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Heráclito e Parmênides: Prefigurações da

Metafísica
Tiago Rafael Jerônimo da Silva*

Resumo: O presente artigo tem como finalidade apresentar, de forma atenuada, as doutrinas
filosóficas dos pré-socráticos Heráclito de Éfeso e Parmênides de Eleia, no qual um se
contrapões ao outro no que diz respeito a temas pertinentes à origem das coisas. Um apresenta
o movimento e a mudança, enquanto outro apresenta a estabilidade e imutabilidade como
princípios fundantes. Em seus pensamentos, conceitos importantes são explorados como: o
Ser, o Não-ser e o devir. As ideias destes grandes pensadores também ajudaram na construção
do pensamento de outros filósofos como Platão, por exemplo, que, a partir destes dois
pensamentos, procurou conciliá-los de modo a criar uma teoria que consistia em dois mundos
– um inteligível e outro sensível – que explicassem a realidade do homem e das coisas.

Palavras-chave: Heráclito. Parmênides. Devir. Ser. Não-ser.

INTRODUÇÃO

Os primeiros filósofos, também chamados pré-socráticos, foram aqueles que se


preocuparam essencialmente com as questões cosmológicas, ou seja: De onde vêm
as coisas ou Como se dá o ordenamento do universo. Diante de tais
questionamentos, procuraram encontrar as respostas a partir da observação dos
elementos físicos como a água, o ar, a terra e outros, mas nenhum deles conseguiu
chegar a um consenso, pelo contrário, sempre conseguiam jogar por terra as ideias
uns dos outros.

Dentre os pré-socráticos, dois nomes que surgiram são de grande importância por
se destacarem consideravelmente em seus estudos sobre a physis e por conseguirem
ir além dela; são eles: Heráclito de Éfeso e Parmênides de Eleia. Eles apresentaram
ideias opostas entre si, mas que abriram um campo diferente de pensamento;
começaram a reflexão sobre o ser e o não-ser, chegando a ser comentados por
Platão e Aristóteles e, dando assim, luz para o surgimento da metafísica

Afinal, o que seria o ser e o não-ser para cada um destes filósofos? Qual a sua
importância para a filosofia e como se manifesta em cada pensamento? O presente
artigo, então, se desenvolve em três partes a fim de contar um pouco sobre a vida
dos filósofos, primeiro Heráclito e depois Parmênides; e apontar os temas
principais da filosofia de cada um, ressaltando suas oposições. A última parte,
porém, pretende expor de maneira brevíssima a forma que Platão se usou dos temas
trabalhados pelos dois filósofos em questão em sua “teoria das ideias”.
1. O devir de Heráclito de Éfeso.

Heráclito, também chamado de “o obscuro” – devido a sua forma confusa de


escrever – viveu em Éfeso, entre os séculos VI e V antes da era cristã. Conta-se que
ele tinha um temperamento esquivo e desdenhoso, chegando, certa vez, rejeitar a
ajudar na elaboração de leis para a cidade, dizendo que “elas já haviam caído no
arbítrio por sua má constituição” (REALE; ANTISERI. 1990, p. 35).

Embora já houvessem notado, anteriormente, o dinamismo do mundo: nascer,


crescer e morrer, os filósofos naturalistas de Mileto, como Tales e Anaxímenes, não
de aprofundaram neste tema, procurando apenas defender, em sua busca pela arché,
que haveria uma substância causadora e que esta seria imutável, de modo que, para
Anaxímenes esta substância seria o ar, e para Tales, a água. Dentro de sua busca
pelo princípio universal, além de defender o fogo como este princípio, Heráclito
deu um grande salto em relação a eles, aprofundando a questão do dinamismo. Para
ele, essa dinâmica abrange todas as coisas, pois, constantemente, as coisas e o
mundo sofrem mudanças, ou seja, passam de um a outro; tudo se move, tudo flui,
tudo escorre (panta rhei).

