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ASSOCIAÇÃO CATARINENSE DE ENSINO

FACULDADE GUILHERME GUIMBALA


Autorização: Parecer CFE nº 557/73 e Decreto nº 72.314, de 31.05.1973 (D.O.U. 01.06.1973).
Reconhecimento: Parecer CEF 521/77 (Documenta nº 195/77) e Decreto nº 79.559, de 20.04.1977
(D.O.U. 22.04.1977)
Instituição Mantenedora: Associação Catarinense de Ensino

 
AUTISMO E A EDUCAÇÃO DO AUTISTA

 
 
 

DANIELA RODRIGUES MARTINS

ESTEIO 2012
DANIELA RODRIGUES MARTINS

AUTISMO E A EDUCAÇÃO DO AUTISTA

Artigo apresentado ao curso de Pós-Graduação Lato


Sensu com Especialização em Neuropsicopedagogia e
Educação Especial Inclusiva, da Faculdade Guilherme
Guimbala, como requisito para obtenção do Título de
especialista, orientado pelo Professor Me. Arlindo Costa 

ESTEIO – RS
2012
3

EDUCINTER

AUTISMO E A EDUCAÇÃO DO AUTISTA

DANIELA RODRIGUES MARTINS1


Arlindo Costa2

RESUMO

O presente trabalho bibliográfico tem por objetivo apresentar um breve histórico


dos estudos sobre o Autismo, levando em consideração as primeiras pesquisas
realizadas pelos psiquiatras austríacos Leo Kanner em 1943 e Hans Asperger em
1944. Serão abordadas as principais características presentes no indivíduo que
podem auxiliar no diagnóstico do Autismo, bem como as consequências que estas
características trazem para a aprendizagem dos portadores deste transtorno. O
Autismo é um transtorno de difícil diagnóstico, sendo que ainda hoje os
especialistas têm como base principal as características comportamentais do
indivíduo. Os maiores prejuízos decorrentes deste transtorno manifestam-se nas
múltiplas áreas do desenvolvimento, nas relações sociais e na linguagem
comunicativa. Pesquisas recentes revelam que se for diagnosticado precocemente,
o transtorno pode ser tratado por profissionais adequados sendo proporcionada ao
indivíduo autista uma melhoria da qualidade de vida. Esta intervenção precoce tem
se tornado possível graças à identificação cada vez mais cedo das características
autistas, que podem ser percebidas antes dos três anos de idade. A educação do
aluno autista deve ser realizada, preferencialmente, nas escolas de ensino regular
observando a individualidade de cada caso. Tanto as escolas como os
profissionais que atuarão com o autista devem estar preparados para recebê-lo
respeitando suas limitações e suas potencialidades.

Palavras-chave: Autismo, Transtorno Autista, Intervenção Precoce.

1
Aluna do curso de Especialização Lato-sensu em Neuropsicopedagogia e Educação Especial
Inclusiva
2
Professor orientador, Mestre em Educação e Ciências,
4

1 INTRODUÇÃO

O autismo é um dos transtornos que mais causa confusão entre médicos e


educadores, sendo que inicialmente foi classificado entre as psicoses infantis. Esta
confusão talvez se deva ao fato de não existirem exames capazes de diagnosticar
com precisão o autismo, sendo este estabelecido somente com base na
observação do comportamento do indivíduo e da avaliação médica.
Eugen Bleuler utilizou o termo autismo pela primeira vez em 1911 para
designar a perda de contato do indivíduo com a realidade e, consequentemente, a
dificuldade ou impossibilidade de comunicação. Embora para Bleuler o autismo
designasse pessoas que tinham forte tendência ao isolamento e grande dificuldade
de interagir com os outros, o termo não tinha o mesmo significado que
conhecemos hoje. Bleuler trabalhava principalmente com pessoas esquizofrênicas
e psicóticas.
As primeiras publicações sobre autismo foram feitas pelo psiquiatra
austríaco Leo Kanner (1943, Baltimore) e pelo psiquiatra vienense Hans Asperger
(1944, Viena), sendo que o trabalho de Asperger foi publicado no final da segunda
guerra mundial em língua alemã, dificultando a sua difusão. Ambos estudiosos
forneceram de maneira independente, pois um não conhecia os estudos do outro,
relatos sistemáticos dos casos que acompanhavam e das suas respectivas
suposições teóricas para essa síndrome até então desconhecida.
Para Kanner, a insistência obsessiva na manutenção da rotina era uma das
características-chave no autismo, levando a uma limitação na variedade de
atividades espontâneas. A isso se somava a inabilidade no relacionamento
interpessoal, demonstrando nas crianças uma grande necessidade de não serem
perturbadas. Tudo o que venha a alterar o meio externo ou interno destas
representa uma intrusão assustadora, se algo é mudado na situação rotineira,
mesmo em um mínimo detalhe, esta deixa de ser idêntica e não poderá então ser
aceita.
Tanto Kanner quanto Asperger empregaram o termo autismo (do grego
autos = si mesmo + ismos = disposição/orientação) para chamar a atenção sobre a
qualidade do comportamento social do indivíduo que perpassa a questão de
isolamento físico, da timidez ou da rejeição do contato humano, mas se caracteriza
5

