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Tratamento do Choque Circulatório


Bruno Adler Maccagnan Pinheiro Besen
André Luiz Nunes Gobatto
Luciano Cesar Pontes Azevedo

INTRODUÇÃO potensão sem necessariamente se encontrarem em um


estado de choque, simplesmente devido à ativação da
Choque circulatório é o termo utilizado para descre- cascata inflamatória sistêmica no pós-operatório, por
ver a expressão clínica da falência circulatória que resul- exemplo, com parâmetros de perfusão tecidual ade-
ta na utilização inadequada de oxigênio pelas células do quados (diurese normal, extremidades quentes, estado
organismo.1 Nas unidades de terapia intensiva (UTI), as mental normal).3 Em outras ocasiões, alguns pacientes
diversas causas de choque circulatório são responsáveis podem se apresentar com sinais francos de má perfusão
por aproximadamente um terço das internações, confor- tecidual e hiperlactatemia sem necessariamente apre-
me dados europeus.2 Dada a prevalência desta condição sentarem hipotensão, seja devido à ativação do sistema
na UTI, os recentes avanços no conhecimento a respeito nervoso simpático, seja porque o paciente era previa-
das diversas causas de choque e um melhor entendi-
mente hipertenso e se apresenta com pressão arterial
mento da história natural dos estados de choque, conhe-
aparentemente normal. Por estes motivos, a hipotensão
cer e desenvolver uma abordagem sistematizada para o
não deve ser considerada um sinônimo de choque, assim
tratamento desta condição é fundamental para o manejo
como valores normais de pressão arterial não devem ser
clínico destes doentes.
utilizados isoladamente para se descartar o diagnóstico
desta síndrome.
RECONHECIMENTO DO CHOQUE Os achados de má perfusão tecidual também mere-
O capítulo anterior abordou especificamente a fisio- cem destaque. Destes, aqueles mais facilmente acessíveis
patologia do choque, portanto, faremos uso dos conhe- à beira do leito são os referentes à pele e às extremida-
cimentos de tal capítulo para melhor entendimento da des, que recentemente tiveram sua validação consolida-
abordagem dos estados de choque. da na terapia intensiva, em especial o livedo reticular.
Do ponto de vista clínico-laboratorial, pacientes com Habitualmente, o tempo de enchimento capilar deve ser
choque tem uma tríade de achados que corroboram o avaliado nos quirodáctilos devidamente aquecidos e so-
seu diagnóstico:1 hipotensão arterial;2 sinais de má per- bre a patela nos joelhos. Também sobre os joelhos, foi
fusão tecidual, que incluem achados nas 3 “janelas” do avaliado o escore de livedo reticular (“mottling score”),
organismo de fácil acesso à observação clínica, que in- de acordo com a extensão do livedo além da patela.4 Este
cluem a pele (pele fria e pegajosa, cianose periférica, li- escore tem correlação direta com os valores de lactato
vedo reticular), os rins (débito urinário < 0,5 mL.kg.-1h-1) arterial e mortalidade no choque.
e o sistema nervoso central (estado mental alterado A presença de alteração do nível de consciência
com desorientação e confusão mental); e3 hiperlacta- também deve alertar o médico assistente para a possi-
temia, definida como lactato arterial maior do que 1,5 bilidade de choque. Habitualmente, o paciente não se
mmol.L-1,1 (Figura 223.1). apresenta em coma ou franco rebaixamento do nível
A hipotensão, embora um achado frequente, não é de consciência, mas apenas com obnubilação, confusão
uma condição necessária para se diagnosticar choque. mental, desorientação e, ocasionalmente, agitação psi-
Alguns pacientes podem apresentar graus leves de hi- comotora inexplicada.

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A B Types of shock
Arterial hypotension
62%
Distributive (septic)

Absent Signs of tissue hypoperfusion Present

Brain
Altered mental
Chronic state
hypotension?
Syncope Circulatory
(if transient) shock 4% 2%
Distributive Obstructive
Tachycardia
(nonseptic)
16% 16%
Skin Elevated Estimate cardiac
Cardiogenic Hypovolemic
Mottled, blood outout or Svo2
clammy lactate

Normal Low
or high
Kidney
Oliguria CVP

Low High

Echocardiography In tamponade: pericardial


effusion, small right and
Normal cardiac Small cardiac left ventricles, dilated
Large ventricles and
chambers and (usually) chambers and normal inferior vena cava. in
poor contractility
preserved contractility or high contractility pulmonary embolism or
pneumothorax: dilated right
ventricle, small left ventricle
Distributive shock Hypovolemic shock Cardiogenic shock Obstructive shock

Figura 223.1 — Visão geral para o reconhecimento do choque e diagnóstico diferencial inicial. Atentar para as janelas da perfusão e
para exames laboratoriais simples, como o lactato, bem como para o uso liberal do ecocardiograma na avaliação inicial. Adaptada de
N Engl J Med 2013;369:1726-34.

Oligúria (diurese < 0,5 mL.kg-1.h-1) é outro achado do a estimulação beta-2-adrenérgica (com adrenalina
classicamente descrito como marcador global de má endovenosa ou beta-agonistas inalatórios), a depuração
perfusão tecidual e sua presença também está associada alterada do lactato devido à disfunção hepática e a ace-
a pior prognóstico. Contudo, pode ser bastante enganosa leração da via glicolítica (em especial em pacientes com
ao ser utilizada como meta terapêutica a ser perseguida, choque séptico). Os ensaios clínicos que avaliaram o uso
em especial nas fases mais tardias do tratamento, fato da terapia guiada por metas em sepse e choque séptico
que abordaremos adiante. utilizavam como um dos critérios de inclusão os valores
A hiperlactatemia é um importante achado laborato- de lactato arterial maiores do que 4 mmol/L, porém isso
rial que auxiliará na estratificação de risco dos pacientes não significa que esse valor deve ser utilizado de ma-
em choque. Classicamente, valores elevados de lactato neira estrita na prática do dia-a-dia. Alguns estudos de-
arterial (> 1,5 mmol.L-1) são atribuídos ao metabolismo monstraram que mesmo valores de lactato arterial entre
oxidativo celular anormal, que resulta em glicólise anae- 2-4 mmol.L-1estão associados à maior mortalidade em
róbia e aumento na produção de lactato. Este raciocínio pacientes em choque quando comparados a valores me-
habitualmente é válido nas fases iniciais do choque e, em nores do que 2 mmol.L-1 e, portanto, sugerimos conside-
especial, nos choques hipodinâmicos. Entretanto, vários rar valores maiores do que 1,5 mmol.L-1como alterados
outros motivos podem levar à hiperlactatemia, incluin- dentro de um contexto apropriado.1

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Em suma, para o reconhecimento apropriado do cho- queal ou a terapia de substituição renal e ter piores des-
que, não é necessária nenhuma ferramenta diagnóstica fechos clínicos. Ou ainda, mesmo nas fases iniciais do
avançada. Achados clínicos simples, embora não 100% insulto agudo, o paciente pode evoluir com síndrome de
sensíveis e específicos, como oligúria, confusão mental e disfunção de múltiplos órgãos completa (“full-blown”),
má perfusão periférica, associados ou não a hipotensão, com maior gravidade e persistência das disfunções or-
e confirmados laboratorialmente com valores alterados gânicas, complicando seu manejo clínico. Na maioria das
de lactato arterial, são as peças chave para se chegar ao vezes, pacientes nesta condição não se beneficiam de
diagnóstico desta síndrome. Ressaltamos que nenhum medidas agressivas após as primeiras horas para tratar
achado isoladamente traz o diagnóstico desta síndrome, a hemodinâmica a fim de prevenir novas disfunções. Tal
tampouco a ausência de algum dos mesmos exclui esta situação foi bem evidenciada no trabalho de Gattinoni
possibilidade. e col. em 1995, que concluiram que perseguir metas de
ressuscitação hemodinâmica na fase tardia do choque
A EVOLUÇÃO CLÍNICA DO CHOQUE não traz benefício adicional ao paciente.6
CIRCULATÓRIO Por fim, alguns pacientes podem evoluir com cho-
que refratário às medidas instituídas, cuja definição
O entendimento da história natural da doença é fun- é controversa, porém, para propósito deste capítulo,
damental para o adequado manejo do doente crítico consideraremos como refratariedade doses altas de va-
com choque circulatório. Independente do insulto que sopressor, maiores que 0,5 a 1 µg.kg.-1min-1 de noradre-
levou ao uso inadequado de oxigênio pela célula (seja a nalina ou equivalente. Tais pacientes possivelmente se
redução do débito cardíaco no caso de choque hipodinâ- beneficiam de um manejo hemodinâmico mais agressivo
mico ou má distribuição do fluxo tecidual no choque hi- e de monitorização intensiva, entretanto a busca pela
perdinâmico distributivo), o curso clínico dos pacientes causa do choque é sempre premente, sem a qual a pos-
com choque segue habitualmente algumas formatos, a sibilidade de sobrevida se torna muito reduzida. Um tra-
depender do momento em que foi instituído o tratamen- balho recente revisou a abordagem destes pacientes em
to e da resposta de cada indivíduo à terapia oferecida:5 alto risco de morte.7
1. Reversão do choque antes do desenvolvimento de O entendimento de em qual momento da instalação
outras disfunções orgânicas; do insulto o paciente se encontra, do reconhecimento
2. Desenvolvimento de disfunções orgânicas transitó- das disfunções orgânicas associadas e a busca pela cau-
rias, como injúria renal aguda (IRA) ou síndrome do sa do choque determinarão a escolha da ferramenta de
desconforto respiratório agudo (SDRA) leve, que ten- monitorização apropriada, o manejo hemodinâmico do
dem a se resolver se o tratamento for instituído; choque e, por fim e mais importante, o tratamento da
3. Desenvolvimento e persistência da síndrome de dis- causa desencadeante do quadro de choque circulatório,
função de múltiplos órgãos e sistemas (DMOS) a des- permitindo que o tratamento mais apropriado seja insti-
peito de tratamento adequado; tuído. Nas seções seguintes, discutiremos esses tópicos.
4. Choque refratário às medidas habitualmente instituídas.
ESCOLHA DA FERRAMENTA DE
Considere um paciente com choque distributivo as-
MONITORIZAÇÃO
sociado à pancreatite aguda grave. Dependendo do grau
da lesão e de como foi a ressuscitação inicial do pacien- A ferramenta de monitorização apropriada aos esta-
te, ele pode evoluir com choque (com hiperlactatemia dos de choque depende de alguns fatores como o mo-
e/ou necessidade de vasopressores) transitoriamente, mento em que o paciente se apresenta, a gravidade do
sem o desenvolvimento de outras disfunções orgânicas. choque, a existência de outras disfunções orgânicas con-
Esse paciente dificilmente terá complicações maiores comitantes, dentre outros fatores. Nos dias de hoje, há
do tratamento do choque, tanto porque o médico não uma grande gama de ferramentas disponíveis, cabendo
persistirá com medidas agressivas de ressuscitação he- ao médico assistente identificar qual é a mais apropria-
modinâmica quanto porque a função renal preservada da, levando-se em consideração diversos fatores. Dividi-
permitirá ao paciente lidar com uma possível sobrecarga remos as ferramentas de monitorização em 3 estratos
de fluidos que, por sua vez, não impactará em piores des- que podem ser sequencialmente utilizados para a moni-
fechos para o paciente se ele evoluir com a SDRA. torização do doente crítico.
O mesmo paciente pode apresentar-se com injúria No primeiro estrato estão as ferramentas básicas de
renal aguda e um grau leve de síndrome do desconforto monitorização não invasiva que incluem o próprio exa-
respiratório agudo e, se for mantido um manejo liberal me físico, como descrito anteriormente (por exemplo,
de fluidos nas fases tardias após instalação da pancreati- perfusão periférica, estado mental, débito urinário) e o
te, evoluir para formas mais graves da SDRA, necessitar uso da pressão não invasiva pelo método oscilométrico.
de medidas mais invasivas como a intubação orotra- Estas ferramentas devem ser utilizadas rotineiramente

