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© 2022. Nexo Intervenção Comportamental. ISBN 978-978-65-87672-21-2.

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Conteúdo

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Transtornos Alimentares Pediátricos e considerações sobre
encaminhamento para equipe especializada

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Avaliação comportamental em casos de
Transtornos Alimentares Pediátricos

3
O papel da nutrição na seletividade alimentar

4
Disfunção de Integração Sensorial e seletividade
alimentar no Transtorno do Espectro do Autismo

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Incorporando procedimentos e estratégias da terapia ABA
em intervenções sensório-motoras orais nos
Transtornos Alimentares Pediátricos

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Apresentação

Sejam bem-vindos!
Sou Cintia Perez Duarte, psicóloga, analista do comportamento e idealizadora
de uma série de projetos voltados ao autismo e a outros transtornos do desenvol-
vimento. Um desses projetos é o Ciclo de Palestras da Nexo Intervenção Compor-
tamental (Nexo IC), que tem como objetivo divulgar informações sobre temas vari-
ados relacionados às pessoas com autismo. Pensando em uma maneira de perpe-
tuar o conhecimento discutido nesses eventos e, assim, disseminá-lo para a comu-
nidade de profissionais e familiares, concretizamos a ideia dos e-Books com o con-
teúdo das palestras.
Uma das missões da NEXO IC é promover a disseminação de conhecimento téc-
nico e a divulgação da Análise do Comportamento Aplicada por meio de palestras,
cursos, pesquisas e produções acadêmicas que resultem no aumento de oportuni-
dades para acesso a tais conteúdos no Brasil. Este primeiro volume intitulado Trans-
tornos Alimentares Pediátricos nos TEA traz informações extremamente relevan-
tes sobre o assunto, sob a ótica de profissionais das áreas da psicologia, e também
da nutrição, fonoaudiologia e terapia ocupacional.
Tendo em vista os números alarmantes dos Transtornos Alimentares em pes-
soas com autismo e outras deficiências e o escasso grupo de profissionais real-
mente capacitados para intervir junto a essa demanda, o conteúdo aqui disponibili-
zado é essencial.
Espero que, ao ler este livro, você amplie seus conhecimentos sobre o assunto
e que isso impacte diretamente a sua atuação profissional, melhorando, assim, a
qualidade de vida dos seus clientes e familiares.

Boa leitura!

Cintia Perez Duarte

Psicóloga – BCBA

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Transtornos Alimentares Pediátricos e
considerações sobre encaminhamento
para equipe especializada

Cintia Perez Duarte


Psicóloga, Board Certified Behavior Analyst (BCBA),
Mestre e Doutora em Distúrbios do Desenvolvimento

Taynara Freire Barreto


Psicóloga, Mestranda em Análise do Comportamento Aplicada

Citação: Duarte CP, Barreto TF. Transtornos alimentares pediátricos e considerações sobre encaminhamento para
equipe especializada. In: Nexo Intervenção Comportamental. Transtornos Alimentares Pediátricos nos TEA [livro
eletrônico]. São Paulo: Memnon, 2022. Disponível em: www.memnon.com.br para acesso livre.

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O comportamento alimentar é influenciado por diversos fatores como a per-


cepção individual sobre os alimentos e o próprio corpo, aspectos físicos com estru-
turas e funções preservadas, pelo estado nutricional e pela história de aprendizado
de acordo com as experiências vividas ao longo da vida. Tal história engloba as inte-
rações entre pessoas que alimentam e as que são alimentadas, condições sociais e
socioeconômicas e aspectos da cultura. É fato que a alimentação é uma necessidade
básica e ação fundamental mantenedora da vida, mas também exerce papel muito
importante quanto à sua função social. Para a maioria das pessoas, comer é uma
fonte de prazer, tanto pelo ato em si, que é permeado de diversas sensações,
quanto por aquilo que traz socialmente, mediando o fortalecimento de vínculos
com pessoas de nosso convívio. Isso ocorre em um almoço com colegas de traba-
lho, um jantar a dois, na reunião de grupos de amigos, nos lanches da escola e em
festinhas de aniversário, por exemplo.

No entanto, para um grupo de pessoas, alterações relacionadas a algum as-


pecto da alimentação podem ocorrer, influenciando, assim, na qualidade dessa ex-
periência básica e mantenedora da saúde física e, muitas vezes, emocional. O mo-
mento da alimentação pode, em vez de ser uma experiência de prazer, tornar-se
frustrante, e os cuidadores frequentemente experienciam sensações de tristeza e
incapacidade frente à dificuldade em nutrir seu filho apropriadamente. Conside-
rando que uma criança precisa se alimentar diversas vezes ao dia, a exposição repe-
tida a situações estressantes torna tudo mais difícil, e estabelece-se uma dinâmica
que pode aumentar cada vez mais a recusa ao alimento (14).
Ainda que os dados de prevalência sejam heterogêneos, tendo em vista que há
variação nas definições por parte da comunidade científica, há relatos de que pelo me-
nos 25% das crianças com desenvolvimento típico apresentam Transtornos Alimenta-
res, sendo que em pessoas com Distúrbios do Desenvolvimento esses números podem
chegar a 90% (4). Esse dado é alarmante tendo em vista o impacto direto tanto na saúde
da pessoa afetada quanto nos aspectos emocionais de toda a família que lida com o
problema. No entanto, a literatura ainda não traz dados concisos quanto à prevalência,
e, possivelmente, isso se deve ao fato de haver diversas definições e nomenclaturas
para caracterizar uma variabilidade dos sinais e sintomas descritos.
Considerando-se o que tange à alimentação e o Transtorno do Espectro do Au-
tismo, a seletividade alimentar é o quadro comumente reportado, e os riscos para a
saúde podem não ser identificados de imediato quando o crescimento e o ganho de

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peso ocorrem dentro das curvas esperadas (13). Apesar de essas crianças seletivas
ingerirem um número reduzido de alimentos quando pensamos na variedade, podem
consumir dietas hipercalóricas, resultando em quadros de obesidade. A intervenção
precoce é fundamental para que os prejuízos da seletividade alimentar não atinjam
graus de severidade mais intensos.
A alta prevalência de condições médicas associadas aos Transtornos Alimenta-
res em crianças, em especial aquelas que afetam todo o trato gastrointestinal, dá
indícios importantes sobre possíveis etiologias desses quadros, somando-se a his-
tória de aprendizado individual que pode resultar no agravamento do problema. A
criança que frequentemente tem experiências de desconforto físico, como dores,
fadiga e náusea, aos poucos estabelece uma relação negativa com o momento de
alimentação, pois faz associações com consequências aversivas.
Aquelas que apresentam problemas crônicos são expostas a exames nos quais
há manipulação da face e da boca, uso de instrumentos que geram desconforto
(como uma laringoscopia, por exemplo), e podem fazer associações da apresenta-
ção de utensílios com dor e desconforto, recusando posteriormente colheres, co-
pos e outros itens de uso comum próximos ao rosto por considerá-los invasivos.
Todos esses fatores em conjunto podem gerar um ciclo de recusa e de impacto di-
reto nas habilidades que precisam ser desenvolvidas para uma alimentação eficaz.
Quando a criança recusa a alimentação, é exposta a um número menor de oportu-
nidades de treino de mastigação, lateralização de língua, estimulação da muscula-
tura de modo geral, entre outras habilidades, o que novamente torna o momento
mais penoso e reforça a recusa ciclicamente (14).

CLASSIFICAÇÃO DIAGNÓSTICA

Os Transtornos Alimentares são descritos nos principais sistemas classificató-


rios, como o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) (1) e
na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à
Saúde (CID-11) (17), e há correspondência entre os dois sistemas (10).
No DSM-5 são caracterizados por uma perturbação persistente na alimentação
ou no comportamento relacionada à alimentação que resulta no consumo ou na
absorção alterada de alimentos e que compromete significativamente a saúde física

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ou o funcionamento psicossocial (1), e são classificados como PICA (em crianças e


em adultos), Transtorno de Ruminação, Transtorno Alimentar Restritivo-Evitativo,
Anorexia Nervosa (tipo restritivo e tipo compulsão alimentar purgativa), Bulimia
Nervosa, Transtorno de Compulsão Alimentar, Outro Transtorno Alimentar Especi-
ficado e Transtorno Alimentar Não Especificado (1).
Na CID-11 são descritos como transtornos que envolvem alimentação ou com-
portamentos relacionados à alimentação que são anormais e não são mais bem expli-
cados por outra condição de saúde e não são apropriados para o desenvolvimento e
para cultura em que o indivíduo está inserido. Envolvem alterações comportamentais
que não estão relacionadas a preocupações com o peso corporal ou com sua forma,
tais como a ingestão de substâncias não comestíveis ou regurgitação voluntária dos
alimentos, e, além desses, há os que envolvem o comportamento alimentar anormal
relacionado a preocupações com a comida, bem como com o peso corporal e sua
forma. São classificados como Anorexia Nervosa, Bulimia Nervosa, Transtorno da
Compulsão Alimentar, Transtorno de Evitação-Restrição Alimentar, PICA, Transtorno
de Ruminação e Regurgitação e Transtornos Alimentares Não Especificados (17).

Para além de tais sistemas classificatórios, diversos termos são utilizados para
se referirem a problemas relacionados à alimentação, que diferem dos mais conhe-
cidos como a Anorexia e Bulimia, por exemplo, sem necessariamente fazer referên-
cia a tais manuais. A nomenclatura dificuldade alimentar tem sido utilizada com um
termo abrangente que indica alterações no processo de alimentação, e é comum o
uso de outros termos como comer seletivo, evitação alimentar, neofobia alimentar,
recusa alimentar, problema alimentar e distúrbio alimentar, por exemplo.
Em 2015, um grupo de pesquisadores discutiu sobre a necessidade de atenção
e encaminhamentos pertinentes por parte dos pediatras quanto às queixas sobre
problemas de alimentação trazidas pelos pais em suas consultas. Apesar de so-
mente uma parcela dessas famílias estar de fato lidando com casos graves, uma
conduta inadequada no manejo do problema, ainda que leve, pode trazer prejuízos
para todas elas. Os pediatras precisam estar cientes de que as dificuldades de ali-
mentação frequentemente surgem nas primeiras transições, como na passagem do
aleitamento no peito para a mamadeira, da mamadeira para o copo, e quando são
introduzidos os alimentos complementares além do leite, por exemplo, e as orien-
tações durante esses períodos decisivos podem ser particularmente úteis. Os auto-
res acreditam que o profissional responsável pela atenção à saúde primária deve

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focar em uma abordagem que considere os aspectos orgânicos e comportamentais,


uma visão que contemple o extenso espectro de gravidade que envolve tanto as
crianças quanto o padrão de funcionamento de seus pais, e incorpore, desse modo,
uma análise sobre o impacto do estilo parental no processo de alimentação infantil.
Os autores propuseram uma categorização que incorpora a visão de especialistas
da área médica e de psicólogos, sendo divididos em três grupos: crianças que apre-
sentam apetite limitado, crianças que realizam ingestão seletiva e crianças que apre-
sentam medo de se alimentar (11).
Os mesmos autores descrevem sinais e sintomas sugestivos de dificuldades ali-
mentares, tais como refeições muito prolongadas, recusa alimentar pelo período de
pelo menos um mês, refeições estressantes e conturbadas, déficit quanto às habilida-
des de alimentação independente, alimentação noturna, necessidade de distratores
durante a alimentação, amamentação ou uso de mamadeira por período prolongado,
e falha em avançar quanto à ingestão de novas texturas. Como fatores de alerta con-
siderados orgânicos, descrevem a disfagia, aspiração de alimentos, aparente dor ao
se alimentar, vômitos e diarreia, atrasos no desenvolvimento, sintomas de doenças
cardiorrespiratórias crônicas e falhas no crescimento. No que se refere a possíveis fa-
tores de alerta comportamentais, listam fixação por determinados alimentos (seleti-
vos e com dieta extremamente limitada), alimentação nociva (forçada e/ou persecu-
tória), interrupção abrupta da alimentação após um evento traumático, engasgo an-
tecipatório e falhas em se manter avançando quanto à alimentação (11).
Pesquisadores ressaltam a importância de uma nomenclatura universalmente
aceita para definir os transtornos alimentares na infância, que seja baseada em uma
avaliação compreensiva que englobe quatro domínios considerando o sistema mé-
dico, psicossocial e de habilidades para a alimentação, associados com possíveis com-
plicações nutricionais. Apresentam ressalvas aos sistemas classificatórios que focam
apenas um dos domínios e não consideram limitações funcionais que são críticas para
o planejamento adequado de intervenções que favoreçam melhora na qualidade de
vida (9). Acredita-se que são inadequados porque não fornecem critérios que refle-
tem a heterogeneidade do quadro e sua complexa etiologia, sendo que falta especi-
ficidade suficiente em termos de critérios operacionalmente definidos para o diag-
nóstico e não são prescritivos (14).
A análise unilateral do problema limita as possibilidades de atuação e as múlti-
plas variáveis envolvidas em um quadro tão complexo, sendo que nenhum

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profissional deveria atuar isoladamente para que possíveis lacunas sejam supridas.
Desse modo, o termo Transtorno Alimentar Pediátrico é proposto, ressaltando a
sua importância para os avanços na prática clínica, na pesquisa e nas políticas públi-
cas voltadas à saúde. Pode ser classificado como agudo quando a duração é menor
do que três meses, ou crônico quando a duração é maior do que três meses. Para
distingui-lo de outros transtornos alimentares como a Anorexia e Bulimia, deve ser
diagnosticado apenas na ausência de distúrbios de imagem corporal (9).

Os critérios para o diagnóstico de um Transtorno Alimentar Pediátrico suge-


rido pelos autores estão descritos na Tabela 1.

Tabela 1. Proposta de critérios diagnósticos para o Transtorno Alimentar Pediátrico (9).

A. Um distúrbio na ingestão oral de nutrientes, impróprio para a idade, com duração de pelo me-
nos duas semanas e associado a um ou mais dos seguintes:

1. Disfunção médica, conforme evidenciada por qualquer um dos seguintes:


a. Comprometimento cardiorrespiratório durante a alimentação oral.
b. Aspiração ou pneumonite por aspiração recorrente.

2. Disfunção nutricional, conforme evidenciada por qualquer um dos seguintes:


a. Desnutrição.
b. Deficiência de nutrientes específicos ou ingestão significativamente restrita de um ou mais nu-
trientes resultantes da diminuição da diversidade alimentar.
c. Dependência de alimentação enteral ou suplementos orais para sustentar a nutrição e/ou hidratação.

3. Disfunção da habilidade de alimentação, conforme evidenciada por qualquer um dos seguintes:


a. Necessidade de modificação de textura de líquido ou comida.
b. Uso de posição de alimentação ou equipamento modificado.
c. Uso de estratégias de alimentação modificadas.

4. Disfunção psicossocial, conforme evidenciada por qualquer um dos seguintes:


a. Comportamentos de evitação ativa ou passiva pela criança enquanto se alimenta ou é alimentada.
b. Gestão inadequada do cuidador quanto à alimentação infantil e/ou às necessidades nutricionais.
c. Perturbação do funcionamento social em um contexto de alimentação.
d. Perturbação da relação cuidador-criança associada à alimentação.

B. Ausência de processos cognitivos consistentes com transtornos alimentares e padrão de inges-


tão oral não são devidos à falta de alimento ou congruentes com as normas culturais.

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Nesse sentido, esforços que visem à universalização de nomenclaturas e crité-


rios para identificar com maior precisão tais problemas são de grande relevância,
tendo em vista que tal variação quanto às definições pode ser uma barreira para a
compreensão por parte dos profissionais da saúde, bem como dos próprios familiares
e das pessoas acometidas. Isso, em consequência, aumenta a chance de postergar a
oferta de um tratamento especializado e até mesmo impacta na capacitação de pro-
fissionais para intervir junto a essa demanda. Nos casos de clientes com Transtornos
do Espectro do Autismo (TEA), isso se torna ainda mais delicado, considerando-se a
complexidade desse quadro e as alterações comportamentais que podem surgir, in-
tensificando ainda mais os comprometimentos relacionados à alimentação.