principalmente pela dificuldade em manter contato afetivo com os outros de modo


espontâneo e recíproco.
O autismo se apresenta como um mundo distante, estranho e cheio de
enigmas. Embora tenham sido realizadas uma enorme quantidade de pesquisas
durante mais de meio século, o autismo continua ocultando sua verdadeira origem
e grande parte de sua natureza, apresentando inúmeros desafios às intervenções
terapêuticas e educativas.
Kanner descreve, sob três aspectos, as principais características
reincidentes durante seus estudos com as crianças:
1. Relações sociais: O traço fundamental nas crianças é a incapacidade
para relacionar-se normalmente com as pessoas e as situações estabelecendo
vínculos afetivos próximos. O contato físico direto e os movimentos ou ruídos que
ameaçam interromper a solidão são tratados como uma invasão dolorosa e penosa
para a criança.
2. Comunicação e a linguagem: Há um conjunto amplo de deficiências e
alterações na comunicação e na linguagem de autistas, evidenciando-se a
ausência de linguagem em algumas crianças. Entre as que possuem a linguagem
oral percebe-se seu uso de modo muito estranho, manifestando a ecolalia, a
inversão de pronomes pessoais, a falta de atenção à linguagem e a aparência de
surdez em algum momento do seu desenvolvimento.
3. Insistência em não variar o ambiente: A inflexibilidade à rotina e a
insistência na igualdade é uma característica marcante para as crianças autistas. A
conduta da criança é guiada por um desejo obsessivo de manter a igualdade
sempre, ninguém pode fazê-la mudar somente a própria criança em raras
exceções. As menores modificações do ambiente e da rotina diária não são
toleradas pelo autista.
Uma das diferenças entre o enfoque do artigo de Kanner e a perspectiva de
Asperger é a educação do autista, Kanner não se preocupou com isso em seu
artigo inicial, mas Asperger sim. Porém, os interesses educativos de Asperger só
foram significativos após 20 anos de estudos sobre o autismo infantil, devido à sua
publicação inicial ser restrita na língua alemã. Somente nos últimos anos, meados
de 1991, os trabalhos de Asperger se tornaram conhecidos devido a sua
publicação em inglês.
6

Durante os 20 primeiros anos de estudo sobre o autismo, de 1943 a 1963,


acreditava-se que este era um transtorno emocional relacionado às inadequadas
relações de afeto existentes entre a criança e seus criadores, principalmente a
mãe. Sabe-se atualmente que é duvidoso que o autismo seja um transtorno
essencialmente emocional e não há uma certeza de que os pais sejam
responsáveis por esta alteração da criança, sendo mais aceito a hipótese de que
os autistas apresentam alterações biológicas.
De 1963 a 1983 foram encontrados os primeiros indícios de associação do
autismo com transtornos neurobiológicos, abandonando de vez a ideia dos pais
culpados. A partir desse momento, começaram as pesquisas em torno de
hipóteses de alterações cognitivas que explicassem as dificuldades de relação,
linguagem, comunicação e flexibilidade. Neste período a educação passou a ser o
principal tratamento para o autismo, foram criadas escolas dedicadas
especialmente a este transtorno com o intuito de desenvolver procedimentos de
modificação de conduta para ajudar no desenvolvimento de pessoas autistas.
Estas escolas eram patrocinadas por associações de pais e familiares de pessoas
com transtorno autista.
O estudo para compreender o autismo nos ajuda a explicar melhor o
desenvolvimento humano uma vez que nos faz perceber certas habilidades que
costumam passar despercebidas, mas que se tornam significativas a partir do
momento que se fazem ausentes nos autistas. Com o passar do tempo e a
ampliação dos conhecimentos nesta área surgiu à denominação Transtornos
Globais do Desenvolvimento (TGD) que incluía Autismo, Síndrome de Asperger,
Síndrome de Rett, Transtorno Desintegrativo da Infância e Transtorno Global do
Desenvolvimento Sem Outra Especificação (TGDSOE). Nos aspectos psicológico e
neurobiológico ocorreram descobertas importantes que auxiliaram nas explicações
a cerca do autismo, sendo possível uma alteração na consideração do autismo
como “psicose infantil” que foi substituído pelo enquadramento como “transtorno
global do desenvolvimento”.
Os estudos recentes acerca do autismo nos levam a considera-lo como um
transtorno muito novo, mas neste período inúmeras pesquisas foram realizadas
com o intuito de melhor compreender as características que podem levar ao
diagnóstico mais preciso deste transtorno.
7