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em pacientes críticos e são apropriadas para pacientes fim, além de auxiliar como fator prognóstico e fator de
que tem uma boa resposta ao tratamento inicial. O uso proteção no edema pulmonar, elevações da PVC devem
isolado de vasopressor em doses baixas em um pacien- alertar o clínico à possibilidade de disfunção miocárdica,
te que apresenta sinais de melhora da perfusão tecidual pois uma piora da função cardíaca levará a um aumento
não é indicação absoluta para o uso de um cateter de no valor da PVC.
pressão arterial invasiva ou outras medidas de pressões Dispositivos minimamente invasivos de monitoriza-
intravasculares, se utilizada a medida de PAM do método ção do débito cardíaco, como os diversos monitores que
oscilométrico. Além disso, nos últimos anos, o paradig- analisam o contorno da onda de pulso da pressão arte-
ma de medir rotineiramente a pressão venosa central rial invasiva (Flotrac-Vigileo®, Lidco Rapid®) ou mesmo
(PVC) como método para guiar a reposição volêmica em o dispositivo de doppler esofágico também podem ser
choque séptico tem sido questionado8 e não demonstrou utilizados em pacientes com choque. O seu uso tem sido
benefício em ensaios clínicos mais recentes. muito mais estudado em pacientes cirúrgicos para es-
No segundo estrato, encontram-se as medidas de tratégias de otimização hemodinâmica perioperatória,
pressões intravasculares e a medida do débito cardíaco e o uso em outras populações de pacientes críticos na
de maneira minimamente invasiva. A medida de pres- UTI não foi validado de forma tão precisa. Ainda assim,
são arterial invasiva, além de trazer maior segurança a pouca invasividade desses métodos é bastante atrativa
no manejo do paciente em uso de vasopressores, facilita quando se julga necessário monitorizar o débito cardía-
a coleta de gasometrias arteriais repetidas, caso se de- co à beira do leito. Vale ressaltar que esse método pode
seje seriar o lactato ou mesmo para avaliar oxigenação ser mais útil nas fases iniciais do choque, onde a pesqui-
arterial. Habitualmente, pacientes intubados em uso de sa de fluido-responsividade é premente e pode auxiliar
vasopressor terão maior benefício com esta ferramenta, na minimização da infusão de fluidos ao se realizar a
mas a sua necessidade deve ser avaliada caso a caso para manobra de elevação passiva dos membros ou mesmo
todo paciente em uso de vasopressor. A medida da PVC pequenos desafios hídricos e observando em tempo real
nos últimos anos tem caído em desuso, pois ela vinha as modificações no débito cardíaco. Apesar dos poten-
sendo utilizada de forma inadequada como parâmetro ciais benefícios, não recomendamos o uso de dispositi-
de pré-carga cardíaca, ao qual não se presta, conforme vos não calibrados para guiar metas de débito cardíaco,
já foi extensamente demonstrado.9 Apesar disso, a medi- uma vez que não são adequados para uso nos estados
da de PVC tem um importante valor prognóstico e pode de choque, pois as modificações da impedância arterial
ser utilizada para outros fins. De acordo com a fisiologia tornam a acurácia baixa para dispositivos desprovidos
Guytoniana, os principais determinantes da PVC são a de calibração.
volemia do paciente (em especial o volume estressado) O uso da ecocardiografia à beira-do-leito revolucio-
e a função cardíaca (tanto sistólica quanto diastólica).10 nou a monitorização hemodinâmica na terapia intensi-
Classicamente, focou-se na PVC como um marcador va. Embora no centro cirúrgico o uso da ecocardiografia
substituto do volume diastólico final do ventrículo di- transesofágica seja factível e uma excelente ferramenta,
reito, que, por sua vez, é uma marcador substituto da na UTI a principal ferramenta que pode ser utilizada é o
pré-carga do ventrículo direito (grau de estiramento da ecocardiograma transtorácico. Este é capaz de fornecer
fibra cardíaca), que, na prática, não pode ser avaliado e, uma avaliação subjetiva da contratilidade cardíaca, capaz
conforme será descrito adiante, o seu uso não tem valor de medir a integral velocidade-tempo (em inglês, velocity-
para a pesquisa de fluido-responsividade. Apesar disso, -time integral, VTI), que, juntamente à área da via de saída
pressões venosas centrais mais elevadas estão associa- do ventrículo esquerdo (VSVE) pode ser utilizada para
das a piores desfechos como maior incidência de dis- estimar o volume ejetado durante a sístole e, portanto, o
função renal em pacientes com insuficiência cardíaca e débito cardíaco. Além disso, é capaz de estimar a pressão
maior mortalidade em pacientes sépticos. As possíveis venosa central através da avaliação do diâmetro da veia
explicações para tais associações são muitas, sendo uma cava inferior e de sua variabilidade, bem como da pres-
das principais a congestão venosa, que pode levar à pio- são de oclusão da artéria pulmonar através do doppler da
ra da pressão de perfusão de órgãos específicos além de valva mitral e do doppler tecidual. Embora a habilidade
piorar a própria microcirculação. Além disso, no estudo de avaliar objetivamente essas variáveis possa ser útil, a
FACTT, que testou o uso de uma estratégia restritiva de principal utilidade da ecocardiografia à beira do leito está
fluidos em pacientes com síndrome do desconforto res- na capacidade de realizar diagnóstico diferencial. Pode-se
piratório agudo, a PVC foi utilizada como fator protetor observar a presença ou não de achados compatíveis com
do edema pulmonar, entendendo que, em última instân- choque obstrutivo como um ventrículo direito dilatado
cia, a reabsorção do edema intersticial pulmonar se tor- em caso de tromboembolismo pulmonar (TEP) maciço,
na mais fácil com pressões de enchimento mais baixas, por exemplo, ou sinais de tamponamento cardíaco em pa-
pois os linfáticos pulmonares drenariam para a veia sub- cientes com derrame pericárdico. Além disso, podem-se
clávia esquerda em um regime de pressões menor.11 Por observar achados compatíveis com disfunção ventricular

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como contratilidade diminuída pela avaliação subjetiva, prospectivos da última década não foram capazes de de-
ventrículo esquerdo dilatado ou acinesia de alguma das monstrar que o uso dessas ferramentas está associado
paredes do ventrículo esquerdo. Por fim, como será discu- a melhores desfechos, inclusive levantando preocupa-
tido adiante, pode ser pesquisada a variação da VTI com ções em relação à segurança dessa ferramenta. Outros
a manobra da elevação passiva dos membros a fim de se argumentam que nenhuma ferramenta de monitoriza-
detectar responsividade a volume em pacientes em respi- ção seria capaz de demonstrar benefício por si só, pois
ração espontânea, mesmo que não estejam em ventilação dela decorrem interpretações – que, por sua vez, podem
mecânica. Recomendamos que o uso dessa ferramenta estar erradas – e intervenções distintas de médico para
seja liberal no paciente com choque circulatório, uma vez médico. Tendo em vista essas novas evidências, o uso
que traz poucos riscos diretos ao paciente e pode trazer desta técnica diminuiu drasticamente nos últimos anos,
vários potenciais benefícios. Em pacientes com choque de porém pode ser útil para o manejo de pacientes selecio-
causa desconhecida pode ser útil, onde o diagnóstico dife- nados. Desta forma, no último consenso de monitoriza-
rencial pode ser facilitado e a causa do choque, conforme ção hemodinâmica da Sociedade Europeia de Medicina
ressaltado, pode ser identificada mais precocemente. Na Intensiva,12 o uso dessas ferramentas mais invasivas é
prática, o uso do ecocardiograma à beira-do-leito reali- recomendado nas seguintes situações, embora a evidên-
zado pelo intensivista está indicado em qualquer um dos cia para tais recomendações seja baixa:
estratos de monitorização.
1. choque refratário associado à disfunção de ventrícu-
Em um terceiro estrato, encontram-se as ferramen- lo direito, no qual é recomendado o uso do cateter de
tas de monitorização mais invasivas, como o cateter de artéria pulmonar;
artéria pulmonar (que traz diversas medidas, incluindo
2. choque grave associado a outras disfunções orgâni-
o débito cardíaco pela técnica da termodiluição) e a ter-
cas, em especial a SDRA;
modiluição transpulmonar, capaz também de medir o
3. em pacientes complexos, usar em adição ao ecocar-
débito cardíaco, além de outras medidas interessantes,
diograma para auxiliar na determinação da causa do
como a água extra-vascular pulmonar (do inglês, extra-
choque.
vascular lung water, EVLW). O uso do cateter de artéria
pulmonar e da monitorização do débito cardíaco foi ad- A Figura 223.2 demonstra uma sugestão para auxi-
vogado por muito tempo como necessário ao manejo liar na escolha da ferramenta de monitorização apro-
dos pacientes com choque. Contudo, diversos estudos priada para cada caso de choque.

Primeira linha: Exemplo: sepse grave/choque


1) PANI, FC, ECG, débito urinário séptico com boa resposta ao
2) Exame Físico: perfusão periférica tratamento instituído, ainda que
enchimento capilar, livedo), nível com doses baixas de vasopressor
de consciência E
3) Laboratorial: lactatemia seriada C
O
C
A
Segunda linha: R
1) Pressões intravasculares: PAI; PVC D Exemplo: choque séptico com
2) Laboratorial: ScvO2, gap I dose moderada a alta de
venoarterial de CO2 O vasopressor; monitorização
3) Débito Cardíaco minimamente G hemodinâmica perioperatória.
invasivo (contorno de onda de R
pulso, doppler esofágico) A
M
A
Exemplo: choque refratário às
Terceira linha: medidas instituídas; disfunção de
1) Termodiluição transpulmonar ventrículo direito (CAP);
2) Cateter de artéria pulmonar (CAP) DMOS com SDRA

Figura 223.2 — Sugestão de escolha escalonada de ferramentas de monitorização de acordo com a gravidade, momento e resposta à
terapia instituída em estado de choque. Essa sequência não necessariamente é estática. O uso do ecocardiograma deve ser liberal tanto
para o diagnóstico diferencial inicial quanto pode ajudar no manejo clínico dos pacientes ao longo de todo o espectro de gravidade
dos quadros de choque. PANI, pressão arterial não invasiva; FC, frequência cardíaca; ECG, eletrocardiografia; ScvO2, saturação venosa
central de oxigênio; gap CO2, gap veno-arterial de CO2; PAI, pressão arterial invasiva; PVC, pressão venosa central; CAP, cateter de
artéria pulmonar; DMOS, disfunção de múltiplos órgãos e sistemas; SDRA, síndrome do desconforto respiratório agudo.

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METAS TERAPÊUTICAS de que valores mais elevados de PAM poderiam resultar
em um aumento do sangramento e consequentemen-
As metas terapêuticas a serem seguidas dependem te exsanguinação fatal. Além disso, excetuando-se essa
da ferramenta de monitorização escolhida e da resposta condição, qualquer paciente com choque na primeira
do paciente ao tratamento inicialmente instituído. Após hora de seu tratamento possivelmente não necessita de
o estudo clássico de Rivers e col., a terapia guiada por valores de PAM nas metas sugeridas. Na primeira hora
metas ganhou força na década passada, porém as metas do atendimento, o objetivo deve ser manter o paciente
instituídas foram desafiadas por diversos estudos recen- vivo enquanto se instituem as medidas apropriadas para
tes. Objetivar metas no manejo do choque é fundamental a causa de base do choque e valores mais baixos como
para o tratamento apropriado dessa condição, entretan- 55-60 mmHg podem ser tolerados transitoriamente.
to o maior erro a ser cometido é procurar obstinada-
As metas de PVC habitualmente descritas nos proto-
mente atingir as metas esquecendo-se de que a sua não
colos guiados por metas se demonstraram claramente
normalização pode não necessariamente significar hi-
equívocas nos últimos 10 anos e a clássica meta de 8-12
povolemia ou baixo débito cardíaco. Consequentemente,
mmHg deve ser vista com muito cuidado na prática clí-
necessidade de medidas adicionais de otimização he-
nica. Isso se baseia no fato de que valores estáticos de
modinâmica podem não ser necessárias, podendo haver
PVC não são capazes de predizer responsividade a vo-
mais de uma explicação para o fato de determinadas me-
lume, como detalharemos adiante e de que, na verda-
tas não serem atingidas.
de, valores mais altos de PVC tem se associado a piores
As metas frequentemente descritas para o manejo do
desfechos clínicos, inclusive mortalidade, em pacientes
choque são as seguintes:
com choque séptico. Apesar disso, não deve ser negli-
1. diurese ≥ 0,5 mL.kg.-1h-1; genciado que a PVC tem importante valor prognóstico e
2. pressão venosa central (PVC) 8-12 mmHg; a tendência das suas medidas (em elevação) pode auxi-
3. hemoglobina ≥ 8-10 g.dL-1; liar na identificação de pacientes que estejam evoluindo
4. clareamento de lactato > 10% e lactato sérico < 4 com disfunção miocárdica ou mesmo sobrecarga hídrica
mmol.L-1; progressiva. Metas de pressão de oclusão de artéria pul-
monar (PAPO) tem a mesma crítica da PVC, ainda tendo
5. ScvO2 > 70%;
como fator complicador uma maior dificuldade técnica
6. gap veno-arterial de CO2 < 5 mmHg; na mensuração.
7. índice cardíaco ≥ 2,2 L/min/m2; pressão arterial mé- Por fim, metas de índice cardíaco hoje em dia não são
dia (PAM) > 65-70 mmHg; dentre outras metas. muito utilizadas, tendo em vista o desuso do cateter de
O objetivo deste tópico é fazer uma análise crítica das artéria pulmonar. Não obstante, algumas considerações
metas propostas e entender por que as mesmas devem a esse respeito devem ser feitas. Procurar atingir valores
ser individualizadas para cada paciente. supranormais de índice cardíaco a fim de atingir valo-
res supranormais de DO2 não deve ser uma meta a ser
perseguida e já se demonstrou claramente deletério em
Metas de Macrohemodinâmica
um estudo clínico. Hoje em dia, pode-se considerar como
As metas de macrohemodinâmica são fundamentais meta apropriada atingir valores normais de índice car-
para o manejo de pacientes em choque. Dentre estas, in- díaco (IC), ou seja, valores maiores do que 2,4 L/min/
cluímos basicamente as medidas de pressão intravascu- m2, desde que isso não seja atingido às custas de toxi-
lar e a medida do débito cardíaco. cidade do excesso de fluidos ou de inotrópicos utiliza-
A meta de pressão arterial média a ser instituída é dos para tal. Além disso, a consideração sobre possíveis
uma das partes mais fundamentais do manejo do pa- metas de IC deve ser adaptada à avaliação da microhe-
ciente com choque. Basicamente, a meta a ser instituí- modinâmica. Se parâmetros perfusionais estiverem ade-
da é um alvo de PAM de 65-70 mmHg, baseando-se nos quados, podem-se tolerar índices cardíacos mais baixos,
estudos atuais. Contudo, existem algumas situações em ao passo que tentar otimizar o débito cardíaco a valores
que essa meta deve ser pensada de forma diferente. Em no limite superior da normalidade (não supranormais)
pacientes com choque séptico previamente hipertensos, também pode ser uma estratégia adequada a depender
o estudo SEPSIS-PAM demonstrou que manter uma PAM da avaliação perfusional.
alvo ao redor de 80-85 mmHg associou-se à menor ne-
cessidade de terapia substitutiva renal, sendo, portanto,
Metas de Microhemodinâmica
um fator protetor à função renal. Por outro lado, pacien-
tes com trauma penetrante do torso podem se beneficiar Dentre as metas expostas anteriormente, algumas se
da estratégia de hipotensão permissiva na primeira hora prestam a avaliar a perfusão tecidual ou a adequação en-
do trauma, desde que seja rapidamente disponibilizado tre oferta e consumo de oxigênio tecidual. São elas: diu-
o tratamento cirúrgico da condição, baseado no racional rese, lactatemia, ScvO2, gap veno-arterial de CO2.

