato, o sócio pode ceder sua quota,
total ou parcialmente, a quem seja sócio, independentemente de
audiência dos outros, ou a estranho, se não houver oposição de
titulares de mais de um quarto do capital social.
Parágrafo único. A cessão terá eficácia quanto à sociedade e
terceiros, inclusive para os fins do parágrafo único do art. 1.003, a
partir da averbação do respectivo instrumento, subscrito pelos
sócios anuentes.
Contrato social:
• Quotas transferíveis/intransferíveis
• Transferência condicionada/incondicionada
• Direito de preferência aos sócios
• Silêncio:
a) Livre transferência entre sócios
b) Transferência condicionada para estranhos

IN 81 do DREI.
Item 4.4.2 do Manual de Registro da Sociedade Limitada:
“Na omissão do contrato social, a cessão de quotas de uma sociedade limitada
pode ser feita por instrumento de cessão de quotas, total ou parcialmente,
averbado junto ao registro da sociedade, com a devida repercussão no cadastro
e independentemente de alteração contratual (Enunciado 225 das Jornadas de
Direito Civil”.

Notas:
I. A reunião ou assembleia de sócios pode ser suprida, se substituída pela expressa
anuência escrita, no instrumento de cessão ou em outro, de detentores de mais de
setenta e cinco por cento do capital social da limitada em questão.
II. Será obrigatória na primeira alteração contratual que sobrevier após a averbação da
cessão, a consolidação do Contrato Social, com o novo quadro societário.

44
2.6.2. RESPONSABILIDADE DO CEDENTE E DO CESSIONÁRIO DE QUOTAS
O sócio que cedeu suas quotas a outrem não fica automaticamente
exonerado de eventuais obrigações perante terceiros e perante a própria
sociedade.
Art. 1.003, parágrafo único. “Até dois anos depois de averbada a modificação
do contrato, responde o cedente solidariamente com o cessionário, perante a
sociedade e terceiros, pelas obrigações que tinha como sócio”.
O sócio que ingressou na sociedade, por sua vez, não ficará responsável
apenas pelas obrigações sociais posteriores, mas também pelas anteriores à sua
entrada.
Art. 1.025. “O sócio, admitido em sociedade já constituída, não se exime das
dívidas sociais anteriores à admissão”.

2.7. SÓCIO REMISSO


Ao sócio que está em mora quanto à integralização de suas quotas, nos
termos do art. 1.004 do Código Civil, dá-se o nome de sócio remisso, podendo os
demais sócios, conforme previsto na regra em comento, cobrar dele uma
indenização por eventuais prejuízos que sua mora tenha causado à sociedade.
Mas essa não é a única medida que os demais sócios podem tomar contra
o remisso. Nos termos do parágrafo único do art. 1.004, “verificada a mora, poderá
a maioria dos demais sócios preferir, à indenização, a exclusão do sócio remisso,
ou reduzir-lhe a quota ao montante já realizado, aplicando-se, em ambos os
casos, o disposto no § 1º do art. 1.031”.
Assim, o sócio remisso pode ter sua participação na sociedade reduzida ao
número de quotas que ele efetivamente já integralizou, ou ainda ser excluído da
sociedade, por deliberação da maioria restante (ou seja, a exclusão é extrajudicial,
sem necessidade de ação judicial).
Tratando-se de sociedade limitada, há regra especial sobre o sócio remisso,
prevista no art. 1.058 do Código Civil: “não integralizada a quota de sócio remisso,
os outros sócios podem, sem prejuízo do disposto no art. 1.004 e seu parágrafo
único, tomá-la para si ou transferi-la a terceiros, excluindo o primitivo titular e
45
devolvendo-lhe o que houver pago, deduzidos os juros da mora, as prestações
estabelecidas no contrato mais as despesas”.

EM RESUMO
* Para todos verem: esquema abaixo.

46
3. SOCIEDADES ANÔNIMAS
3.1. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL
No Brasil, as sociedades anônimas são regidas pela Lei 6.404/1976 (LSA).
Desde 1976, ano de sua edição, a LSA sofreu apenas algumas alterações em
sua redação, provocadas pela Lei 9.457/1997, que a preparou para o processo de
privatizações; pela Lei 10.303/2001, que procurou proteger os interesses dos
acionistas minoritários e tornar o mercado de capitais mais seguro e atrativo para
os investidores; pelas Leis 11.638/2007 e 11.941/2009, que trouxeram novas regras
acerca da elaboração e da divulgação das demonstrações financeiras desse tipo
societário; e pelas Leis 12.431/2011 e 13.129/2015, que lhe trouxeram modificações e
acréscimos pontuais.
Mais recentemente, a LSA recebeu novas alterações das Leis 13.818
(publicações), 13.874/2019 (Lei da Liberdade Econômica) e 14.030/2020
(assembleias digitais).

3.2. CARACTERÍSTICAS DA SOCIEDADE ANÔNIMA


• Natureza capitalista;
• Essência empresarial;
• Identificação por denominação;
• Limitação de responsabilidade dos acionistas.

3.3. COMPANHIAS ABERTAS E FECHADAS


Art. 4º da Lei 6.404/1976:
“Para os efeitos desta Lei, a companhia é aberta ou fechada
conforme os valores mobiliários de sua emissão estejam ou não
admitidos à negociação no mercado de valores mobiliários.
§1º Somente os valores mobiliários de emissão de companhia
registrada na Comissão de Valores Mobiliários podem ser
negociados no mercado de valores mobiliários.

47
§2º Nenhuma distribuição pública de valores mobiliários será
efetivada no mercado sem prévio registro na Comissão de Valores
Mobiliários.”

3.4. ABERTURA DE CAPITAL


Pelo fato de possuírem instrumentos/mecanismos de captação de
recursos junto a investidores, a sociedade anônima – especialmente a de capital
aberto, que pode emitir e negociar valores mobiliários no mercado de capitais –
é o tipo societário ideal para a exploração de grandes empreendimentos.
Em contrapartida, para dar um mínimo de segurança a essas operações no
mercado de capitais, o Estado exerce sobre a companhia aberta um maior
controle, por meio da uma agência reguladora específica, que é a CVM.

3.5. COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS


A CVM é uma entidade autárquica federal de natureza especial, com
qualidade de agência reguladora.
Art. 5º da Lei 6.385/1976: “é instituída a Comissão de Valores Mobiliários,
entidade autárquica em regime especial, vinculada ao Ministério da Fazenda,
com personalidade jurídica e patrimônio próprios, dotada de autoridade
administrativa independente, ausência de subordinação hierárquica, mandato
fixo e estabilidade de seus dirigentes, e autonomia financeira e orçamentária”.
A competência da CVM no controle e na fiscalização do mercado de
capitais é exercida, pode-se dizer, de três diferentes formas:
a) Regulamentar, uma vez que cabe à CVM estabelecer o regramento geral
relativo ao funcionamento do mercado de capitais, expedindo atos normativos
para tanto;
b) Autorizante (registrária), uma vez que é a CVM que autoriza a constituição de
companhias abertas e a emissão e negociação de seus valores mobiliários;
c) Fiscalizatória, uma vez que a CVM deve zelar pela lisura das operações
realizadas no mercado de capitais, sendo investida, para tanto, de poderes
sancionatórios.

48
3.6. MERCADO BANCÁRIO X MERCADO DE CAPITAIS
• Mercado bancário: operações de crédito, em que a empresa assume a
posição de devedora e se compromete, não raro, a devolver os valores
captados em curto espaço de tempo e a taxas de juros altas.
• Mercado de capitais: operações de investimento, em que o investidores
não se tornam credores da companhia, mas sócios e partes interessadas
no sucesso da empresa, pois é dele que advirá o retorno do investimento
feito por eles.

Nota: no mercado bancário há sempre a atuação de um intermediário, como uma


instituição financeira, o que tende a burocratizar e encarecer a operação (spread). No
mercado de capitais, há uma negociação direta entre a companhia e o investidor. É por
isso que se diz que o mercado de capitais é um mecanismo de acesso à “poupança
popular”. Assim, é da natureza do mercado de capitais funcionar como um ambiente de
negociação de risco.

3.6.1. MERCADO DE CAPITAIS PRIMÁRIOS E SECUNDÁRIO


No mercado de capitais primário, são realizadas as operações de subscrição
e emissão de ações e outros valores mobiliários das companhias. Por sua vez, o
mercado de capitais secundário compreende as operações de compra e venda
desses valores.
• Primário: operações de emissão e subscrição em que a sociedade anônima
está colocando no mercado de capitais um valor mobiliário novo, de modo
que há uma relação entre a própria companhia e o investidor, que pagará
o preço de emissão.
• Secundário: operações de compra e venda em que se negociam valores
mobiliários já existentes, de modo que há uma relação entre o titular do
valor mobiliário e o seu novo “dono”, que pagará o valor de mercado, o qual
oscilará conforme o momento pelo qual passa a companhia.

3.6.2 BOLSA DE VALORES


Trata-se de entidades privadas (associações ou sociedades) formadas por
sociedades corretoras que, por meio de autorização da CVM, prestam serviço de
49
interesse público inegável, consistente na manutenção de local adequado à
realização das operações de compra e venda dos diversos valores mobiliários
emitidos pelas companhias abertas.
A grande finalidade da bolsa de valores é dinamizar as operações do
mercado de capitais, ampliando o volume de negócios por meio da realização de
pregão diário em que os agentes das diversas corretoras que a compõem,
obedecendo às regras do mercado mobiliário, se encontram e mantém relações
constantemente.
As bolas de valores realizam operações do mercado de capitais secundário
(compra e venda).

3.6.3 MERCADO DE BALCÃO


O mercado de balcão compreende toda e qualquer operação do mercado
de capitais realizada fora da bolsa de valores (não há um local físico específico).
Quem atua no mercado de balcão, portanto, são as sociedades corretoras,
instituições financeiras e agentes autônomos autorizados pela CVM.
No mercado de balcão se realizam operações tanto do mercado de capitais
primário (emissão e subscrição) quanto do mercado de capitais secundário
(compra e venda), sendo que neste caso a liquidez é bem menor do que na bolsa
de valores.
Há que se distinguir ainda o simples mercado de balcão (mercado de
balcão não organizado), cujas operações são realizadas por sociedades
corretoras, instituições financeiras e agentes autônomos autorizados, e o
mercado de balcão organizado (MBO), composto no Brasil pela Sociedade
Operadora do Mercado de Acesso (SOMA), companhia criada especialmente com
a finalidade de manter um sistema que viabilize as operações de compra e venda
de valores mobiliários, com seu registro e divulgação.

50
3.7. CONSTITUIÇÃO DA SOCIEDADE ANÔNIMA
Sendo a sociedade anônima uma sociedade institucional, e não contratual,
ela se constitui não por meio de um contrato social, mas de um ato institucional
ou estatutário (estatuto social).
Ausente a contratualidade, a constituição da sociedade anônima deve
seguir uma série de requisitos formais previstos na legislação acionária, que
variam conforme ela seja aberta ou fechada.

De acordo com o art. 80 da LSA:


A constituição da companhia depende do cumprimento dos
seguintes requisitos preliminares:
I – subscrição, pelo menos por 2 (duas) pessoas, de todas as ações
em que se divide o capital social fixado no estatuto;
II – realização, como entrada, de 10% (dez por cento), no mínimo, do
preço de emissão das ações subscritas em dinheiro;
III – depósito, no Banco do Brasil S/A, ou em outro estabelecimento
bancário autorizado pela Comissão de Valores Mobiliários, da parte
do capital realizado em dinheiro.
Inciso I: exige-se a pluralidade de sócios, não sendo permitida a criação de
sociedade anônima unipessoal, com exceção da subsidiária integral (art. 251 da
LSA).
Inciso II: exigência aplicável apenas aos caso de integralização em dinheiro e a
prazo. Ademais, há casos especiais em que se exige percentual maior (o art. 27
da Lei 4.595/1964 prevê 50% para instituições financeiras.
Inciso III: pode ser em qualquer banco.

3.7.1. CONTRATAÇÃO DE UNDERWRITER


De acordo com o art. 82 da LSA, o fundador de uma companhia aberta
deverá necessariamente contratar os serviços de uma empresa especializada
para constituí-la (underwriter).

51
Caberá a essa empresa colocar as ações junto aos investidores – etapa
seguinte – e também cuidar de uma série de documentos a serem apresentados
à CVM, assinando-os.
Contratada a empresa, será apresentado o pedido de registro à CVM,
instruído com estudo de viabilidade econômica e financeira do
empreendimento, projeto de estatuto social e prospecto, organizado e assinado
pelos fundadores e pela instituição financeira intermediária (art. 82, § 1º da LSA).
A CVM também exige outros documentos.

3.8. ESTUDO DE VIABILIDADE, PROJETO DE ESTATUTO E PROSPECTO


Com base nessa documentação apresentada – estudo, projeto e prospecto
–, caberá à CVM avaliar o empreendimento. Assim, conforme disposto no § 2º do
mesmo art. 82 da LSA, “a Comissão de Valores Mobiliários poderá condicionar o
registro a modificações no estatuto ou no prospecto e denegá-lo por
inviabilidade ou temeridade do empreendimento, ou inidoneidade dos
fundadores”.
Caso a CVM aprove os documentos apresentados, com ou sem
modificações, ela deferirá o registro e terá início a segunda etapa desse
procedimento constitutivo da companhia aberta, por meio da colocação das
ações junto aos investidores interessados, a fim de que estes possam proceder à
subscrição delas.
Em suma, caberá à instituição financeira underwriter captar recursos no
mercado, atraindo investidores para o empreendimento a ser desenvolvido pela
companhia.
Colocadas as ações à disposição dos investidores interessados pela
empresa underwriter, todo o capital social deve ser subscrito.
Ocorrendo tal fato, passa-se à terceira etapa do procedimento, com a
realização da assembleia de fundação.
Os serviços de underwriting podem ser por (i) melhor esforço, (ii) garantia
de subscrição parcial ou (iii) garantia de subscrição total.

52
3.9. ASSEMBLEIA DE FUNDAÇÃO
Dispõe o art. 86 da LSA que “encerrada a subscrição e havendo sido
subscrito todo o capital social, os fundadores convocarão a assembleia geral que
deverá: I – promover a avaliação dos bens, se for o caso (artigo 8º); II – deliberar
sobre a constituição da companhia”.
O quorum de instalação dessa assembleia inicial de fundação está previsto
no art. 87 da LSA: “a assembleia de constituição instalar-se-á, em primeira
convocação, com a presença de subscritores que representem, no mínimo,
metade do capital social, e, em segunda convocação, com qualquer número”.
Para que se aprove a constituição da companhia aberta, basta que não haja
oposição de mais da metade do capital social, nos termos do § 3º do art. 87 da
LSA, que assim dispõe: “verificando-se que foram observadas as formalidades
legais e não havendo oposição de subscritores que representem mais da metade
do capital social, o presidente declarará constituída a companhia, procedendo-
se, a seguir, à eleição dos administradores e fiscais”.
* Todos votam, inclusive titulares de ações preferenciais.
** Alterações no estatuto dependem de deliberação unânime.