2 CARACTERÍSTICAS DO AUTISMO

As características que fazem parte do Autismo são muito variáveis no que se


referem à combinação dos sinais e sintomas presentes bem como os níveis de
severidade de cada indivíduo. O que todos têm em comum é a presença de
prejuízos na área das relações sociais e afetivas, da comunicação e linguagem, do
comportamento e da interação em níveis muito variados do comprometimento. Os
sinais do autismo normalmente se apresentam no primeiro ano de vida e sempre
antes dos três anos de idade e devem levar às significativas dificuldades
adaptativas, sendo que o transtorno é mais comum em crianças do sexo masculino.
Nas interações sociais os autistas demonstram incapacidade para
desenvolver relações afetivas adequadas com os demais. Existe uma forte
tendência ao isolamento que faz com que o indivíduo impeça a interferência de
tudo que chega de fora. Não manifestam condutas espontâneas voltadas a
compartilhar interesses, ignorando o outro e evitando contato físico direto. Os
prejuízos decorrentes dos comportamentos não verbais também são nítidos, o
autista demonstra dificuldades em manter contato visual direto com outras pessoas
e em se expressar através de gestos faciais e corporais. Em virtude disso, muitas
vezes, o autista tem dificuldades em compreender as necessidades dos outros.
Em relação à comunicação podemos encontrar indivíduos que não falam e
nem se comunicam até outros que falam muito, porém não conseguem utilizar a
fala como mecanismo eficiente de comunicação, como por exemplo, a ecolalia
imediata ou tardia, onde o indivíduo começa a repetir o que lhe foi dito ou o que
ouviu pela televisão ou rádio. Entre aqueles que se expressam oralmente também o
timbre, a entonação, a velocidade e o ritmo da fala podem ser anormais. É comum
existir dificuldades em iniciar ou manter uma conversa, a inversão de pronomes
pessoais, a falta de atenção à linguagem e a aparência de surdez em algum
momento do seu desenvolvimento.
A inflexibilidade é uma das características do autista, as possíveis mudanças
no ambiente e na rotina podem desestruturá-lo. A conduta do indivíduo é guiada
8

por um desejo muito intenso, quase obsessivo, em manter sempre a igualdade e


nunca mudar sua rotina diária. Em muitos casos a recusa alimentar está
diretamente ligada a mudança de rotina, o autista tem a necessidade em consumir
sempre os mesmos tipos de alimentos.
Quanto ao comportamento prevalece a presença de movimentos repetitivos
e estereotipados que envolvem as mãos (balançar as mãos, bater palmas, estalar
os dedos) ou todo o corpo (balançar-se, inclinar-se para frente) além de
anormalidades de postura (caminhar na ponta dos pés, movimentos corporais
estranhos). Alguns autistas ainda apresentam uma capacidade surpreendente para
a memorização sendo possível que estes memorizem grande quantidade de
informações, mas estas muitas vezes são sem sentido ou sem efeito prático.
De maneira resumida, as principais características do autismo são citadas
por Belisário Filho (2010, p.13):

Prejuízo no desenvolvimento da interação social e da comunicação. Pode


haver atraso ou ausência do desenvolvimento da linguagem. Naqueles que
a possuem, pode haver uso estereotipado e repetitivo ou uma linguagem
idiossincrática. Repertório restrito de interesses e atividades. Interesse por
rotinas e rituais não funcionais.