3328 Tratado de Anestesiologia – SAESP


A oligúria, habitualmente definida como débito uri- A saturação venosa central de oxigênio é outra meta
nário ≤ 0,5 mL.kg.-1h-1, embora seja um marcador im- frequentemente utilizada. Mais uma vez, embora se con-
portante de má perfusão tecidual para a identificação sidere que o débito cardíaco baixo seja o principal moti-
do choque e um marcador prognóstico em pacientes vo do desacoplamento entre oferta e demanda e leve a
com injúria renal aguda, nunca foi demonstrada em valores baixos de ScvO2, a anemia do doente crítico pode
ensaios clínicos randomizados ser um bom marcador contribuir para uma diminuição desses valores e diver-
de resposta à terapia instituída. A reversão da oligúria sos estudos recentes tem demonstrado que transfundir
com o tratamento inicial é sem dúvida um sinal de me- pacientes desnecessariamente tendo como meta manter
lhor prognóstico. Não obstante, o clássico estudo de Ri- valores de hemoglobina mais elevados não traz benefí-
vers et al. que avaliou o impacto de uma estratégia de cio aos pacientes, na média. Outro motivo para a ScvO2
ressuscitação hemodinâmica agressiva no tratamento estar mais baixa é o fato de o paciente ter uma VO2 mui-
de pacientes com choque séptico não apresentou qual- to aumentada, que não necessariamente significa que a
quer diferença em termos de reversão da oligúria entre oferta de oxigênio oferecida não é o suficiente para se
os dois grupos de tratamento (terapia guiada por metas manter a perfusão tecidual adequada.
precoce vs. tratamento convencional). Portanto, ideal- Por fim, outra meta que alguns autores tem sugeri-
mente a oligúria persistente deve ser interpretada como do recentemente é guiar as fases finais da ressuscitação
sinal de maior gravidade ou de má perfusão persistente hemodinâmico com o gap veno-arterial de CO2. Este é
e a análise de outros parâmetros deve ser utilizada para um marcador de fluxo sanguíneo tecidual que tem uma
guiar a terapia, mas não o débito urinário isoladamente. relação inversa com o débito cardíaco. Portanto, valores
O lactato é interpretado habitualmente como um elevados (> 5 mmHg) desse marcador devem alertar o
marcador de má perfusão tecidual e metabolismo anae- clínico à possibilidade de baixo fluxo tecidual persisten-
róbio. Sem dúvida, essa deve ser a interpretação inicial te a despeito das medidas instituídas.15
em pacientes que se apresentem com quadro clínico Independente de quais metas de microcirculação
sugestivo de choque, conforme descrito anteriormente. são utilizadas, nenhuma das alterações descritas (hiper-
O clareamento do lactato em 3 horas em > 10% dos va- lactatemia persistente, oligúria, SvcO2 diminuída, gap
lores inicias é também um marcador de bom prognós- veno-arterial de CO2 aumentado) é capaz de predizer res-
tico e o uso do clareamento do lactato em detrimento ponsividade a fluidos. Ressaltamos que alterações nesses
da terapia guiada por ScvO2 demonstrou-se igualmente parâmetros são fortes sinais prognósticos, porém é fun-
eficaz no manejo de pacientes com choque séptico na damental não confundir hiperlactatemia ou oligúria com
emergência.13 Porém, a hiperlactatemia persistente não responsividade a volume, o que discutiremos adiante.
necessariamente significa a presença de hipovolemia
e necessidade de reposição de fluidos. Denota maior
gravidade, sem dúvida, conforme demonstrado em di- Tratamento de Suporte no Choque Circulatório
versos estudos que avaliaram o impacto prognóstico de O tratamento de suporte no choque circulatório inclui
não haver melhora dos níveis séricos de lactato após a o uso de fluidos, fármacos vasopressores, inotrópicas e
ressuscitação inicial. Uma das explicações mais comuns o suporte mecânico extra-corpóreo. Abaixo tentaremos
para hiperlactatemia persistente é a hiperlactatemia de explicar o racional sobre o qual se devem utilizar estas
estresse, mais comum em pacientes com choque distri- medidas de suporte, ponderando sobre a melhor evi-
butivo induzido pela sepse ou por outras causas de SIRS, dência disponível nos dias de hoje. Na década de 90, em
como a pancreatite. A sua patogênese, de modo simplis- virtude das comparações entre sobreviventes e não so-
ta, decorre de uma ativação excessiva da via glicolítica breviventes oriundas de estudos observacionais e de um
induzida pelo estado hipercatabólico sistêmico e não ensaio clínico randomizado em pacientes cirúrgicos de
necessariamente reflete hipoperfusão tecidual.14 Outro Shoemaker e col., em que se observou que sobreviventes
motivo para o não clareamento do lactato ou mesmo a apresentavam valores de DO2 supranormais,16 foi reco-
piora de seus níveis é a não metabolização do mesmo mendado que se seguissem esses parâmetros em todo
devido ao desenvolvimento de disfunção hepática agu- doente crítico com choque. Posteriormente, alguns estu-
da, também conhecida como hepatite isquêmica ou he- dos demonstraram as toxicidades potenciais dos trata-
patite hipóxica, que pode ocorrer nos estados de choque mentos que objetivam normalizar valores fisiológicos e
mais graves, habitualmente com disfunção ventricular. mesmo suprafisiológicos de oferta de oxigênio (DO2),17
Pacientes com insuficiência hepática crônica avançada assim como a inefetividade de se perseguir valores de
também podem apresentar hiperlactatemia persistente SvcO2 normais após as fases iniciais do choque.6 No início
sem significar necessariamente má perfusão tecidual. do século 21, o estudo clássico de Rivers et al.18 trouxe
Portanto, o não clareamento do lactato deve ser inter- um novo impulso no manejo hemodinâmico do choque
pretado com cautela em conjunto com outros marcado- séptico utilizando a terapia guiada por metas hemodi-
res de perfusão tecidual e atentando às outras possíveis nâmicas. Entretanto, após as evidências atuais, ficou
causas para que não tenha ocorrido. claro que o principal componente do manejo adequado

Tratamento do Choque Circulatório 3329


do choque é a instituição de medidas de otimização he- recomendado pela Campanha de Sobrevivência à Sepse.19
modinâmica precocemente (no caso do choque séptico, Por outro lado, pacientes com choque hipovolêmico não
infusão de fluidos na primeira hora e uso precoce de no- hemorrágico (diarreias profusas, vômitos reentrantes)
radrenalina) associados às medidas de tratamento da também se beneficiam de reposições volêmicas empí-
causa de base (no caso do choque séptico, identificação ricas até adequar parâmetros de perfusão. Por fim, pa-
e tratamento do foco infeccioso com antibioticoterapia e cientes com choque hemorrágico podem apresentar três
abordagem de focos fechados). Perseguir metas hemo- tipos de resposta à administração de fluidos: (1) respos-
dinâmicas tardiamente sem um objetivo tangível clinica- ta completa, onde habitualmente não necessitarão de
mente pode ser deletério e não demonstrou ser benéfico transfusão sanguínea, porém a causa do choque deve ser
em estudos clínicos. Desta forma, o uso judicioso das investigada com urgência; (2) resposta transitória, onde
medidas de suporte é fundamental tanto para oferecer habitualmente necessitarão de transfusão sanguínea e a
um suporte adequado à circulação quanto para evitar causa do choque deve ser investigada prontamente; (3)
toxicidades potenciais. ausência de resposta, em geral pacientes com um pro-
cesso levando à exsanguinação que se beneficiam de
Fluidos protocolos de transfusão maciça ou outras estratégias
agressivas de transfusão enquanto se providencia de ime-
O uso de fluidos é uma das pedras angulares no ma- diato o controle do sangramento no centro cirúrgico. Vale
nejo do choque, sendo inclusive um medida terapêutica ressaltar que no choque hemorrágico o uso excessivo de
capaz de reverter a fisiopatologia do choque em pacien- cristaloides também está associado a piores desfechos.
tes com choque hipovolêmico franco (como pacientes
Portanto, o tratamento deve focar em identificar o foco
com diarreia profusa por cólera, por exemplo) e alguns
do sangramento a fim de tratá-lo prontamente, associado
pacientes com sepse e choque séptico. Contudo, fluidos
a protocolos de manejo da coagulopatia em detrimento
tem sido utilizados de forma abusiva na prática clínica
de expansões volêmicas repetidas com cristaloides ou
e o seu uso não pode ser considerado sempre como o
mesmo coloides, conforme será descrito adiante.
tratamento de primeira escolha para pacientes com cho-
que. Deve-se ter em mente que fluidos e balanços hídri- Uma vez que pacientes com choque séptico tenham
cos positivos estão não só associados com uma piora da recebido a expansão volêmica inicial recomendada, o per-
troca gasosa pulmonar (tanto em pacientes com SDRA fil de risco e benefício em se receber expansões volêmi-
quanto aqueles com disfunção miocárdica), mas tam- cas repetidas se torna mais controverso. Isso vale para a
bém podem levar à piora hemodinâmica em pacientes maioria dos pacientes com choque distributivo, incluindo
com disfunção ventricular direita, em que, devido à in- pacientes com pancreatite aguda, vítimas de politrauma
terdependência ventricular, a dilatação de um ventrícu- em que o foco de sangramento foi controlado e mesmo
lo direito em falência pode diminuir o volume sistólico outras causas de choque que, em virtude da ativação da
do ventrículo esquerdo. Desta forma, nos dias de hoje, cascata inflamatória, acabam por desencadear a síndro-
preconiza-se um uso mais judicioso de fluidos na prática me da resposta inflamatória sistêmica (SIRS). A partir
clínica. Os principais objetivos da fluidoterapia em pa- deste momento, realizar expansões volêmicas sem uma
cientes críticos são os seguintes: avaliação prévia de fluido-responsividade ou, no mínimo,
avaliar parâmetros antes e depois da expansão volêmica,
1. Corrigir hipovolemia absoluta ou relativa, como em
pode resultar em efeitos deletérios para o paciente.
pacientes com choque hipovolêmico ou séptico, res-
Alguns dados corroboram esse raciocínio: (1) apro-
pectivamente;
ximadamente metade dos pacientes com choque na UTI
2. Aumentar o débito cardíaco em pacientes fluido-res-
não são responsivos a volume e, portanto, realizar uma
ponsivos (conceito a ser discutido adiante);
expansão volêmica empiricamente pode trazer riscos
3. Otimizar a oferta de oxigênio e a perfusão tecidual, sem benefício algum; (2) mesmo pacientes responsivos
como consequência dos fatores citados anteriormente. a volume (ou seja, que aumentam o seu débito cardía-
Pacientes com choque que se apresentem com hipo- co após uma expansão volêmica) podem não aumentar
volemia franca ou sinais de sepse podem ser submetidos o seu consumo de oxigênio após um aumento na oferta
à expansão volêmica empiricamente, de acordo com os (ou seja, aumentos de DO2 não se refletem em aumen-
objetivos acima, principalmente porque os benefícios em tos do VO2 necessariamente); (3) pacientes responsivos
potencial (aumentar o débito cardíaco e consequente- a volume em geral tem uma resposta transitória por 30
mente a oferta tecidual de oxigênio e perfusão) sobrepu- minutos a 1 hora, podendo significar que não necessaria-
jam os riscos na maior partes da vezes. Neste contexto, mente se beneficiem de expansões volêmicas repetidas,
podem-se identificar basicamente 3 situações. Pacien- pois o fluido infundido habitualmente não se mantém no
tes com sepse grave e choque séptico habitualmente compartimento intravascular. Por fim, diversos estudos
precisam de 20-30 mL.kg-1 de expansão volêmica com observacionais demonstram a associação entre balanços
cristaloides durante o seu tratamento inicial, conforme hídricos cumulativos maiores e piores desfechos em ter-