Não se pode descer duas vezes no mesmo rio e não se pode tocar duas vezes uma substância
mortal no mesmo estado, pois, por causa da impetuosidade e da velocidade da mudança, ela
se dispersa e se reúne, vem e vai. (…) Nós descemos e não descemos pelo mesmo rio, nós
próprios somos e não somos (REALE; ANTISERI. 1990, p. 36).

Pode parecer estranha esta afirmação de Heráclito em um primeiro momento, mas


este exemplo é de demasiada importância para compreender sua filosofia.
Aparentemente, o rio é o mesmo, mas o constante fluxo das águas faz com que ele
sempre seja novo. Parece-nos que nem seja possível entrar neste rio descrito pelo
filósofo, pois num único instante ele é e em outro, já não é o mesmo. Da mesma
forma, a cada instante envelhecemos, somos diferentes, mudamos e, portanto, não
somos os mesmos que quando, outrora, entramos no rio. Portanto, Heráclito pode
dizer que somos e não somos, porque, a medida em que mudamos desde o entrar
até o imergir no rio, passamos de um não ser a um ser.

Para ele, “O ser não é mais que o não-ser” (HERÁCLITO. 1978, p. 92), ou seja,
nós somos um e outro ao mesmo tempo; pois eu sou o que não era antes e não sou o
que serei daqui a pouco. Segundo o pensamento de Heráclito, tudo é um
constante devir, tudo muda, nada é perene, e, assim entendido, passamos de um
estado a outro constantemente por causa deste movimento do devir, que é o
conteúdo universal, absoluto e verdadeiro apontado pelo filósofo.

Além disso, Aristóteles diz que Heráclito afirma que é apenas um o que permanece; disto todo
o resto é formado, modificado, transformado; que todo o resto fora deste um flui, que nada é
firme, que nada se demora; isto é, o verdadeiro é o devir, não o ser – a determinação mais
exata para este conteúdo universal é o devir (HERÁCLITO. 1978, p. 93).
Evidentemente, isso é apenas um dos pontos da filosofia de Heráclito. O devir é
adjetivado pela mudança de um contrário ao outro: o dia se muda em noite e vice-
versa, o frio se muda em calor e vice-versa, o úmido se muda em seco e vice-versa,
o vivo se muda em morto e vice-versa, a guerra se muda em paz e vice-versa e
assim por diante. Para ele, a guerra constante entre os contrários é o que dá
equilíbrio e dinamismo ao universo; como ele mesmo diz: “a guerra é mãe de todas
as coisas e de todas as coisas é rainha” (REALE; ANTISERI. 1990, p. 36).

O perene escorrer de todas as coisas e o devir universal revelam-se como harmonia de


contrários, ou seja, como perene pacificação de beligerantes, permanente conciliação de
contendores (e vice-versa): “Aquilo que é oposição se concilia, das coisas diferentes nasce a
mais bela harmonia e tudo se gera por meio de contrastes. (…) Eles (os ignorantes) não
compreendem que aquilo que é diferente concorda consigo mesmo; é a “harmonia dos
contrários, como a harmonia do arco e da lira. (REALE; ANTISERI. 1990, p. 37).

Conforme diz Heráclito, através da contenda os contrários se completam: “A


doença torna doce a saúde, a fome torna doce a saciedade e o cansaço torna doce o
repouso”; “não se conheceria sequer o nome da justiça, se ela não fosse ofendida”
(REALE; ANTISERI. 1990, p. 37), e ainda, ele diz que “os opostos são
características do mesmo, como por exemplo, ‘o mel é doce e amargo’”
(HERÁCLITO. 1978, p. 93).

Por fim, diante destas ideias, Heráclito chegou a identificar o fogo como o princípio
originador, pois ele expressa de forma especial estas características de mudança,
contraste e harmonia, uma vez que surge do combustível que se gasta e, ao mesmo
tempo, transforma o combustível em cinzas e fumaça; além de ser perene
“necessidade e saciedade” (REALE; ANTISERI. 1990, p. 37), segundo o próprio
filósofo.
2. Parmênides e o ser.