3.9.1 CONSTITUIÇÃO POR SUBSCRIÇÃO PARTICULAR


Em se tratando de constituição de companhias fechadas, o procedimento
é bem mais simplificado, uma vez que é realizado por meio de subscrição
particular, sem a captação de recursos junto a investidores no mercado de
capitais.
De acordo com o art. 88 da LSA, “a constituição da companhia por
subscrição particular do capital pode fazer-se por deliberação dos subscritores
em assembleia geral ou por escritura pública, considerando-se fundadores todos
os subscritores”.
Vê-se, então, que podem ser adotadas duas modalidades de constituição:
(i) a realização de assembleia dos subscritores ou (ii) a lavratura de escritura
pública em cartório.

53
3.9.2 CONSTITUIÇÃO POR ASSEMBLÉIA DE FUNDAÇÃO
Caso a opção adotada seja a realização de assembleia de fundação, ela
deverá submeter-se ao mesmo procedimento da assembleia de fundação da
companhia aberta, analisado no tópico antecedente. É o que determina o § 1º do
art. 88 da LSA: “se a forma escolhida for a de assembleia geral, observar-se-á o
disposto nos artigos 86 e 87, devendo ser entregues à assembleia o projeto do
estatuto, assinado em duplicata por todos os subscritores do capital, e as listas
ou boletins de subscrição de todas as ações”.

3.9.3 CONSTITUIÇÃO POR ESCRITURA PÚBLICA


Caso, em contrapartida, a opção adotada seja a lavratura de escritura
pública em cartório, devem ser observadas as formalidades constantes do § 2º do
art. 87 da LSA: “preferida a escritura pública, será ela assinada por todos os
subscritores, e conterá: a) a qualificação dos subscritores, nos termos do artigo
85; b) o estatuto da companhia; c) a relação das ações tomadas pelos subscritores
e a importância das entradas pagas; d) a transcrição do recibo do depósito
referido no número III do artigo 80; e) a transcrição do laudo de avaliação dos
peritos, caso tenha havido subscrição do capital social em bens (artigo 8º); f) a
nomeação dos primeiros administradores e, quando for o caso, dos fiscais”.
Ultimadas as referidas providências, conforme o caso, passa-se à fase
denominada pela legislação acionária de formalidades complementares de
constituição da companhia.

3.10. REGRAS GERAIS SOBRE A SUBSCRIÇÃO DAS AÇÕES


Independentemente da modalidade de constituição da sociedade
anônima, seja por subscrição pública ou por subscrição particular, a legislação do
anonimato estabelece algumas regras gerais aplicáveis aos procedimentos
acima analisados.
De acordo com o art. 89 da LSA, “a incorporação de imóveis para formação
do capital social não exige escritura pública”. De fato, pode ser que parte do

54
capital social da companhia seja formado por bens (sejam eles móveis ou
imóveis), e a lei deixou claro que, mesmo tratando-se de bens imóveis, é
dispensável que a sua incorporação ao capital da sociedade seja feita por meio
de escritura pública.
O art. 91 da LSA determina que “nos atos e publicações referentes a
companhia em constituição, sua denominação deverá ser aditada da cláusula
‘em organização’”. Somente após a sua efetiva constituição, com o posterior
registro dos atos constitutivos na Junta Comercial, poderá ser retirada a
expressão “em organização” de sua denominação
O art. 92 da LSA, por outro lado, regula as responsabilidades dos fundadores
da companhia e da instituição financeira prestadora dos serviços de
underwriting, dispondo que “os fundadores e as instituições financeiras que
participarem da constituição por subscrição pública responderão, no âmbito das
respectivas atribuições, pelos prejuízos resultantes da inobservância de preceitos
legais”.
Complementando essa regra do caput, estabelece o seu parágrafo único
que “os fundadores responderão, solidariamente, pelo prejuízo decorrente de
culpa ou dolo em atos ou operações anteriores à constituição”.
Isso mostra que a exigência de contratação de instituição financeira
underwriter é importante para dar mais segurança aos investidores.

3.11. FORMALIDADES COMPLEMENTARES


Uma vez ultrapassadas todas as etapas analisadas acima, passa-se à fase
de formalidades complementares da constituição da sociedade anônima, fase
esta que compreende, basicamente, os procedimentos de registro na Junta
Comercial, além de outras pequenas medidas de cunho administrativo e
operacional.
Com efeito, segundo o art. 94 da LSA, “nenhuma companhia poderá
funcionar sem que sejam arquivados e publicados seus atos constitutivos”.

55
Afinal, conforme já estudamos, no Brasil a personalidade jurídica só se
inicia com o respectivo registro no órgão competente (art. 985 do Código Civil), e
esse registro deve ser prévio ao início do exercício da atividade empresarial (art.
967 do Código Civil).
Tratando-se de sociedade empresária, como é o caso da sociedade
anônima, o órgão registral competente é justamente a Junta Comercial do
Estado em que se localizar a sede da companhia.
Caso a constituição da companhia tenha ocorrido por meio da realização
de assembleia de fundação, a LSA determina o arquivamento de uma série de
documentos, nos termos do seu art. 95 (“um exemplar do estatuto social,
assinado por todos os subscritores”, por exemplo).
Caso, entretanto, a companhia tenha sido constituída por meio da lavratura
de escritura pública em cartório, o que só pode ocorrer, frise-se, com as
companhias fechadas, a LSA determina que basta o arquivamento da certidão
expedida pelo cartório no qual foi lavrada a escritura. É que dispõe o seu art. 96:
“se a companhia tiver sido constituída por escritura pública, bastará o
arquivamento de certidão do instrumento”.
Na análise dos atos levados a registro, caberá à Junta Comercial, conforme
determinação do art. 97 da LSA, “examinar se as prescrições legais foram
observadas na constituição da companhia, bem como se no estatuto existem
cláusulas contrárias à lei, à ordem pública e aos bons costumes”.
Sendo negado o registro pela Junta, aplica-se a regra constante do
parágrafo único do dispositivo em questão: “se o arquivamento for negado, por
inobservância de prescrição ou exigência legal ou por irregularidade verificada
na constituição da companhia, os primeiros administradores deverão convocar
imediatamente a assembleia geral para sanar a falta ou irregularidade, ou
autorizar as providências que se fizerem necessárias (...)”.
Deferido o arquivamento dos atos constitutivos da companhia pela Junta
Comercial, devem os administradores providenciar a publicação de tais atos na
imprensa oficial de sua localidade, nos termos do art. 98 da LSA: “arquivados os

56
documentos relativos à constituição da companhia, os seus administradores
providenciarão, nos 30 (trinta) dias subsequentes, a publicação deles, bem como
a de certidão do arquivamento, em órgão oficial do local de sua sede”.
Cumpridas todas as formalidades acima detalhadas, a sociedade anônima
poderá, enfim, entrar em funcionamento. Assim, se a companhia começar a
exercer suas atividades antes de cumpridas as formalidades complementares
ora em análise, será considerada irregular, determinando, inclusive, o art. 99,
parágrafo único da LSA que “a companhia não responde pelos atos ou operações
praticados pelos primeiros administradores antes de cumpridas as formalidades
de constituição, mas a assembleia geral poderá deliberar em contrário”. Isso
significa que os atos e operações praticados pelos primeiros administradores
antes de cumpridas as formalidades de constituição são de responsabilidade
deles, e não da companhia, salvo se a assembleia geral, por exemplo, ratificar tais
atos.
Finalmente, caso sobrevenha algum prejuízo para a companhia em razão
de atraso na satisfação de todas essas exigências formais da lei, prevê o art. 99 da
LSA que os primeiros administradores devem responder perante a sociedade,
podendo esta ingressar com ação de reparação civil contra eles: “os primeiros
administradores são solidariamente responsáveis perante a companhia pelos
prejuízos causados pela demora no cumprimento das formalidades
complementares à sua constituição”.

57
EM RESUMO
* Para todos verem: esquema abaixo.

58
* Para todos verem: esquema abaixo.

59
4. TIPOS MENORES E OPERAÇÕES
4.1. SOCIEDADE EM NOME COLETIVO
4.1.1. Características essenciais
Art. 1.039. Somente pessoas físicas podem tomar parte na sociedade em
nome coletivo, respondendo todos os sócios, solidária e ilimitadamente, pelas
obrigações sociais.
- Impossibilidade de sócio pessoa jurídica (sócio incapaz/impedido?);
- Responsabilidade ilimitada dos sócios;
- Uso de firma social (art. 1.156 do Código Civil).
A solidariedade se dá entre os sócios. Entre eles e a própria sociedade,
porém, a relação é de subsidiariedade.

4.1.2. Limitação de responsabilidade entre os sócios


Art. 1.039, parágrafo único. Sem prejuízo da responsabilidade perante
terceiros, podem os sócios, no ato constitutivo, ou por convenção posterior,
limitar entre si a responsabilidade cada um.
Essa eventual limitação de responsabilidade só produz efeitos entre os
sócios. Perante os credores da sociedade, a responsabilidade dos sócios de uma
sociedade em nome coletivo é sempre ilimitada.
Havendo, todavia, a previsão contratual de limitação de responsabilidade
entre eles, isso repercutirá apenas internamente, dando ensejo, por exemplo, ao
direito de regresso de um sócio contra outro.

4.1.3. Legislação aplicável:

Art. 1.040. A sociedade em nome coletivo se rege pelas normas deste


Capítulo e, no que seja omisso, pelas do Capítulo antecedente.
Art. 1.041. O contrato deve mencionar, além das indicações referidas no art.
997, a firma social.

60
Contrato social: Artigo 997 do CC.

Administração da sociedade:
Art. 1.042. A administração da sociedade compete exclusivamente a sócios,
sendo o uso da firma, nos limites do contrato, privativo dos que tenham os
necessários poderes.
Penhora de cotas:
Art. 1.043. O credor particular de sócio não pode, antes de dissolver-
se a sociedade, pretender a liquidação da quota do devedor.
Parágrafo único. Poderá fazê-lo quando:
I - a sociedade houver sido prorrogada tacitamente;
II - tendo ocorrido prorrogação contratual, for acolhida
judicialmente oposição do credor, levantada no prazo de noventa
dias, contado da publicação do ato dilatório.
Nesse caso, aplica-se subsidiariamente o caput do art. 1.026 (penhora de
lucros).
Dissolução:
Art. 1.044. A sociedade se dissolve de pleno direito por qualquer das causas
enumeradas no art. 1.033 e, se empresária, também pela declaração da falência.

4.2. SOCIEDADE EM COMANDITA SIMPLES


Comanditados x comanditários
Art. 1.045. Na sociedade em comandita simples tomam parte
sócios de duas categorias: os comanditados, pessoas físicas,
responsáveis solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais; e
os comanditários, obrigados somente pelo valor de sua quota.
Parágrafo único. O contrato deve discriminar os comanditados e os
comanditários.
• Comanditado: pessoa natural / responsabilidade ilimitada;
• Comanditário: pessoa natural ou jurídica / responsabilidade limitada.

61
4.2.1. Legislação aplicável
Art. 1.046. Aplicam-se à sociedade em comandita simples as
normas da sociedade em nome coletivo, no que forem compatíveis
com as deste Capítulo.
Parágrafo único. Aos comanditados cabem os mesmos direitos e
obrigações dos sócios da sociedade em nome coletivo.

O regime jurídico do sócio comanditado é o mesmo do sócio da sociedade


em nome coletivo, ou seja: (i) o comanditado tem que ser pessoa física, (ii) só o
comanditado pode administrar a sociedade, (iii) só o nome do comanditado pode
constar da firma social e (iv) a responsabilidade do comanditado é ilimitada.

4.2.2. Regime jurídico do sócio comanditário


Art. 1.047. Sem prejuízo da faculdade de participar das deliberações
da sociedade e de lhe fiscalizar as operações, não pode o
comanditário praticar qualquer ato de gestão, nem ter o nome na
firma social, sob pena de ficar sujeito às responsabilidades de sócio
comanditado.
Parágrafo único. Pode o comanditário ser constituído procurador
da sociedade, para negócio determinado e com poderes especiais.
Art. 1.048. Somente após averbada a modificação do contrato,
produz efeito, quanto a terceiros, a diminuição da quota do
comanditário, em consequência de ter sido reduzido o capital
social, sempre sem prejuízo dos credores preexistentes.
Art. 1.049. O sócio comanditário não é obrigado à reposição de
lucros recebidos de boa-fé e de acordo com o balanço. Parágrafo
único. Diminuído o capital social por perdas supervenientes, não
pode o comanditário receber quaisquer lucros, antes de
reintegrado aquele.
Art. 1.050. No caso de morte de sócio comanditário, a sociedade,
salvo disposição do contrato, continuará com os seus sucessores,
que designarão quem os represente

62
4.2.3. Dissolução
Art. 1.051. Dissolve-se de pleno direito a sociedade:
I - por qualquer das causas previstas no art. 1.044;
II - quando por mais de cento e oitenta dias perdurar a falta de uma
das categorias de sócio.
Parágrafo único. Na falta de sócio comanditado, os comanditários
nomearão administrador provisório para praticar, durante o
período referido no inciso II e sem assumir a condição de sócio, os
atos de administração.

4.3. SOCIEDADE COMANDITA POR AÇÕES


Utiliza tanto a Lei das S/A quanto o Código Civil. Lei da S/A - Art. 280. A
sociedade em comandita por ações terá o capital dividido em ações e reger-se-á
pelas normas relativas às companhias ou sociedades anônimas, sem prejuízo das
modificações constantes deste Capítulo.
Art. 1.090. A sociedade em comandita por ações tem o capital dividido em
ações, regendo-se pelas normas relativas à sociedade anônima, sem prejuízo das
modificações constantes deste Capítulo, e opera sob firma ou denominação.
Segundo a doutrina, a sociedade em comandita por ações é uma
sociedade empresária híbrida: tem aspectos de sociedade em comandita e
aspectos de sociedade anônima. Com efeito, a sociedade em comandita por
ações, assim como as sociedades anônimas, tem o seu capital dividido em ações;
e, assim como as sociedades em comandita simples, possui duas categorias
distintas de sócios, uma com responsabilidade limitada e a outra com
responsabilidade ilimitada

4.3.1. Nome empresarial


Lei da S/A - Art. 281. A sociedade poderá comerciar sob firma ou
razão social, da qual só farão parte os nomes dos sócios-diretores ou
gerentes. Ficam ilimitada e solidariamente responsáveis, nos
termos desta Lei, pelas obrigações sociais, os que, por seus nomes,
figurarem na firma ou razão social.

63
Parágrafo único. A denominação ou a firma deve ser seguida das
palavras "Comandita por Ações", por extenso ou abreviadamente.

Art. 1.157. A sociedade em que houver sócios de responsabilidade


ilimitada operará sob firma, na qual somente os nomes daqueles
poderão figurar, bastando para formá-la aditar ao nome de um
deles a expressão "e companhia" ou sua abreviatura.
Parágrafo único. Ficam solidária e ilimitadamente responsáveis
pelas obrigações contraídas sob a firma social aqueles que, por seus
nomes, figurarem na firma da sociedade de que trata este artigo.
Art. 1.161. A sociedade em comandita por ações pode, em lugar de
firma, adotar denominação designativa do objeto social, aditada da
expressão "comandita por ações".