ASPECTOS ÉTICOS NA ATUAÇÃO


EM EQUIPE INTERDISCIPLINAR

O profissional que vai atuar com foco no Transtorno Alimentar Pediátrico em


pessoas com TEA necessita de capacitação quanto às suas demandas, e é impres-
cindível considerar que deverá fazer parte de uma equipe interdisciplinar que, tra-
balhando de modo unificado, terá muito mais recursos para lidar com os diversos
fatores associados a tais comprometimentos. Devido à alimentação se tratar de um
processo complexo e multissistêmico, todos os profissionais precisarão dedicar
tempo adicional para estudo, aperfeiçoamento, treinamento e supervisão, bem
como a contribuição de todas as disciplinas estarão envolvidas para o sucesso da
terapia alimentar. Essa combinação visa a se apropriar das potencialidades de cada
disciplina para maximizar os resultados do cliente. É fundamental que todos os
membros da equipe estejam cientes, realizem monitoramento constante das inter-
venções em curso e compreendam como tais condutas podem interagir entre si,
para garantir que não realizem algo que, de maneira inadvertida, possa causar da-
nos ao cliente e focar nos ganhos necessários (16). A atuação precisa ser integrada
e interdependente, com os direcionamentos voltados a objetivos comuns com coo-
peração e coesão, em especial nos casos de TEA (6).
Esse grupo de profissionais pode variar a depender das demandas predomi-
nantes no caso, mas pode ser composto por médicos, psicólogos, fonoaudiólogos,
terapeutas ocupacionais, dentistas, nutricionistas, entre outros. Quando há uma

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equipe multiprofissional, é necessário um cuidado adicional para reconhecer as di-


ferentes filosofias que embasam tais atuações, para que seja elaborado um plano
de ação que contemple os interesses do cliente da melhor forma e as discrepâncias
nos tratamentos recomendados sejam minimizadas. Práticas que não são baseadas
em evidências e que podem expor o cliente a riscos não são recomendadas, e toda
e qualquer estratégia de intervenção indicada pela equipe (mesmo as baseadas em
evidências) deve ser apresentada aos responsáveis e amplamente discutida, para
garantir a anuência antes de sua implementação e, assim, respeitar os princípios
éticos (16). Considerar a validade social também é um fator importante, à medida
que considera se os objetivos planejados para a intervenção são aceitáveis, se as
estratégias elencadas também são aceitáveis e estão alinhadas com as melhores
práticas para o tratamento, e se os resultados obtidos se mostram relevantes, sig-
nificativos e sustentáveis ao longo do tempo (5).

Vale ressaltar que, além dos profissionais, é primordial que os familiares sejam
vistos como agentes ativos na intervenção e sejam incluídos na equipe de trabalho
como colaboradores para a modificação de comportamento, pois assim será maior
a probabilidade de generalização e manutenção das habilidades adquiridas. O tra-
tamento voltado à alimentação deve ser avaliado em termos de eficácia não apenas
em relação ao seu sucesso em condições clínicas, mas também em outros contex-
tos, frente a pessoas e ambientes variados (16).
No que tange à atuação do analista do comportamento especificamente, o Có-
digo de Ética publicado pelo Behavior Analyst Cetification Board norteia as condutas
nesse sentido e discorre, na primeira sessão, sobre responsabilidades profissionais,
destacando que a prática de atuação deve ocorrer dentro de seu escopo de compe-
tência. Analistas que se envolverem em atividades profissionais em novas áreas so-
mente o farão frente ao compromisso com o estudo, o treinamento e a prática su-
pervisionada por outros profissionais mais experientes no mesmo campo de atua-
ção. Além disso, também devem se manter sempre atualizados para a manutenção
de tal competência profissional (2).
Cooper et al. (5) citam uma adaptação dos direitos a um tratamento compor-
tamental efetivo, originalmente publicada pela Association for Behavior Analysis In-
ternational, que considera que o indivíduo tem o direito a um ambiente terapêutico,
a serviços cujo objetivo principal é o seu bem estar pessoal, a um tratamento com
um analista do comportamento competente, a programas que ensinam habilidades

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funcionais, a avaliação comportamental e avaliação contínua, bem como aos pro-


cedimentos para tratamentos os mais efetivos possíveis.
Na realidade brasileira há discrepância entre o tamanho da demanda de pes-
soas que necessitam de intervenção e o número de profissionais capacitados que
prestam esse serviço atualmente. No caso dos clientes com TEA é comum que os
objetivos relacionados à intervenção alimentar fiquem em segundo plano, en-
quanto os demais relacionados à comunicação, ao ensino de repertórios básicos e
à escolarização, por exemplo, tenham prioridade tanto para as famílias quanto para
os terapeutas. Por vezes, isso ocorre por uma lacuna no repertório dos próprios
profissionais para lidar com tais questões, e acabam por fazer encaminhamentos
quando o quadro já se agravou significantemente e já apresenta riscos à saúde.
O intuito deste capítulo é conscientizar e discutir sobre possibilidades de atua-
ção, em especial do analista do comportamento, quando se depara com tal de-
manda, e qual seria o momento para realizar encaminhamento para uma equipe es-
pecializada, ao concluir que a atuação necessária está fora de seu escopo de com-
petência.

DIRETRIZES SOBRE AVALIAÇÃO, INTERVENÇÃO E


ENCAMINHAMENTO PARA EQUIPE ESPECIALIZADA

Peterson e Ibañez (13), analistas do comportamento, propõem diretrizes para


avaliação e tratamento da seletividade alimentar em crianças com autismo, descre-
vendo, inclusive, em quais momentos o encaminhamento para equipes de profissi-
onais especializados nessa demanda deve ser considerado (Figura 1).
As etapas propostas pelas autoras consistem em:
Etapa 1. Identificar o problema referente à alimentação: Primeiramente deve
ser realizada uma definição e descrição do problema em termos específicos.
Etapa 2. Realizar uma reunião com os cuidadores da criança: Neste momento
o objetivo é discutir com os cuidadores sobre os problemas observados nos varia-
dos contextos (oferecem um exemplo de uma professora que identifica essa de-
manda na escola, por exemplo) e verificar se o que foi identificado também é um
ponto de preocupação para eles, antes de iniciar uma avaliação mais precisa.

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Figura 1. Avaliação e tratamento da seletividade alimentar.


Tradução autorizada de Peterson e Ibañez (13).

Etapa 3. Encaminhar a criança a uma equipe médica e interdisciplinar: Tendo


em vista as implicações e a complexidade de um caso de seletividade e autismo, o
profissional deve procurar o auxílio de uma equipe composta por especialistas que
possa contribuir para uma avaliação de aspectos globais. Em geral, essa equipe é
composta por médicos, nutricionistas, fonoaudiólogos ou terapeutas ocupacionais
e analistas do comportamento. Ressaltam que nos casos em que não for possível a
inserção de todos esses especialistas, pelo menos o médico deve ser consultado
para que o tratamento seja iniciado somente após aprovação. Há três possibilidades
de encaminhamento do médico após esse momento inicial: a primeira é prosseguir
com a intervenção alimentar, depois postergar o início do tratamento até que a cri-
ança esteja apta a receber a atenção médica e, por fim, encaminhar a criança para
um programa de terapia alimentar intensiva que possa monitorar adequadamente
aspectos médicos, motores orais, comportamentais, nutricionais e de crescimento.
Etapa 4. Entrevista detalhada com o cuidador: Nesta etapa, após aprovação do
médico, novamente é realizada entrevista com os cuidadores, mas agora muito
mais extensa e detalhada para coleta de dados adicionais. Sugerem que solicitem o
preenchimento de um diário alimentar de três a cinco dias, com o máximo de deta-
lhes possíveis que consistem na descrição de marcas consumidas, outros comple-
mentos relevantes para o consumo e rotina alimentar em relação a horários, para
verificar se a criança come nos intervalos das principais refeições.

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Etapa 5. Realizar observação direta com os alimentos preferidos e com os ali-


mentos não preferidos: O profissional deverá agendar um encontro para observar
uma refeição da criança com seus responsáveis e se atentar aos seus comportamen-
tos frente à situação desafiadora de recusa e problemas de comportamento. Obser-
var momentos diferentes que contemplem alimentos que a criança já consome re-
gularmente e, também, alimentos que ela rejeita possibilitará uma análise de varia-
ção de padrão frente aos alimentos diferentes. Neste momento, apesar de ser ape-
nas uma amostra das situações habituais da rotina familiar, já poderá observar
como os envolvidos interagem durante as refeições e observar como, possivel-
mente, os cuidadores reforçam o comportamento do filho (por exemplo, interrom-
per a refeição precocemente) e se há algum déficit relacionado às habilidades ne-
cessárias para a alimentação.
Etapa 6. Avaliação de preferência e análise funcional: Indicam que seja reali-
zada avaliação de preferência para determinar quais são os alimentos do agrado da
criança e recomendam o uso da avaliação de preferência por pares (7), o que tam-
bém será útil para estabelecer uma hierarquia relacionada à possível magnitude do
reforço. Essa etapa é importante pois o objetivo é selecionar reforçadores poten-
ciais que sejam úteis no processo de intervenção baseado em reforçamento posi-
tivo. Uma opção adicional seria conduzir análise funcional para os problemas de
comportamento, para identificação da função ou das funções que os mantêm no
contexto da alimentação. Caso não tenha tempo, recursos e treinamento ade-
quado, é recomendado que se contate um analista do comportamento com experi-
ência em transtornos alimentares para dar seguimento a esse procedimento.
Etapa 7. Selecionar os alimentos-alvo e estabelecer metas: Após coleta dos da-
dos fundamentais, é o momento de estabelecer os alvos iniciais de intervenção e
determinar os objetivos junto aos cuidadores. A opinião dos cuidadores é extrema-
mente relevante e devem contribuir com a sua perspectiva sobre os alimentos que
a criança não consome, mas que gostariam que consumisse. A recomendação é a
de que se inicie com poucos alvos e aumente gradativamente o número de alimen-
tos novos a serem inseridos à medida que tenha sucesso com os que foram plane-
jados. Vale ressaltar que o médico deverá ter aprovado o início da intervenção, e a
equipe deve iniciar com pedaços pequenos para evitar possíveis intercorrências du-
rante os procedimentos. As metas determinadas precisam sempre ser objetivas,
mensuráveis e razoáveis de serem alcançadas.

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Etapa 8. Avaliação de linha de base estruturada: Uma vez que os objetivos te-
nham sido definidos, é possível conduzir uma linha de base estruturada e elencar
medidas para mensuração e para o acompanhamento durante a intervenção (citam
exemplo da pesagem do volume no prato para detecção do montante consumido,
considerando-se no cálculo, inclusive, qualquer volume que tenha sido desperdi-
çado). As medições podem ser feitas por equipamentos como uma balança, mas se
não for possível, o número de porções aceitas e consumidas durante a refeição é
uma alternativa (por exemplo, colheradas). Dão exemplos de outras medidas, como
a aceitação (quando o alimento passa da linha dos lábios após até 8 segundos do
volume ter sido apresentado), boca limpa que é considerada quando não resta vo-
lume do alimento aproximadamente após 30 segundos da aceitação e não há vo-
lume residual maior do que o tamanho de uma ervilha e ausência de expulsão do
alimento. O registro das medidas de aceitação, boca limpa e frequência de engaja-
mento em comportamento-problema durante a refeição bem como o tempo que
leva para iniciar a recusa são úteis para controle de progresso.
Etapa 9. Tratamento e coleta de dados sobre o comportamento da criança: As
autoras sugerem que as intervenções sejam planejadas com base na Análise do
Comportamento Aplicada por ser a ciência que apresenta suporte empírico mais ro-
busto para lidar com os transtornos alimentares pediátricos, de acordo com estu-
dos recentes. Descrevem as funções de fuga ou esquiva como as principais obser-
vadas como responsáveis pelo engajamento em comportamentos inapropriados
durante as refeições. Atentam para o uso de procedimentos como extinção de fuga
nesses casos e suas implicações, já que, apesar de serem efetivos, envolvem picos
comportamentais com respostas emocionais ou podem inadvertidamente piorar o
problema se os procedimentos não foram conduzidos adequadamente, pois envol-
vem conhecimento e experiência do profissional para a sua condução. Por isso, não
recomendam a sua implementação caso não haja ambiente seguro e profissional
habilitado para tal e sugerem que sejam utilizados procedimentos que sejam ampla-
mente discutidos na literatura e com base em estratégias antecedentes e reforço
positivo.
Ressaltam que é imprescindível que tanto o ambiente como as refeições sejam
planejados, estruturadas, e cada passo deve ser mensurado e definido anterior-
mente. No caso do ambiente, é importante oferecer as refeições sempre no mesmo
horário, usar o mesmo tipo de utensilio, assentos confortáveis e apropriados para a
alimentação e, quando for possível, o alimentador deve ser o mesmo, além de usar

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as mesmas orientações. Dessa forma, a criança sempre terá previsibilidade do que


ocorrerá naquele momento.
Em relação aos alimentos, orientam que as mudanças sejam realizadas de
forma gradual e constante. As metas deverão ser trabalhadas apenas em uma das
refeições (por exemplo, almoço ou jantar); caso a criança rejeite o alimento ofere-
cido, ela terá outras oportunidades de se alimentar ao longo do dia, garantindo-se,
assim, uma nutrição apropriada para o seu crescimento. Além disso, no momento
da prática alimentar, defina apenas uma mudança (textura, cor, volume) e só parta
para outra quando a criança obtiver sucesso na anterior. Antes de começar o pro-
cesso é necessário especificar qual a quantidade de alimento será ofertada e quanto
a criança deverá ingerir, começando sempre com pequenas demandas.
Etapa 10. Avaliar e refinar o tratamento: Como último passo, as autoras suge-
rem que os profissionais utilizem um delineamento de sujeito único, para avaliar se
o tratamento estabelecido até o momento está sendo eficaz. Observar e registrar
o comportamento da criança diversas vezes ao longo da intervenção permite anali-
sar com mais precisão os efeitos do tratamento em curso para tomada de decisão
quanto à manutenção ou à alteração de algum procedimento elencado. Caso as
condutas abordadas anteriormente, como a estruturação do ambiente e das refei-
ções, não tenham surtido a mudança desejada no comportamento alimentar, a in-
tervenção deverá ser refinada, e outros procedimentos antecedentes poderão ser
inseridos.
Um dos procedimentos citados é o fading, que envolve uma mudança grada-
tiva da característica do estímulo, como a textura, o volume, a cor, o sabor ou o tipo
de apresentação do alimento, entre outras possibilidades. Quando uma demanda
que é complexa para a criança é ofertada em pequenos passos ou com manipulação
e alteração gradual do que é aversivo para ela, aumenta-se a probabilidade de a cri-
ança atendê-la com sucesso. Desse modo, as respostas de comer de baixo custo são
reforçadas e o aumento da demanda vai ocorrendo gradativamente.
Em estudo recente, o tratamento de quatro crianças com seletividade alimen-
tar envolveu a adição gradual de texturas mais espessas e liberação de reforço a
cada episódio de deglutição concluído com sucesso (15). Algo similar foi descrito em
outro estudo no qual usaram um procedimento de fading para aumentar a quanti-
dade de frutas, vegetais, proteínas e amido consumida por uma criança com 6 anos

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diagnosticada com seletividade alimentar severa. O primeiro alimento apresentado


foi uma porção de fruta (equivalente a 5% da porção ideal para a idade). Se a criança
ingerisse 80% do alimento por três refeições consecutivas, eram acrescentados 5% a
mais de fruta na porção. Esse procedimento foi implementado até que ela consu-
misse 50% de uma porção de fruta adequada para a idade. Após esse período, uma
porção de proteína foi inserida junto às frutas e aumentada de forma semelhante.
Em sequência, foram inseridos amidos e vegetais até que a criança consumisse 50%
de uma refeição apropriada para a idade (8).
Outro procedimento considerado antecedente citado pelas autoras (13) é a
apresentação simultânea, que é a apresentação do alimento preferido juntamente
com um alimento não preferido. O alimento-alvo (não preferido) pode estar co-
berto do alimento familiar ou pode estar lado a lado, e a exigência é que a criança
coma os dois ao mesmo tempo. Um estudo de Buckley e Newchok (3) descreve a
utilização da apresentação simultânea para redução da retenção de alimentos na
boca sem engolir, conhecida como packing, por uma criança com 9 anos. Ela apre-
sentava esse comportamento sempre que os alimentos não preferidos eram ofer-
tados para que comesse. Frente a isso, utilizaram macarrão, cenoura e carne (ali-
mentos não preferidos) em pedaços pequenos juntamente com biscoito moído (ali-
mento preferido), e o resultado foi uma redução expressiva do packing durante as
refeições.
Também é possível fazer associação entre estratégias, como o fading e a apre-
sentação simultânea, por exemplo. Os alimentos podem ser apresentados simulta-
neamente e, aos poucos, pode-se aumentar o tamanho do não preferido e fazer a
redução do preferido à medida que a criança avança quanto à aceitação em cada
etapa.
Sugerem a observação da eficácia do tratamento e dos ganhos do cliente. Se
as alternativas relacionadas à manipulação de antecedentes juntamente com re-
forço positivo não forem eficazes, é hora de encaminhar a criança para um pro-
grama de alimentação especializado. Caso sejam efetivas e a criança obtenha ga-
nhos, planeje novos objetivos como a inserção de novos alimentos e aumento do
volume, entre outras possibilidades a depender da demanda (14).
É importante ressaltar que, mesmo considerando-se as diretrizes supracitadas
para profissionais que não são especialistas na área, é preciso muito estudo focado

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na Análise do Comportamento Aplicada a fim de conduzir avaliações e intervenções


pertinentes, ainda que nos casos mais leves. Em caso de dúvidas ou de detecção de
qualquer limitação que possa interferir na qualidade e efetividade da intervenção
que possa, consequentemente, afetar o cliente, cogite o encaminhamento imediato
ou a busca de suporte adicional para tal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando-se a prevalência dos transtornos alimentares tanto na popula-


ção com desenvolvimento típico quanto na de pessoas com distúrbios do desenvol-
vimento, é fundamental que os profissionais da área da saúde se capacitem para
atuar com essa demanda. A inconsistência nas nomenclaturas e nas descrições uti-
lizadas ao longo dos anos pode ser um fator que interfere no conhecimento dos
profissionais e na busca por norteadores de práticas efetivas. Nos casos de autismo,
pode haver uma comorbidade com um transtorno alimentar que, por vezes, não é
trabalhada devido a outras habilidades deficitárias que são essenciais para o desen-
volvimento e ficam em primeiro plano nas prioridades da família.
Há uma variedade de fatores a serem considerados e, devido à complexidade
dos quadros, o suporte de uma equipe interdisciplinar com diversas especialidades
se faz essencial. O profissional que se dedica a essa área deve sempre se questionar
sobre apresentar a qualificação necessária para tal, necessitar de treinamento adi-
cional e supervisão de profissionais experientes no assunto e, também, sobre quais
são norteadores possíveis para optar por um encaminhamento para equipe especi-
alizada.