O diagnóstico de autismo é prioritariamente clínico e multidisciplinar, apesar


de existirem inúmeros instrumentos capazes de auxiliar na identificação de
indivíduos afetados. Com o conhecimento atual e os instrumentos de análise
disponíveis já é possível identificar prováveis casos do transtorno nos primeiros
anos de vida, é claro que um diagnóstico não se fecha nesta idade, mas frente a
suspeita é fundamental o início de atendimentos que possibilitem minimizar os
prejuízos decorrentes.
O DSM-IV (Manual Diagnóstico e Estatístico de Doenças Mentais – 4ª
edição) é uma publicação da Associação Americana de Psiquiatria. Este manual
fornece critérios de diagnóstico para a generalidade das perturbações mentais,
sendo possível descrever algumas características que podem ser observadas em
pessoas com autismo. As informações citadas no quadro a seguir servem apenas
como referência, o diagnóstico preciso somente poderá ser feito por um profissional
qualificado que esteja a par da história do indivíduo.
9

CRITÉRIOS DE DIAGNÓSTICO DO AUTISMO

A. Devem cumprir-se um total de seis ou mais manifestações do conjunto de transtornos: (1)


da interação social, (2) da comunicação e (3) da flexibilidade. Cumprindo-se pelo menos dois
elementos de (1), um de (2) e um de (3).

1. Marcante lesão na interação social, manifestada por pelo menos dois dos seguintes itens:
a. Destacada diminuição no uso de comportamentos não verbais múltiplos, tais como contato
ocular, expressão facial, postura corporal e gestos para lidar com a interação social.
b. Dificuldade em desenvolver relações de companheirismo apropriadas para o nível de
comportamento.
c. Falta de procura espontânea em dividir satisfações, interesses ou realizações com outras
pessoas, por exemplo: dificuldades em mostrar, trazer ou apontar objetos de interesse.
d. Ausência de reciprocidade social ou emocional.

2. Marcante lesão na comunicação, manifestada por pelo menos um dos seguintes itens:
a. Atraso ou ausência total de desenvolvimento da linguagem oral, sem ocorrência de tentativas de
compensação através de modos alternativos de comunicação, tais como gestos ou mímicas.
b. Em indivíduos com fala normal, destacada diminuição da habilidade de iniciar ou manter uma
conversa com outras pessoas.
c. Ausência de ações variadas, espontâneas e imaginárias ou ações de imitação social apropriadas
para o nível de desenvolvimento.

3. Padrões restritos, repetitivos e estereotipados de comportamento, interesses e atividades,


manifestados por pelo menos um dos seguintes itens:
a. Obsessão por um ou mais padrões estereotipados e restritos de interesse que seja anormal tanto
em intensidade quanto em foco.
b. Fidelidade aparentemente inflexível a rotinas ou rituais não funcionais específicos.
c. Hábitos motores estereotipados e repetitivos, por exemplo: agitação ou torção das mãos ou
dedos, ou movimentos corporais complexos.
d. Obsessão por partes de objetos.

B. Atraso ou funcionamento anormal em pelo menos uma das seguintes áreas, com início
antes dos 3 anos de idade:
1. interação social.
2. emprego comunicativo da linguagem.
3. jogo simbólico ou imaginário.

C. O transtorno não é mais bem explicado por uma Síndrome de Rett ou Transtorno
Desintegrador da Infância.

Conforme orientações de Belisário Filho (2010, p.13), citadas no fascículo


“Transtornos Globais do Desenvolvimento”, o mais importante no diagnóstico
diferencial de uma criança autista é o atraso ou o prejuízo no funcionamento de
uma das três áreas do conhecimento: interação social, linguagem para a
comunicação social e jogos simbólicos ou imaginários.
10

2.1 Transtornos de espectro autista (TEA)

Quando falamos de autismo ou de outros transtornos globais empregamos


alguns termos comuns para pessoas que são muito diferentes. As pesquisas mais
recentes que estudam características semelhantes ao autismo, ou seja,
dificuldades na reciprocidade social, na comunicação e um padrão restrito de
conduta designam um novo termo – Transtorno do Espectro Autista (TEA) – que
agrupa o Autismo, a Síndrome de Asperger e os Transtornos Globais do
Desenvolvimento Sem Outra Especificação.
A ideia de “Espectro Autista” surgiu a partir de pesquisas realizadas por
Lorna Wing e Judith Gould, em 1979, com o objetivo de conhecer as características
de crianças e jovens menores de 15 anos que demonstravam algum tipo de
deficiência na área das relações sociais. Com esta pesquisa foi possível descobrir
que a prevalência de déficits sociais graves nos indivíduos eram muito superior ao
do transtorno autista, sendo que a presença desses déficits era mais provável
quanto menor era o QI das crianças estudadas.
O Transtorno de Espectro Autista caracteriza um grupo de distúrbios da
socialização com início precoce e evolução gradativa, apresentando diminuição
qualitativa da comunicação e interação social, restrição de interesses e
comportamentos estereotipados. Segundo o médico neuropediatra José Salomão
Schwartzman, doutor em Neurologia e professor da Universidade Presbiteriana
Mackenzie (2010, p.6),

O quadro clínico das diversas condições que fazem parte dos TEA é muito
variável no que se refere à combinação dos sinais e sintomas presentes
bem como níveis de severidade de cada um destes muito variável. Sendo
assim alguém poderia perguntar o que todos têm em comum e, na
verdade, é a presença de prejuízos na área da comunicação, do
comportamento e da interação em níveis muito variados de
comprometimento. Estes prejuízos devem estar presentes antes dos 3
anos de idade e levarem às dificuldades adaptativas significativas.