3330 Tratado de Anestesiologia – SAESP


mos de mortalidade em pacientes com choque, injúria cardíaco, idealmente se deve avaliar o débito cardíaco an-
renal aguda e SDRA. tes e após a expansão volêmica.
Com base nessas observações, se um paciente em Primeiramente, é necessário se definir o que é res-
choque encontra-se compensado hemodinamicamente, ponsividade a volume. A definição clássica se refere a
ainda que com doses baixas a moderadas de vasopressor, um aumento do débito cardíaco em 10% a 15% (a de-
com parâmetros de perfusão em melhora (clareamento pender da referência utilizada) após a infusão de 500 mL
de lactato, SvcO2 adequada, Gap veno-arterial de CO2 de cristaloide isotônico. Portanto, aumento de pressão
normalizado ou em melhora, perfusão periférica ade- arterial ou de pressão venosa central não necessaria-
quada, melhora do nível de consciência), não faz sentido mente significam fluido-responsividade. Dos métodos
fisiopatológico em se testar fluido-responsividade, pois, acima descritos, alguns se aproveitam da interação car-
ainda que o paciente seja fluido-responsivo, a adminis- diopulmonar em ventilação mecânica e as oscilações das
tração de fluidos não estaria necessariamente indicada. pressões intratorácicas para que se preveja a responsi-
Por outro lado, se o mesmo paciente ainda apresenta pa- vidade a volume.23 Basicamente, durante o período de
râmetros de perfusão inadequados, é boa prática médica insuflação na ventilação mecânica com pressão positiva
testar fluido-responsividade previamente à realização (fase inspiratória), há uma diminuição da pré-carga para
de uma nova expansão volêmica. Caso não seja possível o ventrículo direito e um aumento da pré-carga para o
testar fluido-responsividade, ao menos se e realizar um ventrículo esquerdo, com um discreto aumento do volu-
desafio hídrico analisando parâmetros hemodinâmicos me sistólico. Em 2 a 3 batimentos cardíacos, chamados
antes e após a infusão de fluidos, idealmente parâmetros de tempo de trânsito pulmonar, essa diminuição de pré-
de fluxo (variação no débito cardíaco ou outros marca- -carga ao ventrículo direito acaba refletindo na pré-car-
dores do débito cardíaco, como o próprio VTI com eco- ga do ventrículo esquerdo, com uma redução posterior
cardiograma). Valores como a pressão arterial média, a do volume sistólico, que coincide com a fase expiratória
frequência cardíaca, pressão venosa central ou a diurese da ventilação mecânica. Com base nesse racional fisioló-
não são parâmetros fidedignos para predizer que um au- gico, alguns autores validaram há aproximadamente 15
mento no débito cardíaco realmente ocorreu. anos a variação da pressão de pulso (DPP) para predizer
Classicamente e ainda descrito em livros de Medici- responsividade a volume, com uma variação maior do
na Intensiva, Cirurgia e outras áreas, recomendou-se o que 13% sendo o valor de corte para tal fim. Contudo,
uso dos valores estáticos de PVC, pressão de oclusão de existem algumas limitações para a utilização desse mé-
artéria pulmonar (PAPO) e mesmo medidas estáticas de todo à beira do leito, pois alguns pré-requisitos são ne-
volumes diastólicos finais (VDF) do ventrículo esquerdo cessários, entre eles um volume corrente de no mínimo
e do ventrículo direito para se identificar em que ponto 8 mL.kg-1, baixos valores de PEEP, ventilação mecânica
da curva de Frank-Starling o paciente se encontrava e se controlada sem esforços espontâneos, ausência de ar-
o mesmo se beneficiaria de fluidos ou não.20 Essas foram ritmias cardíacas, além de não poder haver importante
as primeiras medidas utilizadas para se testar fluido- alteração da complacência pulmonar e a relação entre a
-responsividade, os chamados parâmetros estáticos. frequência cardíaca e a frequência respiratória não ser
Entretanto, sabe-se atualmente que tais parâmetros, in- muito baixa. Tendo em vista tais limitações e as atuais
felizmente, não tem qualquer valor para predizer repos- tendências em terapia intensiva de utilizar menos se-
ta a volume.9 No início do século XXI, múltiplos estudos dativos e manter os pacientes por mais tempo em ven-
procuraram identificar modos dinâmicos diversos para se tilação espontânea, essas estratégias tem sido cada vez
pesquisar a responsividade a volume a fim de evitar ex- menos utilizadas. Estudos observacionais mostram que
pansões volêmicas desnecessárias e potencialmente de- em apenas 1% a 5% dos pacientes na UTI seria possível
letérias em pacientes que não sejam fluido-responsivos.21 predizer a responsividade a volume com esses métodos
Contudo, uma grande limitação desses métodos são as atualmente.
pré-condições para que sejam utilizados.22 Neste capítulo, Tendo em vista as limitações dos métodos acima des-
abordaremos os seguintes métodos, por considerarmos critos, outros métodos vem sendo utilizados. O primei-
os mesmos mais aplicáveis no dia-a-dia: (1) variação da ro é a manobra da elevação passiva dos membros, que
pressão de pulso (DPP); (2) variação do volume sistólico é correspondente à infusão de 300 mL de sangue dos
(VVS); (3) variação da integral velocidade-tempo (DVTI); membros inferiores para o coração, sendo um desafio
(4) manobra de oclusão ao final da expiração (MOFE); e hídrico reversível. Para realizar a manobra, é necessá-
(5) manobra de elevação passiva dos membros (MEPM). rio que o paciente mantenha o ângulo de 135º antes (ou
Vale ressaltar que esses dois últimos métodos devem ser seja, cabeceira elevada a 45º) e após a manobra (ou seja,
acoplados à medida de débito cardíaco ou algum marca- cabeceira a zero graus, membros elevados a 45º), sem
dor substituto deste. Nenhum desses métodos é capaz de que haja algo impedindo o retorno venoso dos membros
prever com 100% de acurácia responsividade a volume. inferiores para o tórax, como hipertensão intra-abdo-
Portanto, em pacientes que tenham um monitor de débito minal.24 Idealmente, a elevação dos membros inferiores

Tratamento do Choque Circulatório 3331


deve ser realizada pela própria cama em que o paciente no venoso para o ventrículo esquerdo. Se a variação for
se encontra e estímulos como dor e desconforto devem maior do que 5% (seja no DPP, variação do débito cardía-
ser evitados, pois podem levar à descarga adrenérgica e co ou outros marcadores intermediários como o VTI), a
resultar em aumentos de pressão arterial ou do débito responsividade a volume é muito provável.
cardíaco. Por fim, não se deve utilizar a pressão arterial Por fim, quando nenhum desses métodos é passível
como medida de responsividade à manobra e, sim, algo de ser realizado, uma das possibilidades é se realizar
que meça o débito cardíaco em tempo real, como eco- um desafio hídrico. No dia a dia, muitos médicos fazem
cardiografia transtorácica (pelo VTI) ou mesmo pelos desafios hídricos observando variáveis como pressão
monitores de débito cardíaco minimamente invasivos, arterial, frequência cardíaca, débito urinário, porém ne-
uma vez que a variação do débito cardíaco ocorre em nhuma dessas variáveis ou suas combinações é capaz de
aproximadamente 1 minuto. Com a manobra, o débito predizer se o débito cardíaco irá aumentar ou não com
cardíaco deve ser avaliado 3 vezes: antes da mesma, 1 a infusão de fluidos. O desafio hídrico clássico consiste
minuto após elevação e após retorno à posição habitual. na administração de 300 a 500 mL de solução cristaloi-
Se houver uma variação no débito cardíaco maior do que de em um curto período de tempo (10 a 15 minutos),
10% a 15%, pode-se dizer que o paciente é responsivo a observando-se o débito cardíaco antes e após a infusão
volume e, se indicado, este pode ser administrado. de fluidos. Foi descrito também o método do mini-desa-
O teste ou manobra de oclusão ao final da expiração fio hídrico, com a administração de 100 mL de coloides
(MOFE) também se aproveita da interação cardiopulmo- em 1 minuto, porém, com os achados recentes de pio-
nar, porém não é influenciado por arritmias cardíacas res desfechos com o uso de coloides sintéticos na UTI,
nem por atividade de respiração espontânea, desde que não nos parece um método adequado para ser utilizado
esta não seja intensa.25 A manobra é realizada se fazendo habitualmente. A Figura 223.3 demonstra um possível
uma pausa expiratória de 15 segundos e observando a algoritmo para a tomada de decisão sobre como utilizar
variação que ocorre na pressão de pulso ou no débito esses múltiplos métodos para se testar fluido-responsi-
cardíaco, com o racional de que, se não há insuflação pul- vidade. Deve-se lembrar que, em primeiro lugar, vem a
monar por este período, haverá um aumento do retor- pergunta: será que este paciente necessita de expansão

Fases iniciais da sepse Administração


Sim
choque hipovolêmico franco empírica de fluidos

Não

Aumento de Não testar


Não
DC é necessário? fluido-responsividade

Sim

Ventilação
Não mecânica Sim
invasiva?

MEPM Sim Respiração respontânea? Não


desafio
hídrico MEPM ∆PP
TOFE ∆VTI
desafio VVS
hídrico

Figura 223.3 — Algoritmo para tomada de decisão para a administração de fluidos em pacientes com choque. Considerar que o
aumento de débito cardíaco é potencialmente necessário quando o paciente apresentar sinais de má perfusão tecidual.
MEPM: Manobra de Elevação Passiva dos Membros Inferiores; TOFE: Teste de Oclusão ao final da Expiração; DPP: variação da pressão de pulso; DVTI: variação da
integral velocidade-tempo; VVS: variação de volume sistólico.

3332 Tratado de Anestesiologia – SAESP


volêmica devido a parâmetros perfusionais inadequa- pamina, a adrenalina e a vasopressina como principais
dos? Se, pelo julgamento clínico, o paciente parece pre- fármacos disponíveis no Brasil. Destes, a noradrenalina
cisar de expansão volêmica, somente neste momento se é considerada atualmente o vasopressor de escolha.
deve testar fluido-responsividade. O uso de vasopressores para manter a pressão arterial
O tipo de fluido utilizado também pode fazer diferen- média alvo não é isento de riscos. Vasopressores puros
ça na prática clínica. Há muito tempo existe uma grande sem efeito inotrópico podem causar vasoconstrição peri-
controvérsia em relação ao tipo de fluido a ser utilizado férica excessiva. Outros, como a dopamina, podem causar
como expansor volêmico, principalmente a discussão mais arritmias mesmo em doses alfa, conforme demons-
coloides vs. cristaloides. Diversos estudos recentes au- trado no estudo de De Backer e col.31 Quando se compa-
xiliaram a dirimir essa dúvida. Basicamente, esses en- rou o uso de vasopressina versus o uso de noradrenalina
saios clínicos demonstraram que o uso de coloides (em no choque séptico, não se demonstrou superioridade de
especial os starches) está associado à maior incidência um sobre o outro, porém, ainda assim, alguns eventos is-
de disfunção renal e maior mortalidade.26,27 Há algumas quêmicos ocorreram em ambos os grupos.32
críticas aos estudos, mas, tendo em vista a evidência Em décadas passadas, o uso de vasopressores era
atual, o uso de coloides sintéticos não está indicado para recomendado apenas após reposições volêmicas vigo-
o manejo dos pacientes com choque na unidade de tera- rosas. Hoje sabe-se que, em especial em pacientes com
pia intensiva. Um dos coloides que pode ser utilizado é a choque séptico, a causa mais comum de choque na UTI,
própria albumina a 4%, cujo uso se demonstrou seguro o uso precoce de vasopressores após a exposição volê-
em um grande estudo australiano, porém o seu custo é mica inicial (20 a 30 mL.kg-1 de solução cristaloide), logo
proibitivo para a prática clínica quando comparado aos após a primeira hora, é recomendado, pois ele auxilia
cristaloides mais utilizados.28 Dessa forma, os cristaloi- na correção da vasodilatação induzida pela sepse atra-
des, com base na melhor evidência disponível até o mo- vés das vias do óxido nítrico tanto no território arterial,
mento, devem ser a solução de escolha para expansões resultando em aumento da pressão arterial, quanto em
volêmicas na UTI. território venoso, o que resulta em aumento do volume
Existe, dentre os cristaloides, ainda outra discus- estressado (volume circulatório que é responsável efe-
são, sobre as soluções balanceadas vs. não balanceadas tivamente pelo retorno venoso ao coração) e, portanto,
(principalmente em relação à quantidade de cloro pre- em aumento da pré-carga.10,33 Esse fenômeno é descrito
sente na solução). Diversos estudos experimentais de- com a noradrenalina e, com a adrenalina, pode atingir
monstraram que soluções ricas em cloro podem levar proporções maiores, pois esta tem maior efeito sobre a
à vasoconstrição renal e mesmo alguns estudos clínicos circulação venosa.
observacionais, incluindo o estudo antes-depois de Yu- A noradrenalina, após vários estudos comparati-
nos et al, tem demonstrado que o uso de soluções não vos, em especial com a dopamina, demonstrou-se tão
balanceadas, como o soro fisiológico, está associado a eficaz e menos tóxica (menor incidência de arritmias),
piores desfechos em termos de função renal, incluindo sendo que o subgrupo de pacientes com choque cardio-
maior necessidade de terapia substitutiva renal.29 Des- gênico foi o que mais teve malefício com a dopamina.
sa forma, também com base na melhor evidência atual, A noradrenalina exerce efeito alfa-adrenérgico potente
exceto em situações em que seja necessário o uso de so- (corrigindo, portanto, a vasodilatação) e discreto efeito
luções mais hipertônicas (como trauma multissistêmico inotrópico que compensa a possível queda no débito
com traumatismo cranioencefálico grave), habitualmen- cardíaco secundária a aumentos na pós-carga, o que já é
te deve-se preferir o uso de soluções balanceadas em demonstrado em estudos fisiológicos.
detrimento de soluções não balanceadas para as expan- A vasopressina, fármaco com efeitos puramente va-
sões volêmicas a serem realizadas na UTI. Vale ressaltar, sopressores ao se ligar aos receptores vasculares V1,
no entanto, que essa evidência não é definitiva e estudos demonstrou-se igualmente eficaz e segura em pacientes
prospectivos randomizados estão sendo realizados para com choque séptico quando administrada em uma dose
se chegar a conclusões mais apropriadas. fixa de 0,033 U/min (a despeito de ser descrita sua dose
de até 0,1 U/min), com uma tendência de benefício de
Vasopressores mortalidade em pacientes com doses intermediárias de
noradrenalina (5-15 µg.min-1). Contudo, esse uso eces-
Os vasopressores, após os fluidos, são a segunda te- sita de confirmação na literatura. Atualmente, pode ser
rapia de suporte mais utilizada nos estados de choque, utilizada como segundo vasopressor tanto precocemen-
em especial para pacientes com choque distributivo. Ha- te, com doses mais baixas de noradrenalina, quanto em
bitualmente, o seu uso está indicado em pacientes que pacientes que evoluem com choque refratário a doses
não sustentam uma pressão arterial alvo após a repleção mais altas desta. Do ponto de vista de segurança, doses
da volemia, quando indicada.30 Dentre os vasopressores maiores do que 0,033 U/min não foram estudadas ade-
utilizados nos dias de hoje, temos a noradrenalina, a do- quadamente e, portanto, não são recomendadas.

