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Gestão dos Recursos Humanos no Sistema Toyota de Produção.


Erica H. de Brito
Mestranda em RH, Yokohama City University
.
Com a difusão do Sistema Toyota de Produ ção (TPS), o mundo já fala a mesma língua
das ferramentas da produtividade: JIT, jidoka, kaizen, etc. Mas, pouco se fala sobre
como gerenciar os recursos humanos para atingir tais níveis de eficiência. O fato do
TPS produzir de acordo com a demanda (atuar sob o JIT), incluir a qualidade do produto
no processo de produ ção (jidoka ) e dar enfoque à melhoria contínua (kaizen) torna
imprescindível uma boa Gestão dos Recursos Humanos para obter a participação de
todos os envolvidos e manter o moral elevado.

Para entender a Gestão dos Recursos Humanos no TPS, nada melhor que examinar o
exemplo da Toyota no Jap ão. Com a crise que se seguiu à 2ª. Guerra Mundial, a Toyota
enfrentou s érios problemas referentes à mão de obra e a acordos com sindicatos, o que
resultou em numerosas demissões e acordo de emprego vitalício para os que ficaram na
empresa. Desde ent ão, a empresa vem aplicando uma Gestão dos Recursos Humanos
à sua maneira, sob influência da cultura do Japão, de forma a conquistar cada vez mais
a participação dos funcionários na melhoria das atividades no processo de produção,
redução de custos e responsabilidade sobre a qualidade, garantindo assim, o
crescimento da empresa como um todo. Tudo isso tem sido conquistado dentro da
filosofia da empresa que pode ser descrita como melhoria contínua e respeito à vida
humana. Essa filosofia tem permeado a empresa e todos os seus funcionários através
da gestão dos recursos humanos. Hoje, com a entrada da Toyota em vários países e a
necessidade de explicitar essa linha de pensamento foi escrito em 2001 o Toyota Way,
a formalização dessa filosofia.

1. Toyota way

O Toyota Way diz respeito à postura ou valores que os envolvidos com a empresa
devem ter. Assim como o TPS, o Toyota Way também baseia-se em dois pilares que
são a melhoria contínua e o respeito às pessoas. Esses pilares podem ser explicados da
seguinte maneira:

• melhoria contínua, ou sabedoria e kaizen como é dito no Japão, é formado por tr ês


itens, a saber, challenge (desafio), kaizen (melhoria continua) e genchigenbutsu (ver o
local e ver os fatos).

Por challenge entende-se como o incentivo à criação, inclusive ao erro. O ser humano
apreende o conhecimento com o ac úmulo de acertos e erros e, se existe o medo de
errar a possibilidade de acertar tamb ém é restrita; assim, na Toyota os funcionários são
encorajados a criar, ter uma visão a longo prazo e tomar decisões bem avaliadas.

Kaizen é a idéia de que não existe nada perfeito, que a melhoria é infinita. Ou seja,
jamais deve se acomodar com a conquista atual e, por mais que pareça perfeito, tudo
pode ser melhorado. O melhoramento deve ser contínuo, jamais ter fim.

Genchigenbutsu retrata o espírito do TPS de valorização da produção. Todas as


decisões devem ser tomadas a partir de uma avaliação real do fato ou das coisas, ou
seja, através da visão, tato, etc. Isso significa que, se o foco da empresa é o produto,
todos os envolvidos devem conhecer pessoalmente o processo de produ ção do mesmo.

• respeito às pessoas fundamenta-se no respeito ao próximo, aos acionistas e aos

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funcion ários e o teamwork (trabalho em grupo). Incentiva-se à comunica ção e a criação


da confiança e responsabilidade mútua entre a empresa e seus funcionários, com o
objetivo de promover o seu desenvolvimento.

De modo geral, esses são os itens que formam um Toyotaman . Entretanto, como o
Toyota Way 2001 é a descrição da filosofia da empresa, torna-se muito genérico e
abstrato. Para entender como alcan çar os objetivos do STP é necessário ver na prática
o que é feito dentro dessa filosofia. Essa prática nada mais é que a gestão dos recursos
humanos.
A Gestão dos Recursos Humanos na Toyota, assim como no Japão de modo geral,
exerce um papel estratégico dentro da empresa e, justamente isso, é que sustenta a
aplica ção do Sistema Toyota de Produção.

