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PRINCÍPIOS MORAIS EM HUME,

UMA ANÁLISE
Autora: Lílian de Araújo Soares / as.lilian.rock@gmail.com

Resumo: O presente artigo objetiva apresentar os princípios


norteadores da filosofia moral de David Hume. Para tanto se
abordará as virtudes sócias e a sua relação com o princípio da
utilidade. E analisará como por meio dos sentimentos se
estabelece a concepção de moral.

Palavras chave: Hume, moral, filosofia, utilidade, sentimentos.

Abstract: This article presents the guiding principles of moral


philosophy of David Hume. In order to do so, it will address the
social virtues and their relation to the principle of utility. And will
analyze how, through feelings, the conception of morality is
established.

Key words: Hume, moral, philosophy, utility, feelings.


David Hume (1711-1776) destaca-se como um grande expoente no
universo filosófico. A teoria moral de Hume é importante na história da filosofia
devido à sua originalidade, assim como por sua influência sobre as teorias
morais posteriores. Contudo, é importante frisar que sua obra se constitui numa
revisão de forte teor crítico aos conceitos tradicionais em filosofia. Trata-se de
repensar o ser humano associando a concepção de realidade do mundo
exterior não mais a critérios metafísicos, ou a esquemas racionalistas; mas sim
condicionados à experiência e observação. Deste modo, a filosofa moral de
Hume fundamenta-se na ênfase que dá ao papel do sentimento, rejeitando a
razão como fonte dos juízos morais. Neste artigo, pretende-se analisar os
tópicos centrais acerca da teoria de Hume dando destaque aos principais
temas da obra acerca dos princípios da moral.

Qual a origem dos valores morais? Quais os critérios para defini-lôs?


Ora, não é nada fácil responder com precisão a tais perguntas; todavia, se há
alguém que o fez com maestria e proeza, é o filósofo David Hume. Em sua
obra Uma Investigação Sobre Os Princípios da Moral, o filósofo apresenta uma
discussão acerca dos fundamentos gerais da moral. Tal constitui uma
explicação de como e por que se qualifica certos valores ou ações como boas
ou más, partindo-se do pressuposto de rejeitar o papel tradicional da razão
como fonte dos juízos morais. Assim como a defesa de que estes se baseiam
no sentimento.

Os filósofos da antiguidade afirmam que a moral, enquanto virtude, nada


mais é do que um conjunto de juízos em conformidade com a razão. No
entanto, em regra, parecem considerar que ela surge do gosto e do sentimento.
Já os pensadores modernos procuram fundamentar a moral em explicações
metafísicas; com base em deduções relativas aos princípios abstratos do
entendimento. Hume contrapõe-se ao pensamento tradicional no qual a razão é
tida como centro das construções humanas.
O raciocínio somente, não poderia ser tido como motivo para uma ação
da vontade. Em outros termos, a razão não exerceria qualquer influência sobre
as paixões ou ações humanas e, portanto, a moralidade jamais poder-se-ia
fundar na racionalidade.

“A única tarefa do raciocínio é discernir as circunstâncias


comuns, em cada um dos lados, a essas qualidades; observar
aquelas características particulares em que concordam, de um
lado, as qualidades estimáveis, e, de outro, as censuráveis; e a
partir daí atingir o fundamento da ética e descobrir aqueles
princípios universais dos quais se deriva, em última instância,
toda censura ou aprovação.” (Hume, 1995, pág. 25)

Deste modo, não seria equivocado afirmar o caráter de submissão da razão


aos afetos.

1. DOS PRINCÍPIOS MORAIS

Nossas ações ou juízos morais, de acordo com Hume, constituem a


aprovação ou reprovação de certas qualidades de caráter. As aprovações
advêm de uma emoção ou de um sentimento: desejos, paixões. Todos
funcionam como motivação, têm seus objetivos e fins. É necessário frisar que o
filósofo fundamenta a moral por um sentimentalismo interno, guiado por uma
ideia de utilidade.