Tratamento do Choque Circulatório 3333


A dopamina, embora seja um fármaco que foi mui- Em resumo, a noradrenalina deve ser o vasopressor
to utilizado na década de 90 e início da década passa- de escolha em pacientes com choque distributivo (em
da, após um grande estudo em pacientes com choque de especial o choque séptico) e deve ser utilizada preco-
qualquer causa (séptico, hipovolêmico ou hemorrágico), cemente no choque séptico após a expansão volêmica
demonstrou-se potencialmente maléfica para pacientes inicial. Uma alternativa é a vasopressina, que pode ser
críticos e, portanto, o seu uso declinou substancialmen- adicionada em pacientes com choque refratário a doses
te e não é recomendada para o manejo de pacientes em crescentes de noradrenalina ou mesmo como terapêu-
estados de choque, sendo seu uso reservado apenas para tica inicial em doses baixas. Outra alternativa é a pró-
pacientes com bradiarritmias instáveis na chamada dose pria adrenalina, que pode ser utilizada habitualmente
beta (5-10 µg.kg-1. min-1). quando há suspeita de baixo débito cardíaco associado
Por fim, a adrenalina, outro fármaco catecolaminér- ao quadro de vasodilatação. Também é um fármaco que
gico, tem efeitos vasopressores moderados através dos pode ser associada à noradrenalina em situações de
receptores alfa-adrenérgicos e efeitos inotrópicos im- baixo cardíaco, que discutiremos na próxima seção. Por
portantes através dos receptores beta-1-adrenérgicos e, fim, hoje em dia, o uso da dopamina deve ser reservado
portanto, deve ser utilizada quando há necessidade de habitualmente apenas para bradiarritmias instáveis. Na
mais inotropismo do que correção de vasodilatação. Em Tabela 223.1 escrevemos os principais efeitos de cada
alguns centros da Austrália, é utilizada como vasopres- vasopressor e inotrópico e as doses que podem ser uti-
sor de primeira escolha e estudos de comparação com lizadas.
a noradrenalina não demonstraram piores desfechos
clínicos, apenas aumento na lactatemia (devido a uma Inotrópicos
maior produção de lactato não aeróbia) e uma possível
redução no fluxo sanguíneo esplâncnico.34,35 A dose su- O uso de inotrópicos não é isento de riscos na práti-
gerida para seu uso é altamente variável na literatura, ca clínica. A dobutamina, um dos inotrópicos mais utili-
com algumas referencias sugerindo doses de até 10-20 zados, pode levar à vasodilatação excessiva, arritmias e
mcg.min-1 e outros considerando que pode ser utilizada eventos miocárdicos isquêmicos quando usada em do-
assim como a noradrenalina até doses mais altas. ses altas a fim de atingir valores de DO2 supranormais

Tabela 223.1
Fármacos vasoativos mais utilizadas na prática clínica para o manejo de pacientes com choque
circulatório. Essa tabela não é extensiva em termos das indicações e de todos os efeitos colaterais que
podem ocorrer.
Fármaco Possíveis indicações Dosagem Ligação a Receptores Efeitos Colaterais
Catecolaminas
Noradrenalina (NA) Vasopressor de 1a escolha 0,01-3 mg.kg-1.min-1 a1 (4+/4+) > b1 (+/4+) Arritmias, bradicardia, isquemia
periférica
Dopamina Vasopressor de 2a escolha; bradicardia 2,5-20 mg.kg-1.min-1 DA > b1 > a1 Arritmias ventriculares, isquemia
sintomática Efeitos variam com a dose cardíaca ou periférica, taquicardia
Adrenalina Alternativa à NA como vasopressor; 0,01-0,1 mg.kg-1.min-1 a1 (4+/4+) ∼ b1 (3+/4+) Arritmias ventriculares, isquemia
Útil para choque refratário com baixo (Até 0,2) cardíaca, taquicardia
DC; bradicardia sintomática
Dobutamina Inotrópico de 1a escolha 2,5-20 mg.kg-1.min-1 b1 (4+/4+) > b2 (2+/4+) Arritmias ventriculares, isquemia
> a1 (+/4+) cardíaca, hipotensão, taquicardia
Inibidores de Fosfodiesterase
Milrinone Baixo DC (IC descompensada, Ataque: 50 mg.kg-1 em 10-30 N/A Arritmias ventriculares, isquemia
pós-cardiotomia); Falência de VD + minutos; Infusão 0,375-0,75 cardíaca, hipotensão
Hipertensão Pulmonar mg.kg-1.min-1
Agonistas da Vasopressina
Vasopressina Alternativa à NA como vasopressor; 0,01-0,04 U/min V1: musculatura lisa vascular Isquemia periférica, baixo débito
útil para choque com vasodilatação (Dose fixa 0,033 U/min) V2: ductos coletores renais cardíaco (se doses > 0,4 U/min)
refratária
Sensibilizadores de Cálcio
Levosimendan IC descompensada; pouco estudado Ataque: 12-24 mg.kg-1 em N/A Taquicardia, hipotensão
em estados de choque 10 minutos; Infusão
0,05-0,2 mg.kg-1.min-1

3334 Tratado de Anestesiologia – SAESP


e, portanto, a sua toxicidade não pode ser desprezada.17 corpóreo ou mesmo transplante cardíaco (em pacientes
Com as doses menores preconizadas atualmente, nos com IC terminal ou miocardite aguda grave).
recentes trabalhos multicêntricos em sepse, não se de- A dobutamina é o inotrópico mais utilizado na práti-
monstrou aumento de toxicidade com o seu uso, que foi ca clínica. É caracterizada por importante efeito beta-1-
indicado em uma pequena proporção de pacientes crí- -adrenérgico, aumentando a contratilidade miocárdica e
ticos. O uso de inotrópicos, portanto, deve ser indicado a frequência cardíaca, e por efeitos beta-2-adrenérgicos
judiciosamente em pacientes em que se suspeita da exis- que induzem vasodilatação sistêmica e arritmias, seus
tência de baixo débito cardíaco com a sua volemia otimi- principais efeitos colaterais. Na década de 90, doses
zada e que tenham uma pressão arterial média aceitável muito altas, até maiores do que 20 µg.kg.-1min-1, eram
para que o inotrópico possa ser utilizado, uma vez que utilizadas na prática clínica, porém hoje sabemos que
todas os fármacos inotrópicos frequentemente utiliza- mesmo doses mais baixas próximas a 2,5 mcg.kg-1.min-1
dos causam vasodilatação sistêmica, com a exceção da podem ser suficientes em caso de disfunção miocárdica
adrenalina. A farmacologia e os usos desses fármacos aguda na sepse. Pacientes com choque cardiogênico oca-
já foram revisados extensamente em algumas revisões sionalmente precisarão de doses mais altas, próximas
narrativas.30 ao limite de 20 µg.kg.-1min-1. Na prática clínica, sugeri-
Pacientes com choque distributivo raramente neces- mos que sejam utilizadas doses de maneira escalonada
sitarão de suporte com fármacos inotrópicos, a não ser e observando a resposta do paciente, da seguinte forma
quando já tenham alguma disfunção miocárdica sistólica (em µg.kg.-1min-1): 2,5 → 5 → 10 → 15 → 20. Se possível,
prévia que não seja capaz de adequar o débito cardíaco deve-se avaliar o índice cardíaco e observar a resposta
em quadros sépticos para obter parâmetros de perfusão após cada aumento (com 10-15 minutos de tempo para
avaliar). Caso isso não seja possível, deve-se guiar por
tecidual adequados ou em pacientes que desenvolvem a
parâmetros perfusionais ou atingir a dose máxima tole-
disfunção miocárdica aguda da sepse. A indicação do uso
rada. Ressalte-se que o desmame de inotrópicos deve ser
de inotrópicos, nessas situações, deve-se basear no acha-
realizado cautelosamente após atingida a meta proposta
do de parâmetros de perfusão inadequados (como má
para seu uso. Geralmente, fazemos o desmame no senti-
perfusão periférica, livedo, oligúria, aumento nos níveis
do inverso do proposto acima, a cada 12-24h e conforme
de lactato arterial, gap veno-arterial de CO2 aumentado
tolerância do paciente.
e baixos valores de SvcO2) após otimização volêmica.
A adrenalina vem surgindo nos últimos 10 anos como
Idealmente, deve-se documentar o estado de baixo dé-
fármaco a ser utilizado como inotrópico em pacientes
bito cardíaco com monitores de débito cardíaco ou, no
com choque séptico. Um estudo francês demonstrou
mínimo, através da avaliação subjetiva da contratilidade
igual eficácia e segurança em pacientes sépticos.34 Uma
miocárdica com o uso do ecocardiograma à beira-do-lei-
das principais vantagens de seu uso é a não indução de
to, pois os parâmetros de má perfusão tecidual podem
vasodilatação sistêmica e sua atuação como inopressor.
estar alterados devido a alterações da microcirculação e
Habitualmente, pode ser utilizada isoladamente em pa-
não devido a uma situação de baixo débito cardíaco. Se
cientes sépticos que tenham sinais de baixo débito car-
utilizados inadequadamente, inotrópicos podem levar a díaco e uma pressão arterial inadequada ou pode ser
piores desfechos em termos de mortalidade, sendo do- utilizada em pacientes com doses moderadas a altas de
cumentado claramente uma maior incidência de arrit- vasopressor que evoluam com baixo débito cardíaco a
mias e um aumento na dose de vasopressores quando fim de evitar hipotensão. Recomendam-se doses de 2
utilizados inodilatadores como a dobutamina.17 a 10 µg.min-1, podendo-se chegar até 20 mcg.min-1. Para ti-
O principal grupo de pacientes que necessita de tular a sua dose, se o objetivo também foi principalmente
inotrópicos são pacientes com choque cardiogênico, como inotrópico, sugerimos aumentar a dose (em µg.kg.-1
habitualmente desencadeado por uma das seguintes min-1) na seguinte sequência, observando-se também pa-
condições: (1) infarto agudo do miocárdico extenso ou râmetros como IC e de perfusão: 2 → 5 → 10 → 15 → 20.
com complicações mecânicas; (2) miocardite aguda gra- O seu desmame é um pouco mais difícil de ser realizado,
ve; (3) insuficiências valvares agudas (aórtica ou mitral); ocasionalmente necessitando de mudança do fármaco para
ou (4) insuficiência cardíaca congestiva em progressão dobutamina em pacientes dependentes de inotrópicos.
da doença. Nestas condições, deve-se entender o uso de O levosimendan, um sensibilizador de cálcio, tem seu
inotrópicos como uma terapia indicada para dar suporte uso documentado em alguns estudos fisiológicos e es-
à circulação como ponte para recuperação enquanto a tudos piloto, porém não há ainda grandes estudos que
condição de base é tratada (como a reperfusão da artéria justifiquem seu uso no dia-a-dia. Uma de suas vantagens
acometida em caso de infarto agudo do miocárdico ou é a ação por vias não adrenérgicas, através da sensibili-
o tratamento cirúrgico de complicação valvar aguda ou zação da fibra miocárdica ao cálcio, que não teria efeitos
complicação mecânica de infarto agudo do miocárdico) tóxicos adaptadacelulares. Contudo, uma de suas princi-
ou como ponte para outra terapia, como o suporte extra- pais desvantagens é que o seu uso em infusão contínua

Tratamento do Choque Circulatório 3335


pode ser associado à vasodilatação de difícil tratamento a ECMO veno-arterial; e (3) os dispositivos de assistência
e a efeitos prolongados e imprevisíveis. Portanto, na au- ventricular (DAV).36 Os dispositivos de assistência ventricu-
sência de maiores evidências ao seu favor, o seu uso não lar podem ser divididos em dispositivos percutâneos (e.g.,
é recomendado para pacientes em choque, sendo reser- Impella®, Tandemheart®), dispositivos paracorpóreos (e.g.,
vado apenas para pacientes com insuficiência cardíaca Centrimag®) e dispositivos implantáveis de longa duração
descompensada quando indicado. (e.g., Heartmate®). No manejo do choque cardiogênico, os
Por fim, os inibidores de fosfodiesterase III (amrinone dispositivos a serem utilizados inicialmente são aqueles
e milrinone) também são fármacos inotrópicos que tem que podem ser implantados mais rapidamente, basica-
como sua principal característica um importante efeito so- mente o BIA, a ECMO e os DAVs percutâneos. O principal
bre a circulação pulmonar, induzindo vasodilatação nesta conceito a se ter no manejo de pacientes com choque car-
circulação, mas também na circulação sistêmica. O milrino- diogênico é sobre o momento apropriado para a instalação
ne hoje é o fármaco de escolha, por causar menos efeitos de quaisquer desses dispositivos, que é antes da instalação
colaterais, sendo utilizada habitualmente em pacientes de da síndrome de disfunção de múltiplos órgãos decorrente
cirurgia cardíaca com hipertensão pulmonar, em alguns pa- da espiral do choque cardiogênico.
cientes com hipertensão pulmonar primária e disfunção de Classicamente, pacientes com choque cardiogênico
ventrículo direito em descompensação aguda e em pacien- tem sido manejados de rotina com o uso do BIA. Do ponto
tes com tromboembolismo pulmonar maciço com hiper- de vista fisiológico, o BIA é capaz de diminuir a pós-carga
tensão pulmonar grave e disfunção do ventrículo direito. A do ventrículo esquerdo e gerar um aumento da pressão na
dose a ser utilizada é descrita na tabela 223.1. raiz da aorta durante a diástole, podendo melhorar o des-
Em resumo, o uso de inotrópicos está indicado nas balanço entre oferta e consumo do miocárdico em uma si-
seguintes situações, com o objetivo de normalizar o dé- tuação de isquemia aguda. No entanto, dados recentes de
bito cardíaco (e não supranormalizar) em pacientes com estudos clínicos tem questionado a sua real efetividade na
parâmetros de perfusão tecidual inadequados: (1) cho- prática clínica, não se demonstrado eficaz no manejo de
que distributivo (principalmente séptico) com disfunção rotina de pacientes com choque cardiogênico após infar-
miocárdica aguda; (2) choque distributivo com disfun- to do miocárdio que tenham sido submetidos à revascu-
ção miocárdica prévia; e (3) choque cardiogênico com larização miocárdica precocemente.37 Portanto, embora
baixo débito cardíaco, incluindo nessa categoria pacien- possa ser utilizado em pacientes nessa condição, o uso do
tes com choque obstrutivo por TEP. Embora o fármaco BIA não deve retardar o uso de dispositivos que realmen-
de escolha habitualmente seja a dobutamina, a adrenali- te possam dar fluxos de sangue maiores e descarregar o
na pode ser utilizada com mais segurança em pacientes ventrículo esquerdo. Neste contexto, a ECMO-VA estará
com doses altas de vasopressor (seja a noradrenalina ou indicada em pacientes que tenham edema pulmonar im-
a associação com a vasopressina), pois não produz va- portante e dificuldades na ventilação mecânica conven-
sodilatação sistêmica. Não existem grandes estudos que cional ou naqueles que tenham disfunção de ventrículo
justifiquem o uso de levosimendan em pacientes com direito considerável, pois os dispositivos percutâneos não
choque e os inibidores de fosfodiesterase III, como o mil- são capazes de oferecer suporte mecânico ao ventrículo
rinone, podem ser indicados com cautela em pacientes direito.36 Em pacientes sem edema pulmonar grave e sem
com disfunção de ventrículo direito e hipertensão pul- disfunção do ventrículo direito, pode-se utilizar esses dis-
monar, inclusive pacientes com choque obstrutivo por positivos para dar suporte à circulação, mas a sua menor
tromboembolismo pulmonar maciço. disponibilidade e menor efetividade em termos de fluxo
gerado ainda assim tornam essas alternativas pouco atra-
Suporte mecânico extracorpóreo tivas à beira do leito. Outro uso promissor da ECMO-VA é
em pacientes com choque obstrutivo por TEP como medi-
Nas últimas duas décadas, o uso do suporte extracor- da temporizadora até que se possa desobstruir a circula-
póreo ganhou impulso tanto para o manejo de pacientes ção pulmonar.
com insuficiência respiratória (Oxigenação por Mem- O uso de quaisquer dos dispositivos de assistência
brana Extracorpórea venovenosa – ECMO-VV) quanto mecânica deve ter um objetivo claro. No choque cardio-
em pacientes com disfunção miocárdica grave e choque gênico após infarto agudo do miocárdio, habitualmente
cardiogênico (Oxigenação por Membrana Extracorpórea são utilizados como ponte para recuperação do atordoa-
venoarterial – ECMO-VA – ou dispositivos de assistência mento miocárdico, tendo em mente que o paciente deve
ventricular). Neste capítulo, não pretendemos discutir ser sempre submetido ao tratamento da causa de base
extensamente como é o manejo dos dispositivos, mas (no caso, reperfusão da artéria acometida, preferencial-
apenas entender o racional do seu uso. mente através do cateterismo cardíaco), sem o qual não
O suporte mecânico para pacientes com choque car- há sentido em se instituir essa terapia de suporte. Ou-
diogênico ou obstrutivo inclui basicamente 3 possibilida- tros objetivos são a chamada ponte para ponte, ponte
des: (1) o balão intra-aórtico de contra-pulsação (BIA); (2) para transplante ou mesmo terapia de destino em certas