REFERÊNCIAS

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orders, Fifth Edition (DSM-5). Arlington: American Psychiatric Publishing; 2013.
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Avaliação comportamental em casos de
Transtornos Alimentares Pediátricos

Cintia Perez Duarte


Psicóloga, Board Certified Behavior Analyst (BCBA), Mestre e
Doutora em Distúrbios do Desenvolvimento

Roberto Augusto Lucentini do Amaral Lucas


Psicólogo, Especializando em Análise do Comportamento Aplicada

Taynara Freire Barreto


Psicóloga, Mestranda em Análise do Comportamento Aplicada

Citação: Duarte CP, Lucas RALA, Barreto TF. Avaliação comportamental em casos de transtornos alimentares pedi-
átricos. In: Nexo Intervenção Comportamental. Transtornos Alimentares Pediátricos nos TEA [livro eletrônico]. São
Paulo: Memnon, 2022. Disponível em: www.memnon.com.br para acesso livre.

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Transtornos alimentares são condições heterogêneas que podem incluir inges-


tão nutricional e calórica inadequada, falha no crescimento, déficits motores orais
e/ou problemas comportamentais (24). Estão presentes em, aproximadamente, 25%
das crianças com desenvolvimento típico e em 90% das crianças com desenvolvi-
mento atípico (5). Devido ao fato de a alimentação envolver aspectos multifatoriais,
a intervenção demanda estudo adicional, treinamento e supervisão por parte do
analista do comportamento. Uma avaliação cuidadosa tem como objetivo encon-
trar possíveis sintomas clínicos ou sinais comportamentais que requerem atenção
imediata (16). Nesse sentido, também é fundamental o trabalho com equipe inter-
disciplinar, que poderá ser selecionada de acordo com as demandas trazidas na en-
trevista inicial e contemplar psicólogo, fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional, nu-
tricionista, dentista e médicos (23).
A avaliação psicológica é um processo técnico e científico realizado com pes-
soas ou grupos e requer metodologias específicas. É um estudo que postula um pla-
nejamento prévio de acordo com a demanda e com os objetivos de cada indivíduo.
A avaliação pode ser constituída por informações coletadas a partir de entrevistas,
dinâmicas, observações, testes psicométricos, entre outras, que dão sustentação
ao trabalho do psicólogo, seja em sua atuação nas áreas da saúde, educação ou
quaisquer outros setores nos quais se faça necessária (7).
Diversas avaliações psicológicas tradicionais envolvem a aplicação de testes
padronizados como instrumentos para descrever potenciais habilidades e déficits
nos aspectos cognitivos, sociais, acadêmicos ou psicomotores (27). No que tange à
avaliação comportamental, o objetivo vai além de uma descrição e classificação de
habilidades e déficits comportamentais somente, sendo que uma das principais me-
tas é identificar possíveis variáveis ambientais que estão relacionadas ao comporta-
mento-alvo, seja ela uma relação de aumento ou de diminuição de sua frequência
ou intensidade, por exemplo. Seu principal foco é investigar a função do comporta-
mento-alvo no ambiente do indivíduo (6).
Em 1979 (11) a avaliação comportamental foi descrita como um processo que
abrange cinco fases: (a) triagem; (b) definição e quantificação dos problemas e o
estabelecimento dos critérios de desempenho desejados a serem obtidos; (c) defi-
nição específica, clara e objetiva dos comportamentos-alvo a serem observados –
pinpointing; (d) monitoramento do progresso e; (e) follow-up. A avaliação é a pri-
meira das possíveis fases dentro de um modelo sistemático de intervenção, seguida
por planejamento, implementação e análise dos resultados.

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Uma avaliação comportamental contempla procedimentos diretos e indiretos


para a obtenção de dados que visem à identificação e à definição do comportamento a
ser modificado. Ela provê contexto necessário a fim de revelar relações funcionais entre
as variáveis que controlam, mantêm, reforçam ou punem os comportamentos (6).

AVALIAÇÃO COMPORTAMENTAL INDIRETA

Avaliações indiretas envolvem métodos de coleta de informações que não re-


querem que o profissional observe diretamente o indivíduo se comportando. São
métodos que dependem de um informante como um familiar, professor, cuidador
ou do relato do próprio indivíduo (10). Diversas formas de avaliações indiretas fo-
ram desenvolvidas para obter informações por meio de relatos sobre possíveis fun-
ções de um comportamento-alvo (16). As mais comuns são entrevistas com cuida-
dores, registros diversos direcionados pelo terapeuta e inventários/checklists, des-
critos a seguir.

Anamnese

Tem como objetivo obter informações sobre o desenvolvimento da criança de


forma abrangente, ou seja, abordando diversas áreas como a motora, linguagem,
aspectos relacionados à saúde, habilidades sociais, acadêmicas, entre outras. Le-
vantar informações sobre o histórico médico e de intervenções prévias e atuais tam-
bém se faz relevante para a compreensão do quadro atual.
Além dos aspectos gerais, a anamnese voltada às questões alimentares precisa
considerar informações mais específicas que vão desde aspectos físicos que envol-
vem o processo de deglutição, até a compreensão das variáveis ambientais e com-
portamentais envolvidas. Como exemplo, podemos investigar todo o histórico de
introdução alimentar, quem é o principal responsável por alimentar a criança, como
é a interação entre quem alimenta e quem é alimentado nos momentos de refeição,
quais os comportamentos de recusa apresentados pela criança, a rotina da família,
entre outras informações (19).

Perguntas estruturadas facilitam descrições mais claras e objetivas. No caso da


anamnese voltada para a alimentação, é importante obter informações que

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descrevam quando as recusas começaram, se são estáveis ou variam de acordo com


algum antecedente, quais utensílios são utilizados durante as refeições, se existe
um padrão de aceitação e de recusa de acordo com texturas, marcas dos alimentos,
temperatura, formas de apresentação, quantidade de alimento que o indivíduo con-
some atualmente, e quais são esses alimentos (verduras, legumes, proteínas etc.).
Após o levantamento de uma lista de consumo atual e, consequentemente, a veri-
ficação dos itens de recusa, uma forma para elencar possível hierarquia de introdu-
ção de novos itens em conjunto com a nutricionista é classificar, junto à família,
quais itens são de baixa, média ou alta probabilidade de consumo, de acordo com o
histórico da criança e com a percepção dos responsáveis (9).

Um exemplo para essa classificação seria considerar itens semelhantes por cor
como sendo de média ou alta probabilidade de consumo, ou seja, se a criança come
batata talvez seja mais fácil introduzir mandioca por ser semelhante pela cor, em
vez de tomate, que é vermelho. Itens que a criança já consumiu no passado, mas
hoje não consome mais, podem ser mais fáceis de serem inseridos do que algo to-
talmente novo. Apesar de essa classificação auxiliar na tomada de decisões, não se
traduz em uma relação exata, pois varia de uma criança para outra.
A entrevista também pode ser utilizada como fonte de informações para uma
avaliação funcional indireta. As perguntas são dirigidas para obter dados acerca de
quais são os comportamentos que ocorrem durante as refeições, a razão por que
eles acreditam que tais comportamentos ocorrem, em quais lugares e com quais
pessoas são observados, quais as ações realizadas por eles diante da emissão de um
comportamento de recusa pela criança e o que eles fazem para tentar prevenir a
sua ocorrência.
Além disso, é importante destacar a relevância de outros fatores que podem
impactar as questões alimentares observadas. Uma criança que passa por proble-
mas de sono, está gripada ou vivencia problemas estressores como divórcio dos
pais ou bullying, por exemplo, pode apresentar um aumento de comportamentos-
problema em relação à sua alimentação. Essa influência deve ser investigada tanto
durante a avaliação quanto no contexto de intervenção (29).
Ao realizar uma entrevista com parentes ou pessoas próximas, além de identi-
ficar comportamentos-alvo e possíveis variáveis de controle, o analista deve realizar
perguntas para verificar quais pessoas que convivem com a criança em sua rotina

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se prontificam a participar ativamente na implementação da intervenção. Isso se


faz relevante tendo em vista que, sem o treinamento e o engajamento de terceiros,
é mais difícil obter êxito na aplicação e na manutenção de programas de mudança
de comportamento (6).

Inventários, Escalas e Checklists

Inventários são exemplos de avaliações indiretas que contêm perguntas com


respostas fechadas. Alguns deles possuem escala de avaliação no sistema Likert,
que consiste em classificar o quão frequente um determinado comportamento
ocorre (6). O responsável pelo preenchimento deve selecionar apenas uma das op-
ções de resposta como, por exemplo, 1: “nunca faz”, 2: “raramente faz”, 3: “usual-
mente faz”, 4: “frequentemente faz” e 5: “sempre faz”. Dessa forma, uma soma
total dos escores é utilizada para prover uma hipótese sobre as variáveis que con-
trolam o comportamento-alvo. Já outros inventários possuem opções de respostas
pré-determinadas em que se respondem às perguntas assinalando sim ou não (10).

Geralmente descrevem comportamentos e as condições nas quais cada um de-


les ocorre. Podem ser úteis para avaliar um comportamento específico ou uma área
de habilidade (6) como, por exemplo, alimentação, além de serem utilizados para
identificar resultados na eficácia de intervenções (20). Há uma série de materiais pu-
blicados nesse sentido, e uma relação com alguns exemplos é exposta na Tabela 1
(página seguinte).
Os checklists são listas de verificação elaboradas para avaliar comportamentos
previamente selecionados ou habilidades em uma área específica. Possuem descri-
ções claras e objetivas dos comportamentos a serem avaliados e das condições pré-
determinadas sob as quais o comportamento ocorre. Uma das vantagens da utiliza-
ção de checklists é o fato de permitir uma padronização na coleta de determinados
dados, como, por exemplo, a elaboração de uma lista fixa e diversificada sobre quais
são os alimentos consumidos atualmente pela criança, quais os alimentos que já fo-
ram consumidos anteriormente e que atualmente a criança rejeita, informações so-
bre o que a família consome, e outras informações de alta relevância para a avalia-
ção, entre outras possibilidades.

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Tabela 1. Exemplos de inventários e escalas voltadas para a coleta de dados sobre o comporta-
mento alimentar.
Número de
Ano Nome Objetivo
questões
1991 CEBI-R 40 questões Avaliar as preferências alimentares, habilidades
(The Children´s Eating motoras e comportamento de colaboração da
Behavior Inventory – criança e, também investigar interações entre os
Revised) (1) membros da família.
1997 IFS 46 questões A partir da análise de uma sessão gravada de 20
(Infant Feeding Scale) minutos, a escala provê uma avaliação global so-
(4) bre as interações entre mãe e filho entre 3 meses
e 36 meses de vida.
2001 BPFAS 35 questões Obter informações sobre os comportamentos
(Behavioral Pediatric alimentares de crianças entre 9 meses e 8 anos
Feeding Assessment de idade, e sobre quais estratégias são utilizadas
Scale) (8) diante dos problemas de comportamento ali-
mentar da criança.
2001 STEP 23 questões Auxiliar profissionais da área da saúde mental a
(Screening Tool of identificar e avaliar precocemente problemas ali-
Feeding Problems) mentares em indivíduos com déficits cognitivos
(21) para o desenvolvimento de um tratamento.
2001 CEBQ 35 questões Avaliar oito dimensões na maneira de se alimen-
(Child Eating Behavior tar de crianças. As dimensões incluem responsi-
Questionnaire) (31) vidade ao alimento, prazer ao comer, responsivi-
dade de saciedade, comer lentamente, agitação,
comer exageradamente ligado a fatores emoci-
onais e desejo por bebidas.
2005 ORI-CEBI 89 questões O instrumento foi criado a partir de questões se-
(Oregon Research In- lecionadas de instrumentos já desenvolvidos
stitute – Child Eating para a mensuração de comportamentos alimen-
Behavior Inventory) tares problemáticos em crianças de até 36 me-
(18) ses. Quatro dimensões de análise são avaliadas:
seletividade e recusa no consumo de alimentos,
Comportamentos positivos e negativos dos ali-
mentadores e luta pelo controle da alimentação
na relação entre a criança e o responsável.
2007 BAMBI 18 questões Avaliar a natureza de problemas de comporta-
(Brief Autism mento durante a hora da refeição com questões
Mealtime Behavior In- específicas voltadas para crianças com autismo.
ventory) (20)
2011 STEP-CHILD 15 questões e Desenvolvido a partir dos inventários STEP e
(Screening Tool of 6 subescalas CEBQ, foi adaptado para avaliar problemas ali-
Feeding Problems in mentares especificamente em crianças com dé-
Children) (28) ficits cognitivos. As seis subescalas criadas con-
sistem em avaliar problemas na mastigação, co-
mer rápido, recusa alimentar, seletividade ali-
mentar, vômitos e roubar comida.

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Tabela 1. Exemplos de inventários e escalas voltadas para a coleta de dados sobre o comporta-
mento alimentar.
Número de
Ano Nome Objetivo
questões
2009 PMAS (The Parent 31 questões Desenvolvido para identificar os comportamentos
Mealtime Action exibidos durante a refeição pela criança (com 2 a 12
Scale) (12) anos) e pelos responsáveis. Além disso, possibilita a
coleta de dados sobre a frequência com que os res-
ponsáveis comem e servem certas comidas.
2013 SWEAA (Swedish Ea- 60 questões Um questionário estruturado de autorrelato
ting Assessment) (14) e multidimensional com o objetivo de avaliar o
8 subescalas comportamento alimentar no TEA. Suas subes-
calas compreendem avaliar percepção, controle
motor, compra de alimento, comportamento ali-
mentar, ambiente das refeições, situação social
durante refeições, outros comportamentos as-
sociados a distúrbios alimentares e fome/sacie-
dade. Como desvantagens, há a idade mínima de
15 anos, e o fato de ser um questionário de au-
torrelato faz que apenas autistas com compro-
metimento leve sejam aptos a responder.
2014 PediEAT (The Pediat- 87 questões É um instrumento preenchido pelos pais para
ric Eating Asessment mensurar a presença ou a ausência e a frequên-
Tool) (30) cia de comportamentos positivos (gosta da co-
mida, demonstra fome antes das refeições e
tenta se autoalimentar) e comportamentos nega-
tivos (come rapidamente e se engasga com comi-
das) relativos à alimentação. Avalia crianças a par-
tir de 6 meses que já iniciaram a introdução ali-
mentar de sólidos. As respostas são definidas em
seis possibilidades: nunca, quase nunca, às vezes,
frequentemente, quase sempre e sempre.
2019 Escala Labirinto de 26 questões Assim como o BAMBI, foi desenvolvido para ava-
Avaliação do Com- liar o comportamento alimentar em indivíduos
portamento Alimen- com TEA. Analisa a motricidade na mastigação,
tar no TEA (17) seletividade alimentar, habilidade nas refeições,
comportamento inadequado durante refeições,
alergias e intolerância alimentar, comportamen-
tos rígidos e comportamentos opositores na ali-
mentação. É usada para planejamento e para
mensurar a evolução do tratamento.

Diário alimentar

É recomendado que os familiares e/ou cuidadores principais preencham um diário


alimentar que especifique o consumo diário dos alimentos pela criança, quando ela

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não tiver condição de fazê-lo por si só. Este diário deverá conter informações sobre
quais alimentos foram consumidos, suas respectivas quantidades e em quais mo-
mentos do dia essas refeições foram realizadas (26). Em nossa prática clínica, ob-
servamos, muitas vezes, que os cuidadores não possuem clareza exata do que tem
sido ofertado às crianças, bem como seu padrão de aceitação e recusa. Isso ocorre
diversas vezes com o consumo de líquidos, por exemplo, quando a descrição inicial
na anamnese é uma e, ao coletar os dados, deparam-se com dados muito discrepan-
tes daqueles que julgavam serem verdadeiros.
É recomendável que o registro de alimentação seja realizado por um período
mínimo de três dias para se obter uma variedade maior de informação ao longo dos
dias e, assim, obter uma análise mais fidedigna do consumo regular do indivíduo.
Pode ser benéfica a inclusão de informações sobre possíveis comportamentos de-
safiadores que possam ter surgido durante uma refeição (29). Os presentes auto-
res, em sua prática clínica, solicitam que o preenchimento seja realizado por 15 dias
corridos, o que contempla os fins de semana e possíveis variações de saúde ou ro-
tina que a criança possa ter.