4.3.2. Administração da sociedade


Lei da S/A Art. 282. Apenas o sócio ou acionista tem qualidade para
administrar ou gerir a sociedade, e, como diretor ou gerente,
responde, subsidiária mas ilimitada e solidariamente, pelas
obrigações da sociedade.
§ 1º Os diretores ou gerentes serão nomeados, sem limitação de
tempo, no estatuto da sociedade, e somente poderão ser
destituídos por deliberação de acionistas que representem 2/3 (dois
terços), no mínimo, do capital social.
§ 2º O diretor ou gerente que for destituído ou se exonerar
continuará responsável pelas obrigações sociais contraídas sob sua
administração.
Art. 1.091. Somente o acionista tem qualidade para administrar a
sociedade e, como diretor, responde subsidiária e ilimitadamente
pelas obrigações da sociedade.
§ 1º Se houver mais de um diretor, serão solidariamente
responsáveis, depois de esgotados os bens sociais.
§ 2º Os diretores serão nomeados no ato constitutivo da sociedade,
sem limitação de tempo, e somente poderão ser destituídos por

64
deliberação de acionistas que representem no mínimo dois terços
do capital social.
§ 3º O diretor destituído ou exonerado continua, durante dois anos,
responsável pelas obrigações sociais contraídas sob sua
administração.
4.3.3. Poderes da assembleia geral
Lei das S/A - Art. 283. A assembleia-geral não pode, sem o
consentimento dos diretores ou gerentes, mudar o objeto essencial
da sociedade, prorrogar-lhe o prazo de duração, aumentar ou
diminuir o capital social, emitir debêntures ou criar partes
beneficiárias nem aprovar a participação em grupo de sociedade.
Art. 1.092. A assembleia geral não pode, sem o consentimento dos
diretores, mudar o objeto essencial da sociedade, prorrogar-lhe o
prazo de duração, aumentar ou diminuir o capital social, criar
debêntures, ou partes beneficiárias.

Na sociedade em comandita por ações, em função de os diretores não


serem eleitos pela assembleia geral, mas simplesmente nomeados no ato
constitutivo, e de não terem mandato, a legislação lhes impõe regras severas
quanto à sua responsabilidade. Diante de tal fato, os poderes da assembleia geral
são limitados, não tendo ela competência para deliberar sobre certas matérias
específicas que possam repercutir na responsabilidade dos acionistas diretores.

Aplicabilidade da Lei 6.404/1976:


Art. 284. Não se aplica à sociedade em comandita por ações o disposto
nesta Lei sobre conselho de administração, autorização estatutária de aumento
de capital e emissão de bônus de subscrição.
“O regime da comandita por ações é o das anônimas. São ambas
sociedades de capital e institucionais. Assim, exceção feita às regras próprias,
justificáveis pela especial responsabilização dos seus acionistas-diretores,
aplica-se às comanditas por ações as preceituadas para as companhias. Desse

65
modo, as ações da comandita podem ser ordinárias ou preferenciais; os
titulares destas últimas devem ter vantagens estatutárias na distribuição do
resultado, e podem sofrer restrições ou supressão do direito de voto; a sociedade
pode ser aberta, para fins de captação de recursos junto ao mercado de
capitais, ou fechada; os sócios têm direito ao dividendo mínimo definido nos
estatutos etc.” (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 7. ed. São Paulo:
Saraiva, 2004. p. 478. v. 2).

4.4. COOPERATIVAS
4.4.1. Tratamento constitucional: criação livre
Art. 5º, XVIII - a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas
independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu
funcionamento;
Os arts. 17 a 20 da Lei 5.764/1971, que tratam da “autorização para
funcionamento” das cooperativas, não foram recepcionados pela CF/88, que
assegura a livre criação de sociedades cooperativas.

4.4.2. Natureza: sociedade simples


Art. 982, parágrafo único. Independentemente de seu objeto, considera-
se empresária a sociedade por ações; e, simples, a cooperativa.
Enquanto a sociedade anônima é sempre uma sociedade empresária,
pouco importando a atividade que desempenha, a sociedade cooperativa é
sempre uma sociedade simples.

4.4.3. Registro: Junta Comercial


Art. 32. O registro compreende:
II - O arquivamento:
a) dos documentos relativos à constituição, alteração, dissolução e
extinção de firmas mercantis individuais, sociedades mercantis e
cooperativas;

66
Apesar de a cooperativa ter a natureza de sociedade simples, ela não se
registra no Cartório (art. 1.150 do Código Civil), mas nas Junta Comercial (art. 32,
inciso II, alínea ‘a’ da Lei 8.934/1994).

4.4.4. Legislação aplicável: Lei 5.764/1971


Art. 1.093. A sociedade cooperativa reger-se-á pelo disposto no presente
Capítulo, ressalvada a legislação especial.
Art. 1.096. No que a lei for omissa, aplicam-se as disposições referentes à
sociedade simples, resguardadas as características estabelecidas no art. 1.094.
* A legislação especial das cooperativas é a Lei 5.764/1971.

4.4.5. Nome empresarial: denominação


Art. 1.159. A sociedade cooperativa funciona sob denominação integrada
pelo vocábulo "cooperativa".
Art. 5° As sociedades cooperativas poderão adotar por objeto qualquer
gênero de serviço, operação ou atividade, assegurando-se-lhes o direito exclusivo
e exigindo-se-lhes a obrigação do uso da expressão "cooperativa" em sua
denominação. Parágrafo único. É vedado às cooperativas o uso da expressão
"Banco".

4.4.6. Características da cooperativa


Art. 1.094. São características da sociedade cooperativa:
I - variabilidade, ou dispensa do capital social;
II - concurso de sócios em número mínimo necessário a compor a
administração da sociedade, sem limitação de número máximo;
III - limitação do valor da soma de quotas do capital social que cada
sócio poderá tomar;
IV - intransferibilidade das quotas do capital a terceiros estranhos à
sociedade, ainda que por herança;
V - quorum, para a assembleia geral funcionar e deliberar, fundado
no número de sócios presentes à reunião, e não no capital social
representado;
67
VI - direito de cada sócio a um só voto nas deliberações, tenha ou
não capital a sociedade, e qualquer que seja o valor de sua
participação;
VII - distribuição dos resultados, proporcionalmente ao valor das
operações efetuadas pelo sócio com a sociedade, podendo ser
atribuído juro fixo ao capital realizado;
VIII - indivisibilidade do fundo de reserva entre os sócios, ainda que
em caso de dissolução da sociedade.

4.4.7. Responsabilidade dos sócios


Art. 1.095. Na sociedade cooperativa, a responsabilidade dos sócios
pode ser limitada ou ilimitada.
§1º É limitada a responsabilidade na cooperativa em que o sócio
responde somente pelo valor de suas quotas e pelo prejuízo
verificado nas operações sociais, guardada a proporção de sua
participação nas mesmas operações.
§2º É ilimitada a responsabilidade na cooperativa em que o sócio
responde solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais.

Ainda que a responsabilidade dos sócios da sociedade cooperativa seja


ilimitada, ela não deixa de ser subsidiária em relação à sociedade (art. 1.024 do
Código Civil e art. 13 da Lei 5.764/1971).

4.5. OPERAÇÕES SOCIETÁRIAS


4.5.1. Legislação aplicável
A matéria está disciplinada tanto na Lei 6.404/1976 quanto no Código Civil.
Assim, se numa determinada operação societária há a participação de uma
sociedade anônima, aplicam-se as regras previstas na LSA, em razão da
especialidade desse diploma legislativo. Todavia, se a operação não conta com a
participação de uma sociedade anônima, aplicam-se as regras do CC.
Enunciado 70 das Jornadas de Direito Civil: “As disposições sobre
incorporação, fusão e cisão previstas no Código Civil não se aplicam às
68
sociedades anônimas. As disposições da Lei 6.404/1976 sobre essa matéria
aplicam-se, por analogia, às demais sociedades naquilo em que o Código Civil
for omisso”.

4.5.2. Transformação:
A transformação é operação pela qual a sociedade altera o seu tipo
societário (por exemplo: uma sociedade limitada que passa a ser uma sociedade
anônima). Não há mudança no quadro societário, no patrimônio e nas
obrigações. Não há que se falar em sucessão, e os bens continuam sob mesma
titularidade, sendo preciso apenas averbar no órgão de registro novo nome da
sociedade.
Art. 1.113. O ato de transformação independe de dissolução ou
liquidação da sociedade, e obedecerá aos preceitos reguladores da
constituição e inscrição próprios do tipo em que vai converter-se.
Art. 220. A transformação é a operação pela qual a sociedade passa,
independentemente de dissolução e liquidação, de um tipo para
outro. Parágrafo único. A transformação obedecerá aos preceitos
que regulam a constituição e o registro do tipo a ser adotado pela
sociedade.

4.5.2.1. Transformação de sociedade cooperativa


O DREI não admitia a transformação de sociedades cooperativas em
sociedades empresárias, mas a partir da IN 81 o departamento alterou seu
entendimento, e passou a permitir expressamente.
O novo entendimento do departamento se deu em função das regras da
Lei da Liberdade Econômica (art. 3º, incisos V e VII, e art. 4º, inciso VII), bem como
em razão da existência de decisões judiciais que reconheciam às cooperativas o
direito de se transformar (converter) em sociedades empresárias: “O art. 63, IV,
da Lei 5.764/71 prevê que, em caso de transformação da forma jurídica, ocorrerá,
de pleno direito, a dissolução da sociedade cooperativa, dissolução esta
compreendida como a resolução da função social para a qual foi criada a

69
cooperativa em decorrência da transformação do tipo de sociedade. O art. 1.113
do Código Civil de 2002 autoriza o ato de transformação societária
independentemente ‘de dissolução ou liquidação da sociedade’, resguardando,
apenas, a observância dos ‘preceitos reguladores da constituição e inscrição do
tipo em que vai converter-se’, de modo que a transformação do tipo societário
simples (classificação das cooperativas) não impõe a necessidade de liquidá-la,
porque a pessoa jurídica é uma só, tanto antes como depois da operação,
mudando apenas o tipo (de cooperativa para limitada, na hipótese)” (REsp
1.528.304 – RS).

4.5.3. Conversão de associação civil


Conversão é a operação pela qual uma sociedade simples se converte em
sociedade empresária, passando do registro civil (Cartório) para o registro
empresarial (Junta Comercial), e vice-versa.
O DREI também não admitia a conversão de associações civis em
sociedades empresárias, mas a partir da IN 81 o departamento alterou seu
entendimento, e passou a permitir expressamente.
“Dessa forma, considerando a ausência de vedação legal e o disposto no
art. 2.033 do Código Civil uma associação que tenha interesse em realizar a
operação de conversão, deverá proceder aos mesmos trâmites que uma
sociedade empresária realiza ou seja, inicialmente aprovar, por unanimidade, em
assembleia acerca do assunto, salvo se no estatuto social constar previsão de
quórum diferenciado, nos termos da legislação” (item 103 da Nota Técnica do
DREI que embasou a IN 81).

4.5.4. Incorporação
Art. 1.116. Na incorporação, uma ou várias sociedades são absorvidas
por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações,
devendo todas aprová-la, na forma estabelecida para os respectivos
tipos.

70
Art. 227. A incorporação é a operação pela qual uma ou mais
sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os
direitos e obrigações.

Na incorporação, não surgirá uma nova sociedade. Apenas a sociedade


incorporada desaparecerá, e será sucedida pela sociedade incorporadora em
todos os seus direitos e obrigações.
Art. 1.117. A deliberação dos sócios da sociedade incorporada deverá
aprovar as bases da operação e o projeto de reforma do ato
constitutivo.
§ 1º A sociedade que houver de ser incorporada tomará
conhecimento desse ato, e, se o aprovar, autorizará os
administradores a praticar o necessário à incorporação, inclusive a
subscrição em bens pelo valor da diferença que se verificar entre o
ativo e o passivo.
§ 2º A deliberação dos sócios da sociedade incorporadora
compreenderá a nomeação dos peritos para a avaliação do
patrimônio líquido da sociedade, que tenha de ser incorporada.
Art. 227.
§ 1º A assembleia-geral da companhia incorporadora, se aprovar o
protocolo da operação, deverá autorizar o aumento de capital a ser
subscrito e realizado pela incorporada mediante versão do seu
patrimônio líquido, e nomear os peritos que o avaliarão.
§ 2º A sociedade que houver de ser incorporada, se aprovar o
protocolo da operação, autorizará seus administradores a
praticarem os atos necessários à incorporação, inclusive a
subscrição do aumento de capital da incorporadora.

Tanto a sociedade incorporadora quanto a sociedade incorporada devem


aprovar a operação, nos termos dos seus respectivos jurídicos. Haverá aumento
de capital da sociedade incorporadora, que será subscrito e realizado pela
sociedade incorporada com o seu patrimônio líquido, após avaliação por peritos

71
nomeados pela assembleia geral da sociedade incorporadora (nesta, portanto,
haverá duas assembleias).

4.5.4.1. Incorporação: extinção da incorporada


Art. 1.118. Aprovados os atos da incorporação, a incorporadora
declarará extinta a incorporada, e promoverá a respectiva
averbação no registro próprio.
Art. 227, § 3º Aprovados pela assembleia geral da incorporadora o
laudo de avaliação e a incorporação, extingue-se a incorporada,
competindo à primeira promover o arquivamento e a publicação
dos atos da incorporação.
Como na incorporação não surge uma nova sociedade, apenas a sociedade
incorporada será extinta. A sociedade incorporadora continuará normalmente,
mas com novo capital social (em regra, há aumento de capital, mas ele pode
continuar igual ou até mesmo sofrer diminuição, porque “o art. 70, parágrafo
único da IN 81 do DREI prevê que “não há vedação para a incorporação de
sociedade com o patrimônio líquido negativo”).

4.5.5. Fusão
Art. 1.119. A fusão determina a extinção das sociedades que se
unem, para formar sociedade nova, que a elas sucederá nos direitos
e obrigações.
Art. 228. A fusão é a operação pela qual se unem duas ou mais
sociedades para formar sociedade nova, que lhes sucederá em
todos os direitos e obrigações.
Na fusão, ao contrário do que se dá na incorporação, ocorre a
extinção de todas as sociedades envolvidas, com o surgimento de
uma nova sociedade.
Art. 1.120. A fusão será decidida, na forma estabelecida para os
respectivos tipos, pelas sociedades que pretendam unir-se.
§ 1º Em reunião ou assembleia dos sócios de cada sociedade,
deliberada a fusão e aprovado o projeto do ato constitutivo da nova

72
sociedade, bem como o plano de distribuição do capital social,
serão nomeados os peritos para a avaliação do patrimônio da
sociedade.
§ 2º Apresentados os laudos, os administradores convocarão
reunião ou assembleia dos sócios para tomar conhecimento deles,
decidindo sobre a constituição definitiva da nova sociedade.
§ 3º É vedado aos sócios votar o laudo de avaliação do patrimônio
da sociedade de que façam parte.
Art. 228.
§ 1º A assembleia geral de cada companhia, se aprovar o protocolo
de fusão, deverá nomear os peritos que avaliarão os patrimônios
líquidos das demais sociedades.
§ 2º Apresentados os laudos, os administradores convocarão os
sócios ou acionistas das sociedades para uma assembleia geral, que
deles tomará conhecimento e resolverá sobre a constituição
definitiva da nova sociedade, vedado aos sócios ou acionistas votar
o laudo de avaliação do patrimônio líquido da sociedade de que
fazem parte.
Na primeira etapa do procedimento, cada sociedade envolvida na
operação realizará uma assembleia geral, a qual deverá aprovar a fusão e nomear
os peritos que avaliarão os patrimônios das outras sociedades
Na segunda etapa do procedimento, haverá uma assembleia conjunta, na
qual deverão ser aprovados os respectivos laudos (obviamente, os sócios só
votarão os laudos das outras sociedades, e não o da sociedade da qual fazem
parte) e a constituição definitiva da nova sociedade.