3336 Tratado de Anestesiologia – SAESP


ocasiões, mas esses usos não fazem parte do escopo des- meta para expansão volêmica também foi extensamente
te capítulo. criticado.9 Por fim, o uso de dobutamina não foi avaliado
isoladamente em nenhum outro estudo clinico e os estu-
TRATAMENTO DA CAUSA DE BASE dos mais recentes mostram que a poucos pacientes com
choque séptico necessitam de suporte inotrópico.
Todos os estados de choque levam, de modo geral, à
via final comum de ativação da resposta inflamatória sis- Com isso em mente, foram realizados 3 grandes en-
têmica e consequente desenvolvimento de disfunção de saios clínicos multicêntricos que incluíram pacientes da
múltiplos órgãos. Na seção anterior, discutimos como dar Oceania (ARISE), Estados Unidos (PROCESS) e Europa
suporte à circulação de modo a atingir metas de macro e (ProMISE), que desafiaram o conceito da ressuscitação
micro-hemodinâmica e, assim, evitar o desenvolvimento guiada por metas nas primeiras 6 horas.39-41 A grande di-
de má perfusão tecidual, que também pode ser um perpe- ferença entre o primeiro trial e os últimos 3 se encontra
no manejo dos pacientes previamente à randomização,
tuador de outras disfunções orgânicas em pacientes com
que incluía a necessidade de coleta de culturas, anti-
choque. Nesta seção, será discutido o aspecto mais impor-
bioticoterapia em menos de uma hora e a ressuscitação
tante do tratamento do choque, que consiste em definir
volêmica instituída. Embora não tenha havido diferença
a sua causa o quanto antes a fim de iniciar a terapêutica
estatisticamente significante de mortalidade entre os
apropriada precocemente, antes do desenvolvimento da
grupos EGDT e o grupo cuidado habitual nesses estudos,
síndrome de disfunção de múltiplos órgãos.
isso não significa que o manejo dos pacientes com sepse
pode ser feito de qualquer forma. Hoje, com a maior aten-
Fundamentos do Tratamento do Choque Séptico ção dada à sepse, fica claro que, dos pacotes recomenda-
dos pela SSC, apenas o componente hemodinâmico com
O tratamento do choque séptico passou por uma re-
metas de ScvO2, PVC e Hb parece não ser absolutamente
volução durante a década passada em virtude do estudo
necessário. Contudo, a identificação precoce, o tratamen-
clássico liderado por Rivers et al.,18 em que, acoplada a
to do foco com antibióticos associado a procedimentos
uma estratégia de otimização hemodinâmica precoce,
cirúrgicos quando necessário, a prescrição de uma quan-
estava a coleta de hemoculturas e o início precoce de
antibioticoterapia empírica para pacientes com qua- tidade mínima de fluidos (20 a 30 mL.kg-1) e o uso pre-
dro clínico compatível com choque séptico. Na mesma coce de noradrenalina de modo a atingir metas de PAM
década, alguns estudos observacionais demonstraram são os componentes fundamentais do tratamento deste
uma associação entre a precocidade da introdução da grupo de pacientes. Deste modo, a SSC lançou uma atua-
antibioticoterapia (idealmente nas primeira hora, po- lização de suas recomendações, baseada nas novas evi-
rém em até 3 horas) e a precocidade na abordagem de dências disponíveis, que resume o entendimento atual
focos cirúrgicos (idealmente nas primeiras 6 horas) com da melhor prática médica a se instituir em pacientes com
melhores desfechos em pacientes com choque séptico. sepse ou choque séptico nas fases iniciais:
Todos esses achados levaram à criação da Campanha ™™ Pacote das 3 horas: (1) medir o valor do lactato; (2)
de Sobrevivência à Sepse, que tem publicado diretrizes obter hemoculturas previamente à administração de
a cada 4 anos orientando o manejo de pacientes com antibióticos; (3) administrar antibioticoterapia de am-
sepse e choque séptico de acordo com as novas evidên- plo espectro; (4) administrar 30 mL.kg-1 de cristaloide
cias que tenham surgido ao longo dos últimos anos.19 para hipotensão ou valores de lactato ≥ 4 mmol.L-1.
Classicamente, a SSC tem recomendado que se almeje o ™™ Pacote das 6 horas: (1) iniciar vasopressores (em
manejo hemodinâmico do paciente com sepse de acordo caso de hipotensão não responsiva à ressuscitação vo-
com o estudo clássico de Rivers et al., porém muito se lêmica inicial) tendo como objetivo meta de PAM ≥ 65
questionou a respeito de tal recomendação, em virtude mmHg; (2) medir novamente o lactato para verificar
de aquele estudo ter sido unicêntrico e não necessaria-
o clearance do lactato; (3) caso mantenha hipotensão
mente generalizável para toda a população de doentes
persistente que necessite de vasopressor ou se o valor
críticos. Outra limitação de tal trabalho é o fato de ele
inicial do lactato for ≥ 4 mmol.L-1, rever a perfusão te-
não ter iniciado a ressuscitação hemodinâmica dos pa-
cidual e a responsividade a volume do paciente.
cientes antes da randomização, o que pode ter resultado
nos valores anormalmente baixos de SvcO2 encontrados, Além do que é descrito nesses bundles, outras con-
que não são observados na prática clínica. Os diversos siderações devem ser feitas. Em pacientes que evoluam
componentes do bundle hemodinâmico foram ques- com disfunção miocárdica da sepse, deve-se fazer uso de
tionados por vários ensaios clínicos recentemente. O algum inotrópico, como a dobutamina. Além disso, em
estudo TRISS avaliou se atingir metas de hemoglobina pacientes que evoluem com choque refratário e com ne-
≥ 9 g.dL-1 vs ≥ 7 g.dL-1 era associado a melhores desfe- cessidade de doses crescentes de vasopressor, o uso de
chos e não demonstrou diferença em termos de morta- vasopressina em associação é sugerido a partir de 0,3-
lidade.38 Além disso, o uso do valor isolado de PVC como 0,5 mcg.kg-1.min-1 de noradrenalina, assim como o uso

Tratamento do Choque Circulatório 3337


de corticosteroides em dose estresse como medida de de sangue correspondente a uma volemia (75 mL.kg-1)
resgate em situações extremas. ou superior em 24 horas (10-12 U de concentrado de he-
mácias em um indivíduo adulto); (2) reposição equiva-
Fundamentos do Tratamento do Choque lente a 50% da volemia corporal de sangue em 3 horas;
(3) perda de sangue de 1,5 mL.kg.-1min-1 por pelo menos
Hipovolêmico
20 minutos. A literatura de onde se derivou esse trata-
As causas de choque hipovolêmico podem basica- mento é oriunda do tratamento de soldados em guerras
mente ser distribuídas em 2 grandes grupos: choque e não necessariamente pode ser aplicada ao tratamento
hemorrágico e choque hipovolêmico não hemorrágico. de traumas civis, porém há um importante racional no
Pacientes com choque hipovolêmico não hemorrágico uso do protocolo de transfusão maciça. Basicamente, a
puro habitualmente se apresentam com quadro clínico perda de sangue resulta na perda de hemácias, plaque-
característico (diarreia profusa, vômitos incoercíveis, tas e de fatores de coagulação. Se o paciente perder gran-
outros tipos de perdas externas) e o tratamento é bas- de parte de sua volemia, é necessária a reposição dos 3
tante direto. Basicamente, deve-se corrigir a volemia componentes (concentrado de hemácias, plasma fresco
com expansões volêmicas repetidas até atingir parâ- congelado e plaquetas) em igual proporção (1:1:1) para
metros hemodinâmicos adequados, além de ter aten- se evitar o desenvolvimento de coagulopatia grave, um
ção especial a eventuais distúrbios hidroeletrolíticos dos principais determinantes da mortalidade precoce de
concomitantes. Vale lembrar que mesmo pacientes com pacientes com trauma.
choque hipovolêmico, se permanecerem por algumas
Além disso, o manejo da coagulopatia é fundamen-
horas com má perfusão tecidual, podem ativar a cascata
tal (Figura 223.4).42 Além de considerar o protocolo de
inflamatória, levando a um quadro de síndrome da res-
transfusão maciça em situações extremas, deve-se veri-
posta inflamatória sistêmica e, em última instância, ne-
ficar se as pré-condições para a coagulação estão ade-
cessitarem de vasopressores, mas isso não é a regra. Se
quadas (calcemia adequada, correção de hipotermia e
possível, deve-se tentar tratar a causa desencadeante do
de acidose), sem as quais a coagulopatia pode persistir.
quadro, porém um quadro diarreico viral não será passí-
Na fisiopatologia do choque hemorrágico traumático,
vel de tratamento específico habitualmente.
também é bem descrito a ativação da via fibrinolítica
O choque hemorrágico é uma situação especial dentre
em excesso, resultando em hiperfibrinólise. Com o en-
os pacientes com choque hipovolêmico. Além de evoluí-
tendimento dessa condição, um grande estudo clínico
rem com diminuição do débito cardíaco por diminuição
demonstrou que o uso de ácido tranexâmico em dose
da pré-carga, faz parte da fisiopatologia uma diminuição
de ataque (1g em 20 minutos) e manutenção (1g em 8
do transporte de oxigênio por perda direta de hemácias.
horas), quando administrado nas primeiras horas após
Ademais, pacientes com choque hemorrágico franco po-
dem evoluir com coagulopatia grave que perpetua o san- o trauma com evidências de instabilidade hemodinâmi-
gramento e deve ser agressivamente corrigida e tratada. ca (PAS < 90 mmHg ou FC > 110 bpm), está associado a
As causas de choque hemorrágico também são diversas, menos sangramento e melhores desfechos clínicos. So-
porém as mais frequentes consistem no traumatismo mente após a verificação das pré-condições e da rever-
multissistêmico com hemorragia possivelmente prove- são da hiperfibrinólise, deve-se considerar a transfusão
niente de diversos sítios (e.g., trauma abdominal con- de outros hemocomponentes. Habitualmente, antes de
tuso com laceração esplênica ou hepática, traumatismo necessitar da administração de plasma ou plaquetas, o
penetrante com lesão de grandes vasos, trauma pélvico fibrinogênio é consumido em pacientes com choque he-
extenso), além de pacientes com hemorragia digestiva. morrágico de origem traumática e deve-se considerar
O manejo hemodinâmico de pacientes com choque a transfusão de crioprecipitado ou reposição de fibri-
hemorrágico consiste basicamente na administração de nogênio puro (quando disponível) para pacientes com
hemocomponentes. Fluidos podem ser utilizados como fibrinogênio plasmático ≤ 150 mg.dL-1. Além disso, de-
uma estratégia inicial, mas pacientes pouco responsivos ve-se monitorizar o tempo de protrombina a fim de se
à infusão de fluidos ou com resposta transitória a estes verificar a necessidade de transfusão de plasma fresco
devem ser avaliados imediatamente quanto à necessi- congelado ou complexo protrombínico em caso de san-
dade de concentrados de hemácias, conforme discutido gramento persistente. Outra forma para se guiar a tera-
na seção anterior sobre o uso de fluidos. Vale ressaltar pia transfusional nesses pacientes é através da terapia
que hipotensão é uma resposta tardia no choque hemor- guiada por metas com o uso de medidas viscoelásticas
rágico e deve ser interpretada como sinal de extrema (tromboelastografia), que torna o uso de hemocompo-
gravidade nesse grupo de pacientes. Pacientes com san- nentes mais racional e resulta num menor consumo e
gramento maciço devem ser avaliados quanto à necessi- exposição dos pacientes à terapia transfusional. Porém,
dade de se abrir o protocolo de transfusão maciça (PTM), não é o do escopo deste capítulo discutir a terapia trans-
que está indicado nas seguintes situações: (1) reposição fusional guiada por metas viscoelásticas.