Tabela 2. Exemplo de informações parciais coletadas em um diário de alimentação, solicitado aos


familiares e/ou principais cuidadores, durante a avaliação.
QUANTIDADE /
ALIMENTO E/OU
TAMANHO
BEBIDA APRESENTAÇÃO
(Colher, Unidade, ONDE E COM
HORÁRIO (Qual alimento e/ou (Frito, Cozido, As-
Copo etc.) QUEM ESTAVA?
bebida, bem como a sado, Grelhado etc.)
(Pequeno, Médio e
sua marca e sabor)
Grande)
Toddynho®, bisna- Onde: Em casa à
1 Toddynho® mesa de jantar
guinha da marca Se- Todos os alimentos
1 bisnaguinha
8h00 ven Boys® recheada e bebidas servidos
1 colher de sobre-
com requeijão Catu- frios Com quem: Pai e
mesa de requeijão
piry® mãe
2 colheres de sopa
cheias de arroz
1 colher de sopa Arroz e feijão mor- Onde: Escola
Arroz, feijão, tomate cheia de feijão nos, tomate cru e
12h00
e frango 2 fatias finas de tomate gelado, frango Com quem: Pro-
1 filé de peito de morno e grelhado fessora e colegas
frango do tamanho
da palma da mão.

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AVALIAÇÃO COMPORTAMENTAL DIRETA

O propósito da avaliação comportamental direta é a compreensão das variá-


veis relacionadas ao comportamento por meio de uma observação (27). Nessa con-
dição, o próprio analista realiza o arranjo ambiental adequado para coletar os dados
diretamente (6).

Observação comportamental e análise descritiva

O comportamento deve ser observado de forma direta e repetida, e a análise


comportamental descritiva envolve a observação sistemática do comportamento
no ambiente em que naturalmente ocorre. Ela provê informações ao observador
sobre possíveis hipóteses da função do comportamento-alvo e suas variáveis ante-
cedentes e consequentes (3).
As análises descritivas podem ser divididas em scatterplots, narrativa ou regis-
tro ABC, observações semiestruturadas e estruturadas (27). Scatterplot consiste no
registro de dados em intervalos de tempo pré-determinados para encontrar padrões
entre períodos específicos e o comportamento-alvo. Já o registro ABC ou observação
anedótica envolve a descrição dos eventos observados por escrito, como uma narrativa
temporal, sequencial do evento que envolve o comportamento de interesse no ambi-
ente em que naturalmente ocorre, sendo descritas as condições antecedentes e conse-
quentes relacionadas ao comportamento. Por fim, as observações semiestruturadas e
estruturadas consistem em registros cujos eventos antecedentes, comportamentos-
alvo e eventos consequentes específicos são definidos operacionalmente antes da co-
leta de informações, fornecendo dados mais objetivos, devido à identificação prévia
dos alvos para observação (27). Esses alvos podem ser determinados com base nas in-
formações coletadas nas entrevistas com cuidadores (6).
No caso da alimentação, essa etapa é fundamental, pois é nela que os dados
sobre a rotina alimentar e os padrões estabelecidos entre a criança e a família são
observados, para posterior integração com os demais componentes da avaliação.
Alguns exemplos de observação do comportamento alimentar, são:
 Observação direta das refeições em casa e com pessoas do convívio da cri-
ança: é importante observar um recorte da situação real ou, pelo menos, a mais

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próxima disso. A presença do observador por si só já pode ser considerada um fator


interveniente e passível de alteração do ambiente natural. No entanto, ainda assim,
esse momento é indicado e, em conjunto com o cuidador, avalia-se o quanto a situ-
ação foi condizente com o dia a dia da família, para avaliar se é necessário mais um
agendamento, uma observação on-line ou outros recursos de acordo com a neces-
sidade do caso.
Neste momento se levantam as variáveis relacionados ao ambiente físico da
alimentação, aos alimentos ofertados, ao comportamento de quem alimenta a cri-
ança e ao comportamento da criança que é alimentada. Dentre as várias possibili-
dades, observa-se se a refeição é realizada em local adequado, se os alimentos apre-
sentam cores, texturas e grupos variados, se os utensílios ofertados são apropria-
dos para a idade, se a utilização dos utensílios ofertados é feita de maneira ade-
quada e consistente, se a família se alimenta junto com a criança, se os alimentos
podem ser misturados no prato, se a alimentação é independente, quais são os
comportamentos do alimentador diante de recusas e de aceitações por parte da
criança, se o alimentador encerra a refeição em caso de recusa da criança, quais são
os comportamentos de recusa, entre outros.
O mesmo se aplica às observações realizadas na escola no caso de crianças que
fazem as refeições principais nesse ambiente, bem como para qualquer outro am-
biente que o terapeuta e a família julguem relevantes, como a casa dos avós, ali-
mentação em espaços públicos como um restaurante, entre outros.
 Observação direta e manipulação dos alimentos com os responsáveis na
presença do terapeuta: este momento pode ser dividido em duas situações: uma na
qual apenas alimentos preferidos e já consumidos no dia a dia são ofertados e, em
outro momento, apenas alimentos não preferidos ou que ainda não consome são
ofertados. Observe se a pessoa que alimenta conversa com a criança naturalmente
durante a refeição sobre outros assuntos que não o alimento ou a refeição, se ela
substitui o alimento quando a criança se nega a comer o que foi oferecido, se o res-
ponsável utiliza recursos para que a criança não tenha qualquer comportamento
disruptivo ou de recusa durante a refeição, entre outros.
 Testagem direta de alimentos com os terapeutas em ambiente controlado:
é realizada a manipulação dos alimentos pelos terapeutas, e ofertas de modo siste-
matizado e padronizado são realizadas para identificação de um possível padrão de

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aceitação e recusa por parte da criança (tal avaliação foi desenvolvida pelos autores
em conjunto com a equipe do setor de alimentação, em sua prática clínica. Há pa-
dronização quanto aos alimentos a serem ofertados, tipos de instrução, número de
tentativas, tamanho dos itens, modo de preparo e registros). O objetivo, neste mo-
mento, é planejar uma testagem direta na qual existe a manipulação na apresenta-
ção de alimentos pré-selecionados, a fim de investigar algumas características es-
pecificas da recusa alimentar. Para isso, o terapeuta precisa programar as sessões
antecipadamente, organizar os alimentos, o ambiente, quais utensílios serão utili-
zados, dentre outras variáveis que julgue serem relevantes.
Na testagem direta é importante oferecer diferentes tipos de alimentos em
diferentes grupos como proteínas, carboidratos, legumes, verduras e frutas. Outra
forma possível é ofertar um mesmo alimento em diferentes texturas, tais como ali-
mentos pastosos, líquidos, crocantes e sólidos. Outras variáveis possíveis de avalia-
ção nesse formato são a temperatura dos alimentos (quente, frio, gelado e morno),
tipos de apresentação em receitas variadas com o mesmo item, volume dos alimen-
tos e cores, por exemplo, e até mesmo uma avaliação por marcas dos produtos,
caso os responsáveis tenham trazido essa demanda na avaliação comportamental
indireta (29).

Testes Padronizados

Caracterizam-se por apresentar de forma específica as mesmas demandas, e o


critério de pontuação é utilizado para todos os que se submetem a esses testes (8).
Os analistas do comportamento devem recorrer à utilização de testes padronizados
quando é possível obter informações específicas sobre a performance por meio da
mensuração de um comportamento-alvo. Para avaliar comportamentos-alvo a serem
mudados, são utilizadas, mais comumente, a avaliação referenciada por critério (Cri-
terion-referenced Assessment – CRA) e avaliação baseada no curriculum (Curriculum-
based Assessment – CBA). Uma avaliação referenciada por critério mensura a habili-
dade de uma criança pelo comparativo entre a sua performance com a de reconheci-
dos e comumente aceitos “marcos do desenvolvimento”. Uma análise da habilidade-
alvo é feita indicando se ela está presente, não presente ou que está em desenvolvi-
mento. Já uma avaliação baseada no curriculum é obtida pela da coleta de dados re-
alizada diariamente ou semanalmente (6). Até o presente momento não

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identificamos, na literatura, publicações sobre testagens nesse sentido, voltadas ao


comportamento alimentar de crianças com Transtornos Alimentares Pediátricos.
Análise Funcional Experimental

A Análise Funcional Experimental visa a identificar a função de um comporta-


mento-problema através da manipulação das possíveis variáveis antecedentes e/ou
consequentes que controlam o comportamento (13). É realizada pela observação
direta das relações entre o comportamento-alvo e o ambiente, enquanto existe a
manipulação deliberada das possíveis variáveis mantenedoras do comportamento.
As variáveis são organizadas de forma que seja possível avaliar o efeito individual
de cada uma sobre o comportamento.
Pesquisas mostram que as funções mais comuns associadas à classe de respos-
tas associada à recusa alimentar são a fuga ou esquiva de alimentos não preferidos
e o reforçamento positivo social, ou seja, a criança deseja obter atenção de quem a
está alimentando. Já em relação ao comportamento desse último, é comum obser-
var que frequentemente se libera o acesso a tangíveis, como vídeos e brinquedos
favoritos, para acalmar as crianças durante as refeições, ou mesmo se interrompem as
refeições ou se substituem alimentos para que a criança se alimente. Tal estratégia uti-
lizada inadvertidamente ao ofertar à criança itens de preferência mesmo diante de um
comportamento não colaborativo frene a um alimento não preferido ou a permissão
para encerrar o contato com esse alimento podem fortalecer essa contingência e, as-
sim, aumentar as probabilidades de ocorrência de comportamentos de recusa (29).
As figuras 1, 2 e 3 ilustram exemplos de três condições de uma Análise Funcio-
nal Experimental do comportamento de recusa alimentar, a saber: atenção, fuga e
tangível.

Figura 1. Exemplo da condição atenção durante Análise Funcional Experimental, na qual a atenção é
liberada contingente a qualquer resposta de recusa da criança.

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Figura 2. Exemplo da condição fuga durante Análise Funcional Experimental, na qual o alimento é
imediatamente retirado contingente a qualquer resposta de recusa da criança.

Figura 3. Exemplo da condição tangível durante Análise Funcional Experimental, na qual um item
tangível é entregue contingente a qualquer resposta de recusa da criança.

Um estudo de 2003 (25) mostra que a Análise Funcional Experimental foi eficaz
para identificar mantenedores do comportamento-problema durante as refeições
para indivíduos com seletividade alimentar. Observações diretas de refeições con-
duzidas por cuidadores foram realizadas para seis díades pai-filho. Foram pontua-
das as respostas da criança e as respostas dos pais (por exemplo, a aceitação ou
recusa por parte da criança, e a remoção da demanda, acesso a tangíveis ou atenção
por parte dos pais). Após as observações diretas, foram avaliadas quais foram as
respostas mais frequentes emitidas pelos pais após a emissão de comportamentos
de recusa de seus filhos. Os resultados apontam que todos os pais removiam as de-
mandas, forneciam atenção ou liberavam acesso a materiais tangíveis diante do
comportamento de recusa dos filhos. Na análise descritiva foi identificado que fuga
e atenção eram os comportamentos mais comuns emitidos pelos pais. Foi condu-
zida Análise Funcional Experimental comparando as condições de teste (fuga de de-
manda, acesso a tangíveis e atenção) com a condição-controle, usando métodos
similares aos de Iwata et al. (13). O procedimento se mostrou eficaz na identificação
das funções de comportamento de recusa, sendo a fuga e a atenção os reforçado-
res mais frequentes. É importante salientar que, para três das seis díades pai-filho,
os resultados das análises descritivas e análises funcionais experimentais foram cor-
respondentes. Portanto, nos dois métodos de análise, as mesmas funções compor-
tamentais foram identificadas.

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Outros pesquisadores propuseram uma avaliação para identificar correlações


entre as características dos alimentos (tipo ou textura) e problemas de comporta-
mento durante as refeições. Em vez da manipulação de variáveis consequentes, so-
mente as variáveis antecedentes foram manipuladas, e, devido a essa escolha, utili-
zaram o termo Avaliação Comportamental, já que era uma variação da Análise Fun-
cional Experimental descrita originalmente. Os participantes apresentavam diferen-
tes comportamentos-problema relacionados à alimentação, tais como recusa de to-
dos os alimentos, aceitação de alimentos específicos, independentemente da tex-
tura apresentada (seletividade pelo tipo de alimento), aceitação de determinados
alimentos com uma textura específica, mas recusa frente textura diferente (seleti-
vidade de textura), e seletividade por tipo e textura do alimento. A avaliação com-
portamental proposta foi eficaz em identificar o perfil dos indivíduos que apresen-
tavam o padrão de aceitação seletiva, expulsão ou recusa total de alimentos e para
selecionar intervenções menos intrusivas (22).
Análise de correspondência entre os resultados de Análise Descritiva e Análise
Funcional Experimental foi realizada por pesquisadores para avaliar problemas de
comportamento durante as refeições. Os achados mostraram correspondência de
71,4% quando as funções foram comparadas entre esses métodos, sugerindo que a
Análise Descritiva apresentou resultados relativamente próximos aos da Análise
Funcional Experimental (5). Embora a Análise Funcional Experimental seja o instru-
mento mais eficaz para identificar funções do comportamento-alvo, as Análises
Descritivas podem ser utilizadas face às limitações de tempo ou de treinamento
para aplicação da primeira e, desse modo, serem uma alternativa especialmente
para análise de comportamentos-problema referentes à alimentação (3). Nova-
mente a importância da capacitação profissional e do treinamento da equipe pre-
cisa sempre ser considerada, com supervisão para implementação de determinados
procedimentos tanto de avaliação quanto de intervenção.
Diante de inúmeras possibilidades para avaliar um transtorno alimentar pediá-
trico, o analista do comportamento deve refletir sobre quais instrumentos e proce-
dimentos são mais adequados, a depender de cada caso em particular. A priori não
há uma estratégia superior a outra, mas sim características diferentes de cada uma
que se aplicam a contextos e demandas particulares. O processo de avaliação, junto
com o planejamento da intervenção, deve ser sempre individualizados, conside-
rando-se as características singulares de cada criança e de sua família. O profissional

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deve se basear nos dados já publicados e indicados como eficientes pela ciência,
juntamente com a sua experiência e raciocínio clínico para determinar quais méto-
dos, técnicas e instrumentos utilizará durante a avaliação, e considerar os aspectos
facilitadores e as barreiras de cada procedimento de avaliação. A Tabela 3 lista al-
guns possíveis benefícios e pontos de atenção ao se utilizarem essas ferramentas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Transtornos Alimentares Pediátricos são condições que podem interferir dire-


tamente tanto na saúde quanto no desenvolvimento psicossocial da criança afetada
e de sua família. Antes de iniciar qualquer tipo de intervenção frente a uma queixa
trazida pelo próprio cliente ou familiar, é necessário realizar um processo de inves-
tigação sobre todos os aspectos que circundam a queixa. No caso de crianças com
autismo, cuidado adicional deve ser tomado, pois, além do conhecimento sobre a
Análise do Comportamento em si e estratégias para manejo do comportamento ali-
mentar, há características muito específicas do quadro que requerem estudo e es-
pecialização adicional.
Serviços focados em reduzir os impactos de um padrão seletivo de alimenta-
ção sobre o indivíduo e todos que o cercam devem se basear em métodos de avali-
ação e intervenção que possuem sustentação e fundamentação na literatura cientí-
fica (3). Ainda há escassez de publicações nacionais que discutem protocolos ou
mesmo os recursos possíveis para avaliação dessa demanda na população com au-
tismo.
Conclui-se que um processo de avaliação eficaz é o primeiro passo para um
planejamento adequado dos objetivos de uma intervenção de qualidade. Estraté-
gias da avaliação comportamental direta e indireta foram aqui discutidas com o in-
tuito de ampliar possibilidades para o profissional que busca aprimoramento de sua
prática, e, após essa etapa, é fundamental que seja realizado um plano de interven-
ção comportamental individualizado para as demandas observadas, a fim de intervir
para ampliação do repertório alimentar e, consequentemente, melhora na quali-
dade de vida.

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Tabela 3. Possíveis benefícios e pontos de atenção dos métodos de avaliação comportamental di-
reta e indireta.