Os traços de espectro autista não se manifestam somente em pessoas com


transtorno global do desenvolvimento, mas também em outras cujo
11

desenvolvimento venha a ser afetado por condições de saúde que podem ocorrer
de maneira associada tais como: atrasos de origem metabólica ou genética,
epilepsias da primeira infância acompanhadas por atraso mental, esclerose
tuberosa, fenilcetonúria e outras.
Nos casos de espectro autista as alterações sintomáticas de cada indivíduo
são essencialmente as que definem as estratégias de tratamento.

2.2 Tratamentos utilizados para o autismo

Com base na teoria psicogênica, o primeiro tratamento indicado para o


autismo foi a psicoterapia para os pais e a criança, já que se acreditava que a
principal causa da doença era a inadequação dos relacionamentos afetivos
existentes entre pais e filhos durante os primeiros anos de vida da criança. Mas o
tratamento demonstrou ser pouco eficaz e não apresentava sucesso, sendo
gradativamente abandonado.
Durante os anos 60 e 70 foram utilizados tratamentos com técnicas de
choque elétrico para induzir respostas comportamentais esperadas pelos autistas.
Os debates realizados naquele período demonstravam que a terapia com choque
elétrico era útil para a indução de respostas de generalização, na melhora do
comportamento social e na resposta emocional positiva. Porém desenvolvia medo
do aparelho nas crianças o que gerava respostas emocionais negativas e alguns
comportamentos desajustados. A corrente elétrica utilizada induzia a dor, mas não
provocava lesões físicas ou crises epiléticas, sendo que este tratamento também
foi abandonado de maneira gradativa.
O primeiro tratamento medicamentoso utilizou uma droga alucinógena
conhecida como LSD, considerada atualmente como ilícita. Esta droga era utilizada
tanto no tratamento de crianças autistas como nas esquizofrênicas. Segundo
estudos realizados nos anos 60 os autistas demonstravam melhora em relação ao
bem estar físico, a alimentação, a percepção e contato com o ambiente e outras
pessoas. Aos poucos este tratamento também foi abandonado.
12

Em seguida, com a hipótese de o autismo estar relacionado com a


vacinação, ou seja, com a intoxicação por mercúrio, se iniciou um novo tratamento
com agentes quelantes – usados para a remoção seletiva de íons metálicos tóxicos
– capazes de remover o mercúrio do organismo. Não foram observados resultados
positivos provindos deste tratamento.
Por fim, o tratamento indicado para o autismo passou a ser o “tratamento
comportamental”. Este tipo de tratamento baseado no treinamento da criança
autista utilizava na maioria dos casos a punição, pois o terapeuta e os pais eram os
que indicavam qual o comportamento desejado deveria ser repetido. O treinamento
era realizado em ambiente muito bem organizado, com horários agendados,
controle dos estímulos e comportamento condicionado. Em crises de perda de
autocontrole e agressividade, as crianças autistas eram colocadas em quartos
isolados e com pouca mobília sendo afastados do fator que desencadeou a falta de
controle.
Diversos métodos comportamentais foram desenvolvidos ao longo dos anos
que se seguiram, sendo que alguns são utilizados até os dias atuais. Os mais
divulgados e utilizados atualmente são o ABA (Análise Comportamental Aplicada) e
o TEACCH (Tratamento e Educação para Crianças Autistas e com Distúrbios
Correlatos da Comunicação). O Método ABA consiste na aplicação de métodos de
análise comportamental e de dados científicos com o objetivo de modificar
comportamentos. O TEACCH se baseia na organização do ambiente físico através
de rotinas e sistemas de atividades com o objetivo de desenvolver a independência
da pessoa com autismo.
O autismo não tem “cura” o que existe são melhoras significativas
alcançadas, sobretudo, com o trabalho paciente da educação. Partindo do princípio
de que a maioria das pessoas autistas, crianças e adultos, necessitam de atenção,
supervisão e apoio durante toda a vida, Ángel Rivière (2004, p. 234) nos coloca
que:

À medida que se acumularam conhecimentos e experiências sobre o


autismo, tornou-se evidente a necessidade, tanto teórica como prática, de
considerar o transtorno da perspectiva do ciclo vital completo e não como
uma alteração “da criança”.
13

Durante anos seguidos o tratamento desenvolvido com pessoas autistas


demonstrou ter um caráter mais generalizado, não havendo a preocupação por
parte dos profissionais envolvidos com as especificidades de cada indivíduo.
Porém, atualmente sabemos que cada caso é único quando se diz respeito ao
transtorno autista, sendo necessário que o tratamento oferecido pelos profissionais
das áreas da saúde e da educação tenha uma maior preocupação com a
individualidade de cada um.