3338 Tratado de Anestesiologia – SAESP


rFVIIa/ rFVIIa: 100 µp/kg
FXIII FXIII: 10-20 IU/kg

Plaquetas Conc. Plaquetas: 1U/10 kg


(<50 G/L oU <100 G/I in TBI) +/– desmopressina 0,3µp/kg

Geração de trombina PCC: 500-2000IU e/ou


(INR >1,5 ou EXTEM CT >80s) FFP: 15-30 ml/kg

Fibrinogênio FC: 3-6 g or


(<1,5 g/l oU FIBTEM CA10 < 7 mm) FFP: 15-30 ml/kg

Hiperfibrinolise TXA:
(no trauma grave/choque ou EXTEM ML >15%) 15-20 mg/kg

Anticoagulação?
(Aspirina, clopidogrel, plaquetas 5-10 U +/– desmopressina 0.3 µg/kg
varfarina: PCC 25 IU/kg ou FFP 15-20 ml/kg
Heparina: protamina 1 mg/100 IU heparina)

Gatilhos fisiológicos
(TC > 35 oC; pH >7,2; Cai >1 mmol/l; Hb ~7-9 g/dl)

Intervenções cirúrgicas
(Bandagem compressiva, compressão pélvica, controle do dano cirúrgico, embalagem)

Figura 223.4 — Pirâmide do tratamento da coagulopatia no choque hemorrágico. Atentar que o uso de hemocomponentes deve vir após
intervenções mais básicas, como intervenções cirúgicas, correção de anormalidade fisiológicas, reversão do uso de anticoagulantes e
correção de hiperfibrinólise, em especial no trauma.
Adaptada de Intensive Care Med (2015) 41:712–714.

O manejo transfusional e da coagulopatia é também plaquetas se houver plaquetopenia; e (7) reservar a trans-
uma medida de suporte para pacientes com choque he- fusão de fator VII ativado apenas para casos que sejam re-
morrágico. O fundamental no tratamento dessa condi- fratários às medidas anteriores. Pacientes exsanguinando
ção consiste na remoção da causa do sangramento. Esse podem se beneficiar do protocolo de transfusão maciça
tratamento pode ser cirúrgico em pacientes com trauma ou da terapia guiada por metas viscoelásticas (com o
contuso abdominal, pode ser simplesmente a compres- tromboelastograma). Por fim, o tratamento da causa do
são pélvica em pacientes com trauma pélvico, podendo sangramento deve ser a prioridade maior no manejo des-
incluir a radiologia vascular intervencionista em algumas ses pacientes, sem o qual as medidas de suporte não serão
ocasiões com a embolização de focos de sangramento, ou efetivas.
pode ser a cirurgia de controle de danos em pacientes
exsanguinando. Pacientes com hemorragia digestiva, por Fundamentos do Tratamento do Choque Obstrutivo
outro lado, não devem ter a endoscopia digestiva alta pos-
tergada devido à instabilidade hemodinâmica, pois a de- O choque obstrutivo não apresenta uma gama muito
mora no tratamento pode levar à morte. Nessa condição, grande de possíveis causas, porém deve entrar no diag-
o serviço de endoscopia deve ser acionado enquanto se nóstico diferencial inicial, pois o seu tratamento precoce
realizam as medidas para reverter o choque hemorrágico. pode interromper imediatamente o desenvolvimento de
Em resumo, o manejo do choque hipovolêmico não outras disfunções orgânicas.
hemorrágico deve focar na administração de cristaloides Pacientes com pneumotórax hipertensivo podem ser
isotônicos. Pacientes com choque hemorrágico devem ter reconhecidos facilmente à beira-do-leito, sendo o seu
o adequado suporte transfusional com concentrado de diagnóstico clínico. O tratamento consiste na punção
hemácias e o manejo da coagulopatia de forma progres- imediata do segundo espaço intercostal ipsilateral na
siva,42 através de um racional fisiopatológico que envolve, linha hemiclavicular com um dispositivo cateter-sobre-
nessa ordem: (1) manter as pré-condições para a coagula- -agulha (Gelco®), seguido pela drenagem de tórax.
ção corrigidas (calcemia, pH, temperatura); (2) reversão O tamponamento cardíaco é uma outra causa de cho-
de fármacos antitrombóticos que o paciente vinha em que obstrutivo. Pode ocorrer em pacientes com trauma,
uso; (3) reversão da hiperfibrinólise, quando existente; bem como em pacientes com causas diversas de peri-
(4) reposição de fibrinogênio quando houver deficiên- cardite, como a pericardite neoplásica a pericardite tu-
cia deste; (5) reposição de fatores da coagulação quando berculosa, ou mesmo a pericardite lúpica. Hoje, além do
houver evidências de deficiência destes; (6) transfusão de quadro clínico clássico, mas inespecífico, de dispneia,

Tratamento do Choque Circulatório 3339


bulhas abafadas, turgência jugular e hipotensão, com o aumento importante nas suas pressões de enchimento
advento da ecocardiografia, a suspeita de tamponamen- em virtude da menor espessura de sua parede. Se o pa-
to cardíaco pode facilmente ser confirmada. Dos achados ciente com falência aguda do ventrículo direito evoluir
clínicos, vale lembrar que o pulso paradoxal é um dos com hipotensão, a isquemia miocárdica pode se instalar
maiores indícios de fisiologia de tamponamento e deve e levar a um ciclo vicioso de piora do débito cardíaco e
ser sempre investigado nessa condição. Uma vez feita a mais hipotensão. Por esse motivo, hipotensão não deve
hipótese diagnóstica e com a fisiologia de tamponamento ser tolerada e valores de PAM ≥ 65 mmHg devem sempre
documentada através do ecocardiograma, deve-se rea- ser almejados. Nesse caso, o vasopressor de escolha tam-
lizar uma pericardiocentese de alívio imediatamente ou bém é a noradrenalina; e o inotrópico de escolha, quan-
aguardar a intervenção urgente por parte de um cirurgião do necessário, é a dobutamina. Se for preciso associar
cardiotorácico que possa realizar o procedimento de ja- outro vasopressor, a vasopressina pode ser utilizada,
nela pericárdica. A vantagem do procedimento cirúrgico pois não apresenta efeitos tão potentes sobre a circula-
é a possibilidade de já se realizar biópsia do pericárdio ção pulmonar. No contexto de pacientes com instabili-
no mesmo procedimento, que pode ser muito útil para o dade hemodinâmica e baixo débito cardíaco persistente
diagnóstico etiológico da causa do derrame pericárdico, com resistência vascular pulmonar muito elevada, pode-
devendo ser o procedimento de escolha, quando acessível -se considerar o uso adjuvante de milrinone, devido ao
e houver tempo para tal. Pacientes em situação extrema seu potente efeito vasodilatador pulmonar, diminuindo
não devem aguardar o procedimento cirúrgico e uma pe- a pós-carga do ventrículo direito, porém isso pode levar
ricardiocentese deve ser imediatamente realizada à bei- à hipotensão arterial sistêmica em alguns pacientes. Faz
ra-do-leito. Geralmente, basta a retirada de 10-20 mL de parte do manejo hemodinâmico desses pacientes tam-
líquido pericárdico para se aliviar a fisiologia de tampo- bém considerar o uso de óxido nítrico inalatório com
namento e reverter o choque. O líquido retirado também o objetivo de otimizar a perfusão em regiões com ven-
deve ser enviado para o laboratório a fim de se determi- tilação adequada e vasodilatar as áreas acessíveis pela
nar a etiologia do derrame pericárdico. ventilação com consequente redução da pós-carga do
ventrículo direito. Embora não haja estudos randomiza-
Pacientes com tromboembolismo pulmonar agudo
dos demonstrando benefício de mortalidade, o seu uso
podem evoluir com instabilidade hemodinâmica em
deve ser considerado em pacientes que se apresentam
uma pequena proporção de casos, quando a obstrução
em condição extrema, quando disponível. Outro ponto
da circulação pulmonar é tão grande a ponto de aumen- crítico no manejo hemodinâmico de pacientes com fa-
tar a resistência vascular pulmonar e levar ao cor pulmo- lência aguda do ventrículo direito é a má tolerância a
nale agudo (disfunção de ventrículo direito) com baixo arritmias agudas. Devem-se envidar todos os esforços a
débito cardíaco e choque. fim de se tratar agressivamente arritmias e evitar taqui-
Um dos aspectos do manejo desses pacientes é dar cardias extremas, pois isso prejudica em última instân-
suporte cardiovascular conforme necessário.43 Habi- cia o enchimento do ventrículo esquerdo e pode piorar
tualmente, se o paciente evoluir com hipotensão, o uso ainda mais o débito cardíaco.
de fluidos e expansões volêmicas, apesar de poder ser Por fim, pacientes com TEP maciço refratários às
realizado, pode ser deletério e paradoxalmente levar a medidas de manejo hemodinâmico iniciais são fortes
uma redução do débito cardíaco, explicado pelo meca- candidatos ao suporte mecânico extracorpóreo com
nismo de Boerheim reverso. Basicamente, com o aumen- a ECMO-VA, que é uma terapia capaz de interromper
to súbito da resistência vascular pulmonar e da pressão todo o processo fisiopatológico fazendo um bypass da
arterial pulmonar, o ventrículo direito não é capaz de circulação pulmonar através do circuito extracorpóreo.
tolerar essas pressões e acaba apresentando importante Desta forma, retira-se o sangue através da veia cava infe-
dilatação, rechaçando o septo interventricular contrala- rior e devolve-se o mesmo na aorta torácica (canulação
teralmente e impedindo o enchimento adequado do ven- fêmoro-femoral veno-arterial). A decisão de se iniciar o
trículo esquerdo durante a diástole. Com uma expansão suporte extracorpóreo tem o mesmo racional de pacien-
volêmica, o que pode ocorrer é um aumento ainda maior tes com choque cardiogênico, ou seja, deve ser tomada
da dilatação do ventrículo direito, desvio do septo para a rapidamente antes do desenvolvimento da síndrome de
esquerda, diminuição do volume do ventrículo esquerdo disfunção de múltiplos órgãos e da resposta inflamatória
e, por fim, um menor volume sistólico. Deste modo, fica sistêmica decorrente do choque obstrutivo.
claro que o uso de fluidos deve ser evitado, se possível, Além do manejo hemodinâmico, é de fundamental im-
em pacientes com TEP maciço e as medidas de suporte portância garantir adequada oxigenação do paciente com
devem focar em outras estratégias, basicamente através TEP maciço, pois a hipoxemia é um importante indutor
de fármacos vasoativos. de vasoconstrição pulmonar e pode piorar a pós-carga do
Outro ponto importante no manejo hemodinâmico ventrículo direito. Por fim, quando é necessária a ventila-
desses pacientes consiste no fato de o ventrículo direito ção mecânica, ela deve ser o mais protetora possível para
ser muito sujeito à isquemia miocárdica em vigência de o ventrículo direito, ou seja, com PEEPs baixas e pressões