2. Gestão dos Recursos Humanos na Toyota (GRHT)

Para entender a GRHT é importante atentar para as seguintes características que


envolvem o relacionamento dos funcion ários com o TPS:
• estreita relação entre o gerenciamento da qualidade e o gerenciamento de pessoal;
• impecabilidade no prazo de entrega (JIT);
• redução de custos (eliminação dos desperd ícios);
• polivalência ;
• respeito à vida humana e às atividades de melhoria contínua.

Essas características exigem uma certa estabilidade na relação trabalhista e, para isso,
a Toyota toma medidas que envolvem as elei ções sindicais, práticas de assistência
social e várias outras atividades de apoio ao relacionamento humano. Assim, a GRH na
Toyota estende-se às empresas sub-contratadas e à sociedade local.

A seguir, vamos mostrar o funcionamento da GRHT na prática. A incorpora ção da


Toyota Motor Sales (vendas) em 1982 difundiu uma tendência cada vez maior de
nivelamento de operários e executivos. Entre 1989 e 1993 houve uma reforma salarial
atrav és de acordos firmados entre a empresa e o sindicato trabalhista. E, em 1997, uma
reforma estrutural onde foram delineadas as metas para esse nivelamento, não só no
âmbito salarial, mas inclusive em relação a treinamento e promoção. Os objetivos dessa
nova estrutura eram a produção de carros atrativos para a venda e a intensifica ção da
base de lucro.

2.1. Garantia do emprego

Na Toyota o emprego é garantido desde o pós-guerra atrav és do emprego vitalício. Nem


mesmo nos momentos mais difíceis, como no caso da crise do petr óleo em 1973, ou da
crise que se assola atualmente no Japão desde a queda do milagre econômico japonês
do final dos anos 80, a Toyota n ão tem desfeito esse acordo unilateralmente. Mas, isso
apenas é possível devido à existência de um cano de escape. Ou seja, existe os
funcion ários regulares e os não-regulares que são os trabalhadores temporários, os
trabalhadores externos (contratados via empreiteira ou sub -contratadas), os part-time
(horário n ão integral) e os trabalhadores sem vínculo empregat ício. Apenas aos
funcion ários regulares é garantido o emprego. Os demais ficam a disposição das
alterações de mercado. Quando a crise é tão grande a ponto de até mesmo os
funcion ários regulares ficarem ociosos, a Toyota transfere os mesmos, temporária ou
definitivamente, para as empresas sub-contratadas que geralmente têm um número
maior de trabalhadores sem vínculo empregatício.

Como é de costume no Japão, as empresas contratam anualmente, toda a primavera


(m ês de abril), jovens recém-formados no segundo grau e em n ível superior. Estes são
os que se tornam funcionários regulares da empresa. Nos casos em que a crise persiste
por longo tempo, essa contratação anual apresenta índices inferiores comparados aos
anos anteriores, o que vem acontecendo no Japão consecutivamente.

2.2. Salário

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Baseado no nivelamento dos funcionários, o cálculo salarial é feito de forma a aumentar


a flexibilidade funcional, aumentar a flexibilidade do sistema para adaptações
estratégicas, aproveitar ao máximo a capacidade dos funcionários e desenvolver a
capacidade criativa dos mais jovens. Assim, para os funcionários da produção preza-se
a capacidade/ habilidade e para os executivos, os resultados.

O c álculo do sal ário dos funcion ários da produção, até o ano de 90, era a soma do
salário base (valor do salário firmado na contratação) mais o salário por produtividade.
Em 1990, o cálculo do salário passou para: salário base (40%) + salário por
produtividade (40%) + salário idade (equivalente ao salário por tempo de servi ço, 10%)
+ sal ário por habilidade (10%). Porém, a estabilidade do emprego e a diminuição nos
índices de contratação anual ocasionaram o envelhecimento da mão de obra na
empresa, surgindo a necessidade de garantir a qualidade de vida dos funcionários e
mantendo a sua motivação. Assim, salário passou a ser calculado como o é atualmente:
salário base (40%) + salário por produtividade (20%) + salário idade (20%) + salário por
habilidade (20%). A redu ção do salário por produtividade e o aumento do salário idade e
por habilidade representa uma maior segurança para aqueles que já atingiram uma
certa idade, a empresa, por outro lado, busca contar com uma maior participação dos
funcion ários com maior experiência.