3 A EDUCAÇÃO DOS ALUNOS AUTISTAS

O tratamento indicado para um caso de Transtorno Global do


Desenvolvimento visa a melhora dos sinais e sintomas, sempre dentro do possível.
Muitas são as áreas profissionais que contribuem neste processo como a
fonoaudiologia, a psicologia, a terapia ocupacional, a neurologia infantil, a
psiquiatria infantil, a psicopedagogia e outras.
Para que o aluno autista consiga progressos na sua escolarização é
necessário que o sistema de ensino ofereça diversidade e personalização ao
mesmo. Os modelos de ensino que priorizam a homogeneidade do processo de
ensino-aprendizagem são incapazes de atender as necessidades de crianças
autistas, devido ao afastamento que estas apresentam do padrão de
desenvolvimento humano. Porém, devido à heterogeneidade dos quadros de
autismo não há um modelo pronto que sirva para ensinar o autista. A avaliação
específica de cada caso é que deve indicar quais soluções educativas são mais
indicadas a cada indivíduo.

O autismo nos fascina porque supõe um desafio para algumas de nossas


motivações mais fundamentais como seres humanos. As necessidades de
compreender os outros, compartilhar mundos mentais e de nos
relacionarmos são muito próprias de nossa espécie, exigem-nos de um
modo quase compulsivo. Por isso, o isolamento desconectado das
crianças autistas é tão estranho e fascinante para nós como seria o fato de
um corpo inerte, contra as leis da gravidade e de nossos esquemas
cognitivos prévios [...]. (RIVIÈRE, 2004, p. 234).
14

Ao definir o modelo educativo mais apropriado é importante uma


determinação particularizada, pois cada caso é único, que contemple vários fatores
levando-se em conta a criança e a escola. Um critério muito importante no
momento de escolher qual modelo seguir é o nível de desenvolvimento social do
autista, bem como sua capacidade intelectual, seu nível comunicativo e linguístico,
suas alterações de conduta e seu grau de flexibilidade cognitiva e comportamental.
Na escolha da escola também devem ser observados alguns critérios
importantes, como a preferência por escolas pequenas, estruturadas, bem
organizadas e com número de alunos reduzido. É fundamental um
comprometimento efetivo dos professores e demais profissionais da educação que
atendem a criança com autismo, havendo também recursos pedagógicos
complementares e de logopedia (estudo especializado da fala, linguagem e
comunicação).
A solução escolar encontrada para a criança autista necessariamente não
será permanente, de acordo com os avanços alcançados em determinada fase de
seu desenvolvimento a proposta pedagógica deve ser revista. Devem ser evitadas
as mudanças frequentes de escola, de sala de aula e até mesmo de professora,
pois isto quebra a rotina e desestrutura o autista sendo necessária uma nova
adaptação escolar.
A preocupação com a escolarização do autista não deve ter somente o
objetivo da integração deste para que conviva e se relacione com outras crianças.
Esta é uma meta extremamente difícil que será atingida em parte depois de vários
anos de escolarização. Também é imprescindível oportunizar ao autista que
alcance êxitos escolares que são extremamente importantes para seu
desenvolvimento, porque proporcionam um meio deste compensar suas limitações
sociais.
Para as crianças autistas pequenas a professora pode ter um papel muito
mais importante e decisivo do que a escola. Uma professora realmente
comprometida com o caso e que consegue criar fortes laços afetivos com a criança,
começa a abrir a “porta” e penetrar no mundo fechado do autista, exercendo grande
influência em seu desenvolvimento. É essencial que todas as escolas e todos os
professores que atendem crianças com autismo recebam orientações e apoio
externo de profissionais qualificados no transtorno. Em muitos casos os professores
15