3340 Tratado de Anestesiologia – SAESP


de distensão baixas, a fim de evitar sobredistensão pul- grave, insuficiências valvares agudas ou pacientes com
monar e vasoconstrição pulmonar mecânica em áreas insuficiência cardíaca terminal.
hiperinsufladas, que podem piorar a pós-carga do ventrí- A descrição clássica do choque cardiogênico envolve
culo direito e resultar em descompensação do mesmo. o fato de a lesão miocárdica aguda de mais de 40% do
Independente de como o suporte hemodinâmico e tecido resultar em disfunção sistólica e diastólica. A di-
respiratório for realizado, o ponto mais importante no minuição do débito cardíaco leva a uma diminuição da
manejo de pacientes com TEP maciço consiste na re- perfusão sistêmica e coronariana, que, por sua vez, exa-
perfusão da artéria pulmonar, que pode ser realizado cerba a isquemia e causa mais morte celular nas zonas de
basicamente de 4 formas: (1) trombólise sistêmica; (2) isquemia limítrofes. A má perfusão sistêmica resulta em
trombólise intra-arterial in situ; (3) trombectomia me- vasoconstrição sistêmica reflexa, que, contudo, é insufi-
cânica; e (4) tromboendarterectomia cirúrgica. O trata- ciente para manter a perfusão tecidual. Nos últimos anos,
mento cirúrgico raramente é indicado nessa situação, foi descrita também a ativação da resposta inflamatória
sendo um procedimento de altíssimo risco e em geral sistêmica em pacientes com choque cardiogênico – como
utilizado para pacientes com TEP crônico. Na ausência em qualquer quadro de choque –, o que pode limitar a
de contraindicações, a trombólise sistêmica deve ser resposta vasoconstritora compensatória e contribuir
realizada o quanto antes. No entanto, frequentemente para a evolução da disfunção miocárdica.44 Nesse contex-
pacientes com TEP tem alguma contraindicação em vir- to, o estudo SHOCK demonstrou que pacientes em choque
tude da realização de procedimentos cirúrgicos recentes. cardiogênico se beneficiam da revascularização precoce
Neste contexto, quando disponível no serviço, deve-se da artéria culpada, com aumento de sobrevida com qua-
considerar a estratégia de reperfusão via radiologia vas- lidade de vida em longo prazo, voltando à funcionalida-
cular intervencionista pesando-se os riscos e benefícios de normal quando adequadamente tratados.45 Mais uma
da trombólise in situ, que também pode ser associada a vez, o tratamento da causa de base é fundamental para a
sangramentos, e da trombectomia mecânica. O uso des- reversão do choque e inclui a realização precoce do cate-
sas estratégias também não tem evidências fortes na li- terismo cardíaco para se chegar ao diagnóstico e, a partir
teratura, mas diversas séries de casos tem demonstrado daí, decidir se o melhor tratamento será endovascular
taxas de sobrevida maiores e menos complicações com o com a colocação de stents coronarianos ou possivelmente
surgimento de melhores dispositivos. cirúrgico (cirurgia de revascularização miocárdica).
Em resumo, o manejo de pacientes com TEP maciço Outro conceito fundamental no desenvolvimento do
envolve os seguintes conceitos: (1) a hipotensão deve choque cardiogênico é que ele pode ser uma condição
ser agressivamente tratada com vasopressores; (2) os desencadeada iatrogenicamente em pacientes limítro-
fluidos devem ser utilizados com muita cautela, pois fes.44 Muitos dos tratamentos empregados de rotina para
podem piorar paradoxalmente o débito cardíaco; (3) a pacientes com IAM podem levar a uma descompensação
hipóxia não deve ser tolerada e deve-se considerar o uso da resposta neuro-humoral que mantém a perfusão te-
de fármacos com potencial efeito vasodilatador pulmo- cidual nessa condição. Dessa forma, o uso de diuréticos
nar no manejo hemodinâmico (como o milrinone e o óxi- pode resultar em hipovolemia relativa e desencadear
do nítrico inalatório); (4) o suporte extracorpóreo com a o estado de choque, o uso de betabloqueadores preco-
ECMO veno-arterial pode ser considerado em pacientes cemente em pacientes de risco pode bloquear a taqui-
com instabilidade hemodinâmica persistente a despeito cardia compensatória que mantém o débito cardíaco
do tratamento instituído antes do desenvolvimento da minimamente adequado à perfusão tecidual e o uso de
SDMO; (5) o tratamento da obstrução da circulação arte- inibidores da enzima conversora de angiotensina pode
rial pulmonar em si é o ponto crítico do tratamento, sem bloquear a ativação reflexa do sistema renina-angioten-
o qual o restante do manejo pode ser fútil. sina-aldosterona (SRAA), inibindo a vasoconstrição pe-
riférica necessária na fase aguda.
Fundamentos do Tratamento do Choque O manejo hemodinâmico de pacientes com choque
cardiogênico apresenta algumas particularidades. Além
Cardiogênico
de contar com o uso de fármacos vasoativos, frequente-
O choque cardiogênico é responsável por uma pro- mente necessita de suporte mecânico, conforme descri-
porção menor dos casos de choque em UTI geral, porém to nas seções anteriores.
unidades coronarianas de alto volume e unidades de
pós-operatório de cirurgia cardíaca podem se confron-
Outras Considerações no Manejo do Choque
tar com essa situação frequentemente. A causa mais
comum desta condição é o infarto agudo do miocárdio O tratamento do choque não envolve apenas a es-
(IAM), pois pacientes com IAM com elevação do segmen- tabilização hemodinâmica e o tratamento da causa de
to ST (IAMEST) apresentam choque cardiogênico em 5% base. Grande parte da melhora dos cuidados aos doen-
a 8% dos casos. Outras causas incluem miocardite aguda tes críticos com choque envolveu o reconhecimento da

Tratamento do Choque Circulatório 3341


importância do manejo geral do paciente grave. Alguns avaliação caso-a-caso da melhor estratégia transfusional
preceitos básicos devem ser sempre lembrados no dia a a ser realizada.
dia do manejo de pacientes com choque: O uso de corticosteroides no choque também tem
1. Profilaxia de tromboembolismo venoso; sido alvo de grande debate e controvérsia na literatura.
2. Profilaxia de úlcera de estresse; Com base na evidência atual, não se recomenda o uso
dessas substâncias de rotina.46 Em pacientes com cho-
3. Minimizar o uso de sedativos. Choque não é uma in-
que séptico refratário às medidas de ressuscitação he-
dicação de uso de sedativos na UTI;
modinâmica e com doses altas de vasopressor, pode-se
4. Prover suporte nutricional assim que houver estabi- considerar o uso de hidrocortisona em dose estresse
lização hemodinâmica. (200 a 300 mg/dia), conforme recomendado pela SSC.
Pacientes que evoluem com injúria renal aguda são Em outras condições, não há muitos estudos para se ava-
sabidamente pacientes de maior gravidade, em especial liar bem o perfil risco-benefício dessas substâncias na
se apresentarem oligúria e se a disfunção renal for per- prática clínica.
sistente. No manejo de pacientes com choque, não há O controle glicêmico também foi alvo de alguns es-
evidências claras de que o uso de métodos de terapia tudos e de controvérsia. Atualmente, recomenda-se que
substitutiva renal lenta seja capaz de modificar a his- não seja realizado controle estrito da glicemia, devendo-
tória natural da doença. Contudo, acreditamos que os -se almejar valores de glicemia de 140-180 mg.dL-1.
pacientes mais graves que se apresentem com anúria,
acidose metabólica persistente e com altas doses de va- INTEGRANDO CONCEITOS – ABORDAGEM
sopressores, dentre outras condições, provavelmente
se beneficiam de métodos lentos de substituição renal.
GERAL AO TRATAMENTO DO CHOQUE
Doses mais altas de diálise também não se mostraram Ao longo deste capítulo, foram discutidas diversas es-
benéficas. Muitos pacientes não necessariamente evo- tratégias a serem utilizadas no manejo do choque, desde
luirão com necessidade de terapia substitutiva renal, como reconhecê-lo, qual ferramenta de monitorização
porém a injúria renal aguda pode contribuir para o utilizar, medidas de suporte à circulação, medidas para
acúmulo de fluidos nesses pacientes. Consideramos de tratar a causa de base e outras medidas gerais funda-
fundamental importância, após as primeiras 24 horas mentais. Recentemente, foi sugerida uma abordagem
da ressuscitação hemodinâmica, manter um controle conhecida como SOSD, do inglês salvage, optimization,
estrito do balanço hídrico, evitando balanços hídricos stabilization, de-escalation. Assim sugere-se fortemente
excessivamente positivos e, se possível, em fases tardias que esta abordagem seja utilizada para integração de
(após 48-72 horas), quando da melhora hemodinâmica, conceitos. Entender em que momento da história natu-
devem-se utilizar diuréticos se necessário almejando a ral da doença o paciente se encontra e quais as medidas
retirada de fluidos. apropriadas àquela situação é um dos maiores desafios
O desenvolvimento da síndrome do desconforto res- no manejo do doente crítico, mas é fundamental para
piratório agudo é comum em pacientes com choque. In- integrar a arte e a ciência envolvidas no manejo dessa
dependente da causa e dos fatores contribuintes, para população.
se atingir melhores resultados nesses pacientes são ne-
cessários dois componentes: (1) prover uma estratégia
protetora de ventilação mecânica; e (2) prover manejo
Resgate (Salvage)
conservador tardio de fluidos, especialmente em pacien- Essa fase ocorre na abordagem inicial do paciente. O
tes que tenham desenvolvido IRA concomitante. objetivo é não deixar que o paciente venha a morrer, e
O desenvolvimento de anemia na doença crítica é ou- tem como objetivo atingir uma PAM mínima compatível
tra condição frequente. Com a exceção de pacientes com com a vida (no jargão da beira do leito, “colocar uma PA
choque hemorrágico, onde o uso de concentrados de na tela”). Para tanto, vale o acrônimo MOV (Monitoriza-
hemácia deve se guiar por parâmetros hemodinâmicos, ção, oxigênio suplementar, acesso venoso), expansão vo-
raramente a transfusão de hemocomponentes é neces- lêmica empírica em ambos os antebraços e considerar
sária em pacientes com choque. De modo geral, deve-se o uso de vasopressores mesmo em veias periféricas, se
considerar como gatilho transfusional o valor de hemo- necessário. Esta fase ocorre em minutos. Uma vez que
globina menor do que 7 g.dL-1. Isso já foi demonstrado se tenha conseguido a “PA na tela”, passamos para a pró-
eficaz e seguro em diversos contextos. Algumas exceções xima fase.
a isso são o pós-operatório de cirurgia cardíaca e pa-
cientes com doença arterial coronariana, onde o gatilho
Otimização
transfusional ainda não é claro, mas deve ser considera-
do 8 g.dL-1. Além disso, pacientes com politrauma e trau- Neste ponto, deve-se fazer o diagnóstico diferencial
matismo cranioencefálico concomitante devem ter uma da causa do choque tanto através do exame clínico como

3342 Tratado de Anestesiologia – SAESP


também usando ecocardiograma. Sem ter um diagnósti- do insulto inicial. Devem-se retirar os acessos venosos
co presuntivo em mente, não é possível otimizar a circu- centrais assim que o paciente não necessitar mais dos
lação. A partir desta fase, consideramos que a expansão mesmos, assim como a sonda vesical de demora. Deve-se
volêmica empírica inicial já foi realizada (quando indica- extubar o paciente assim que possível, conforme melho-
da) e se, possível, se realizará a avaliação de fluido-res- res práticas de Medicina Intensiva. Por fim, deve-se mo-
ponsividade antes de se administrar mais fluidos. Essa bilizar o paciente do leito, ainda que com doses baixas de
é a fase de se otimizar a circulação com fluidos e uso vasopressor, para evitar complicações da doença crítica.
precoce de noradrenalina para manter uma PAM alvo Neste momento, é fundamental se lembrar que quanto
adequada (65 a 70 mmHg na maioria dos casos). Nes- antes o paciente não precisar do suporte intensivo, me-
se momento, o paciente poderá precisar ou já ter sido lhor será para o mesmo, pois estará menos sujeito às
intubado e pode necessitar de sedativos, mas deve-se múltiplas possíveis iatrogenias que podem ocorrer com
usar o mínimo necessário. Na ventilação, deve-se estar o paciente grave.
atento aos distúrbios metabólicos apresentados e cuidar
para que acidemia grave não ocorra em pacientes com
CONCLUSÃO
acidose metabólica importante. Para isso, pode ser ne-
cessário o uso de volumes correntes ainda fora das fai- O presente capítulo teve como objetivo atualizar o
xas consideradas protetoras. Contudo, com a otimização leitor para o entendimento no manejo do choque. Os se-
dos parâmetros perfusionais, a acidose metabólica deve- guintes conceitos devem ser reafirmados:
-se corrigir e logo uma estratégia de VM protetora será
1. Reconhecer precocemente o choque circulatório e ini-
instituída. Consideramos que um paciente foi otimizado
ciar uma estratégia de tratamento empírica baseada
quando são atingidas metas aceitáveis de macrohemo-
nas principais hipóteses diagnósticas é fundamental;
dinâmica e de microhemodinâmica, ou seja, a perfusão
periférica está adequada, lactato clareando, melhora do 2. Tratar agressivamente a causa de base deve sempre
nível de consciência, etc. Alguns pacientes, a despeito de ser uma meta. Isso inclui antibioticoterapia empírica,
medidas apropriadas, não reverterão o estado de cho- controle do foco infeccioso e reposição de fluidos nas
que e abordagens mais agressivas devem ser utilizadas, primeiras horas em pacientes com choque séptico;
como o uso de múltiplos vasopressores, o uso de inotró- manejo concomitante da coagulopatia e tratamento
picos se possível guiado pela medida do débito cardíaco, cirúrgico ou endovascular precoce em pacientes com
levando-se sempre em consideração a possibilidade de choque hemorrágico por trauma; reperfusão da ar-
reversão da causa de base. téria acometida em caso de infarto agudo do miocár-
dio; ou mesmo a reperfusão da artéria pulmonar em
caso de tromboembolismo pulmonar maciço associa-
Estabilização do a cor pulmonale agudo;
Uma vez que a hemodinâmica tenha sido otimizada 3. Usar judiciosamente as ferramentas de monitoriza-
(o que deve ocorrer nas primeiras 24h do manejo do ção de modo escalonado, de acordo com a gravidade
choque), chega o momento mais difícil. É o momento do caso, outras disfunções orgânicas e experiência da
de “pilotar” as disfunções orgânicas que se instalaram. equipe, lembrando-se que nenhuma ferramenta de
Nesse momento, menos é mais. Devem-se evitar expan- monitorização é útil sem adequada interpretação e
sões volêmicas repetidas. Deve-se titular a dose de vaso- suas consequentes condutas;
pressor conforme a PAM desejada. Se possível, realizar 4. Ser agressivo no manejo inicial dos pacientes com
despertares diários ou mesmo deixar o paciente sem se- choque, porém conservador no manejo tardio das dis-
dativos. Não é necessário diálise precoce nem doses altas funções orgânicas do choque, a fim de evitar os efeitos
de diálise se for possível manter um manejo metabóli- tóxicos da ressuscitação hemodinâmica (sobrecarga
co e hídrico adequado. É fundamental prestar atenção hídrica, taquiarritmias, politransfusão, etc.);
ao balanço hídrico acumulado até o momento e evitar 5. Evitar expansões volêmicas repetidas após as pri-
balanços hídricos positivos ao longo dos dias. Deve-se meiras horas de instalado quadros de choque dis-
iniciar a dieta enteral neste momento. Além disso, é fun- tributivo sem pesquisar responsividade a fluidos
damental manter uma estratégia de ventilação mecânica previamente, lembrando-se que vasopressores como
protetora ao longo deste período. A transição desta fase a noradrenalina podem recrutar volume estressado e
para a seguinte é mais tênue, mas é fundamental. melhorar o retorno venoso, além de corrigir a vasodi-
latação induzida pela inflamação sistêmica de modo
a atingir alvos de pressão arterial média sem a neces-
Descalonamento
sidade de fluidos;
Uma vez estabilizado e com as disfunções orgâni- 6. Lembrar que as medidas de suporte hemodinâmico
cas manejadas, chega o momento em que algumas me- (fluidos, vasopressores, inotrópicos, suporte extra-
tas devem ser perseguidas, geralmente após 3 a 5 dias corpóreo temporário) tem por objetivo dar suporte

Tratamento do Choque Circulatório 3343


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