Em relação ao salário dos especialistas e funcionários de escritório, até 1993, o cálculo


era a soma do salário base (40%) + salário idade (20%) + salário por habilidade (40%).
Na reforma estrutural de 1997 ficou determinado o programa de desenvolvimento de
pessoal, no qual, em relação ao salário, excluiu o salário idade incorporando essa
proporção ao salário base; e o salário por habilidade foi dividido em duas partes, por
capacidade e por resultados, para assegurar maior express ão do potencial dos
funcion ários.

2.3. Promo ção

Assim como em muitas empresas japonesas, existe na Toyota a dupla hierarquia. A


primeira representa a hierarquia dos cargos que é equivalente ao que vem sendo
praticada no Brasil, descrita atrav és de um organograma da empresa no qual cada nível
superior tem um poder de decisão maior. A segunda é a hierarquia do salário, diz
respeito ao sal ário por habilidade. No caso da Toyota, desde 1997, a hierarquia salarial
por habilidade apresenta 10 categorias que podem ser descritos como geral b ásico,
intermediário e avançado; pré-especialista; especialista básico, intermedi ário e
avançado; super especialista intermediário e avan çado, e o super especialista superior
que é equivalente ao nível do supervisor na hierarquia de cargos. A diferença do salário
por habilidade da mais baixa categoria (geral básico) até a mais alta (super especialista
superior) é aproximadamente de 3 vezes. A hierarquia do salário é uma forma de dar
valor ao funcionário ao invés de definir o valor pela tarefa que o mesmo executa. As
grandes vantagens dessa hierarquia s ão uma maior flexibilidade na alocação dos
funcion ários e o incentivo ao aprendizado.

Portanto, a promoção na Toyota possui dois significados, a promoção de cargo e a


promoção de categoria. A promo ção de categoria (salarial) é definida entre o superior
imediato e a GRHT, anualmente, como resultado do OJT (on the job training -
aprendizado na prática) realizado durante o decorrer do ano. O funcionário recém
contratado é colocado na primeira categoria (mais baixa), após um ano passa por uma
avalia ção através do qual é definido o novo salário. Para a promoção de cargos, um
item de grande importância é a avaliação dos colegas do mesmo grupo de trabalho. Os
candidatos à promoção são escolhidos pela GRHT dentre aqueles que atingiram a
categoria equivalente ao cargo abaixo do oferecido para a promo ção. Esses candidatos
participam de um Off-JT (Off the job training-cursos em sala de aula) e são elevados de
categoria e dentre eles é escolhido o melhor para preencher a vaga.

2.4. Treinamento

A concorrência acirrada no mercado automobilístico exige cada vez mais a alta


qualidade dos produtos e para alcançá-la um fator de grande import ância é o
treinamento. Para formar trabalhadores cada vez mais competentes, a Toyota tem
demonstrado ainda mais a sua tend ência em nivelar os funcionários. Essa tendência se

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reflete no novo programa de treinamento dos funcionários da produção, aplicado desde


2002. Os objetivos desse novo programa são desenvolver o esp írito de desafio nos
trabalhadores, melhorar o planejamento das habilidades de forma a adequar às
alterações da produção e reconhecer e retribuir o esforço individual. Até então, aos
trabalhadores da produ ção, alem do OJT, eram oferecidos apenas orientações sobre
como proceder nos Círculos de Controle da Qualidade (CCQs) e as sugestões de
melhoria contínua. Com o novo programa, os funcionários da produção vem
conseguindo atingir o m ínimo estabelecido dentro das tarefas na avaliação realizada
após um ano da data de contratação, passam para uma categoria superior onde
receberão treinamento, adequado ao tema e objetivos definidos pelo próprio funcionário.
Após o treinamento, aqueles que desejarem, passam por uma nova avaliação e um
novo treinamento. O programa é composto por 4 níveis, cobrindo 14 temas da produção
e atinge 95% do total de funcionários da produção.