Benefícios Pontos de atenção


- Dados menos acurados.
- Confiabilidade dos dados obtidos
- Baixo custo de resposta
para o aplicador. por entrevistas é menor do que os
Entrevistas com cli- dados obtidos de forma direta.
- Tempo de aplicação redu-
ente, familiares e/ou zido. - Comportamentos não são observa-
cuidadores (Anam- dos in loco.
nese) - Requer treinamento básico
de aplicadores. - Dados sensíveis ao relato e às lem-
branças das pessoas que têm con-
tato com a pessoa avaliada.
- Forma de coleta de dados não validada.
- Instrumentos com pergun-
tas fechadas geram maior pre- - Comportamentos não são observa-
cisão dos dados coletados. dos in loco.
- Baixo custo de resposta para - Dados sensíveis ao relato e às lem-
branças das pessoas que têm con-
AVALIAÇÃO INDIRETA

o aplicador.
Inventários, Escalas e tato com a pessoa avaliada.
- Tempo de aplicação reduzido.
Checklists - Algumas classificações da Escala Li-
- Requer treinamento básico
kert não quantifica a frequência
de aplicadores.
exata e pode induzir a avaliações
- Múltiplas opções de inven- subjetivas (por exemplo, raramente
tários disponíveis na litera- faz, às vezes faz).
tura científica.
- Observações diretas do
comportamento no contexto - Eventual custo de equipamentos e
natural (domicílio, escola, materiais quando aplicável e profis-
parque) fazem que avaliado- sionais especializados e treinados
res consigam ter uma análise para realizar as observações.
mais abrangente de todas as - Tempo dedicado à coleta do dado, de-
possíveis variáveis ambien- vido às observações serem repetidas
Análise Descritiva
tais e as contingências que diversas vezes, quando necessário.
controlam o comporta- - Possível imprecisão na conclusão
mento-alvo. sobre a função do comportamento,
- Alto índice de correspon- tendo em vista que não há manipu-
dência em relação à análise lação experimental de variáveis.
funcional experimental, para
os casos de alimentação.
- Menor complexidade para - Só há registro e dados dos com-
implementação, devido à sis- portamentos que ocorrem durante
AVALIAÇÃO DIRETA

tematização da coleta de da- um tempo de observação – registro


dos. amostral.
Scatterplots
- Pode fornecer dados sobre - Não há o registro das variáveis an-
a frequência do comporta- tecedentes e consequentes das
mento-alvo. quais o comportamento é função.
- Identifica padrões - Os dados obtidos não geram

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temporais da ocorrência do padrões temporais previsíveis.


comportamento em condi- - Não são adequados para registro
ções naturais. de comportamentos que não se or-
ganizam temporalmente.
- Gera grande quantidade de
- Registro das informações pode ser
informação qualitativa. Tais
contaminado com inferências do
informações são usadas para
observador (assume que determi-
desenvolvimento de obser-
nado evento é antecedente, por
vações estruturadas.
exemplo).
Análise Anedótica ou - Coleta de dados sobre as
- Existem limitações na concordân-
Registro A-B-C variáveis antecedentes, com-
cia entre observadores.
portamento e as consequên-
cias posteriores. - Não resultam em dados quantitati-
vos, o que dificulta no estabeleci-
- É possível iniciar hipóteses
mento de prioridades na etapa de
sobre os dados observados
planejamento.
de forma direta.
- Eventos identificados e defi-
nidos previamente.
- Gera dados mais objetivos - Eventos identificados e definidos
quando coletados. previamente podem não ser os mais
Observação Estrutu- - Simplifica o processo de ob- importantes durante a observação.
rada e Semiestrutu- servação. - Possibilidade de não haver registro
rada - Diminui a possibilidade de de frequência e duração de compor-
viés do observador. tamento se esse objetivo não é esta-
- Dados quantificados são ge- belecido a priori.
rados durante o período de
observação.
- Avaliação padrão-ouro.
- Requer maior tempo de treina-
- Maior eficácia e fidedigni- mento dos aplicadores.
dade para a identificação da - Maior custo em material.
Análise Funcional função do comportamento,
devido à manipulação das va- - Necessidade de profissionais quali-
Experimental
riáveis. ficados.
- Realizada em ambiente con- - Eventual reforçamento do compor-
trolado. tamento-problema.

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3
O papel da nutrição na
seletividade alimentar

Giovana Pegorer Perandin


Nutricionista, Especialista em Nutrição Clínica Avançada

Citação: Perandin GP. O papel da nutrição na seletividade alimentar. In: Nexo Intervenção Comportamental. Trans-
tornos Alimentares Pediátricos nos TEA [livro eletrônico]. São Paulo: Memnon, 2022. Disponível em: www.mem-
non.com.br para acesso livre.

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A nutrição tem como objetivo a prevenção, a promoção e a recuperação da


saúde, para o qual o nutricionista avalia, planeja e executa suas condutas baseadas
na ética e na ciência da nutrição e alimentação. Com isso, é possível proporcionar
melhor qualidade de vida a todas as pessoas.

O estado nutricional das pessoas reflete diretamente na adequação das suas


necessidades nutricionais, ou seja, se consomem todos os nutrientes que são ne-
cessários para elas. A ingestão adequada dos nutrientes promove crescimento e de-
senvolvimento adequados e mantém a saúde de maneira geral (9).
Para identificar o estado nutricional, é necessário que o nutricionista realize a
avaliação nutricional, com instrumento diagnóstico que aborda as seguintes avalia-
ções: antropométrica, clínica, bioquímica e dietética. Dessa maneira, com todos os
dados obtidos, o nutricionista é capaz de identificar o diagnóstico nutricional para,
assim, direcionar a melhor conduta e estratégia individualizada, além de manter ou
recuperar o estado nutricional adequado (9).

AVALIAÇÃO NUTRICIONAL

Avaliação antropométrica

Para realizar a avaliação antropométrica, ou seja, avaliação do corpo humano


e suas partes, de crianças e adolescentes, são utilizadas as medidas de peso e esta-
tura e, consequentemente, do Índice de Massa Corporal (IMC), para que, assim,
posteriormente, seja obtida a classificação a partir das curvas de crescimento da
Organização Mundial da Saúde – OMS (19, 20), que visam a avaliar o crescimento e
o desenvolvimento ao longo dos meses, de acordo com a idade e o sexo.
Para crianças com 0 a 5 anos incompletos, é analisada a relação entre Peso por
Idade, Estatura por Idade, Peso por Estatura e IMC por Idade. Para crianças de 5 a
10 anos incompletos, a curva de Peso por Estatura é excluída, e para adolescentes
de 10 a 19 anos, avaliam-se apenas as curvas de Estatura por Idade e IMC por Idade.
Nas Figuras 1 e 2, podemos observar dois exemplos das curvas de crescimento
propostas pela OMS (19, 20).

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Figura 1. Curva de crescimento de estatura por idade, para meninas, do nascimento aos 5
anos de idade (OMS, 2006).

Figura 2. Curva de crescimento de IMC por idade, para meninos, dos 5 aos 19 anos de
idade (OMS, 2007).

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Além das medidas citadas acima, também se utilizam as circunferências abdo-


minal e do braço e, em alguns casos, as dobras cutâneas triciptal e subescapular
(22).
Entretanto, no público infantil, principalmente com Transtorno do Espectro do
Autismo (TEA), essas medidas dificilmente são coletadas, pois, muitas vezes, as cri-
anças e/ou adolescentes manifestam sensibilidade ao toque na hora da realização
da medida, o que torna os dados não fidedignos. Para auxiliar na realização das me-
didas antropométricas de crianças e adolescentes com TEA, utilizar apoio visual por
meio de imagens de todas as etapas que devem acontecer, muitas vezes, pode aju-
dar a dar previsibilidade das etapas e, assim, facilitar na hora de coletar todas as
medidas necessárias. Devemos sempre usar ou escrever em linguagem de fácil en-
tendimento para as crianças, como “medir a barriga”, em vez de medir a circunfe-
rência abdominal. A cada medida realizada, a criança ou adolescente poderá ganhar
uma ficha, que pode variar a imagem com sinal positivo, imagem de um rosto feliz,
dentre outros.
Essas medidas devem ser realizadas nos casos possíveis, de maneira lúdica, entre-
tendo a criança, e/ou com estabelecimento de regras sobre o que precisará ser feito,
bem como por meio de modelos previamente mostrados em pessoas do seu convívio,
como os pais, por exemplo, ou ainda com o apoio de pistas visuais (Figura 3).

Figura 3. Pista visual para a avaliação antropométrica utilizada na NEXO IC.

Devido à alta prevalência de crianças e adolescentes com seletividade alimen-


tar e autismo, observam-se diversos estudos sobre o perfil nutricional desse pú-
blico. Em muitos casos, a prevalência de sobrepeso e obesidade se torna evidente,

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uma vez que há alto consumo de alimentos industrializados, com muito açúcar e
gordura e baixo valor nutritivo, ou seja, os alimentos que são fonte de vitaminas,
minerais, fibras alimentares e, consequentemente, menos calóricos e mais saudá-
veis são excluídos de sua rotina alimentar (5, 18).

Avaliação clínica

Algumas crianças e adolescentes fazem uso de medicamentos cujos efeitos ad-


versos podem incluir o aumento do apetite, por exemplo. Além disso, também po-
demos notar, em alguns estudos e bulas de medicamentos, que também podem,
eventualmente, ocasionar falta de apetite, alteração das papilas gustativas, o que
pode impactar diretamente a seletividade alimentar, além de alterações na absor-
ção de nutrientes, aumentando, assim, a probabilidade de se tornarem obesos e/ou
com carências nutricionais (12).
Outra observação que deve ser levada em consideração é a prática de ativi-
dade física. A frequência dos exercícios e a intensidade em que são realizados – po-
dendo ser leve, moderada ou vigorosa – fazem diferença nas orientações nutricio-
nais no momento da intervenção. Normalmente, as crianças que apresentam ex-
cesso de peso possuem baixa atividade física ou são de fato sedentárias, o que im-
pacta diretamente na saúde e no estado nutricional, pois o consumo alimentar é
superior ao gasto energético. Quando a ingestão alimentar é superior ao gasto
energético, haverá excesso de calorias, o que leva ao quadro de excesso de peso e
suas comorbidades, além de distúrbios nutricionais (2, 4, 13).
Acredita-se que o excesso de peso desde a infância aumenta o risco de doen-
ças crônicas não transmissíveis, como diabetes, hipertensão arterial e doenças car-
diovasculares, tornando-se extremamente importante e necessário o acompanha-
mento nutricional nesse público (12).
Quando analisado os dados clínicos, é de suma importância identificar a pre-
sença ou não de alergias alimentares, pois o nutricionista, em suas orientações e
prescrição nutricional, deve evitar o desencadeamento dos sintomas, a progressão
e a piora das manifestações clínicas apresentadas pela criança ou adolescente.

Segundo Solé et al. (26), as alergias alimentares são um problema de saúde


pública devido ao aumento mundial na sua prevalência, apesar de os dados ainda

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serem conflitantes. Trata-se de uma resposta imunológica que ocorre após o con-
tato ou a ingestão de alimentos alergênicos.
Atualmente são reconhecidos mais de 170 alimentos possivelmente alergêni-
cos. Entretanto, apenas uma pequena parcela deles são responsáveis pelas reações
clínicas. De maneira geral, os alimentos que possuem maior teor alergênico, desta-
cados por Solé et al. (26), são: leite de vaca, ovo, trigo e soja. Porém, também são
considerados alergênicos outros alimentos, consumidos em nosso dia a dia, como,
por exemplo, peixes, crustáceos, oleaginosas, amendoim e algumas frutas como
banana, kiwi e morango.
As manifestações clínicas apresentadas por pessoas com alergias alimentares
dependem dos mecanismos imunológicos envolvidos. As reações clínicas mediadas
pela imunoglobulina E (IgE) aparecem minutos após o contato com e/ou a ingestão
do alimento, e podem se expressar por alergia oral, urticária, angioedema, rubor,
rinoconjuntivite alérgica, cólicas muito fortes, tontura, desmaio e até mesmo anafi-
laxia. As não mediadas por IgE e mistas podem demorar horas ou até dias para se
manifestar com dermatite atópica ou de contato, asma, esofagite eosinofílica, den-
tre outras (26).
O tratamento das alergias alimentares deve ser realizado para alívio das mani-
festações clínicas que o paciente apresentar após contato ou ingestão dos alimen-
tos alergênicos. Em alguns casos, em que as manifestações clínicas são graves, é
necessário que o médico realize intervenção medicamentosa (27). Nesses casos, a
única terapia comprovada como tratamento, a fim de evitar a progressão das aler-
gias, é a dieta de restrição desses alimentos (27).
O tratamento nutricional nas alergias alimentares tem como objetivo a ade-
quação da rotina alimentar da criança e de sua família sem os alimentos alergênicos,
adaptando-se receitas e preparações para obter a mesma textura e sabor (27).
A reintrodução alimentar deve ser realizada sob supervisão de profissionais ca-
pacitados, em ambientes controlados (27).

Na maioria das vezes, essas alergias alimentares são transitórias, ou seja, até a
vida adulta há cura. Estima-se que, em apenas 10% dos casos, as alergias alimentares
persistem para sempre (27).

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Embora as intolerâncias alimentares possam apresentar sinais e sintomas se-


melhantes aos das alergias alimentares, são diagnósticos diferentes, realizados pelo
médico gastroenterologista. As intolerâncias alimentares não possuem correlação
com o sistema imunológico, mas sim com a capacidade do organismo em digerir
determinados compostos dos alimentos, como no caso da lactose, presente nos ali-
mentos lácteos (14, 25). Geralmente as manifestações clínicas são causadas por al-
terações gastrointestinais (gases, alteração na consistência das fezes, dor e disten-
são abdominal), mas também podem incluir manifestações cutâneas e respirató-
rias. Normalmente não apresentam quadros, de maneira geral, mais graves como
no caso das alergias. A restrição desses alimentos na dieta de pessoas que possuem
intolerâncias é a alternativa mais eficaz para melhora dos desconfortos e da diges-
tão (14).
Vale ressaltar que, para crianças e adolescentes com autismo, as dietas de res-
trição, como as livres de alimentos com glúten, devem ser utilizadas apenas quando
há diagnóstico médico de alergias e/ou intolerâncias alimentares, comprovadas por
meio de exames específicos e/ou manifestações clínicas associadas, e não como mé-
todo para melhora do TEA.
O nutricionista deve realizar o exame físico no cliente, ou seja, durante sua ava-
liação clínica deve observar a semiologia nutricional. Essa observação no exame fí-
sico consiste na identificação de sinais que são manifestações clínicas de uma do-
ença ou deficiência observada pelo profissional por meio da inspeção, palpação ou
ausculta, ou de sintomas que são as sensações subjetivas, sentidas pelo cliente e
não visualizadas pelo profissional, que possam ser sugestivos de deficiências nutri-
cionais, além de outras alterações no corpo humano, como a desidratação, por
exemplo. Essa identificação pode ser realizada por meio de observação na pele,
unhas, cabelos, mucosas, dentre outras. Essa análise não deve ser avaliada isolada-
mente, e sim com todos os outros dados e suas correlações (8). No público com
TEA, muitas vezes esse processo é difícil de realizar e de avaliar rigorosamente, pois
parte dos casos apresenta alterações sensoriais relacionadas ao toque e/ou apre-
sentam déficits comunicativos, o que dificulta a expressão sobre algum descon-
forto, por exemplo. Cabe ao profissional capacitado realizar a investigação para unir
mais dados sobre o cliente.
A investigação do hábito intestinal é de extrema importância para o acompa-
nhamento nutricional, pois normalmente crianças e adolescentes com seletividade

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alimentar não consomem fibras alimentares e água em quantidades adequadas, o


que ocasiona alterações no trânsito intestinal. Deve ser avaliada a frequência das
evacuações, a presença de gases, dor e distensão abdominal e quadros de consti-
pação e diarreia, por exemplo. As alterações no hábito intestinal podem não ser de-
correntes da alimentação, mas de doenças intestinais como Síndrome do Intestino
Irritável (SII), colite, fatores genéticos, psicossociais e constitucionais (17).
Para complementar a avaliação do hábito intestinal, uma das ferramentas uti-
lizadas é a Escala de Bristol para Consistência de Fezes, que foi traduzida, adaptada
e validada para população brasileira por Martinez e Azevedo (15), e que se trata de
uma escala gráfica, na qual, por meio de imagens e descrições, são representados
sete tipos de fezes, segundo sua forma e consistência. A primeira é descrita como
pequenas bolinhas duras, separadas como coquinhos (difícil para sair). A segunda,
como formato de linguiça encaroçada, com pequenas bolinhas grudadas. A terceira
seria em formato de linguiça com rachaduras na superfície. A quarta é descrita como
alongada, com formato de salsicha ou de cobra, lisa e macia. A quinta, como peda-
ços macios e separados, com bordas bem definidas (fáceis de sair). A sexta descri-
ção se refere a uma massa pastosa e fofa, com bordas irregulares, e a sétima a fezes
totalmente líquidas, sem pedaços sólidos (15).
A diurese, ou hábito urinário, também deve ser investigada pelo nutricionista,
pois reflete diretamente a hidratação do corpo humano. Sua coloração pode ser
identificada por meio da Escala de Armstrong et al. (1), na qual constam oito colora-
ções possíveis de urina; as classificações de 1 a 3 indicam que o indivíduo está bem
hidratado; de 4 a 6, pouco hidratado; e classificações 7 e 8 indicam desidratação.
Em relação à hidratação do corpo, é de extrema importância avaliar o consumo
de água e de líquidos, uma vez que a água é fundamental para o funcionamento de
os órgãos como o cérebro, o intestino, o coração e os rins, pois atua na manuten-
ção, na digestão, na absorção e na excreção de nutrientes. As recomendações do
consumo de água e líquidos variam de acordo com a idade e com a prática de ativi-
dade física (3, 6).
Segundo a Dietary Reference Intakes (DRI), do Institute Of Medicine (10), as re-
comendações para ingestão de água e outros líquidos (sucos, chás, leite etc.) para
crianças e adolescentes são de 0,7 L para idades entre 0 e 6 meses, de 0,8 L para
idades entre 7 e 12 meses, de 1,3 L para idades entre 1 e 3 anos, de 1,7 L para crianças

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de 4 a 8 anos, de 2,4 L para idades entre 9 e 13 anos, e de 3,3 L para adolescentes de


14 a 18 anos.
Ainda em relação à avaliação, durante a anamnese nutricional, a família deve
ser questionada sobre os principais pontos da gestação, amamentação, introdução
alimentar, rotina familiar, fator socioeconômico, acesso aos alimentos, crenças e
costumes, dentre outros (22).