4.5.5.1. Fusão: constituição da nova sociedade


Art. 1.121. Constituída a nova sociedade, aos administradores
incumbe fazer inscrever, no registro próprio da sede, os atos
relativos à fusão.

73
Art. 228, § 3º Constituída a nova companhia, incumbirá aos
primeiros administradores promover o arquivamento e a
publicação dos atos da fusão.
Como na fusão há a constituição de uma nova sociedade, ela deverá ser
registrada na Junta Comercial competente.
4.5.6. Cisão
Art. 229. A cisão é a operação pela qual a companhia transfere
parcelas do seu patrimônio para uma ou mais sociedades,
constituídas para esse fim ou já existentes, extinguindo-se a
companhia cindida, se houver versão de todo o seu patrimônio, ou
dividindo-se o seu capital, se parcial a versão.
§ 1º Sem prejuízo do disposto no artigo 233, a sociedade que
absorver parcela do patrimônio da companhia cindida sucede a
esta nos direitos e obrigações relacionados no ato da cisão; no caso
de cisão com extinção, as sociedades que absorverem parcelas do
patrimônio da companhia cindida sucederão a esta, na proporção
dos patrimônios líquidos transferidos, nos direitos e obrigações não
relacionados.
A cisão pode ser definida, sucintamente, como transferência de patrimônio
de uma sociedade para outra. Se se transferem apenas alguns bens da sociedade
cindida, há uma cisão parcial. Por outro lado, havendo a transferência de todos
os bens da sociedade cindida, há uma cisão total, e nesse caso a sociedade
cindida se extingue.
Art. 229.
§ 2º Na cisão com versão de parcela do patrimônio em sociedade
nova, a operação será deliberada pela assembleia geral da
companhia à vista de justificação que incluirá as informações de
que tratam os números do artigo 224; a assembleia, se a aprovar,
nomeará os peritos que avaliarão a parcela do patrimônio a ser
transferida, e funcionará como assembleia de constituição da nova
companhia.
§ 3º A cisão com versão de parcela de patrimônio em sociedade já
existente obedecerá às disposições sobre incorporação (artigo 227).
74
§ 4º Efetivada a cisão com extinção da companhia cindida, caberá
aos administradores das sociedades que tiverem absorvido
parcelas do seu patrimônio promover o arquivamento e publicação
dos atos da operação; na cisão com versão parcial do patrimônio,
esse dever caberá aos administradores da companhia cindida e da
que absorver parcela do seu patrimônio.
§ 5º As ações integralizadas com parcelas de patrimônio da
companhia cindida serão atribuídas a seus titulares, em
substituição às extintas, na proporção das que possuíam; a
atribuição em proporção diferente requer aprovação de todos os
titulares, inclusive das ações sem direito a voto.

75
EM RESUMO
* Para todos verem: esquema abaixo.

03. CONTRATOS EMPRESARIAIS

01. Parte geral dos contratos empresariais


1.1. VISÃO GERAL DOS CONTRATOS
Viver em sociedade demanda a realização de negócios entre pessoas. Para
a consecução desse objetivo é que surgiu o contrato, escrito ou verbal. Com isso,

76
o contrato é uma avença entre duas ou mais pessoas físicas ou jurídicas para,
entre si, regularem e solucionarem uma relação que os envolva, tornando-se uma
das fontes mais comuns, senão a mais comum, de obrigações.
O Código Civil Brasileiro disciplina a matéria de contratos na sua Parte
Especial, Livro I, sendo que no Título V trata “Dos Contratos em Geral” e Título VI
disciplina “Das Várias Espécies de Contratos”.
Sendo um negócio jurídico, o contrato deve preencher todos os requisitos
estabelecidos no art. 104 do Código Civil: agente capaz, objeto lícito, possível,
determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei.
A vontade da parte é essencial para a configuração de um contrato, e será
mitigada em maior ou menor grau a depender do momento histórico das
sociedades, bem como da espécie contratual que se analisa. A massificação
própria de determinados negócios modificou o papel do elemento volitivo na
formação do contrato. Na visão de Fabio Ulhoa Coelho (in Curso de direito civil:
Contratos), na atualidade vigora a distinção entre o contrato firmado pelos
“iguais” e o contrato firmado entre “desiguais”, prestigiando-se a vontade das
partes naquele e protegendo-se o economicamente mais fraco neste, mediante
normas de aplicação cogente e regras de interpretação dos pactos que buscam
o equilíbrio entre os envolvidos.
Os princípios tradicionais que orientaram a formação da teoria clássica dos
contratos (autonomia privada, força obrigatória e relatividade) foram, ao longo
dos anos, flexibilizados em decorrência do crescimento da importância de novos
princípios tais como a boa-fé objetiva; função social do contrato; reequilíbrio
econômico-financeiro do contrato e identificação da função econômica do
contrato.
O Código Civil de 2002 nos apresenta as normas básicas que regem os
contratos, sejam eles civis ou empresariais. Os vetores fundamentais a serem
observados estão ali: liberdade negocial, função social do contrato, boa-fé
objetiva, probidade, lealdade, eticidade e assim por diante. O estatuto material
revogou grande parte do Código Comercial de 1850, circunstância que deixou

77
as relações empresariais sem um conjunto normativo próprio. Todavia, não foi
apresentada uma seção específica para tratar dessas relevantes relações, mesmo
que nem todas as regras obrigacionais civis sejam monoliticamente aplicadas ao
Direito Empresarial e exista autonomia entre ambas.
Importante sinalar que o Código Civil foi parcialmente alterado pela Lei nº
13.874/2019, chamada de “Lei da Liberdade Econômica”, a qual promoveu
importantes mudanças, em boa parte aplicáveis aos contratos empresariais1.
Ao fim, há que se destacar a existência de diversos diplomas legais na
legislação extravagante tratando de forma mais detalhada várias espécies de
contratos estritamente empresariais, como, por exemplo, contrato de franquia e
contrato de leasing.

1.1.2. CLASSIFICAÇÕES DOS CONTRATOS


Os contratos podem ser classificados de várias formas. As classificações
mais comuns são:
➢ dever obrigacional: [a] unilaterais, quando apenas um dos contratantes tem
obrigações a cumprir (comodato) e [b] bilaterais, se todos os contratantes têm
obrigação a cumprir (compra e venda);
➢ vantagem econômica: [a] onerosos, quando a regular execução do contrato
implica vantagem econômica para todos (compra e venda) ou [b] gratuitos,
quando uma das partes não aufere vantagem econômica imediata;

1
Art. 421. A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato.
Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção
mínima e a excepcionalidade da revisão contratual.
Art. 421-A. Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença
de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos
previstos em leis especiais, garantido também que:
I - as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das
cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução;
II - a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada; e
III - a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada.

78
➢ os contratos onerosos podem ser subdivididos em [a] comutativos, quando
todas as partes envolvidas auferem vantagem econômica e [b] aleatórios,
quando apenas um dos contratantes terá vantagem econômica, não podendo
saber antecipadamente, qual deles será, em face do risco de sorte ou de azar;
➢ constituição: são divididos em [a] consensuais, para cuja constituição é
suficiente o encontro de vontades, [b] formais (ou solenes), em que o
aperfeiçoamento do negócio depende de num instrumento escrito, e os [c]
reais, que se constituem apenas com a tradição da coisa;
➢ forma de execução: [a] instantâneos, quando a obrigação da parte
corresponde a um só ato e [b] contínuos, quando pelo menos um dos
contratantes cumpre a obrigação com uma sucessão de atos;
➢ tipicidade: os contratos podem ser [a] típicos, que possuem formalidades,
direitos e obrigações disciplinados na lei, por normas cogentes ou supletivas,
não se esgotando nas previsões contratuais definidas pelas partes, os [b]
atípicos, que são regidos exclusivamente pelo convencionado no contrato,
dentro dos limites legais e os [c] mistos, que se situam na transição entre os
típicos e atípicos, ou seja, as partes criam um negócio contratual não tipificado
em lei com o aproveitamento de normas de um ou mais contratos típicos;
➢ liberdade de contratação: [a] voluntários, nos quais as partes têm alternativa
de não contratar e [b] necessários, nos quais não existe a opção de não
contratar, pelo menos para uma das partes, como o contrato de seguro DPVAT;
➢ ramo jurídico: [a] administrativo, no qual uma das partes será a pessoa jurídica
de direito público, com a primazia, portanto, do interesse público, [b] de
trabalho, caracterizado quando houver entre duas pessoas privadas a relação
de prestação de serviços pessoais, subordinados, não eventuais e mediante
remuneração, [c] de relação de consumo, formalizados entre consumidor e
fornecedor, nos moldes definidos pelos arts. 3º e 5º do Código de Defesa do
Consumidor, [d] comercial ou empresarial, quando as duas partes são
empresários, e [e] civil, pacto em que nenhum dos contratantes é pessoa
jurídica de direito público, empregado, consumidor ou empresário.

79
1.2. EMPRESÁRIO
Para bem identificarmos o contrato empresarial, tema da nossa aula,
mostra-se fundamental saber quem é o empresário.
O Código Civil define quem pode ser considerado empresário no caput
do seu art. 966: considera-se empresário quem exerce profissionalmente
atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens e
serviços. Adiante, no parágrafo único, indica quem não será considerado
empresário: não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de
natureza científica, literária ou artística, ainda como o concurso de auxiliares ou
colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.
No âmbito do Direito Empresarial, nosso foco incide sobre as avenças
celebradas entre empresas, ou seja, apenas estas farão parte da relação jurídica
em estudo, de imediato sendo importante ficar claro que não encontraremos
em nenhum dos polos do contrato empresarial uma pessoa física ou outra
figura que não detenha características de empresário. O contrato celebrado
entre empresas é chamado de contrato empresarial justamente por estar
inserido num contexto diverso do contrato celebrado entre particulares.
Todavia, alarga-se o conceito apenas para alcançar, de um lado, as
obrigações decorrentes de certos contratos específicos do direito comercial,
mas cujas partes não são necessariamente empresários, como o acordo de
acionistas ou o contrato de administração de empresas, e, de outro, as
obrigações cambiárias. Estes vínculos obrigacionais devem se submeter ao
mesmo tratamento jurídico liberado aos que aproximam exclusivamente
empresários. (COELHO, Fábio Ulhoa. As obrigações empresariais. In: Tratado de
Direito Comercial. Vol. 5. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 13).

1.3. CONTRATO EMPRESARIAL E DIREITO CONTRATUAL


O cotidiano da vida empresarial deixa evidente a importância de se
estabelecerem negócios com terceiros como meio de viabilizar a atividade
econômica, voltada para a satisfação de alguma necessidade do mercado. Há

80
que se reconhecer, dessarte, a essencialidade da relação contratual para a
própria prática mercantil.
Assim, a atividade econômica desempenhada pela empresa resulta na
celebração de diversos contratos com variados regimes jurídicos – poderão ser
trabalhistas, administrativos, comerciais e até mesmo, excepcionalmente, de
consumo. São inúmeros contratos bancários; de aquisição de insumos para sua
atividade de produção, comércio ou prestação de serviços; de contratação de
empregados, prestadores autônomos ou empresas terceirizadas; participação
em licitações, e assim por diante. Em suma, as atividades econômicas de uma
empresa irão demandar algum tipo de avença.
Havendo necessidade de interpretação ou intervenção externa para a
readequação (judicial ou privada mediante arbitragem ou negociação direta),
será preciso considerar as especificidades desta relação, o contexto de sua
formação e execução, observando a necessidade de assegurar aos agentes
econômicos segurança e previsibilidade nas contratações e o respeito ao direito
concorrencial para evitar indesejável intervenção na liberdade própria da
competitividade inerente ao capitalismo. São todos indicativos fundamentais
para o bom desempenho das atividades econômicas. Do contrário, existe a
possibilidade de efetivo prejuízo para a economia de mercado, pois o risco da
atividade e a busca do lucro são partes integrantes da relação comercial.

1.4. PECULIARIDADES DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS


Como já referido, as normas gerais dos pactos empresariais estão
estampadas no Código Civil de 2002. Todavia, existem certas singularidades que
precisam ser observadas para a correta compreensão e interpretação dessa
relação contratual. É o que nos ensina PAULA FORGIONI (Teoria Geral dos
Contratos Empresariais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, pág. 29):
A atenção do comercialista recai necessariamente sobre os contratos
interempresariais, ou seja, aqueles celebrados entre empresas, i.e., em que
somente empresas fazem parte da relação. Ao assim proceder, identificamos os

81
contratos empresariais com aqueles em que ambos (ou todos) os polos da
relação têm a sua atividade movida pela busca do lucro. É preciso reconhecer:
esse fato imprime viés totalmente peculiar aos negócios jurídicos entre
empresários. Entretanto, adotar esse método de análise da realidade do
mercado descortina visão jurídica pouco usual entre nós, porquanto: (i)
Considera como objeto do direito comercial apenas os contratos celebrados
entre empresas (contratos interempresariais, i.e., aqueles em que os partícipes
têm sua atuação plasmada pela procura do lucro); e (ii) Coloca em relevo a
necessidade do esboço da teoria geral que leve em consideração as
peculiaridades dos contratos interempresariais no contexto do mercado (i.e.,
que considere a empresa na teia contratual em que se insere e que ajuda a
construir).
Nos contratos empresariais existe, como pressuposto, a ideia de
equiparação entre os empresários-partes, os quais estarão, em tese, em
condições semelhantes de conhecimento técnico e profissionalismo para
definirem seus interesses, resultando em maior autonomia da vontade, ainda
que não se despreze a potencial assimetria de informações ou de poder
econômico entre os envolvidos.
Na eventualidade de ser necessária uma readequação da avença, algo
possível e eventualmente recomendável, a linha interpretativa não pode ser a
mesma adotada nas legislações trabalhista, consumerista e mesmo a
puramente civilista – afinal, como já afirmado, apesar da revogação parcial do
Código Comercial, o Direito Empresarial manteve sua autonomia.
Oportuno, nesse momento, definir o exato alcance da legislação
consumerista na relação contratual da qual participem empresas. Como ensina
a reiterada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (aqui representada
pelo REsp 1599042 / SP), consumidor é toda pessoa física ou jurídica que
adquire ou utiliza, como destinatário final, produto ou serviço oriundo de um
fornecedor. Por sua vez, destinatário final, segundo a teoria subjetiva ou
finalista, adotada pela Segunda Seção desta Corte Superior, é aquele que