Parmênides nasceu na metade do século V antes da era cristã, em Eleia. Fundou a


escola eleática e foi iniciado no pensamento da filosofia pelos pitagóricos, em
especial, Amínias. Ao contrário de Heráclito, que rejeitou a vida pública,
Parmênides foi um importante político contribuindo para a elaboração de leis para a
cidade. Ele tem grande importância na filosofia da physis sobretudo a partir de seu
poema sobre o ser, o qual é colocado na boca de uma deusa, simbolizando a
verdade que se revela. A deusa teria indicado três caminhos para o filósofo: a
verdade absoluta, as opiniões falazes e a opinião plausível.

O grande princípio dado por Parmênides é que “o ser é e não pode não ser; o não-
ser não é e não pode ser de modo algum” (REALE; ANTISERI. 1990, p. 50). Este
princípio, primeiramente, vai contra a filosofia de Heráclito que dizia da igual
validade entre o ser e o não-ser. Parmênides dá um valor positivo ao ser e negativo
ao não-ser, dizendo assim que o ser é o positivo puro e o não ser é o negativo puro.
Parmênides, de certa forma, inaugura o princípio de não-contradição ao dizer que o
ser e o não–ser não podem coexistir. Para ele, o não-ser não existe, assim como
seria impossível existir dois contrários simultaneamente, o que mais uma vez
contraria a filosofia de Heráclito de Éfeso.

Para o filósofo, o ser deveria ser “incriado” e “incorruptível”. Ele explica dizendo
que se o ser fosse criado, seria oriundo de um não-ser, o que seria um absurdo e
improvável. Outra hipótese é que o ser viesse de outro ser, e, assim entendido, seria
também absurdo e improvável pois, se assim fosse, o ser já seria. E como o ser não
pode não ser; e o não-ser não pode ser de modo algum, o ser não poderia ser
corruptível. Sendo assim, para ele, o ser não possuiria passado ou futuro, mas seria
eterno.

Parmênides vai contra a filosofia de Heráclito mais uma vez ao defender a


imutabilidade do ser. Para ele, se o ser fosse suscetível à mudança, poderia deixar
de ser, o que seria tornar-se um não-ser e o que seria um absurdo. Antes, dizia-se
dos contrários como sendo um positivo (ser) e outro negativo (não-ser). Para
Parmênides, porém, os fenômenos e a aparência das coisas não poderiam se voltar
contra o princípio do ser. Logo, não poderia existir um não-ser como diziam as
cosmogonias antigas. Um exemplo simples apresentado pelo Reale é o da luz e da
noite: “Assim, Parmênides tenta uma dedução dos fenômenos partindo da dupla de
opostos ‘luz’ e ‘noite’, mas proclamando que ‘com nenhuma das duas está o nada’,
ou seja, que ambas são ‘ser’” (REALE; ANISERI. 1990, p. 55). Nesse sentido, a
questão que se coloca é que, se ambas – luz e noite – são ser, então são iguais e não
possuem nenhuma diferenciação, portanto, Parmênides respondia à questão do ser,
mas pecava em relação aos fenômenos e suas diferenciações.
REFERÊNCIAS:

Ebah. Disponível em:

<http://www.ebah.com.br/content/ABAAAASY4AH/teoria-das-ideias-platao>
Acesso em 04 de março de 2016.

Considerações sobre o Bem em Platão. Disponível em:

<http://www.theoria.com.br/edicao13/consideracoes_sobre_o_bem_em_platao.pdf
> Acesso em 13 de maio de 2016.

Os Pré-Socráticos. 2.ed. Tradução José Cavalcante de Souza. São Paulo: Abril S.A.
Cultural e Industrial, 1978. (Os Pensadores)

REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: Filosofia pagã antiga.


Tradução Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 1990. v.1 (Filosofia)

** Graduando em Filosofia na Faculdade Dom Luciano Mendes (DLM)

1 SOUSA, Maria Celeste Considerações sobre o Bem em Platão. Publicado em: Theoria -
Revista Eletrônica de Filosofia Faculdade Católica de Pouso Alegre.

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