Avaliação bioquímica

Segundo a Resolução 306, de 24 de março de 2003, do Conselho Federal de


Nutricionistas (7), uma das atribuições do nutricionista clínico, que é um profissional
da saúde, é a solicitação de exames laboratoriais (exames de sangue) necessários
para realizar a avaliação, a prescrição e para acompanhar a evolução nutricional do
paciente. Com isso, é possível identificar deficiência ou excesso de nutrientes, além
de alterações metabólicas, e, assim, em conjunto com equipe multiprofissional, tra-
çar as estratégias necessárias.

Avaliação dietética

Um bom instrumento para auxiliar na avaliação dietética de pessoas com sele-


tividade alimentar é a utilização do registro alimentar ou diário alimentar. Normal-
mente, deve-se contemplar as seguintes informações: horário da refeição, alimento
e/ou bebida ingeridos e suas especificações (marca, modo de preparo, forma de
apresentação), quantidade ofertada e consumida, local de consumo e com quem
estava. Com isso, conseguimos avaliar a frequência em que os alimentos são ofer-
tados e consumidos, se o local e a pessoa influenciam nas escolhas alimentares,
pois, no público com TEA, frequentemente acontece de haver o consumo de um
determinado alimento na escola com a professora, por exemplo, e, em casa com
sua família, a sua recusa (9, 23).
Além disso, esse instrumento nos possibilita realizar cálculos referente à inges-
tão de todos os nutrientes, como proteínas, carboidratos, gorduras, vitaminas, mi-
nerais e fibras alimentares, a fim de adequá-los na dieta atual, identificando carên-
cias e/ou excessos nutricionais.

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O registro deve ser preenchido pela família, durante um determinado número


de dias consecutivos, normalmente de sete a 15 dias, incluindo todos os alimentos
e bebidas que a criança ou adolescente consome durante 24 horas.
O profissional deve orientar aos responsáveis que todas as informações devem
ser bem detalhadas e específicas, pois, assim, teremos maiores esclarecimentos so-
bre o hábito alimentar daquele indivíduo.
A coleta dos dados dietéticos por meio dos registros alimentares pode ser re-
alizada durante a avaliação, a fim de contribuir para o diagnóstico nutricional, bem
como durante o acompanhamento nutricional na intervenção alimentar com equipe
interdisciplinar (9, 23).

Poderão ser utilizados outros instrumentos como fonte de coleta de dados di-
etéticos, como, por exemplo, o Recordatório de 24 horas (R24h) e o Questionário
de Frequência Alimentar (QFA) (18). Porém, eles não conseguem abordar todos os
detalhes necessários como acontece com o registro alimentar da dieta habitual.
A mensuração do consumo alimentar é sempre uma estimativa, pois pode ou
não retratar de forma mais específica a ingestão de nutrientes de um indivíduo, por
meio dos registros alimentares. Porém, muitos fatores são determinantes nesse
momento, como, por exemplo, o preenchimento fidedigno dos registros e a varia-
ção dos alimentos in natura, a depender da época do ano, já que a alimentação e o
clima brasileiro são muito diversificados (2).
Após realizar a coleta dos dados antropométricos, clínicos, bioquímicos e die-
téticos, o nutricionista deve realizar o diagnóstico nutricional do cliente, que en-
volve a identificação dos problemas relacionados à alimentação e à nutrição e do
quanto esse problema pode impactar negativamente a saúde, para, assim, determi-
nar seu estado nutricional e realizar suas orientações e prescrições, a fim de ameni-
zar esses problemas, em conjunto com a equipe multidisciplinar, proporcionando
saúde e qualidade de vida para o cliente e sua família (2).

INTERVENÇÃO NUTRICIONAL

Com todos os dados coletados durante a avaliação e após o diagnóstico nutri-


cional e determinação do estado nutricional, o nutricionista deve realizar a

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prescrição alimentar individualizada, ou seja, realizar um planejamento alimentar ou


cardápio, adaptando a rotina alimentar atual da criança ou do adolescente, uma vez
que, devido ao quadro atual, ele não é capaz de escolher uma dieta equilibrada e
nutritiva, atingindo todas as recomendações de todos os nutrientes (13).
Vale ressaltar que, para pessoas com seletividade alimentar, nem sempre o car-
dápio proposto pelo nutricionista contemplará todos os grupos alimentares e não
conterá alimentos industrializados, que são menos saudáveis. Esse cardápio deverá
abranger apenas os alimentos, bem como sua forma de preparo e apresentação,
com que está habituado e que aceita consumir em seu dia a dia. Sendo assim, na
medida do possível, ele estará equilibrado, além de aumentar a probabilidade de
todos os alimentos de sua rotina alimentar atual estarem sendo ofertados.
Em muitos casos, o cardápio é adicionado na intervenção para o planejamento
familiar, pois muitos alimentos que a criança consome não são ofertados na fre-
quência em que deveriam.
Também se fazem necessárias as orientações nutricionais gerais como, por
exemplo, a redução gradativa de sal, açúcar e gordura na alimentação diária, au-
mento da oferta de líquidos como água, sucos, chás, dentre outros, e distribuição
dos horários das refeições de acordo com o momento (13).
Segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria (25), as refeições devem ser pla-
nejadas em horários fixos e determinados de acordo com a rotina da família, mas
deve haver um intervalo de duas a três horas entre elas, para que aumente a proba-
bilidade de a criança sentir fome na refeição seguinte. Devem ocorrer entre cinco e
seis refeições ao dia, contemplando café da manhã, lanche da manhã, almoço, lan-
che da tarde, jantar e, caso necessário, lanche noturno.
Além disso, é necessário que seja estabelecido um tempo-limite para cada re-
feição, e, caso a criança não consuma o que seja necessário, de acordo com o pla-
nejamento alimentar, e houver recusa do que for ofertado, a refeição deverá ser
encerrada, e no horário seguinte serão apresentados outros alimentos (25).
Para a elaboração do planejamento alimentar, devemos levar em conta que a
distribuição de macronutrientes (carboidratos, proteínas e gorduras) deve estar ba-
seada nas recomendações da DRI (10), também citada no Manual de Alimentação
da Infância e Adolescência da Sociedade Brasileira de Pediatria (25): devem ser ofer-
tadas 45% a 65% das calorias diárias de carboidratos; 30% a 40% de gorduras para

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crianças entre 1 e 3 anos, e 25% a 30% para crianças entre 4 e 18 anos; e 5% a 20% de
proteínas das calorias diárias para crianças entre 1 e 3 anos, e 10% a 30% pata crianças
/ jovens entre 4 e 18 anos.
Em relação as recomendações nutricionais de vitaminas e minerais, deve-se le-
var em consideração as recomendações propostas na DRI (10), de acordo com cada
micronutriente.
As recomendações de ingestão diária de fibras alimentares propostas pela DRI
(10) devem contemplar: de 1 a 3 anos, 19 g de fibras diárias, de 4 a 8 anos 25 g; de 9
a 13 anos, 31 g para meninos e 26 g para meninas; e de 14 a 18 anos, 38 g para meni-
nos e 26 g para meninas.
Quando o planejamento alimentar é elaborado para o público com TEA, muitas
vezes precisamos utilizar recursos visuais para melhor entendimento e previsibili-
dade de suas refeições diárias. Sendo assim, é possível desenvolver um cardápio
visual (Figura 4).

Figura 4. Exemplo de cardápio visual para


previsibilidade ao público com TEA, con-
templando duas refeições (café da manhã
e lanche da manhã), utilizado na NEXO IC.

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O profissional pode produzir um material individualizado para a família utilizar


em casa, no qual cada refeição é diferenciada por uma cor, e poderá conter velcros
para facilitar o momento da sua montagem e desmontagem. Esse cardápio visual
deve contemplar todos os alimentos que a pessoa consome, pareando a imagem
do alimento ao seu nome. A família deve se basear no cardápio elaborado pela nu-
tricionista e, assim, montar diariamente, em conjunto com a criança, a pista visual
de sua rotina alimentar.
Além disso, o planejamento alimentar pode ser elaborado para esse público
com a escolha forçada, ou seja, serão ofertadas duas opções de alimentos, do
mesmo grupo alimentar, e a pessoa poderá escolher o que deseja consumir dentre
as opções que são ofertadas, pois, assim, podemos minimizar comportamentos ina-
dequados durante as refeições e mesmo reduzir a recusa alimentar nesse momento.

O Departamento de Nutrologia da Sociedade Brasileira de Pediatria (24) desen-


volveu a Pirâmide Alimentar, com base no Manual de Orientação do próprio Depar-
tamento de Nutrologia, cujos princípios envolvem recomendações de alimentação
saudável em todas as etapas da vida, ou seja, desde a infância até a vida adulta. A
Pirâmide Alimentar (Figura 5) é dividida por faixa etária e aborda a quantidade de
porções diárias de cada grupo alimentar, bem como as quantidades para consumo
(Figura 6). Além disso, ainda há o incentivo da prática de atividade física e de inges-
tão hídrica.

Figura 5. Pirâmide Alimentar proposta pela Sociedade Brasileira de Pediatria, Departa-


mento de Nutrologia (2012).

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Figura 6. Número de porções diárias recomendadas por grupos alimentares, separados por
faixas etárias, proposto pela Sociedade Brasileira de Pediatria, Departamento de Nutrolo-
gia (2012).

O tamanho das porções dos alimentos ofertados para crianças e adolescentes


deve ser determinado de acordo com sua aceitação e necessidades nutricionais. É
comum acontecer de as famílias e os cuidadores acharem que a criança consome
porções reduzidas e ofertarem grandes quantidades, muitas vezes sem necessi-
dade (25). Nesse sentido, a Sociedade Brasileira de Pediatria aborda algumas pro-
postas de porções na Pirâmide Alimentar.
A dieta consumida por crianças e adolescentes em porções inadequadas, com
escassez de grupos alimentares mais nutritivos e com excesso de alimentos menos
nutritivos, pode promover fome oculta, ou seja, quando há deficiência de um ou
mais nutrientes sem sinais e sintomas associados, resultando, assim, no comprome-
timento do estado nutricional (14). Para evitar essas deficiências nutricionais, deve-
mos reforçar a importância do consumo de todos os grupos alimentares, nas quan-
tidades adequadas segundo as recomendações para a idade (25).

Segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria (25), a qualidade e a quantidade


dos alimentos consumidos, bem como a ingestão de todos os grupos alimentares,
são determinantes para a manutenção da velocidade do crescimento e desenvolvi-
mento na infância e adolescência.
Deve-se avaliar individualmente a necessidade de utilizar suplementos alimen-
tares para enriquecer a dieta em calorias, vitaminas e minerais, a fim de garantir a
nutrição adequada para cada momento (11).
Crianças e adolescentes podem não aceitar ingerir suplementos alimentares,
pois, muitas vezes, possuem características como comprimidos muito grandes ou

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com sabor desagradável. Sendo assim, o nutricionista deve avaliar realmente a ne-
cessidade da suplementação e, a fim de facilitar esse momento, caso necessário,
deve priorizar suplementações na versão líquida e sem sabor, de modo que as famí-
lias consigam administrá-las em conjunto com outros líquidos, como sucos e água,
que a criança consuma em seu dia a dia.
Maximino et al. (16) reforçam que, em muitos casos de crianças e adolescentes
com seletividade alimentar, alguns profissionais da saúde prescrevem suplementa-
ções que, muitas vezes, são desnecessárias, com o intuito de tranquilizar as famílias.
Vale destacar que essa prescrição pelo nutricionista nem sempre é necessária.

INTERVENÇÃO INTERDISCIPLINAR

Atualmente, profissionais da saúde das mais diversas especialidades, como


médicos, fisioterapeutas, nutricionistas, psicólogos, fonoaudiólogos, dentistas, te-
rapeutas ocupacionais, dentre outros, estão em busca de realizar um trabalho de
forma integrada e interdisciplinar, no qual o paciente é o centro do tratamento, a
fim de cada um realizar sua contribuição de acordo com sua área de atuação e seu
diagnóstico para, assim, proporcionar intervenção e prestação de serviço de exce-
lência (21).
Durante o processo de intervenção alimentar, é necessário que o nutricionista,
em conjunto com a família da criança com seletividade alimentar e a equipe inter-
disciplinar, determine quais alimentos deverão fazer parte da alimentação, base-
ando-se no hábito alimentar familiar, condições sensoriais e motora-orais do cliente,
fator sociocultural, de modo que as necessidades nutricionais sejam supridas nessa
alimentação (23).
O nutricionista deve elaborar, junto com os demais profissionais da equipe, ma-
teriais relacionados à alimentação como um todo, como, por exemplo, livro de re-
ceitas no qual o nutricionista deve realizar adaptações necessárias para melhorar o
perfil nutricional da preparação ou também em caso de restrição alimentar devida
a alergias e/ou intolerâncias alimentares, assim como livros com atividades lúdicas
com alimentos.

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Para o público com TEA, pode ser necessária a elaboração do livro de receitas
em forma lúdica, no qual, por meio de imagens, consiga realizar o passo a passo e
identificar tudo o que é necessário para aquela atividade.
Durante todo o processo de intervenção alimentar e nutricional, é necessário
que o cardápio prescrito seja frequentemente revisto e atualizado, uma vez que há
inserção de novos alimentos e/ou modificações na apresentação e no preparo dos
alimentos anteriormente aceitos.

O nutricionista é o profissional capacitado para orientar os demais profissio-


nais da equipe que atuam na intervenção alimentar de crianças e adolescentes com
seletividade alimentar bem como as suas famílias sobre as técnicas corretas de higi-
enização, manipulação e conservação dos alimentos, com base nas Resoluções da
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), para garantir a segurança alimen-
tar de todos.

O trabalho integrado da equipe interdisciplinar é fundamental durante todo o


processo de avaliação e intervenção de crianças e adolescentes com seletividade
alimentar, tendo em vista que cada um, na sua especialidade, tem sua contribuição
para, juntos, garantir a efetividade do serviço prestado, além de proporcionar ao
cliente e sua família ganhos na alimentação, na saúde e na qualidade de vida.

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27. Solé D, Silva LR, Cocco RR, Ferreira CT, Sarni RO, Oliveira LC et al. Consenso Brasileiro
sobre Alergia Alimentar: 2018 - Parte 2 - Diagnóstico, tratamento e prevenção. Documento
conjunto elaborado pela Sociedade Brasileira de Pediatria e Associação Brasileira de Alergia
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4
Disfunção de Integração Sensorial e
seletividade alimentar no
Transtorno do Espectro do Autismo

Larissa Bertagnoni
Terapeuta Ocupacional Pediátrica,
Mestre em Ciências pela Faculdade de Medicina da USP,
Certificação Internacional em Integração Sensorial de Ayres

Citação: Bertagnoni L. Disfunção de integração sensorial e seletividade alimentar no transtorno do espectro do


autismo. In: Nexo Intervenção Comportamental. Transtornos Alimentares Pediátricos nos TEA [livro eletrônico].
São Paulo: Memnon, 2022. Disponível em: www.memnon.com.br para acesso livre.

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Como trazido em capítulos anteriores deste e-Book, o Transtorno do Espectro


do Autismo (TEA) consiste em uma disfunção do neurodesenvolvimento, marcada
por déficits na comunicação, na interação social e pela presença de comportamen-
tos, atividades ou interesses restritos e repetitivos. Dentre suas características, en-
contra-se a Disfunção de Integração Sensorial, que pode resultar em desempenho
e participação inadequados nas ocupações e atividades de vida diária, incluindo a
alimentação, o descanso e o sono, o brincar, o lazer, a educação e a participação
social.
As alterações sensoriais foram incluídas na sintomatologia do TEA como crité-
rio diagnóstico no DSM-V, considerando aumento ou redução da reatividade a estí-
mulos sensoriais, bem como interesses incomuns em aspectos sensoriais do ambi-
ente (12, 13).
Segundo Jean Ayres, terapeuta ocupacional e neurocientista que desenvolveu a
Teoria de Integração Sensorial de Ayres®, a DIS é definida como a inabilidade do sis-
tema nervoso central em modular, discriminar, organizar e coordenar as sensações
do corpo e do ambiente adequadamente (21). No entanto, para entender quais as DIS
comuns às crianças com autismo e chegar até as questões de seletividade alimentar,
é necessário percorrer um caminho de conhecimento que se iniciará com uma breve
apresentação do que é Integração Sensorial (IS).