82
última a atividade econômica, ou seja, que retira de circulação do mercado o
bem ou o serviço para consumi-lo, suprindo uma necessidade ou satisfação
própria, não havendo, portanto, a reutilização ou o reingresso dele no processo
produtivo. Logo, a relação de consumo (consumidor final) não pode ser
confundida com relação de insumo (consumidor intermediário). A partir
dessa lição, percebemos que eventualmente o empresário será tratado como
consumidor, titular das garantias e normas protetivas do Código de Defesa do
Consumidor. Normalmente atuará como “insumidor”, e assim as regras
aplicáveis serão as do próprio pacto, sob o pálio das regras gerais do Código Civil
e da Constituição Federal.
Postas tais premissas, percebe-se que o dirigismo contratual praticado
pelo atual ordenamento jurídico (capitaneado pelos princípios da função social
do contrato – artigo 421 – e da probidade e boa-fé – artigo 422 – ambos do CC),
atua de forma singular nas relações empresariais pelo potencial efeito em toda a
cadeia produtiva e econômica e o risco de irradiação dos efeitos interventivos
para o mercado, tão sensível a quaisquer alterações não previstas ou precificadas.
Justamente para definir melhor essa questão foi publicada a Lei nº 13.874/2019,
com as mudanças já destacadas.
Se existe a importante função social do contrato, não se pode olvidar
também a função social da empresa como um dos pilares do Direito
Empresarial.
De um lado, a necessidade de um sistema contratual socialmente justo, no
qual os economicamente mais frágeis ficam protegidos contra obrigações
excessivamente onerosas; de outro, um importante princípio e vetor para o
exercício da atividade econômica, tendo em vista que o seu sentido advém da
articulação entre os diversos princípios da ordem econômica constitucional. Mais
do que mera regra interpretativa e integrativa, a função social da empresa
apresenta abstenções e deveres positivos que orientam a atividade
empresarial, de maneira a contemplar, além dos interesses dos sócios, os
interesses dos diversos sujeitos envolvidos, como é o caso dos trabalhadores,

83
dos consumidores, dos concorrentes, do poder público e da própria sociedade,
compatibilizando os diversos interesses envolvidos na atividade econômica ao
mesmo tempo em que se busca a preservação da empresa e da atividade
lucrativa.
No mesmo passo, percebe-se que as teorias da imprevisão e da
onerosidade excessiva (artigo 478 do CC) não podem ser aplicadas
indistintamente aos contratos empresariais, pois, como acima afirmado, uma
certa dose de risco é seu elemento essencial.
O tratamento especial a incidir sobre os contratos empresariais também se
justifica em virtude do ambiente dinâmico e específico no qual estão inseridos.
As regras comerciais miram a rapidez de transações, e a otimização das ações e
do ambiente econômico requerem uma ampla margem de negociação dos
contratos legalmente previstos bem como demandam a atipicidade
contratual, possibilidade conferida às partes para criação de contratos não
previstos na legislação, amparados na expertise dos envolvidos e que visam
atender necessidades de seus empreendimentos.
Os contratos atípicos não dispõem de regramentos próprios e estão
expressamente consagrados pelo art. 425 do CC2
Nesse tocante, leciona Paula Forgioni (Teoria Geral dos Contratos
Empresariais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 65): As partes,
quando negociam e contratam, não tomam confortavelmente assento diante
de um código e escolhem, entre fórmulas pré-existentes [i.e., tipificadas], aquela
que mais lhes apraz. Os contratos empresariais nascem da prática dos
comerciantes e raramente de tipos normativos preconcebidos por autoridades
exógenas ao mercado.
Tratando-se de contrato atípico, a criação e interpretação devem ser
fundadas nas regras ordinárias aplicáveis aos contratos em geral e nos demais
preceitos legais criados para situações semelhantes. Haverá maior prevalência,
claro, do princípio da força obrigatória dos contratos (pacta sunt servanda),

2 Art. 425. É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código.
84
notadamente por se tratar de relação empresarial, admitindo-se a ingerência
externa nas obrigações livremente pactuadas entre as partes somente em
situações excepcionais.
A esse respeito, oportuno ressaltar as considerações lançadas pelo Ministro
Paulo de Tarso Sanseverino quando do julgamento do REsp nº 1.158.815/RJ:
"(...) Neste contexto, visando à promoção destes fins, admite o
Direito brasileiro, expressamente, a revisão contratual, diante da
alteração superveniente das circunstâncias que deram origem ao
negócio jurídico (teoria da imprevisão, teoria da base objetiva etc.).
Nada obstante, a par de não se ter reconhecido, no caso dos autos,
qualquer destas alterações, não previstas, aliás, no Código de 1916,
a intervenção do Estado no campo do Direito Privado, mais
precisamente no plano do Direito Empresarial – em que se situa a
relação jurídica estabelecida entre a recorrente e as recorridas –,
deve ser mínima, em respeito à vontade manifestada de forma
efetivamente livre pelas partes. Neste sentido, Fábio Ulhoa Coelho
(O futuro do direito comercial. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 166)
chega a reconhecer a vigência, neste campo do direito, do
princípio da 'plena vinculação dos contratantes ao contrato', ou
seja uma força obrigatória dos efeitos do contrato (pacta sunt
servanda) em grau superior ao do Direito Civil, cujo afastamento
somente poderia ocorrer em hipóteses excepcionais.
Efetivamente, no Direito Empresarial, regido por princípios
peculiares, como a liberdade de iniciativa, a liberdade de
concorrência e a função social da empresa, a presença do
princípio da autonomia privada é mais saliente do que em outros
setores do Direito Privado. Naturalmente, mesmo no Direito
Empresarial, pode haver a necessidade de mitigação do princípio
da autonomia privada, especialmente quando houver
desigualdade material entre as empresas contratantes".

85
AO INTERPRETAR A RELAÇÃO CONTRATUAL EMPRESARIAL, NÃO PODEMOS
ESQUECER:
✓ presumível equiparação das partes;
✓ maior autonomia da vontade. Pacta sunt servanda;
✓ risco da atividade e busca do lucro integram a relação;
✓ função social do contrato X função social da empresa;
✓ possibilidade da formação de contratos atípicos.

1. 5. ENUNCIADOS DAS JORNADAS DE DIREITO COMERCIAL DO CONSELHO


DA JUSTIÇA FEDERAL
Cumpre, então, destacar algumas importantes conclusões da I Jornada de
Direito Comercial do Conselho da Justiça Federal (CJF) indicadas nos enunciados
a seguir e que bem resumem as especificidades da relação contratual
empresarial:
20 - Não se aplica o Código de Defesa do Consumidor aos contratos
celebrados entre empresários em que um dos contratantes tenha por objetivo
suprir-se de insumos para sua atividade de produção, comércio ou prestação
de serviços.
21 - Nos contratos empresariais, o dirigismo contratual deve ser mitigado,
tendo em vista a simetria natural das relações interempresariais.
23. Em contratos empresariais, é lícito às partes contratantes estabelecer
parâmetros objetivos para a interpretação dos requisitos de revisão e/ou
resolução do pacto contratual.
25. A revisão do contrato por onerosidade excessiva fundada no Código
Civil deve levar em conta a natureza do objeto do contrato. Nas relações
empresariais, deve-se presumir a sofisticação dos contratantes e observar a
alocação de riscos por eles acordada.
Enunciado 26 - O contrato empresarial cumpre sua função social quando
não acarreta prejuízo a direitos ou interesses, difusos ou coletivos, de
titularidade de sujeitos não participantes da relação negocial.

86
27. Não se presume violação à boa-fé objetiva se o empresário, durante as
negociações do contrato empresarial, preservar segredo de empresa ou
administrar a prestação de informações reservadas, confidenciais ou
estratégicas, com o objetivo de não colocar em risco a competitividade de sua
atividade.
28. Em razão do profissionalismo com que os empresários devem exercer
sua atividade, os contratos empresariais não podem ser anulados pelo vício da
lesão fundada na inexperiência.
29. Aplicam-se aos negócios jurídicos entre empresários a função social do
contrato e a boa-fé objetiva (arts. 421 e 422 do Código Civil), em conformidade
com as especificidades dos contratos empresariais.

2. CONTRATOS EMPRESARIAIS EM ESPÉCIE (PARTE 1)


2.1. COMPRA E VENDA MERCANTIL
É a modalidade mais importante dos contratos empresariais, com enorme
aplicação no cotidiano das empresas. É consensual, bilateral, oneroso e
comutativo e sem maiores formalidades para sua concretização, salvo hipóteses
apontadas na legislação (como bens imóveis).
O parcialmente revogado Código Comercial de 1850 estabelecia três
requisitos para que o contrato fosse considerado mercantil: subjetivo (qualidade
das partes), objetivo (somente bens móveis ou semoventes) e finalístico
(destinação obrigatória da mercadoria). Só seria comercial a compra e venda que
o comerciante realizasse no exercício de sua profissão, em consonância com a
teoria dos atos de comércio.
Já o Código Civil de 2002, que afastou a teoria dos atos de comércio para
fixar o conceito de teoria jurídica de empresa, estabeleceu como requisito único
para a compra e venda mercantil a condição de empresário para ambos os
contratantes. Assim, toda compra e venda em que comprador e vendedor são
empresários é considerada mercantil, não se questionando o tipo de objeto e
tampouco a destinação do insumo:

87
Art. 481. Pelo contrato de compra e venda, um dos
contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa,
e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro.
Em havendo a utilização do objeto como destinatário final, retirando-o do
circuito econômico, poderemos ter uma relação de consumo, regulada pelo
Código de Defesa do Consumidor, como já esclarecido em aula anterior (REsp nº
1.599.042/SP).
Existe grande liberdade para sua perfectibilização, que se dá quando as
partes chegam ao consenso sobre três elementos: preço, forma de pagamento e
objeto do contrato (artigo 482 do CC). Este pode se constituir em grande
quantidade de mercadorias, e então o contrato será compra e venda em atacado,
ou poucas unidades de uma mesma mercadoria, quando então teremos uma
avença varejista.

2.1.1. SITUAÇÕES ESPECIAIS DA COMPRA E VENDA MERCANTIL


A) Pacto de Retrovenda.
→ Previsto nos artigos 505 a 508 do CC.
Trata-se de cláusula acessória que funciona como cláusula resolutiva
expressa de desfazimento do negócio. Assegura ao vendedor o direito de
recomprar o bem vendido no prazo máximo decadencial três anos após a venda,
mediante reembolso do principal, mais as despesas do comprador. O direito
pode ser exercido inclusive contra terceiro comprador (CC, art. 507).
B) Venda a Contento e Sujeita a Prova.
→ Previstas nos artigos 509 a 512 do CC.
Conhecida também como cláusula ad gustum, é adjeta ao contrato de
compra e venda e suspende sua eficácia até que o comprador manifeste, em
determinado prazo, o seu agrado com o produto entregue pelo vendedor.
Enquanto não apresenta sua manifestação de vontade, o comprador é
considerado comodatário dos bens.

88
Podemos encontrar contratos de compra e venda submetidos às
condições suspensivas de [1] degustação; [2] peso, medida e contagem; [3]
experimentação; [4] exame.
Já a compra e venda sob amostra (CC, art. 484) caracteriza-se pela
manifestação de vontade positiva do comprador a partir do exame de uma
amostra do produto. Houve prévia avaliação favorável, mas o contrato somente
se aperfeiçoa com a constatação de que o produto entregue possui as mesmas
características da amostra previamente apresentada pelo vendedor,
configurando também uma condição suspensiva para o aperfeiçoamento do
contrato.
C) Preempção ou Preferência.
→ Prevista nos artigos 513 a 520 do CC.
Assegura ao vendedor o chamado direito de prelação. Caso o comprador
queira vender um bem que adquiriu a terceiros, estará obrigado pela cláusula
contratual a oferecer o bem ao primitivo vendedor, que se pagar o mesmo valor
oferecido pelo terceiro (e demais termos e condições), terá preferência para a
aquisição.
O prazo para exercer o direito é de no máximo 180 dias se a coisa for móvel
e de dois anos se imóvel. Na ausência de estipulação contratual, presumir-se-á
como sendo três dias para bem móvel e 60 dias para bem imóvel.
D) Compra e Venda com Reserva de Domínio.
Contratos nos quais a forma de pagamento for parcelada podem
apresentar cláusula de reserva de domínio, pela qual a posse direta do bem
alienado e os riscos da conservação são transferidos para o comprador desde o
início da vigência do contrato, mas o domínio (portanto, a propriedade) somente
será transferida após o pagamento da última parcela, conforme os artigos 521 a
528 do CC 3.

3
Art. 521. Na venda de coisa móvel, pode o vendedor reservar para si a propriedade, até que o
preço esteja integralmente pago. (...)
Art. 522. A cláusula de reserva de domínio será estipulada por escrito e depende de registro no
domicílio do comprador para valer contra terceiros.
89
A venda com reserva de domínio restringe-se aos bens móveis e exige
forma escrita, pois se não houver previsão expressa da reserva de domínio,
aplicar-se-á a regra geral de que a propriedade do bem móvel transfere-se com
a tradição.

E) Venda sobre Documentos.


→ Prevista nos artigos 529 a 532 do CC.
A tradição da coisa é substituída pela entrega de seu título representativo
e de outros documentos exigidos pelo contrato ou, no silêncio deste, pelos usos.
O pagamento, em regra, será feito na data e local da entrega dos
documentos, que, estando em ordem, não permite recusa sob alegação de
defeito de qualidade ou estado da coisa transacionada.

2.1.2. Termos de Comércio Internacional – INCOTERMS


A intensa troca de mercadorias e produtos entre países e entre empresas
de países distintos demandou uma padronização de regras para viabilizar maior
segurança entre as partes contratantes.
Assim, para atender à necessidade global, a Câmara Internacional de
Comércio estipulou as Regras de Comercio Internacional (International
Commercial Terms) – INCOTERMS -, padrões internacionais criados há 83 anos e
utilizados em contratos de compra e venda no setor de transporte e logística para
processos de importação e exportação, informando quem é o responsável pelo
frete, definir o ponto de coleta da mercadoria e identificar o responsável pelo
seguro.
Os INCOTERMS são regras que dizem respeito, sobretudo, à definição de
responsabilidades no transporte dos produtos comercializados entre países.
Observando a versão 2020 dos Incoterms, percebemos que seguem sendo
11 divididos em quatro grupos: [a] Categoria ‘E’ (ex / Partida); [b] Categoria ‘F’ (free

Art. 524. A transferência de propriedade ao comprador dá-se no momento em que o preço


esteja integralmente pago. Todavia, pelos riscos da coisa responde o comprador, a partir de
quando lhe foi entregue.
90
/ Transporte Principal não pago); [c] Categoria ‘C’ (carriage / Transporte Principal
pago); [d] Categoria ‘D’ (delivery/Chegada).

EM RESUMO...
✓ requisito único para a compra e venda mercantil - a condição de empresário
para ambos os contratantes;
✓ possibilidade de relação de consumo regida pelo CDC – (REsp nº 1.599.042/SP);
✓ cláusulas especiais de compra e venda – pacto de retrovenda; venda a
contendo e sujeita à prova; preempção ou preferência; compra e venda com
reserva de domínio; venda sobre documentos;
✓ INCOTERMS – termos de regulação para comércio internacional.