“Em todas as decisões morais, essa circunstância de utilidade


pública é o que sempre se tem principalmente em vista; e onde
quer que surjam disputas, seja em filosofia ou na vida
cotidiana, referentes aos limites do dever, não se pode de
nenhum modo decidir melhor a questão do que averiguando,
em cada um dos lados, os verdadeiros interesses da
humanidade” (Hume, 1995, pág.31)

Esta compreendida enquanto utilidade social, ou seja, uma utilidade voltada


para o interesse público.

Em outras palavras, o principal objeto dos nossos juízos morais são as


ações ou qualidade de caráter que são publicamente úteis. Para o filósofo,
portanto, “a percepção da virtude ou do vício provém de um sentimento de
aprovação ou censura que se refere a uma ação que é racionalmente
determinada como útil ou inútil à humanidade.” (Pequeno, 2010, 10 lições
sobre Hume)

Então, valores como a benevolência e a justiça, os quais tendem a


favorecer a utilidade pública e a conduzir aos sentimentos de felicidade e
aprovação, são considerados virtuosos. “As virtudes mais sociais e afáveis são,
aí, as que devem ser principalmente levadas em consideração. Essas são
sempre boas e estimáveis.” (Hume, 1995, pág28). Já os valores que tendem a
prejudica-la, tais como a injustiça e a avareza, tendem a provocar a infelicidade
e a desaprovação, sendo considerados viciosos.

Em face do exposto constata-se que os valores de vício ou virtude não


surgem de ideias, mas sim por meio das paixões ou sentimentos cuja função é
indicar a diferença entre eles. Eis a razão da tese segundo a qual os juízos
morais derivam de uma reação emotiva. Ou ainda, o resultado de uma
aprovação moral de um determinado espectador acerca da ação de um
determinado agente moral. Ressaltando, os juízos de moralidade resultam dos
efeitos emotivos que tal ação nos provoca: prazer ou desprazer. Logo, verifica-
se a desvinculação às explicações metafísicas, reforçando o caráter empirista
da moral de Hume, uma vez que ele a constrói em bases empíricas derivando-
a da sensação.

Todavia, apesar de haver uma diversidade de reações possíveis diante


de um mesmo ato, Hume afirma que a moral advém de sentimentos os quais
são constantes, como exemplo, cita-se a aprovação de virtudes como coragem
e lealdade e a reprovação de vícios como a covardia e a deslealdade. Ora, o
juízo moral depende da experiência das impressões causadas pelas virtudes e
das impressões causadas pelos vícios. Por conseguinte, leva-nos a conceber a
virtude como algo a ser valorizado e estimado, enquanto o vício dever ser
reprovado e reprimido.

Embora se considere a utilidade pública como o princípio básico a partir


do qual se julga a virtude, há objetos adicionais relativos aos sentimentos
morais Um deles, seria a utilidade privada. Não se trata aqui de um sentimento
meramente egoísta, mas sim, em conferir utilidade em algo agradável cuja
ação não esteja necessariamente ligada ao interesse público. Ora, na natureza
humana há tanto os sentimentos de humanidade baseados em valores
universalmente desejados quanto os sentimentos de amor de si motivados
pelos interesses pessoais.

Ora, as inclinações egoístas podem ir de encontro, e serem coerentes,


aos impulsos altruístas. Segundo Hume, o ser humano tem uma tendência
natural a construir a paz, a harmonia e a ordem social. “Há um senso próprio
que impulsiona o sujeito a promover o bem do outro, sendo este também algo
que lhe interessa para viver numa sociedade mais justa e equilibrada.”
(Pequeno, 2010, 10 lições sobre Hume). Por esta razão, não seria equívoco
afirmar que sentimentos como generosidade e compaixão são mais
predominantes do que os que detém caráter puramente egoísta.

Cabe aqui destacar a simpatia. De acordo com o filósofo, é a capacidade


de interagir sensorialmente com o outro. Em outros termos, é a capacidade de
sentir prazer ou dor com um fato ou ação ocorrido com outrem. É também, a
estrutura do comportamento moral, segundo a qual encontra a sua razão de
ser no “sentimento humanitário” particular a todos os indivíduos. Daí a
compreensão de que a moral constitui-se num sentimento comum a toda a
humanidade.