experimentam sentimentos de frustração, ansiedade e impotência diante de uma


criança autista.
A família tem um papel fundamental no processo de escolarização e
desenvolvimento social destas crianças. É condição imprescindível para o êxito das
tarefas educacionais e terapêuticas que a família esteja sempre atenta aos
progressos do autista e tenha uma parceria com os professores e escolas.
Os métodos educacionais utilizados com crianças autistas a partir dos anos
1980 apresentam maior preocupação com o desenvolvimento da comunicação e da
linguagem, podendo utilizar códigos alternativos quando a linguagem verbal não é
possível. Atualmente, dois métodos são muito utilizados com alunos que
apresentam autismo: Método TEACCH e Método ABA.
O método TEACCH criado em 1971, por Eric Shopler e seus colaboradores,
procura desenvolver as habilidades comunicativas e seu uso espontâneo no
contexto natural das crianças com Transtorno Global do Desenvolvimento,
utilizando a linguagem verbal e modalidades não orais de comunicação. Para
contemplar as necessidades de cada aluno o processo de ensino precisa ser
organizado pensando nos conceitos apresentados de várias formas, na flexibilidade
da rotina e na estrutura de várias tarefas com o mesmo fim. Pode-se afirmar que
houve aprendizagem no momento em que o aluno aprende um conceito e faz uso
deste de forma funcional, havendo mudança de comportamento.
O método ABA tem como objeto de estudo a explicação e a modificação do
comportamento humano, buscando modificar comportamentos através da aplicação
de métodos de análise comportamental e de dados científicos. Esta intervenção
utiliza técnicas focadas no desenvolvimento da comunicação bem como das
habilidades sociais, de brincar, acadêmicas e de autocuidado, possibilitando que a
criança apreenda comportamentos adequados que lhe permitam uma vida
independente e integrada na sociedade. Neste método também são utilizadas
técnicas para controlar comportamentos considerados “problema”, como por
exemplo, as birras, as necessidade de rotinas e os padrões repetitivos de resposta.
Dentre as estratégias adequadas às crianças autistas os procedimentos de
ensino devem ser precoces e intensivos, seguindo condições essenciais para
auxiliar de maneira eficaz na aprendizagem. Os métodos educacionais utilizados
devem priorizar a funcionalidade, sendo estruturados e baseados nos
conhecimentos desenvolvidos para a modificação de condutas, sempre adaptados
16

às características pessoais de cada aluno. A família e a comunidade devem estar


envolvidas no contexto escolar.
Para facilitar a aprendizagem de crianças autistas é possível utilizar-se de
“agendas” para registros diários das sequências de atividades que serão
desenvolvidas, facilitando a previsão e a compreensão das situações vivenciadas.
Tal procedimento tem efeito positivo para o autista, pois oferece a ele bem-estar e
tranquilidade, aumentando sua motivação para a aprendizagem e contribuindo para
dar ordem ao seu mundo. Os registros são feitos de acordo com as possibilidades
de cada criança, podendo ser através da escrita, do desenho, de gráficos ou outras
maneiras.
De acordo com pesquisas realizadas, as crianças inseridas no contexto
escolar estabelecem relações que as possibilitam adquirir melhores habilidades
comunicativas e sociais, sendo expostas aos pares de iguais que as proporcionam
caminhos para aprender. Além disso, aumentam suas probabilidades de um maior
ajustamento social em longo prazo. O autista só deve ser privado do atendimento
em escolas regulares de ensino quando sua convivência com os outros é
extremamente difícil, conforme citado por RIVIÈRE (2004, p. 253)

Nos casos de autismo, como de outros transtornos ou atrasos do


desenvolvimento, só se deve recorrer a soluções de segregação escolar
quando for muito evidente que as vantagens dos contextos extremamente
individualizados, diretivos e específicos são superiores às da Integração.
Isso só acontece em casos bastante graves, de níveis intelectuais muito
baixos, que apresentam deficiências bastante significativas de atenção,
alterações de conduta dificilmente controláveis ou perfis hiperativos muito
difíceis de regular em contextos mais naturais de aprendizagem.