2.2. ARRENDAMENTO MERCANTIL – LEASING


O contrato de arrendamento mercantil está regulado pela Lei nº 6.099/1974
e pela Resolução 2.309/1996 do Banco Central. Operação muito comum no
ambiente mercantil, o leasing está assim descrito:
Lei nº 6.099/1974, Art 1º - O tratamento tributário das operações
de arrendamento mercantil reger-se-á pelas disposições desta Lei.
Parágrafo único - Considera-se arrendamento mercantil, para os
efeitos desta Lei, o negócio jurídico realizado entre pessoa jurídica,
na qualidade de arrendadora, e pessoa física ou jurídica, na
qualidade de arrendatária, e que tenha por objeto o arrendamento
de bens adquiridos pela arrendadora, segundo especificações da
arrendatária e para uso próprio desta.
Assim, é o contrato no qual uma pessoa jurídica (arrendadora) arrenda a
uma pessoa física ou jurídica (arrendatária), por determinado tempo, um bem,
móvel ou imóvel, de fabricação nacional ou estrangeira (desde que autorizados
pelo Conselho Monetário Nacional) comprado pela primeira de acordo com as
indicações da segunda.
O arrendador é o proprietário e possuidor indireto do bem (o que garante
a viabilidade do aforamento de reintegração de posse), sendo que a posse direta
91
e o usufruto, durante a vigência do contrato, são do arrendatário, o qual paga
uma mensalidade para o exercício de tal direito. É a marca central dessa espécie
de operação e que a diferencia claramente de um financiamento bancário, na
qual o bem é de propriedade do mutuário, ainda que alienado, já no ato da
compra.
No caso do leasing, o bem é adquirido pelo arrendador, que se torna seu
proprietário. Este concede o direito de uso do bem, mediante o pagamento de
contraprestações, por um prazo determinado. Ao fim do contrato, pode existir a
possibilidade de compra do bem pelo arrendatário. Já no financiamento
comum, a empresa compra o bem que deseja, utilizando recursos de terceiros
fornecedores do crédito, que reservam a si garantias de adimplemento. Ao quitar
todas as prestações, o adquirente se torna em definitivo titular do bem.
Esta distinção fica muito nítida no corriqueiro caso de aquisição de
veículos, pois na hipótese de leasing, os documentos são emitidos em nome da
sociedade de arrendamento mercantil. Com a quitação do contrato, o agente
financeiro deverá, no prazo de até trinta dias úteis, após recebimento destes
documentos, remeter ao arrendatário o documento único de transferência (DUT)
do veículo devidamente assinado pela arrendadora, a fim de possibilitar que o
arrendatário providencie a respectiva transferência de propriedade do veículo
junto ao departamento de trânsito do Estado (Lei nº 11.649/2008).
Segundo a lei nº 6.099/74, são requisitos básicos da contratação:
Art 5º - Os contratos de arrendamento mercantil conterão as
seguintes disposições:
a) prazo do contrato;
b) valor de cada contraprestação por períodos determinados, não
superiores a um semestre;
c) opção de compra ou renovação de contrato, como faculdade do
arrendatário;
d) preço para opção de compra ou critério para sua fixação, quando
for estipulada esta cláusula.

92
Dessa feita, percebemos que, ao final do contrato, caberá ao arrendatário
solicitar a renovação da locação, encerrá-la ou adquirir o bem arrendado,
mediante pagamento do valor residual, menor do que o da sua aquisição inicial,
se previamente fixado.
A partir dessas definições, podemos resumir as obrigações contratuais da
seguinte forma:
[1] arrendador: adquirir o bem para ser dado em arrendamento; conceder a
posse direta do bem ao arrendatário; permitir seu pleno uso, embora mantenha
a propriedade; vender o bem ao final (caso haja interesse do arrendatário).
[2] arrendatário: pagar, na forma estabelecida, as prestações; conservar o bem
arrendado, respondendo pelos prejuízos que causar; encerrado o contrato,
devolver o bem ao arrendador-proprietário, caso não opte pela compra ou
renovação do arrendamento.

2.2.1. MODALIDADES DE LEASING.


[a] Financeiro, puro ou bancário: o fabricante não figura como locador. Há
uma empresa que desempenha esse papel, que se dedica exclusivamente a
adquirir bens fabricados por terceiros para arrendá-los, através de redistribuição,
a outra sociedade que necessite destes bens.
[b] Lease-back ou de retorno: forma eficiente para obtenção de capital de
giro, caracterizado quando uma sociedade proprietária de um bem o vende para
outra empresa, e esta última, ao adquirir o bem, em ato contínuo o arrenda para
a vendedora. Existe então o retorno do bem para a primeira empresa.
[c] Operacional ou renting: casos em que a sociedade é proprietária de
bens e os dá em arrendamento para terceiro, mediante o pagamento de
determinadas parcelas. Não há uma terceira pessoa nesta relação, porquanto o
próprio fabricante ou vendedor figurará como arrendante. Além disso, se
compromete a prestar assistência ao arrendatário por todo o período do
arrendamento. Difere do modelo financeiro pois neste sempre encontramos a
obrigatoriedade do cumprimento da obrigação contraída por todo o período do

93
arrendamento, enquanto no leasing operacional o contrato pode ser rescindido
a qualquer momento pelo arrendatário desde que mediante aviso prévio.

2.2.2. VALOR RESIDUAL GARANTIDO – VRG


Acerca do pagamento do valor residual, importa destacar a orientação do
STJ em sua Súmula 293, que mesmo não sendo recente, causa alguma confusão:
Súmula 293 - A cobrança antecipada do valor residual garantido
(VGR) não descaracteriza o contrato de arrendamento mercantil.
O pagamento adiantado do Valor Residual Garantido - VRG não implica
necessariamente antecipação da opção de compra, posto subsistirem as
opções de devolução do bem ou prorrogação do contrato. Pelo que não
descaracteriza o contrato de leasing para compra e venda à prestação. Como
as normas de regência não proíbem a antecipação do pagamento da VRG que,
inclusive, pode ser de efetivo interesse do arrendatário, deve prevalecer o
princípio da livre convenção entre as partes. (EREsp 213828 RS, Rel. Ministro
MILTON LUIZ PEREIRA, Rel. p/ Acórdão Ministro EDSON VIDIGAL, CORTE
ESPECIAL, julgado em 07/05/2003, DJ 29/09/2003, p. 135)
A edição da Súmula 293 cancelou a de número 263, que deliberava em
sentido oposto: a cobrança antecipada do valor residual (VRG) descaracteriza o
contrato de arrendamento mercantil, transformando-o em compra e venda a
prestação.
E quanto ao tema, lembremos o Enunciado 38 da I Jornada de Direito
Comercial do CJF (afastando preceito do CDC):
Enunciado 38 - É devida devolução simples, e não em dobro, do
valor residual garantido (VRG) em caso de reintegração de posse do
bem objeto de arrendamento mercantil celebrado entre
empresários.

EM RESUMO...
✓ no leasing, o bem é adquirido pelo arrendador, que se torna seu proprietário.
Este concede o direito de uso do bem, mediante o pagamento de
contraprestações, por um prazo determinado;

94
✓ ao final do contrato, caberá ao arrendatário solicitar a renovação da locação,
encerrá-la ou adquirir o bem;
✓ modalidades – financeiro, lease-back e operacional;
✓ valor residual garantido – VRG – Súmula 293 do STJ.

2.3. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA


Contrato por meio do qual o devedor (fiduciante - empresa que busca
crédito para obter o bem desejado) obtém financiamento para a aquisição de
bem durável de uma instituição financeira credora (fiduciária - instituição
financeira que concede o financiamento). A garantia do pagamento será o
próprio bem, pois o devedor aliena-o ao credor. A alienação fiduciária é, portanto,
um negócio jurídico onde o devedor negocia a transferência da propriedade
junto ao credor como forma de garantir uma dívida.
Envolve a realização de contratos simultâneos: [1] compra e venda e [2] a
alienação fiduciária do bem adquirido.
Lembremos as partes envolvidas no contrato: [1] fiduciante – possuidor
direto e devedor; [2] fiduciário – possuidor indireto e credor.
Sendo uma espécie contratual com larga aplicação no mercado financeiro,
e em contínua expansão, existe, como decorrência, um variado espectro
normativo regulamentando as relações decorrentes, exigindo do intérprete a
delimitação das hipóteses de incidência dos regimes jurídicos concorrentes.
O Código Civil terá aplicação supletiva para casos não alcançados por
legislação específica. Para aclarar o conflito das leis restou lançado o artigo 1.368-
A:
As demais espécies de propriedade fiduciária ou de titularidade
fiduciária submetem-se à disciplina específica das respectivas leis
especiais, somente se aplicando as disposições deste Código
naquilo que não for incompatível com a legislação especial.
A aplicação do Código Civil é realizada de forma subsidiária, mas de
qualquer forma é imprescindível seu conhecimento pelas partes da relação
negocial.
95
No contrato, devem constar todas as informações sobre a operação em
questão, notadamente: [1] descrição detalhada do bem em alienação e o seu
modo de aquisição; [2] valor do bem, assim como seus critérios de atualização e
revisão; [3] cláusula indicando livre utilização da propriedade fiduciária, pois o
bem pode ser utilizado pelo devedor (possuidor direto) como lhe aprouver
enquanto vigorar o contrato; [4] valor da dívida, juntamente com o seu prazo de
vencimento e demais condições de pagamento; [5] taxa de juros e encargos.
Para a garantia ser assentada, em se tratando de veículo automotor,
necessário o registro no departamento de trânsito. Sendo bem imóvel, deve ser
registrado no Ofício de Registro de Imóveis.
A alienação fiduciária apresenta largas vantagens para o mercado de
crédito. Traz segurança jurídica, por prever a propriedade compartilhada sobre
um bem (o devedor deixa de ter propriedade plena sobre o bem e assim o credor
fica protegido de situações inesperadas); menos burocracia, por ser mais simples
em seus atos formais de constituição e também para a execução da garantia do
que outros contratos, como a hipoteca; redução do risco de inadimplência, com
a ampliação das garantias e da rapidez no procedimento de cobrança frente a
outros tipos de financiamento pois o processo de satisfação do crédito é mais
ágil, refletindo também na diminuição do grau de risco calculado nas operações
de concessão de crédito. Se houver o efetivo pagamento, o direito pleno de
propriedade volta a ser do devedor. Caso não se perfectibilize a quitação da
dívida, o credor retomará a coisa, que juridicamente também é sua. O preço
obtido com a venda da coisa será utilizado para satisfazer o pagamento que
ainda tem a receber, devolvendo-se eventual excedente.
Na hipótese de inadimplemento, a execução do contrato ocorre pela via
extrajudicial. Em outras palavras, a cobrança é mais ágil para o credor.
Exemplificando a simplificação e o fortalecimento do sistema de garantias
ao credor, temos dois temas repetitivos do STJ:
Tema Repetitivo 530 STJ: A notificação extrajudicial realizada e
entregue no endereço do devedor, por via postal e com aviso de
recebimento, é válida quando realizada por Cartório de Títulos e
96
Documentos de outra Comarca, mesmo que não seja aquele do
domicílio do devedor.
Tema Repetitivo 722 STJ: Nos contratos firmados na vigência da Lei
n. 10.931/2004, compete ao devedor, no prazo de 5 (cinco) dias após
a execução da liminar na ação de busca e apreensão, pagar a
integralidade da dívida - entendida esta como os valores
apresentados e comprovados pelo credor na inicial -, sob pena de
consolidação da propriedade do bem móvel objeto de alienação
fiduciária.

EM RESUMO...
✓ negócio jurídico onde o devedor negocia a transferência da propriedade junto
ao credor como forma de garantir uma dívida;
✓ realização de contratos simultâneos: [1] compra e venda e [2] a alienação
fiduciária do bem adquirido;
✓ Código Civil terá aplicação supletiva para casos não alcançados por legislação
específica;
✓ Traz segurança jurídica, menor burocracia e redução do risco de inadimplência
para o mercado de crédito.

2.4. LOCAÇÃO
A locação de prédio urbano com finalidade comercial está submetida à lei
especial, Lei nº 8.245/1991, e assim seguiu mesmo com a edição do Código Civil
de 2002, segundo define seu:
Art. 2.036. A locação de prédio urbano, que esteja sujeita à lei
especial, por esta continua a ser regida.
No tocante, vale destacar a lição de Arnaldo Rizzardo: Atualmente, vige a
Lei nº 8.245, de 18.10.1991, que substituiu a Lei nº 6.649, de 16.05.1979, regulando
todos os contratos de locação de prédios urbanos, sejam residenciais ou não
residenciais, tanto no pertinente ao campo de sua aplicação, como no que se
refere aos deveres e direitos dos locadores e locatários, às garantias locatícias,
à prorrogação dos contratos, ao reajuste de aluguéis, à rescisão ou resolução
97
contratual, à retomada do prédio ou despejo do locatário, às penalidades a que
se sujeitam as partes (Contratos. 2ª Ed, Rio de Janeiro: Forense, 2001).
Todavia, algumas exceções são trazidas pela legislação especial, definindo
a regulação pelo Código Civil (art. 1º, parágrafo único).
Enfim, a seção III da Lei nº 8.245/91 está dedicada para a locação não
residencial.
O ponto mais sensível da locação empresarial reside no direito de
renovação do contrato, porquanto é natural da atividade mercantil a realização
de elevados investimentos na estrutura física do espaço locado, bem como na
construção de uma relação imaterial com a clientela.
Começou com a Lei de luvas (Decreto 24.150 de 20 de abril de 1934), cuja
sistemática era a de proteção ao local onde o empresário estabelecia seu
comercio. Assim a lei de locações manteve o instituto prevendo a possibilidade
da ação renovatória, submetida a uma série de requisitos:
Art. 51. Nas locações de imóveis destinados ao comércio, o locatário
terá direito a renovação do contrato, por igual prazo, desde que,
cumulativamente:
I - o contrato a renovar tenha sido celebrado por escrito e com prazo
determinado;
II - o prazo mínimo do contrato a renovar ou a soma dos prazos
ininterruptos dos contratos escritos seja de cinco anos;
III - o locatário esteja explorando seu comércio, no mesmo ramo,
pelo prazo mínimo e ininterrupto de três anos.
§ 1º O direito assegurado neste artigo poderá ser exercido pelos
cessionários ou sucessores da locação; no caso de sublocação total
do imóvel, o direito a renovação somente poderá ser exercido pelo
sublocatário.
§ 2º Quando o contrato autorizar que o locatário utilize o imóvel para
as atividades de sociedade de que faça parte e que a esta passe a
pertencer o fundo de comércio, o direito a renovação poderá ser
exercido pelo locatário ou pela sociedade.

98
§ 3º Dissolvida a sociedade comercial por morte de um dos sócios,
o sócio sobrevivente fica sub-rogado no direito a renovação, desde
que continue no mesmo ramo.
§ 4º O direito a renovação do contrato estende-se às locações
celebradas por indústrias e sociedades civis com fim lucrativo,
regularmente constituídas, desde que ocorrentes os pressupostos
previstos neste artigo.
§ 5º Do direito a renovação decai aquele que não propuser a ação
no interregno de um ano, no máximo, até seis meses, no mínimo,
anteriores à data da finalização do prazo do contrato em vigor.