“A ideia de moral pressupõe algum sentimento comum a toda a


humanidade, capaz de recomendar o mesmo objeto à aprovação
generalizada e fazer com que todos os homens, ou a maioria
deles, concordem em suas opiniões ou decisões relativas a esse
objeto. Ela também pressupõe um sentimento tão universal e
abrangente que consiga estender-se a toda a humanidade e
tornar até mesmo as ações e os comportamentos das pessoas
mais distantes em objetos de aplauso ou censura, na proporção
em que estejam ou não de acordo com a regra de direito que se
estabeleceu. Esses dois requisitos são satisfeitos apenas pelo
sentimento humanitário que aqui se enfatizou.” (Hume, 1995,
pág.131)

O princípio da simpatia, conclui-se: é condição necessária da moral. A


sensação de mal-estar e dor ou de bem-estar e prazer, torna possível a
capacidade de revelar a outras pessoas o que sente um determinado indivíduo.
Portanto, a aprovação ou reprovação de um ato específico visando defini-lo
como moralmente justo ou injusto é, para Hume, resultado deste princípio. A
disposição que se tem para simpatizar com os outros é por ele compreendida
como uma das mais importantes qualidades da natureza humana.

2. JUSTIÇA, BENEVOLÊNCIA E VIRTUDES SOCIAIS

Estariam os valores morais condicionados somente à utilidade? Apesar


de ser uma resposta complicada de ser dada com precisão, no que diz respeito
à justiça e a benevolência, são determinadas pela utilidade. Ambas se
denominam as virtudes sociais.

“As virtudes sociais nunca são consideradas à parte de


suas tendências benéficas, nem vistas como estéreis e
infrutíferas. A felicidade da humanidade, a ordem da
sociedade, a harmonia das famílias, o apoio mútuo dos
amigos são sempre considerados como o resultado do
domínio benévolo dessas virtudes sobre os corações dos
seres humanos” (Hume, 1995, pág. 33)

De acordo com esta compreensão, a justiça, portanto, é necessária pelo fato


de ser útil à sociedade. Na verdade, ela é tão útil e necessária, até mesmo para
grupos sociais mais primitivos, onde mesmo em estruturas calcadas no
banditismo e no roubo, há os próprios critérios de justiça, segundo Hume, algo
necessário para a manutenção de um convívio e subsistência.

Na vida em sociedade surgem relações baseadas em princípios e


regras, ou mandamentos, permitindo-se uma organização produtiva, mais
eficiente e ágil. Contudo, os bens possíveis de se adquirir, devido à sorte ou ao
trabalho, são, em regra, insuficientes para saciar as paixões e necessidades de
todos. Tal fato pode acarretar nos bens sendo subtraídos por violência alheia,
ou demais inclinações primitivas comuns aos humanos. O remédio para tal
inconveniente, não é característico da natureza. Tampouco ela pode controlar
estas desmesuras.
Na seção III da Investigação Sobre Os Princípios Morais, Hume define a
justiça como um artificio criado para a solução deste impasse. É uma noção
surgida como um entendimento cujo intuito é solucionar o que há de irregular e
inconveniente nos afetos e apetites humanos. De certo modo, pode-se inferir
que a justiça existe por conta da propriedade. E as instituições surgem por
conta da necessidade humana de garantir um estado de paz e harmonia.

A justiça é a fonte de constituição da sociedade civil e política e, por


caracterizar uma virtude artificial não pode ser reduzida a uma perspectiva
jusnaturalista. De acordo com Hume, “a justiça constitui o repertório de
criações erigidas pelos homens com vistas a legitimar ações e promover o seu
bem-estar.” (Pequeno, 2010, 10 lições sobre Hume)

Desta forma, o direito não deve ser entendido como a positivação de um


ideal, mas sim de uma convenção social e politicamente determinada. Ora,
trata-se, pois, de garantir pela via do direito, condições mínimas necessárias a
uma convivência pacífica do corpo social e à colaboração entre todos os
homens na sociedade civil. Por conseguinte, o direito é um artifício criado pelos
homens, no intuito de manter a ordem social

Em nome da estabilidade social, Hume associa a ideia de justiça a uma


virtude que está fundada no direito de propriedade.