INTEGRAÇÃO SENSORIAL DE AYRES®

Jean Ayres, terapeuta ocupacional com formação pós-doutoral em psicologia


educacional e neurociência, foi quem introduziu o termo Integração Sensorial (IS)
ao estudar a relação de problemas comportamentais e de aprendizagem de crian-
ças com problemas de processamento sensorial. Guiada pelas raízes da terapia ocu-
pacional, Ayres desenvolveu essa teoria para explicar possíveis relações entre os
processos neurais e o comportamento adaptativo.

De acordo com Ayres (2), a IS se caracteriza como o processo neurológico que


organiza as informações sensoriais recebidas do próprio corpo e do ambiente ex-
terno, de forma a promover a exploração adequada do corpo no ambiente. Nesse
sentido, Ayres (2) afirma que a maior função dos neurônios é informar tudo sobre

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o nosso corpo e o ambiente em que estamos inseridos, bem como direcionar nossas
ações e pensamentos.
De forma resumida, a IS é o que transforma as sensações em percepções, ou
seja, organiza as sensações para o uso funcional do corpo em relação ao ambiente.
Para tanto, algumas premissas básicas são estabelecidas por Ayres®:
• A integração sensorial é um processo inconsciente do cérebro que organiza
as informações detectada pelos sentidos;

• Nesse processo todas as informações são filtradas para que seja selecionado
qual deve ser o foco de atenção, dando significado às experiências;
• A aprendizagem depende da capacidade em receber e processar o sentido
do movimento e do ambiente e usá-la para planejar e organizar o comporta-
mento;
• Pessoas que apresentam diminuição na capacidade em processar os sentidos
podem ter dificuldade em realizar ações apropriadas, interferindo na aprendi-
zagem e no comportamento;
• Melhorar os sentidos como parte de uma atividade significativa resulta numa
interação adaptativa, aumentando a capacidade de processamento sensorial
que, por sua vez, melhora a aprendizagem e o comportamento (3).
As sensações supracitadas são advindas de sete sistemas sensoriais: tátil, pro-
prioceptivo, vestibular, auditivo, visual, olfativo e gustativo. O processo neurológico
da integração sensorial combina as informações de todos eles de forma fluida e coor-
denada para que o corpo responda adequadamente frente às demandas ambientais.

Ainda que todos os sistemas sejam muito importantes, três sistemas sensoriais
são centrais na Teoria de Integração Sensorial de Ayres®: tátil, vestibular e proprio-
ceptivo. Suas interrelações começam a se formar antes do nascimento e continuam
a se desenvolver à medida que a pessoa amadurece e interage com seu ambiente.
Embora esses três sistemas sensoriais sejam menos familiares do que a visão e a
audição, eles são os mais primitivos e os primeiros a amadurecer, sendo importan-
tes para nossa sobrevivência básica, com papel fundamental no comportamento
humano tanto físico quanto mental.

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O sistema vestibular é a base para a relação com a gravidade e com o mundo


físico. Os receptores vestibulares, localizados dentro do ouvido interno, são forma-
dos no início do desenvolvimento fetal e fornecem ao cérebro informações críticas
sobre a velocidade e a direção do movimento da cabeça e a posição estática da ca-
beça em relação à gravidade. Essas informações viajam para muitas estruturas ce-
rebrais responsáveis por funções fundamentais: regulação do nível de alerta; con-
trole postural estático e dinâmico; respostas posturais e de equilíbrio; coordenação
bilateral, manutenção do campo visual estável e percepção espacial para a condu-
ção eficiente do corpo no espaço, dentre muitas outras.
O conjunto somatossensorial, sistemas tátil e proprioceptivo, também é de-
senvolvido na vida intrauterina e parte dos receptores localizados na pele, múscu-
los, tendões e articulações. O conhecimento de que o toque desempenha múltiplas
funções no corpo, variando da retirada reflexa de um estímulo doloroso à redução
do estresse associado à massagem e integração com outras sensações, levou Ayres
(3) a afirmar que as entradas do conjunto somatossensorial têm influência genera-
lizada nos processos do sistema nervoso central. As informações somatossensoriais
são base para a práxis (ideação, sequenciamento e execução motora).
É fundamental saber, ainda, que um sistema sensorial só se desenvolve se ex-
posto a situações que ativem seus receptores de forma combinada. Cada nova in-
terconexão registrada acrescenta novos elementos sensoriais e motores à criança,
e, quanto maior for a quantidade de interconexões, maior a capacidade de aprendi-
zagem. O ser humano nasce com a capacidade básica de integração sensorial, mas
ela deve ser desenvolvida por meio da interação com o mundo e de adaptações do
corpo e do cérebro aos desafios físicos durante a infância. Para Ayres (3), as sensa-
ções são como nutrientes e fonte de informação para o sistema nervoso, sendo que,
sem um bom fornecimento de vários tipos de sensações, o sistema nervoso não
poderia desenvolver-se adequadamente.
O cérebro não é constituído por estruturas modulares que funcionam isolada-
mente, mas por redes neurais distribuídas que conectam diferentes regiões e as in-
tegram em redes funcionais mais amplas. Dessa forma, para que a integração sen-
sorial aconteça, os canais de recepção (receptores proximais) captam sensações tá-
teis, proprioceptivas, vestibulares, auditivas, visuais, gustativas e olfativas, as trans-
formam em impulsos e os conduzem até o córtex sensorial. É no córtex sensorial
que as sensações são integradas para serem interpretadas e conduzidas ao córtex

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motor, o qual, ao receber a interpretação, promove uma resposta motora. Para que
a percepção e a resposta ao estímulo sejam adequadas, é necessário que o impulso
esteja no percurso correto (2, 14).

AS DISFUNÇÕES DE INTEGRAÇÃO SENSORIAL


E O TRANSTORNO DO ESPECTRO DO AUTISMO

Quando existe uma desordem na qual a informação sensorial não é integrada


ou organizada adequadamente no cérebro, acontecem as DIS, muito comumente
presentes na população com TEA. De acordo com Souza e Nunes (21) em revisão de
literatura sobre DIS, no TEA existem três grandes categorias:
• Transtornos Motores de Base Sensorial, que se caracterizam pela dificuldade
em usar o corpo de forma eficiente no ambiente, seja por transtorno postural ou
por dificuldade em planejamento motor;
• Transtornos de Discriminação Sensorial, que envolvem defasagens em per-
ceber e interpretar a qualidade dos estímulos sensoriais que provocam uma impre-
cisão de discriminação e consequente prejuízos na práxis;
• Transtornos de Modulação Sensorial, que envolvem a dificuldade do sistema
nervoso em regular a intensidade, a duração e a frequência da resposta aos estímu-
los sensoriais, sendo classificados como hiper-reatividade e hiporreatividade.
Por impactarem o desempenho funcional dessa população, as alterações sen-
soriais são consideradas um dos sintomas centrais do autismo (17), tendo sido reco-
nhecidas, na quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Men-
tais (DSM-5), como um dos critérios diagnósticos do TEA (1).
Dois aspectos merecem ser destacados na definição do DSM-5:
• O processamento sensorial atípico está relacionado aos padrões restritivos e
repetitivos de comportamentos, interesses ou atividades.
• Nem todos os padrões sensoriais dos sujeitos com autismo discorridos na li-
teratura são contemplados pelo referido manual (limitação às questões de modula-
ção sensorial).

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Pesquisas atuais sugerem que entre 45% e 96% dos indivíduos diagnosticados
com TEA apresentam características sensoriais atípicas (18), evidenciando altera-
ções em mais de uma modalidade sensorial. Apesar de a maior parte das descrições
na literatura fazer referência às disfunções de reatividade sensorial, em especial as
hipersensibilidades, não se podem negligenciar as pesquisas que tratam das altera-
ções na percepção e na discriminação sensorial, assim como as dificuldades na prá-
xis global dessa população.

Atualmente se sabe que, além dos problemas de modulação, a dificuldade nas


praxias também impacta o desenvolvimento da criança com TEA. Muitas vezes, a
repetição e o interesse restrito nas atividades são decorrentes da falta de ideação,
ou seja, da dificuldade em saber o que fazer com os objetos e com o próprio corpo.
Os comprometimentos no planejamento e na execução motora também são comu-
mente relacionados com o desinteresse por brincadeiras infantis, como jogar bola
ou apostar corridas. A dispraxia é um fator limitante ao aumento de repertório de
brincadeiras, à execução das atividades de vida diária e à participação social.
Alguns padrões de DIS descritos na literatura em relação ao TEA têm sido rela-
cionados com déficits na interação social e nas habilidades de vida diária, e incluem
as alterações de reatividade no tato, na gustação e no olfato. Também são comu-
mente encontradas alterações na discriminação visual: déficits na capacidade de
processar, de forma global, informações visuais estáticas e dinâmicas (17); altera-
ções na discriminação auditiva: dificuldades em discernir a ordem de estímulos so-
noros apresentados sequencialmente, assim como necessidade de mais tempo para
processar informações sonoras, incluindo a fala (4); e problemas posturais e da prá-
xis global com base de disfunção discriminatória (vestibular, tátil, proprioceptiva e
visual) (10).

DISFUNÇÕES DE INTEGRAÇÃO SENSORIAL


E SELETIVIDADE ALIMENTAR NO TEA

Dentre as DIS comumente encontradas na população de crianças com TEA,


muitas delas têm correlação com quadros de seletividade alimentar. Segundo a lite-
ratura, crianças com TEA são mais seletivas e resistentes à inserção de novos

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alimentos, criam barreiras a novas experiências alimentares e são mais propensas a


ter problemas alimentares do que as crianças com desenvolvimento típico.
A Seletividade Alimentar (SA) se caracteriza por pouco apetite, recusa alimen-
tar e desinteresse pelo alimento. Essa combinação pode provocar uma certa limita-
ção a variedades de alimentos ingeridos e provocar comportamento de resistência
em experimentar novos alimentos (18). Além disso, é comum que os problemas du-
rante as refeições tragam estresse às famílias, requeiram uma preparação mais ex-
tensa e cuidadosa das atividades de rotina, tendo impacto na participação de ativi-
dades de convívio social e na qualidade de vida. Ademais, a seletividade pode inter-
ferir na nutrição e na saúde desse grupo afetando o desenvolvimento global.

Muitas vezes, nas crianças com TEA, essas atitudes estão ligadas a padrões
restritos e repetitivos de comportamento, interesses e atividades, incluindo, então,
a alimentação (1). No entanto, é necessário ressaltar que parte da recusa, ou mesmo
da SA apresentada pela criança com TEA, pode ser justificada pelas disfunções de
integração sensorial que impactam desde as escolhas dos alimentos até a baixa efi-
ciência em algumas atividades motoras necessárias ao comer.
Alguns estudos propõem que existem vários fatores relacionados ou causado-
res de SA em crianças com TEA, entre eles as DIS que incluem problemas com tex-
turas dos alimentos, aparência, sabor, cheiro e temperatura, além de alterações de
planejamento motor. Além disso, temos que considerar as alterações musculares e
funcionais orais, dificuldades para mastigar, engolir; disfunções fisiológicas, como
alergias, refluxo gastrointestinal e constipação; problemas emocionais como ansie-
dade e depressão; inflexibilidade, rigidez de comportamento ou rituais em torno da
alimentação, como usar os mesmos utensílios ou talheres, ter preferências quanto
à forma de preparação e de apresentação dos alimentos, não gostar que os alimen-
tos se toquem no prato; atitudes familiares que envolvem desde os hábitos e as
preferências alimentares até as posturas de incentivo, paciência, insistência e per-
missividade dos pais; e questões comportamentais que envolvem ganhos secundá-
rios da criança com a recusa alimentar e comportamentos perturbadores, como
atenção da mãe ou comer apenas o que mais gosta (6, 9, 13, 20, 22).
Adentrando o assunto, muitas DIS podem ter impacto direto sobre as dificul-
dades alimentares encontradas na população com TEA. O processo da alimentação
é permeado por uma experiência sensorial complexa que envolve a aparência, os

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odores, as texturas e sabores dos alimentos, além do componente auditivo do am-


biente, da presença de outras pessoas, da própria mastigação, e do planejamento
motor e do controle postural para pegar e utilizar os alimentos e utensílios.
Sendo assim, no parágrafo anterior, é possível notar quantos processamentos
sensoriais estão envolvidos na alimentação: a visão em suas habilidades de reativi-
dade e discriminação para interpretar o alimento que chega no prato em suas vari-
ações de aparência; os sistemas gustativo e olfativo que reagem aos gostos e chei-
ros complexos; o tato que discrimina as texturas em suas nuances variadas de den-
sidades, asperezas e minúcias, trabalhando em conjunto com o sistema propriocep-
tivo para a adequada mastigação; a audição que filtra e identifica todos os sons do
ambiente e da própria mastigação e deglutição; além do sistema vestibular que,
dentre muitas outras funções, participa das habilidades necessárias para o controle
postural adequado para manuseio dos utensílios.

Tendo essa complexidade da alimentação descrita, fica mais fácil compreender


como as disfunções em uma ou mais vias do processamento sensorial podem im-
pactar negativamente todo esse processo. Retomando as categorias apresentadas
de DIS comumente presentes na população com TEA, é possível analisar e entender
como as alterações em uma ou mais modalidades e sistemas do processamento po-
dem contribuir para um quadro de SA. Seguem alguns exemplos de dificuldades re-
lacionadas com cada uma das categorias:
• Transtornos Motores de Base Sensorial: impactam a habilidade de manu-
tenção de controle postural para permanência da posição corporal durante as refei-
ções; dificultam o manuseio dos talheres, do prato, do copo e de outros utensílios
pertinentes ao comer.
• Transtornos de Discriminação Sensorial: dificultam a compreensão das den-
sidades e das texturas dos alimentos, com consequente prejuízo dos sinais contex-
tuais que apoiam o processo de percepção do alimento, mastigação e deglutição;
comprometem a interpretação da aparência e das sensações dos alimentos;
quando prejudicam a práxis, interferem no sequenciamento e na execução das eta-
pas necessárias à alimentação.
• Transtornos de Modulação Sensorial: mediante características de hiper-rea-
tividade sensorial, impactam significativamente a recusa ou escolha de alimentos
por determinados sabores, texturas, aparências, cheiros ou barulhos.

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Crianças que apresentam características de maior reatividade a estímulos sen-


soriais podem apresentar defensividade sensorial, que é uma reação exagerada a
experiências sensoriais, como, por exemplo, aversão ou resposta comportamental
negativa ao toque ou ao contato com texturas. Essa percepção inadequada, quando
ocorre, especialmente na sensibilidade oral e tátil, mas também no olfato, paladar,
visão ou audição, pode resultar em dificuldades alimentares graves, levando ao
comportamento de seleção e restrição (5).

Para crianças com disfunções de hiper-reatividade sensorial, um cheiro que nos


parece apetitoso, a aparência do alimento ou a textura dos gomos da laranja em um
suco podem causar uma resposta automática de aversão seguida por mal-estar,
como náuseas, taquicardia e pupilas dilatadas, com postura de recusa e sofrimento
importante. Nesse cenário, vale dizer que a exposição repetida ao item não resol-
verá o problema; será necessária avaliação e intervenção em Integração Sensorial
de Ayres® para adequação do padrão de reatividade sensorial para que a criança
tenha conforto e qualidade durante a alimentação.
A modulação sensorial da criança com TEA acontece de forma diferente de
pessoas que apresentam somente um distúrbio de integração sensorial sem outras
comorbidades. Os padrões de processamento tendem a ser mais extremos, e fato-
res de hipo e hiper-reatividade coexistem. Podem-se ver crianças que comem ce-
bola ou alho cru com boa tolerância ou que têm uma gustação tão aguçada que
conseguem diferenciar quem temperou a refeição. Essa percepção gustativa pode
fazer que a criança se torne excessivamente seletiva em relação ao que come, pro-
curando sempre pela mesma marca, com postura extremamente rígida em relação
à alimentação. Todos esses fatores são causas de maior isolamento social e de difi-
culdades para a família.
Para além, as disfunções de discriminação sensorial, principalmente tátil e pro-
prioceptiva, podem afetar de forma significativa as habilidades de mastigação e de
deglutição, fazendo que as crianças tenham escolhas específicas por alimentos que
aumentem os sinais contextuais para a alimentação como, por exemplo, comidas
duras e/ou crocantes para facilitar a percepção dentro da boca. Na mesma via, po-
dem acontecer padrões de rigidez significativa na escolha ou na recusa de determi-
nados itens a partir de suas características, seja de cor, aparência, textura, tempe-
ratura, densidade ou outros que tenham relação direta com uma dificuldade em re-
atividade ou discriminação sensorial.