A demanda renovatória visa garantir os direitos do locatário contra


eventuais pretensões do locador em se apropriar do patrimônio imaterial que foi
agregado ao imóvel pela atividade exercida pelo locatário, notadamente o fundo
de comércio e o ponto comercial. Evidente que, sob outro enfoque, não pode a
ação judicial se tornar uma forma de eternizar a relação locatícia, restringindo o
direito de propriedade do locador. Com isso, o STJ definiu que a renovação, se
acolhida, deve ser por novo prazo de cinco anos.
De outro lado, a legislação também nos informa quando não haverá
obrigação de renovação do contrato:
Art. 52. O locador não estará obrigado a renovar o contrato se:
I - por determinação do Poder Público, tiver que realizar no imóvel
obras que importarem na sua radical transformação; ou para fazer
modificações de tal natureza que aumente o valor do negócio ou
da propriedade;
II - o imóvel vier a ser utilizado por ele próprio ou para transferência
de fundo de comércio existente há mais de um ano, sendo detentor
da maioria do capital o locador, seu cônjuge, ascendente ou
descendente.
§ 1º Na hipótese do inciso II, o imóvel não poderá ser destinado ao
uso do mesmo ramo do locatário, salvo se a locação também
envolvia o fundo de comércio, com as instalações e pertences.

99
§ 2º Nas locações de espaço em shopping centers , o locador não
poderá recusar a renovação do contrato com fundamento no inciso
II deste artigo.
§ 3º O locatário terá direito a indenização para ressarcimento dos
prejuízos e dos lucros cessantes que tiver que arcar com mudança,
perda do lugar e desvalorização do fundo de comércio, se a
renovação não ocorrer em razão de proposta de terceiro, em
melhores condições, ou se o locador, no prazo de três meses da
entrega do imóvel, não der o destino alegado ou não iniciar as obras
determinadas pelo Poder Público ou que declarou pretender
realizar.
O direito ao recebimento de indenização pelo locatário, em virtude da
perda ou desvalorização do fundo de comércio, estará vinculado ao direito à
renovação compulsória, bem como forma de penalizar o locador pela retomada
insincera do imóvel. Ou seja, o não preenchimento de um dos requisitos legais
para a renovação obrigatória afasta a possibilidade deste direito.

2.4.1 LOCAÇÃO “BUILT TO SUIT”


Forma de locação que foi consolidada na legislação brasileira em 2012, com
a inserção do artigo 54-A à lei de locações.
Com nítido caráter mercantil, o locador constrói ou promove substancial
reforma em seu imóvel com finalidade de atender exigências específicas da
empresa locatária. Assim, torna-se possível viabilizar projetos de
empreendimentos imobiliários que atendam as normas estabelecidas pelos
futuros usuários, ao mesmo tempo em que evita a imobilização do capital de giro
da locatária. Há ampla liberdade de negociação, justamente em atenção à
sofisticação do pacto, valores envolvidos e das qualidades técnicas das partes
envolvidas.
Nesse sentido, vale destacar a conclusão da II Jornada de Direito Comercial:
Enunciado 67- Na locação “built to suit”, é válida a estipulação
contratual que estabeleça cláusula penal compensatória

100
equivalente à totalidade dos alugueres a vencer, sem prejuízo da
aplicação do art. 416, parágrafo único, do Código Civil.
Em suma, o valor da cláusula penal está limitado pelo art. 54-A, § 2º, da Lei
8.245/91, mas tal regra não é incompatível com o art. 416, parágrafo único, do
Código Civil.

2.4.2. LOCAÇÕES EM SHOPPING CENTER


Forma de locação mercantil em empreendimento que sinaliza um
ambiente mais sofisticado de atividade comercial, também está regulada pela lei
de locações.
Os empreendimentos conhecidos por shopping center no Brasil não são
núcleos de mercancia com um surgimento espontâneo, mas uma tradução de
uma evolução das técnicas de administração empresarial. A orientar sua
instalação há uma estratégia profissional, buscando determinar uma
‘concentração territorial do comércio, anteriormente disseminado pelo espaço
urbano nas ruas do centro ou nos subcentros comerciais’, engendrada por
empreendedores conscientes da envergadura da oportunidade, bem como dos
lucros de tais iniciativas. (MAMEDE, Gladston. Contrato de locação em shopping
center: abusos e ilegalidades. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 26-28)
Não por outra razão o art. 54 da Lei em comento estipula liberdade para a
pactuação das cláusulas no contrato de locação de espaço em shopping center
firmado entre lojistas e empreendedores.
Tanto a confecção do contrato quanto a interpretação das suas cláusulas
devem ter como premissa os princípios maiores do sistema de Direito
Empresarial, notadamente a autonomia da vontade. Como já sinalamos nos
tópicos anteriores, o controle judicial sobre cláusulas (em tese) abusivas em
contratos empresariais é mais restrito, pois as negociações são entabuladas entre
profissionais da área empresarial. E quanto maior a sofisticação da avença, menor
o âmbito de intervenção estatal, sendo aceita como válida até a chamada
cláusula de raio, para obstar que o lojista com empreendimento dentro do
shopping instale empreendimento idêntico nas proximidades.
101
Adiante, nessa espécie de locação é muito usual a presença do 13º aluguel.
O STJ (REsp 1409849/PR, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO,
TERCEIRA TURMA, DJe 05/05/2016) se pronunciou sobre a legalidade da cláusula,
entendendo não ser abusiva a previsão que estabelece a duplicação do valor do
aluguel no mês de dezembro.
E se existe uma parcela variável, mostra-se necessária uma forma de
fiscalizar a correção desses pagamentos. A I Jornada de Direito Comercial do CJF
pronunciou-se sobre o tema:
Enunciado 30 - Nos contratos de shopping center, a cláusula de
fiscalização das contas do lojista é justificada desde que as medidas
fiscalizatórias não causem embaraços à atividade do lojista.

EM RESUMO...
✓ Locação comercial está submetida à Lei nº 8.245/91. Exceções estão previstas
na própria Lei;
✓ Ação renovatória de locação comercial depende do implemento de requisitos
objetivos;
✓ Locação “built to suit” - o locador constrói ou promove substancial reforma em
seu imóvel com finalidade de atender exigências específicas da empresa
locatária;
✓ Locação em “shopping center” - o art. 54 da Lei nº 8.245/91estipula liberdade
para a pactuação das cláusulas no contrato de locação firmado entre lojistas e
empreendedores.

2.4. FACTORING
No factoring, ou fomento mercantil, o empresário transfere a uma
instituição financeira (parabancária) a administração de determinado crédito. A
operação caracteriza-se pela aquisição de direitos creditórios de contas a receber
a prazo por um valor à vista, mediante a incidência de taxas de juros e de serviços.

102
Possibilita liquidez financeira imediata para empresas e não deve ser confundida
com a operação de crédito praticada por bancos.
Fran Martins assim o define: O Contrato de Faturização ou Factoring é
aquele em que um comerciante cede a outro os créditos, na totalidade ou em
parte, de suas vendas a terceiros, recebendo o primeiro do segundo o montante
desses créditos, mediante o pagamento de uma remuneração (Contratos e
Obrigações Comerciais. Rio de Janeiro: Forense, 2002, 15ª Edição. Pág. 469).
Ainda que o contrato de fomento mercantil se forme entre faturizador e
faturizado (o vendedor do título), é de suma importância também a figura do
comprador originário, uma vez que são os créditos que o vendedor tem contra
esse que são cedidos. Dessarte, temos como pressupostos sempre uma inicial
venda à prazo e, havendo a cessão de crédito, o comprador deve ser notificado
da transação, para que efetue o pagamento do título ao faturizador.
Podemos então definir a operação em quatro etapas sucessivas: [1] empresa
vende seu bem ou serviço à prazo, gerando um crédito no valor correspondente;
[2] a empresa (faturizada) negocia este crédito com a faturizadora; [3] de posse
desse crédito, a factoring informa o comprador daquele bem ou serviço sobre o
fato e a forma de cobrança; [4] findo o prazo do negócio de origem, a empresa
compradora pagará o valor deste crédito à faturizadora, encerrando o processo.
Modalidades – [1] faturização interna: operações realizadas dentro do mesmo país
ou região; [2] faturização externa: operações realizadas no exterior, como nos
casos de importação e exportação; [3] faturização no vencimento (maturity
factoring): as faturas são remetidas ao faturizador que as liquida somente na data
de seu vencimento. [4] faturização tradicional (old line factoring): as faturas
remetidas ao faturizador são liquidadas antes da data de vencimento. Em todos
os casos há a assunção dos riscos pelo faturizador do inadimplemento por parte
do comprador/cliente. Se o risco faz parte do negócio, caso a dívida não seja paga,
não tem o faturizador direito de cobrança em face do faturizado (Resp
1.289.995/PE).

103
EM RESUMO

✓ empresa vende seu bem ou serviço à prazo, gerando um crédito no valor


correspondente;
✓ a empresa (faturizada) negocia este crédito com a faturizadora;
✓ de posse desse crédito, a factoring informa o comprador daquele bem ou
serviço sobre o fato e a forma de cobrança;
✓ findo o prazo do negócio de origem, a empresa compradora pagará o valor
deste crédito à faturizadora.

3. EMPRESARIAIS EM ESPÉCIE (PARTE 2)


3.1. FRANQUIA
O sistema de franquia foi inicialmente disciplinado no Brasil pela Lei nº
8.955/1994. Atualmente vigora a Lei nº 13.966, de dezembro de 2019, que dispõe
sobre o sistema de franquia empresarial e expressamente revogou a normativa
anterior:
Art. 1º Esta Lei disciplina o sistema de franquia empresarial, pelo
qual um franqueador autoriza por meio de contrato um franqueado
a usar marcas e outros objetos de propriedade intelectual, sempre
associados ao direito de produção ou distribuição exclusiva ou não
exclusiva de produtos ou serviços e também ao direito de uso de
métodos e sistemas de implantação e administração de negócio ou
sistema operacional desenvolvido ou detido pelo franqueador,
mediante remuneração direta ou indireta, sem caracterizar relação
de consumo ou vínculo empregatício em relação ao franqueado ou
a seus empregados, ainda que durante o período de treinamento.
§ 1º Para os fins da autorização referida no caput, o franqueador
deve ser titular ou requerente de direitos sobre as marcas e outros
objetos de propriedade intelectual negociados no âmbito do
contrato de franquia, ou estar expressamente autorizado pelo
titular.

104
§ 2º A franquia pode ser adotada por empresa privada, empresa
estatal ou entidade sem fins lucrativos, independentemente do
segmento em que desenvolva as atividades.

Franquia empresarial ou franchising é o sistema pelo qual um franqueador


cede ao franqueado o direito de uso de marca ou patente, associado ao direito
de distribuição exclusiva ou não de produtos ou serviços e, eventualmente,
também ao direito de uso de tecnologia de implantação e administração de
negócio ou sistema operacional desenvolvidos ou detidos pelo franqueador sem
que, no entanto, fique caracterizado vínculo empregatício.
Existe autonomia jurídica, administrativa e financeira do franqueado como
empresário, que não está ligado ao franqueador por qualquer vínculo de
subordinação, devendo apenas obedecer às regras e limitações impostas como
padronização da comercialização do produto, bem como o franqueado pagará
remuneração (royalties) ao franqueador. Ao contrário da taxa de franquia, que é
paga uma única vez, logo após a assinatura do pacto, os royalties são pagos
regularmente em razão da contínua exploração da marca e do suporte recebido.
Há vantagens para ambos: franqueador amplia a oferta da mercadoria e
serviço sem aporte de capital; o franqueado desenvolve um negócio consolidado
perante o público e sem encargos de marketing e criação de produto.
É um contrato atípico (nem a lei nem o CC definem direitos e deveres do
franqueador e do franqueado) que respeita a autonomia da vontade dos
empresários. Entretanto, o franqueador deve prestar ao franqueado serviços de
organização empresarial, que se desdobram em três contratos de orientação:
engineering – do processo de montagem e planejamento do estabelecimento;
management – no treinamento da equipe de funcionários e gerência; marketing
- procedimento de divulgação e promoção dos produtos comercializados.
Dessarte, pelo contrato de franquia, com a colaboração do franqueador, o
franqueado, com algum capital, pode estabelecer-se sem precisar proceder ao
estudo e equacionamento de muitos dos aspectos do empreendimento, pois

105
encontram-se já suficientemente equacionados pelo titular de uma marca de
comércio, produto ou serviço.
Circular de Oferta de Franquia – COF (art. 2º): franqueador deve fornecer
ao potencial franqueado um documento escrita em língua portuguesa, de forma
objetiva e acessível, contendo os dados fundamentais do negócio (requisitos
obrigatórios) para que ele tome ciência dos riscos e custos inerentes ao negócio.
O artigo 2º indica 23 (vinte e três) incisos que apresentam um mapeamento geral
do negócio a ser entabulado pelas partes. Deve ser disponibilizada ao candidato
a franqueado no mínimo 10 (dez) dias antes da assinatura do contrato ou pré-
contrato, ressalvada a possibilidade de licitação promovida por órgão ou
entidade pública, caso em que a COF será divulgada no início do processo de
seleção. Ao contrário, as relações entre franqueador e franquiado continuam
regendo-se exclusivamente pelas cláusulas contratualmente pactuadas. Tal
legislação visa a assegurar transparência nas negociações que antecedem a
adesão do franquiado à franquia.
O contrato dever ser registrado no INPI para valer contra terceiros, como
previsto na Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96):
Art. 211. O INPI fará o registro dos contratos que impliquem
transferência de tecnologia, contratos de franquia e similares
para produzirem efeitos em relação a terceiros.

EM RESUMO...
✓ contrato atípico;
✓ franqueador cede ao franqueado o direito de uso de marca ou patente,
associado ao direito de distribuição exclusiva ou não de produtos ou serviços;
✓ não há vínculo empregatício entre as partes;
✓ a taxa de franquia é paga uma única vez, logo após a assinatura do pacto; os
royalties são pagos regularmente em razão da contínua exploração da marca;
✓ franqueador deve fornecer ao potencial franqueado um documento escrita
em língua portuguesa – circular de oferta de franquia.

106
3.2. REPRESENTAÇÃO COMERCIAL
A Lei nº 4.886/1965, com as alterações introduzidas pelas Leis nº 8.420/1992
e nº 12.246/2010, é a legislação aplicável ao contrato de representação comercial,
sendo que deve ser celebrado por escrito e observar os diversos requisitos do
artigo 27.
A representação comercial é um contrato de colaboração (ao lado da
concessão mercantil, a franquia e a distribuição). Esses têm como característica
atribuir obrigação a um dos contratantes (o colaborador) a responsabilidade de
criar ou ampliar mercado de bens e/ou serviços da outra parte. Em razão da
obrigação essencial que os caracteriza, possuem como marca comum uma
subordinação empresarial entre as partes. No que toca à representação em si, é
o instrumento pelo qual um representante comercial autônomo se obriga, em
delimitada região geográfica, a buscar pedidos de compra e venda das
mercadorias fabricadas ou comercializadas pelo representado.