“Se examinarmos as leis particulares pelas quais


se administra a justiça e se determina a propriedade
estaremos mais uma vez diante da mesma conclusão: o
bem da humanidade é o único objetivo de todas essas leis
e regulamentações.” (Hume, 1995, pág.44)

Logo, a regra de justiça torna-se válida quando aceita por todos os


homens e, esta aquiescência gera a consequência benéfica ao convívio social,
que, a priori, é a justificativa dela. Acerca deste propósito, o filósofo afirma ser
o meio mais eficaz de preservar a sociedade, impedindo os homens de cair em
condição miserável e selvagem, conforme é comum no estado de natureza.

Destarte, conclui-se que para Hume, a justiça é a condição de existência


da sociedade. Ela é compreendida como resultado do interesse humano de
firmar relações sociais e políticas livres de concepções metafísicas ou dogmas
religiosos e que sejam balizadas por princípios cuja função seja favorecer a
vida no interior de uma comunidade. Esta representada por uma associação de
indivíduos a buscar satisfazer interesses recíprocos, a partir de convenções
pré-estabelecidas, alienadas de todo e qualquer fundamento natural ou
transcendente.

Por meio da justiça, os indivíduos visam garantir seus interesses,


abstendo-se dos bens de outrem, de modo que se possa garantir a harmonia e
a paz social. No entanto, o ser humano é também regido pela busca de
prazeres imediatos ou conquistas egoístas, que não raro, costumam prevalecer
perante as aspirações coletivas. Tal tendência da natureza humana acaba por
acarretar na supressão da vontade de seguir regras de justiça tão necessárias
à preservação da sociedade.

Sendo assim, além do princípio da justiça, é preciso que haja uma


instância capaz de zelar pela observância das normas e, sobretudo, aplicar
sanções aos que adotarem comportamentos incompatíveis com os interesses
gerais. Ora, visa-se garantir as ações geradoras de harmonia e coesão sociais.

Por conseguinte, a própria característica da natureza humana exige a


criação de um governo cuja função é zelar pela observância de tais princípios.

“As associações gerais de pessoas são


absolutamente exigidas para a subsistência da espécie, e
a conveniência pública que regulamenta a moral está
inviolavelmente firmada na natureza do ser humano e do
mundo no qual ele vive. A comparação, portanto, é
bastante imperfeita quanto a esses aspectos. Ela apenas
nos instrui sobre a necessidade de regras sempre que as
pessoas mantêm quaisquer relações umas com as
outras.” (Hume, 1995, pág. 64)

Ora, como não é possível alterar de forma substancial a natureza humana, é


necessário tornar a justiça parte integrante dos nossos interesses mais
imediatos e, a sua violação algo a ser combatido e evitado.

O governo, seria então, o principal instrumento encarregado de fazer


com que o cumprimento da justiça se tornasse algo comum e de interesse
geral e imediato dos indivíduos de uma sociedade. Por governo, entenda-se
aqueles que tem como função precípua escolher as leis a regular a vida em
sociedade, além de determinar como estas serão executadas. Tarefas cujas
atribuições pertencem a magistrados, reis, ministros, governantes e dirigentes.
Estes e suas respectivas funções constituem, para Hume, a concepção de
governo.

Contudo, cabe ressaltar que tais prerrogativas de magistrados e homens


públicos, ou o governo, de obrigar os súditos a obedecerem às leis, não se dão
de forma coercitiva. É como se a obediência fosse um novo dever, inventado
de modo a sustentar o da justiça. Uma forma de aliar os interesses particulares
ao bem comum.

Desta maneira, destaca-se que o processo que culminou no surgimento


da justiça, do governo e das várias instituições políticas diz respeito às
aspirações humanas. Estas determinam interesses morais e políticos
estabelecendo, assim, as bases das criações humanas e dos meios
indispensáveis para a construção da vida em sociedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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