É necessário que as escolas disponham de recursos especiais para o


atendimento específico e individualizado do aluno autista, evitando um possível
fracasso escolar. Em muitos casos é preciso o auxílio de um professor de apoio e
de especialistas em audição e linguagem, com capacitação própria ao tratamento
de crianças autistas ou com TGD. As atividades de sensibilização com a turma,
professores e demais profissionais da escola são essenciais para um melhor
acolhimento do autista, facilitando sua integração no contexto escolar.
17

Os alunos com TGD são público alvo do AEE (Atendimento Educacional


Especializado) desde que sejam identificadas necessidades educacionais
específicas que demonstrem a necessidade do atendimento destes na Sala de
Recursos Multifuncionais. O professor do AEE pode contribuir muito com o trabalho
realizado no âmbito escolar, orientando a elaboração de estratégias de ensino
voltadas ao atendimento do aluno autista de acordo com suas peculiaridades.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao concluir este trabalho fica claro que o autismo é um transtorno do


desenvolvimento humano caracterizado por dificuldades significativas na interação
social e na comunicação, além de apresentar alterações de comportamento
expressas principalmente por movimentos repetitivos e estereotipados.
Analisando a trajetória da descoberta do autismo, descrito através das
pesquisas realizadas por Kanner (1943) e Asperger (1944) até os dias atuais, é
possível perceber que o diagnóstico de pessoas com transtorno autista não é uma
tarefa fácil, sendo que o diagnóstico deve ser realizado prioritariamente por uma
equipe qualificada e multidisciplinar.
As características das crianças com autismo conduzem a uma
individualização do processo educacional, a escola deve adaptar-se à criança, às
suas diferenças e necessidades. Os métodos de ensino para o autista devem ser
individualizados não apenas no que diz respeito ao perfil de habilidades
comunicativas da criança, mas também quanto a outras características, como as de
processamento sensorial e formas não convencionais de comportamento. As
crianças autistas necessitam estabelecer vínculos com o professor e demais
colegas para avançarem no aprendizado, elas podem e querem aprender.
Para a melhor escolarização do autista, penso que o primeiro passo a ser
considerado é desenvolver um trabalho juntamente com a família, pois somente
eles poderão fornecer informações sobre o aluno, do que ele gosta de fazer, do que
menos gosta, sua rotina diária, enfim todas as características do educando. Com o
apoio da família e um conhecimento mais aprofundado em relação ao aluno, o
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trabalho pedagógico precisa contar com a parceria de todos os envolvidos no


processo de ensino e aprendizagem. É primordial a participação dos pais, colegas,
professores, direção, coordenação e todas as pessoas que de alguma maneira
participam da vida desse aluno.
O professor tem papel fundamental no processo de escolarização de seus
alunos, ainda mais no caso do autista, servindo como mediador de situações
conflituosas e proporcionando mudanças positivas nas habilidades de linguagem,
motoras, interação social e aprendizagem cognitiva. É um trabalho árduo que
precisa de muita dedicação e paciência da família e também dos profissionais
envolvidos. O aluno autista pode ser considerado diferente dos outros, mas não se
pode deixar que outras crianças aproveitem-se desta situação e cheguem a pensar
que podem fazer mais coisas do que ele. É importante que o autista se sinta igual
aos outros.
Contudo, este estudo mostrou que a inclusão em escolas regulares de
ensino, apesar de todas as dificuldades encontradas, ainda é a melhor forma de
educação para as pessoas que apresentam transtorno autista. Este procedimento é
fundamental, possível e importante por ajudar no desenvolvimento e na conquista
de uma melhoria de vida para os alunos com autismo.

REFERÊNCIAS

BAPTISTA, C. R.; BOSA, C. Autismo e Educação: Reflexões e Propostas de


Intervenção. Porto Alegre: Artmed, 2002.

BELISÁRIO JÚNIOR, J. F. A Educação Especial na Perspectiva da Inclusão


Escolar: transtornos globais do desenvolvimento. Brasília: Ministério da Educação,
Secretaria de Educação Especial: Universidade Federal do Ceará, v. 9, 2010.
(Coleção A Educação Especial na Perspectiva da Inclusão Escolar).

CIBEC/MEC. Inclusão: Revista da Educação Especial / Secretaria de Educação


Especial. v. 5, n. 1 (jan./jul.), p.4-11 – Brasília: Secretaria de Educação Especial,
2010.
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CIBEC/MEC. Inclusão: Revista da Educação Especial / Secretaria de Educação


Especial. v. 5, n. 2 (jul./dez.), p.39-46 – Brasília: Secretaria de Educação Especial,
2010.

COLL, C.; MARCHESI, Á.; PALÁCIOS, J. (Org.) Desenvolvimento psicológico e


educação: transtornos do desenvolvimento e necessidades educativas especiais.
Tradução: Fátima Murad. 2ªed. Porto Alegre: Artmed, v. 3, p.234-254, 2004.

SCHWARTZMAN, J. S. Autismo e outros transtornos do espectro autista.


Revista Autismo, ano 1, n. 0 (set.), p.5-6, 2010.

STELZER, F. G. Uma pequena história do autismo. São Leopoldo: Associação


Mantenedora Pandorga, 2010.

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