2.5. Rela ções trabalhistas

Uma peculiaridade da GRHT é o alto nível de confiança e reciprocidade entre a empresa


e o sindicato dos trabalhadores. Em 1996, comemoraram-se os 50 anos da fundação do
sindicato na empresa com a presença de representantes da indústria automobil ística de
vários pa íses, no qual foram reafirmados os objetivos do sindicato de cooperar com o
crescimento da empresa e a manutenção da competitividade e, a empresa por sua vez,
comprometeu -se a colaborar com o desenvolvimento econômico e social do país
baseado nos princ ípios da igualdade. Esse comprometimento por parte da empresa
engloba atividades de assistência social, educação e outros. Os pontos fortes desse
acordo são uma base comum para todos os trabalhadores e a garantia da confiança e
responsabilidade mútua. A reciprocidade é tanta que a empresa participa das eleições
de representantes do sindicato apresentando os seus candidatos. Ser representante do
sindicato da empresa faz parte do programa de promoções (carreira) . A relação
amistosa faz com que os acordos empresa x sindicato sejam todos resolvidos
internamente. Outro detalhe é que o sindicato abrange os trabalhadores da produção, os
chefes, supervisores até os diretores de seção, garantindo assim que o sindicato lute
pelos direitos dos trabalhadores, tais como sal ário, programas de promo ções, condições
de trabalho, treinamento e outros sem perder de vista o objetivo maior que é o
crescimento e a competitividade da empresa.

3. Conclusão

Os itens citados acima são apenas alguns dos tópicos da GRHT. Conforme foi dito
anteriormente, é a prática dessa GRHT que garante a formação do Toyotaman descrito
no Toyota Way. Por outro lado, a filosofia da empresa, descrita no Toyota Way, baseada
na melhoria continua e no respeito humano é que tem guiado o planejamento da GRHT.
A melhoria cont ínua pode ser vista em v ários aspectos da GRHT, como exemplos,
podem ser citados os treinamentos no qual o trabalhador é incentivado a tornar-se cada
vez mais capacitado e responsável, e as reformas aplicadas na GRHT para adequar-se
às peculiaridades do mercado de trabalho da empresa e as condições econômicas do
país levando em consideração as solicitações do sindicato dos trabalhadores e a
garantia da competitividade. O respeito à vida humana também é um fator que está
sempre presente e pode ser observado, dentre outros, no nivelamento dos funcion ários
e na política salarial, na qual o trabalhador é avaliado pelo nível de sua habilidade, e não
pelo seu posto de trabalho. O importante para qualquer empresa no Brasil que aplica a
produ ção enxuta não é aplicar o GRHT na íntegra, mesmo porque as condições sociais,
econômicas e trabalhistas de nosso pa ís são totalmente diferentes, o que impossibilita a
prática de certos detalhes. No entanto, para atingir a competitividade com baixo custo do
produto e alta qualidade é imprescindível a participação e a responsabilidade de todos
os envolvidos. E, essa coopera ção e responsabilidade mútua só podem ser alcançados
com a existência do respeito humano e a busca constante da perfei ção, ou seja, a
melhoria contínua.

Sobre a Autora:

Erica Hiramine de Brito


e-mail: ericabrito2000@yahoo.co.jp

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Formada em Administra ção de Empresas pela Universidade Federal de Pernambuco,


trabalhou em linha de produ ção nas fábricas japonesas e fez especialização em
Aumento de Produtividade baseado no Sistema Toyota de Produ ção (Chiba, Japão –
2000). Participou do processo de implementação do JIT em sub-contratada da Toyota
Veículos (Gotemba – Japão). Foi pesquisadora das técnicas japonesas de Gestão da
Produção pela Yokohama City University (Japão, 2002), onde atualmente cursa o
segundo ano de mestrado em Ciências Administrativas, com foco em Recursos
Humanos.

Bibliografia

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¨Ikusei o undou, ginou nintei o shoukaku to suru shinseido ¨(Nova política que faz do
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Revista Rousei Jihou (Notícias das Políticas Trabalhistas), no 3547, 19 de setembro de
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