Não há, em regra, vínculo societário ou empregatício entre o representado e o


representante comercial. A atividade desenvolvida possui disciplina jurídica
própria, tratando-se de atividade autônoma. Além disso, o representante
comercial não tem poderes para concluir a negociação em nome do
representado. O representante se obriga, mediante remuneração mas sem
vínculo de subordinação pessoal, a obter negócios para o representado,
negocia as mercadorias do representado, mas caberá exclusivamente a este a
conclusão do negócio. Portanto, não se confunde com o mandato, no qual o
mandatário recebe poderes para negociar em nome do mandante.
É obrigatório o registro no Conselho Regional dos Representantes
Comerciais (Lei n. 4.886/65, art. 2º).
Obrigações contratuais mais comuns do representante comercial
autônomo: [1] buscar, com diligência, pedidos de compra e venda, em nome do
representado, ajudando-o a expandir o seu negócio e promover os seus produtos;
[2] seguir as instruções fixadas pelo representado; [3] Informar o representado

107
sobre o andamento dos negócios, nas oportunidades definidas em contrato ou
quando solicitado e prestar-lhe contas; [4] Observar as obrigações profissionais.
As obrigações mais comuns do representado: [1] o principal dever do
representado é pagar a retribuição devida ao representante, assim que o
comprador efetuar o seu pagamento ou, antes, se não manifestar recusa por
escrito no prazo de 15, 30, 60 ou 120 dias, conforme a localização do domicílio
desse (mesma praça, mesmo Estado, Estado diverso ou exterior,
respectivamente — arts. 32 e 33); [2] respeitar a cláusula de exclusividade de zona,
não podendo vender os seus produtos na área determinada em contrato, senão
através do representante contratado para atuar naquela área. Caso concretize
negócios sem a observância dessa condição, o representante terá direito à
comissão correspondente (art. 31).
A resolução do contrato pode ser de forma motivada ou imotivada. Na
hipótese de encerramento imotivado do contrato que haja vigorado por mais de
seis meses, obriga-se o denunciante à concessão de pré-aviso, com antecedência
mínima de 30 dias ou ao pagamento de 1/3 das comissões auferidas pelo
representante nos três meses anteriores, além da indenização.
Se a rescisão ocorrer por justo motivo, ou seja, motivada, não cabe
nenhuma indenização.
São razões de rescisão do contrato por parte do representado (artigo 35 da
Lei nº 4.886/65 (na grafia original da lei):
Art. 35. Constituem motivos justos para rescisão do contrato de
representação comercial, pelo representado:
a) a desídia do representante no cumprimento das obrigações
decorrentes do contrato;
b) a prática de atos que importem em descrédito comercial do
representado;
c) a falta de cumprimento de quaisquer obrigações inerentes ao
contrato de representação comercial;
d) a condenação definitiva por crime considerado infamante;
e) força maior.

108
De outro lado, o artigo 36 do mesmo diploma aponta os motivos de
rescisão pelo representante (grafia original da lei):
Art. 36. Constituem motivos justos para rescisão do contrato de
representação comercial, pelo representante:
a) redução de esfera de atividade do representante em desacôrdo
com as cláusulas do contrato;
b) a quebra, direta ou indireta, da exclusividade, se prevista no
contrato;
c) a fixação abusiva de preços em relação à zona do representante,
com o exclusivo escopo de impossibilitar-lhe ação regular;
d) o não-pagamento de sua retribuição na época devida;
e) força maior.
O contrato pode ser firmado por prazo determinado ou indeterminado.
Uma vez prorrogado, torna-se a prazo indeterminado.
A Lei nº 8.420/92 inseriu na legislação original a vedação da cláusula del
credere (art. 43). Esta cláusula corresponde à previsão contratual expressa que
permita à parte representada deduzir de comissões e vendas do representante
comercial valores na hipótese de o negócio ser cancelado ou desfeito. Há que se
ter presente que a responsabilidade do representante comercial deve ser
limitada apenas à transação e a intermediação do negócio e nada mais,
lembrando que a representação comercial é atividade de meio na relação de
venda. A responsabilidade de aceitação da venda é do representado.
Havendo rescisão contratual imotivada, discute-se a pertinência de
indenização, que dependerá se o prazo do contrato é determinado ou se o
contrato é por prazo indeterminado.
Sendo determinado, a indenização corresponderá à média mensal
multiplicada pela metade dos meses que faltam para o fim do contrato. Se for
prazo indeterminado, será 1/12 sobre o valor total do contrato (Lei nº 4.886/65,
artigo 27, inciso ‘j’ e § 1º) .
Ainda quanto à indenização, cumpre sinalar a conclusão da III Jornada de
Direito Comercial do CJF:

109
ENUNCIADO 82 – A indenização devida ao Representante, prevista
no art. 27, alínea j, da Lei nº 4.886/1965, deve ser apurada com base
nas comissões recebidas durante todo o período em que exerceu a
representação, afastando-se os efeitos de eventual pagamento a
menor, decorrente de prática ilegal ou irregular da Representada
reconhecida por decisão judicial ou arbitral transitada em julgado.

EM RESUMO...
✓ modalidade de contrato de colaboração;
✓ não há vínculo societário ou empregatício entre o representado e o
representante comercial. Trata-se de atividade autônoma;
✓ o representante comercial não tem poderes para concluir a negociação em
nome do representado;
✓ vedada a inserção de cláusula del credere.

3.3. DISTRIBUIÇÃO
A criação, consolidação ou ampliação de mercados, através da colaboração
empresarial, pode resultar de aproximação ou de intermediação. O contrato de
distribuição é modalidade de colaboração empresarial que pode ser enquadrada
em qualquer uma dessas espécies:
[a] aproximação - o colaborador identifica pessoas interessadas em
adquirir produtos do outro empresário contratante. Na distribuição-
aproximação, o distribuidor é remunerado por um percentual (comissão) dos
negócios que ajuda a realizar.
[b] Intermediação - o colaborador adquire os produtos do outro
contratante e os oferece de novo ao mercado. É o clássico contrato celebrado
entre distribuidores de combustível e os postos de abastecimento; fábricas de
produtos alimentícios e depósitos / atacadistas em geral.
Consoante Arnaldo Rizzardo, o contrato de distribuição tem como objeto a
comercialização dos bens produzidos e fornecidos pelo fabricante, e a

110
prestação de serviços de assistência técnica e mecânica aos bens (in Contratos,
Ed. Forense).
O Código Civil assim tipifica o contrato de distribuição:
Art. 710. Pelo contrato de agência, uma pessoa assume, em caráter
não eventual e sem vínculos de dependência, a obrigação de
promover, à conta de outra, mediante retribuição, a realização de
certos negócios, em zona determinada, caracterizando-se a
distribuição quando o agente tiver à sua disposição a coisa a ser
negociada.
Parágrafo único. O proponente pode conferir poderes ao agente
para que este o represente na conclusão dos contratos
Como se vê, o Código Civil regula em conjunto com o contrato de agência,
o que resulta em certa celeuma. O contrato de distribuição típico (distribuição-
aproximação) está associado ao contrato de agência. Nesta modalidade há maior
ingerência do fornecedor sobre as atividades do distribuidor.
Tem como cláusulas (implícitas ou explícitas) a de exclusividade de
distribuição (pela qual o distribuidor não pode trabalhar para outros proponentes
na zona de atuação) e de exclusividade de zona (pela qual o proponente deve
abster-se de realizar negócios na zona de atuação, a não ser com os aproximados
pelo distribuidor ou agente).
Para garantir o cumprimento dessas obrigações, a lei assegura ao
distribuidor o direito à remuneração pelos negócios realizados pelo proponente
em desrespeito à cláusula de territorialidade, conforme dispõe o art. 714 do
Código Civil4
Entretanto, o contrato de distribuição mais utilizado (distribuição-
intermediação) é aquele que não é previsto em lei, ou seja, é um contrato atípico.
A ele se aplicam as normas contratuais gerais, mas é regulado pelas cláusulas
negociadas entre as partes, sendo muito importante que sejam estipuladas de
maneira equilibrada e adequada para ambos. Nesta distribuição atípica aplicam-

4
Art. 714. Salvo ajuste, o agente ou distribuidor terá direito à remuneração correspondente aos
negócios concluídos dentro de sua zona, ainda que sem a sua interferência.
111
se os direitos e obrigações ajustadas. Age o distribuidor em seu próprio nome
adquirindo o bem para posterior revenda a terceiros, tendo como proveito
econômico a diferença entre o preço de venda e aquele pago ao fornecedor
(margem de comercialização).
Fazendo a distinção entre as duas modalidades, o CJF editou o enunciado
31 na I Jornada de Direito Comercial:
ENUNCIADO 31. O contrato de distribuição previsto no art. 710 do
Código Civil é uma modalidade de agência em que o agente atua
como mediador ou mandatário do proponente e faz jus à
remuneração devida por este, correspondente aos negócios
concluídos em sua zona. No contrato de distribuição autêntico, o
distribuidor comercializa diretamente o produto recebido do
fabricante ou fornecedor, e seu lucro resulta das vendas que faz por
sua conta e risco.

EM RESUMO...
✓ modalidade de contrato de colaboração;
✓ pode ser típico (distribuição-aproximação) ou atípico (distribuição-
intermediação);
✓ contrato típico : regras legais;
✓ contrato atípico: regras contratuais.

3.4. CONCESSÃO COMERCIAL


Trata-se de contrato atípico em que determinado empresário
(concessionário) se obriga a comercializar, com ou sem exclusividade, com ou
sem cláusula de territorialidade, os produtos fabricados por outro empresário
(concedente), nas condições estipuladas pelo último.
De plano, vale destacar valiosa lição de Fábio Ulhoa Coelho (in Curso de
direito comercial. Vol. 3. 17ª ed. São Paulo: RT, 2016, p. 109): na categoria dos
contratos de colaboração por intermediação, distinguem-se duas espécies: a
distribuição-intermediação e a concessão. A diferença entre elas é sutil, e alguns
112
autores consideram incorreto considerá-las modalidades distintas de contrato.
Orlando Gomes, por exemplo, não as diferencia. Há, entretanto, na distribuição-
intermediação e na concessão certa variância do grau de subordinação da
empresa do colaborador em relação à do fornecedor. No contrato de
distribuição-intermediação, o distribuído tem menos poder de ingerência sobre
a organização empresarial do distribuidor que o concedente, na concessão,
relativamente à empresa do concessionário. Essa gradação na subordinação
empresarial, inclusive, vocaciona a concessão como espécie de contrato de
colaboração por intermediação mais apropriada à hipótese em que o
colaborador não só vende os produtos do fornecedor como também presta
serviços de assistência técnica aos consumidores ou adquirentes.
Na concessão atípica (por vezes chamada de distribuição), os direitos e
deveres das partes são aqueles previstos contratualmente, uma vez que não
existe uma legislação própria. Portanto, é fundamental que sejam objeto de
pactuação:
[a] cláusulas de exclusividade;
[b] quotas de aquisição e fornecimento;
[c] condições e vantagens especiais ao distribuidor;
[d] rescisão (indenização).
Diferentemente, a concessão comercial da venda de automóveis, trata-se
de contrato típico, disciplinado especificamente pela Lei nº 6.729/79 – “Lei Ferrari”
-, alterada pela Lei nº 8.132/90. A aludida lei tem seu âmbito de aplicação
restrito às relações empresariais estabelecidas entre produtores e distribuidores
de veículos automotores de via terrestre, e contempla as condições comerciais
para concessão comercial de veículos automotores, sendo taxativa em relação à:
[a] delimitação de área geográfica para comercialização de veículos de uma
marca específica;
[b] assistência técnica, garantia e revisão;
[c] uso gratuito, como elemento identificador, da marca do produtor;
[d] fidelidade e exclusividade recíproca concernente aos produtos e à marca;

113
[e] prazo de vigência do contrato de concessão comercial por prazo
indeterminado, ou pelo prazo mínimo e inicial de 5 (cinco) anos.
Nos termos da iterativa jurisprudência desta Corte, a Lei
6.729/79 (Lei Ferrari) não se aplica a hipóteses diversas da
distribuição de veículos automotores. (STJ, REsp 680329/RS).

EM RESUMO...
✓ concessão genérica: contrato atípico. Direitos e deveres previstos
contratualmente;
✓ concessão envolvendo veículos automotores: contrato típico – Lei Ferrari;
✓ as regras da Lei nº 6.729/79 não se aplicam aos demais contratos de concessão
comercial.

3.5. COMISSÃO
→ Delineado pelos artigos 693 a 709 do Código Civil.
Trata-se de vínculo contratual em que um empresário (comissário) se
obriga a realizar negócios mercantis por conta de outro (comitente), mas em
nome próprio, assumindo, portanto, responsabilidade pessoal pelos atos
praticados. Apesar de agir em nome próprio, não tem plena liberdade e deve agir
sempre considerando os limites estabelecidos pelo comitente.
Nesta forma de contratação, o comissário concretiza operações comerciais
do interesse do comitente, mediante um percentual (comissão). O comitente
não participa dos negócios, podendo até permanecer incógnito.
A comissão assemelha-se ao mandato. Em ambos, uma pessoa (comissário
ou mandatário) se obriga a praticar atos em nome de outra pessoa (comitente
ou mandante). A diferença fundamental da comissão em relação ao mandato
consiste na imputação da responsabilidade perante terceiros. O comissário fica
diretamente obrigado para com as pessoas com quem contratar, sem que estas
tenham ação contra o comitente, nem este contra elas, salvo se o comissário
ceder seus direitos a qualquer das partes (art. 694, CC).

114
Por expressa previsão do Código Civil, admite o contrato de comissão a
inserção da cláusula del credere. Esta representa a obrigação do comissário de
responder solidariamente com o terceiro perante o comitente (ex: o comissário
vende café do comitente e dá prazo ao terceiro para pagar, porém o terceiro não
paga, devendo então o comissário pagar ao comitente). Inserindo-se esta
cláusula del credere, fará o comissário jus a uma remuneração maior face o risco
assumido (art. 698, do CC).

EM RESUMO...
✓ empresário se obriga a realizar negócios em favor de outro mas em nome
próprio;
✓ o comissário atua nos limites definidos pelo comitente;
✓ remunerado via comissão;
✓ possível a inserção da cláusula del credere.

3.6. MANDATO
→ Extensamente regulamentado no Código Civil, nos artigos 653 a 691.
O mandato mercantil é contrato no qual mandatário se obriga a praticar
atos negociais em nome e por conta do empresário mandante, que confia a
outrem a gestão de um ou mais negócios mercantis.
É materializado, concretizado, pela procuração outorgada ao mandatário.
Trata-se de contrato bilateral, pois gera deveres tanto para o mandante
quanto para o mandatário.
A principal obrigação do mandatário é praticar atos negociais, em nome e
por conta do mandante, observando, para tanto, as instruções e poderes dele
recebidos. Também é obrigado a prestar contas dos atos por ele praticados em
nome do mandante, informando-lhe sobre tudo o que se passa com os negócios.
Já o mandante é obrigado a cumprir as obrigações contraídas pelo
mandatário (dentro dos limites do mandato), bem como pagar o valor ajustado
como remuneração. É igualmente obrigado a ressarcir ao mandatário as perdas

115
que este sofrer com a execução do mandato, sempre que não resultem de culpa
sua ou de excesso de poderes.
A extinção do mandato ocorre, segundo o artigo 682, nas seguintes
situações:
I - pela revogação ou pela renúncia;
II - pela morte ou interdição de uma das partes;
III - pela mudança de estado que inabilite o mandante a conferir os
poderes, ou o mandatário para os exercer;
IV - pelo término do prazo ou pela conclusão do negócio.

Importante!
Conferido o mandato com a cláusula "em causa própria", a sua revogação não
terá eficácia, nem se extinguirá pela morte de qualquer das partes (art. 685).

EM RESUMO...
✓ mandatário atua em nome do mandante, dentro das instruções recebidas;
✓ procuração é o instrumento do mandato;
✓ o mandato em causa própria não é extinto pelo falecimento do mandante.

116
117

Você também pode gostar