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Nadon et al. (16) realizaram estudo para estabelecer relação entre o processa-
mento sensorial e os problemas alimentares em 95 crianças com TEA com idades
entre 3 e 10 anos. As crianças com problemas sensoriais definidos apresentaram
mais problemas alimentares como babar, falta de apetite, comportamentos difíceis
nas refeições, preferências alimentares incomuns envolvendo marcas, receitas, cor,
textura e temperatura da comida, além de afetar a aceitação e a exploração dos
alimentos e dos utensílios com as mãos. Alguns estudos e relatos autobiográficos
de indivíduos com TEA sugerem que os comportamentos relacionados à rejeição na
alimentação costumam ser de rejeição pelas suas características sensoriais (11).
Fazendo um resumo das características das dificuldades alimentares citadas
em crianças com TEA, temos como resultados: comportamentos indesejáveis du-
rante as refeições, medo de experimentar novos alimentos, rotinas rígidas durante
a alimentação (uso de mesmos utensílios, por exemplo), exigência quanto à forma
de apresentação da comida, maneira de comer ritualística, gama estreita de alimen-
tos e recusa baseada em características sensoriais (textura, cor, cheiro, tempera-
tura), preferências por marcas ou embalagens e alimentos industrializados, além da
dificuldade em comer na companhia de outras pessoas por dificuldades em sociali-
zação ou falta de motivação social ( 7, 8). Dificuldades motoras orais foram perce-
bidas por Nadon et al. (15) em quase 15% das crianças com TEA que foram avaliadas
em seu estudo, incluindo dificuldades em mastigar, mover a língua, engolir, babar,
vômito, tosse ou engasgo durante as refeições.
Nesse cenário, é importante que as famílias e os profissionais que acompa-
nham crianças com TEA e SA se atentem a determinados comportamentos que são
sugestivos de DIS:
• incômodo com mãos ou rosto sujos;
• recusa / aversão a aceitar um alimento novo com respostas de náusea, sudo-
rese ou taquicardia;
• dificuldade em tocar e sentir determinadas texturas ou temperaturas de ali-
mentos; manutenção do alimento na boca por um tempo maior que o habitual
antes de engolir;
• padrão de textura, cor, formato, cheiro, densidade ou outros nas escolhas
alimentares;

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• reclamação de cheiros habitualmente não aversivos;

• sintomas de medo, ansiedade e insegurança;


• recusa a olhar para alimentos ou incômodo em ver outras pessoas se alimen-
tando;

• resposta diminuída aos estímulos sensoriais com busca incessante por al-
guns estímulos;
• aumento ou aparição de estereotipias ou comportamentos repetitivos du-
rante a refeição;
• problemas na organização e na sequência do movimento intencional, ou
atraso na coordenação motora ampla e fina necessária para a alimentação.

Vistas as dificuldades alimentares mais comuns na população com TEA e sa-


bendo das DIS comumente relacionadas com a SA, coloca-se a necessidade de ava-
liação específica em terapia ocupacional com profissional certificado em Integração
Sensorial de Ayres®, para analisar desde as funções das atividades básicas de vida
diária da alimentação até a integridade de cada uma das vias do processamento
sensorial envolvidas.

AVALIAÇÃO E INTERVENÇÃO EM TERAPIA OCUPACIONAL –


INTEGRAÇÃO SENSORIAL DE AYRES®

Nesse contexto, o terapeuta ocupacional deve levar em conta a necessidade


de uma avaliação ampla e abrangente que se valha de testes padronizados com da-
dos normativos e mensuráveis para identificar as DIS e estabelecer metas de trata-
mento que possam ser acompanhadas pela família e pela equipe profissional envol-
vida. Para tanto, a anamnese para levantamento das demandas e dificuldades é a
base do processo investigativo, assim como o compilado de testes escolhidos a par-
tir do que foi apresentado pela família. Na condição da SA, faz-se necessária a avali-
ação em Integração Sensorial de Ayres®, e, se necessária, a intervenção com vistas
a interferir no processamento das informações sensoriais, de modo a promover mu-
dança na capacidade de resposta adaptativa e no comportamento funcional. O te-
rapeuta ocupacional devidamente qualificado deve basear-se em avaliações

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padronizadas e delineadas para fornecer intervenção direcionada em acordo com a


Medida de Fidelidade© de Intervenção de Integração Sensorial Ayres®. A medida
de fidelidade orienta a aplicação dos princípios da IS na prática terapêutica ocupa-
cional e na realização de pesquisas.

As ferramentas mais importantes nesse processo são: Sensory Integration and


Praxis Tests (SIPT); Medida de Processamento Sensorial (SPM); Observações clíni-
cas estruturadas e não estruturadas em Integração Sensorial de Ayres®; Evaluation
Ayres Sensory Integration (EASI); Perfil Sensorial 2 Winnie Dunn; Medida Canadense
de Desempenho Ocupacional (COPM); Observações Estruturadas do Desempenho
Motor em relação aos Sistemas Sensoriais (V5). Feitas as avaliações, é basal que se
estabeleça um raciocínio clínico refinado pelo terapeuta ocupacional para compre-
ensão das DIS encontradas em relação aos desafios de participação na população
com TEA, incluindo as questões de SA.

Quando identificada uma disfunção, a intervenção terapêutica em Integração


Sensorial de Ayres® objetiva, de forma geral, favorecer o processamento adequado
das informações sensoriais, adotando a premissa de que os procedimentos são de-
finidos para alcançar as funções sensoriais e motoras que ajudam a criança a apren-
der novas habilidades. A partir do interesse e da motivação da criança, o terapeuta
ocupacional desenvolve a intervenção num contexto de brincadeiras, que envolve
a seleção das experiências sensoriais, planejada individualmente para cada criança,
com desafios calculados de acordo com a necessidade, oferecendo encorajamento,
empatia, motivação e que conduzam à organização de seu sistema nervoso.
Nesse sentido, os componentes de controle postural, ocular, oral e integração
bilateral são alvo da intervenção por meio de brincadeiras que demandam força,
equilíbrio, dissociação e controle de movimentos, segundo as variáveis de espaço e
de tempo que, certamente, resultam em melhora da motricidade ampla e fina. As
habilidades de ideação, planejamento, sequenciamento e execução de atividades
motoras novas que definem a práxis e requerem a organização do comportamento
também são objetivos fundamentais na condução do trabalho.
O planejamento terapêutico envolverá a reabilitação das DIS encontradas no
processo de avaliação em alinhamento com os desafios de aprendizagem e partici-
pação que a criança apresenta. No caso de uma criança com TEA e SA, as metas
envolverão o aumento da participação nas atividades diárias (alimentação) e,

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consequentemente, da participação social; a ampliação do repertório de brincadei-


ras e a diminuição de comportamentos repetitivos e /ou estereotipados; a diminui-
ção do desconforto em situações em que o processamento sensorial atípico cause
uma desregulação; e outras definidas individualmente.

Para além do contexto da intervenção terapêutica em Integração Sensorial de


Ayres®, o terapeuta ocupacional pode desenvolver adaptações e treino para a ati-
vidade de alimentação, assim como orientar a família e a equipe da criança acompa-
nhada com estratégias sensoriais para organização do ambiente e facilitação do co-
tidiano para ajudá-la a ter mais qualidade de vida e prontidão para a aprendizagem.
A prescrição de recursos sensoriais deve ser feita pelo terapeuta ocupacional
a partir das disfunções encontradas e visa a oferecer mais conforto e organização
para que a criança tenha melhor desempenho na alimentação. Nesse sentido, po-
dem-se indicar:

• assentos específicos com texturas e/ou posicionamentos determinados;


• atividades sensório-motoras antes das refeições para regulação do compor-
tamento, valorizando a experimentação do corpo todo integrado aos sentidos
vestibular em acordo o perfil sensorial da criança;
• talheres, copos, pratos e outros utensílios adaptados;
• massagens e compressões articulares antes e/ou durante as refeições;
bolas, massas e brinquedos sensoriais regulatórios;
• formas diversas de apresentação da comida;
• potencialização ou diminuição de determinadas texturas, sabores e cheiros,
dentre outros.
É muito importante que os comportamentos de aversão sejam respeitados na
presença de um quadro de DIS, levando-se em conta a impossibilidade de processar
algum tipo de textura, volume, quantidade e/ou temperatura dos alimentos. A per-
cepção de saciedade também é uma habilidade de base sensorial e difere muito
para cada criança, tendo interferência direta das funções de modulação e de discri-
minação das sensações. Nesse sentido, comer algo que para uma pessoa é um pra-
zer para outros pode ser um terror.

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Sabendo disso, enquanto orientações gerais, quando se tem uma suspeita de


DIS associada à SA:
 Sempre comece pelo que a criança gosta e consegue suportar, ainda que
seja apenas olhar e não tocar; para algumas, é necessário um tempo maior e um
certo modo para conseguir processar as informações.
 Favoreça momentos lúdicos prazerosos de exploração tátil com diversos
materiais, comestíveis ou não, como massinha, argila, papéis e tecidos, grãos, fari-
nhas, dentre outros.
 Proporcione brincadeiras com experiências com alimentos secos e molha-
dos, sólidos e pastosos, moles e duros, permitindo a mistura e a exploração senso-
rial de acordo com as possibilidades da criança.
 Estratégias como levar a criança até o supermercado ou à feira para apre-
sentação dos alimentos e ajudar na escolha das refeições da semana pode ser inte-
ressante para aproximação gradual com as aparências, texturas e cheiros de novos
itens.
 Estimule brincadeiras orais com cantigas e expressões faciais diferentes, bo-
lhas de sabão, apitos e outros objetos que possam ser levados até a boca.
 Preparar lanches lúdicos e divertidos com a criança é uma boa ferramenta,
assim como brincadeiras simbólicas com comidas sem a exigência de que a criança
se alimente do que foi preparado.
 Sentar-se à mesa com a família no momento das refeições é uma rica expe-
riência sensorial e de aprendizagem, assim como o próprio preparo da mesa para a
refeição; é um momento em que um boneco pode acompanhar a criança e ser o
protagonista da experimentação de novos alimentos.
 Apresente cartelas visuais preparando a sequência da rotina da alimenta-
ção, quando necessário.
 Deixe definida a hora, a duração e o local da refeição, de preferência sen-
tado à mesa, com os pés apoiados.
 Promova um ambiente organizado e tranquilo no momento das refeições.
 Preste atenção ao que a criança não gosta além da comida (barulhos, posi-
cionamentos corporais, imagens ou luminosidade).

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 O uso de eletrônicos deve ser evitado, uma vez que impede a criança do
contato e da percepção dos acontecimentos e das sensações do ato de alimentar-
se. Desde a compreensão do tempo que a atividade dura até o registro das texturas,
sabores, cheiros e aparências podem ser prejudicados quando os sentidos estão
ocupados com outra atividade, música e imagem em uma tela com muitos movi-
mentos e cores, por exemplo.
 É de extrema relevância que se estabeleça uma parceria entre criança, pro-
fissionais e família para que o trabalho tenha efetividade.
 Valorize sempre os mínimos progressos, pois, somados, levarão às grandes
conquistas.

Todo o exposto até aqui mostra a complexidade da avaliação e do tratamento


da SA em crianças com TEA. Sendo assim, a associação apontada entre SA, DIS,
questões comportamentais e motoras se relaciona à necessidade de uma equipe de
intervenção interdisciplinar que avalie amplamente as questões complexas envolvi-
das nos problemas alimentares. Dessa forma, é fundamental uma equipe composta
por um grupo de profissionais, a saber: o terapeuta ocupacional para avaliar e inter-
vir nas questões sensoriais, comportamentais e de autonomia da criança nas refei-
ções; o fonoaudiólogo para avaliar e favorecer as habilidades motoras orais, relaci-
onadas a estratégias alimentares; o nutricionista para avaliar e tratar a adequação
da ingestão de nutrientes na dieta restrita; o psicólogo para acompanhar os proble-
mas comportamentais, disruptivos ou de ansiedade da criança, bem como o es-
tresse familiar; e o médico para acompanhar a saúde geral e os efeitos adversos da
alimentação restritiva.

SÍNTESE

Retomando o que foi descrito neste capítulo:


 Aprendemos sobre o mundo a partir da experimentação dos nossos senti-
dos.
 A IS se caracteriza como o processo neurológico que organiza as informa-
ções sensoriais recebidas do próprio corpo e do ambiente externo, de forma a pro-
mover a exploração adequada do corpo no ambiente.

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 As DIS compõem os critérios diagnósticos do TEA, segundo o DSM-V.

 As DIS podem resultar em desempenho e participação inadequados nas


ocupações e atividades de vida diária, incluindo a alimentação, o descanso e o sono,
o brincar, o lazer, a educação e a participação social.

 A alimentação é uma atividade de vida diária complexa que integra algumas


vias sensoriais: paladar (sabor), olfato (cheiro), tato (texturas), propriocepção (pla-
nejamento motor), visão (aparência) e audição (barulhos do ambiente e da própria
mastigação).
 A SA é mais prevalente na população de crianças com TEA do que na popu-
lação com desenvolvimento típico.

 Os quadros de SA podem ter componente de disfunção de modulação e/ou


discriminação sensorial nas vias envolvidas com o processo de alimentação, assim
como transtornos motores de base sensorial.

 Na suspeita de disfunção sensorial, é necessário que se faça a avaliação com


terapeuta ocupacional especialista em Integração Sensorial de Ayres® apto a iden-
tificar possíveis disfunções e a realizar a intervenção necessária.
 Alguns recursos sensoriais e adaptações prescritos pelo terapeuta ocupaci-
onal podem ser ofertados para promover mais conforto e organização para que a
criança tenha melhor desempenho na alimentação.
 Dada a complexidade dos quadros de seletividade alimentar, a parceria com
a família e o trabalho interdisciplinar são fundamentais.

REFERÊNCIAS

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Incorporando procedimentos e
estratégias da terapia ABA em
intervenções sensório-motoras orais
nos Transtornos Alimentares Pediátricos

Natany Ferreira Silva


Fonoaudióloga (PUC/GO), Especialista em Análise do Comportamento Aplicada ao
autismo e atrasos no desenvolvimento, Mestre e Doutoranda em Educação
Especial na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

Citação: Silva NF. Incorporando procedimentos e estratégias da terapia ABA em intervenções sensório-motoras
orais nos transtornos alimentares pediátricos. In: Nexo Intervenção Comportamental. Transtornos Alimentares Pe-
diátricos nos TEA [livro eletrônico]. São Paulo: Memnon, 2022. Disponível em: www.memnon.com.br para acesso
livre.

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Os transtornos alimentares pediátricos podem ser caracterizados por um ou


mais dos seguintes comportamentos: evitar ou restringir a ingestão de alimentos,
recusar alimentos ou líquidos apropriados para a idade ou apropriados para o de-
senvolvimento, aceitar uma variedade ou quantidade restrita de alimentos ou líqui-
dos, exibir comportamentos perturbadores ou inadequados para o nível de desen-
volvimento na hora das refeições, deixar de dominar as habilidades de autoalimen-
tação esperadas para idade ou níveis de desenvolvimento, deixar de usar dispositi-
vos e utensílios de alimentação adequados ao desenvolvimento, além de cresci-
mento abaixo do ideal (2, 3).
Crianças com transtornos alimentares geralmente apresentam um padrão atí-
pico de desenvolvimento da mastigação e, ao receberem comida de mesa (alimen-
tos preparados para toda a família), apresentam uma ampla variedade de compor-
tamentos não esperados como: (a) expulsar ou cuspir a comida, (b) manter a co-
mida na boca (packing), (c) deglutir prematuramente (ou seja, engolir sem ter mas-
tigado a porção de comida), (d) tentar mastigar a comida pressionando o alimento
com a língua contra o céu da boca e (e) mastigar de forma imatura (31).

Deglutição prematura e déficits mastigatórios são frequentemente observa-


dos em crianças com Síndrome de Down, Transtorno do Espectro do Autismo (TEA)
e Paralisia Cerebral, por exemplo, e podem ter efeitos adversos no seu crescimento,
desenvolvimento e qualidade de vida. A habilidade de mastigar é uma habilidade
motora oral sequencial que tem como fim triturar e amaciar alimentos sólidos; é um
comportamento aprendido, que pode ser afetado pelos déficits neuromotores, e
principalmente pela falta de experiência precoce adequada com o aumento da
quantidade das porções e a variação e o avanço de textura por variados motivos,
como prematuridade, dependência de tubos gástricos, disfagia, problemas de res-
piração e múltiplas cirurgias (10, 11, 32).
O comportamento de mastigar típico costuma emergir no desenvolvimento in-
fantil em uma sequência relativamente previsível. Uma criança começa a desenvol-
ver essa habilidade aos 6 meses de idade, exibindo um padrão pouco coordenado,
atingindo a maioria dos movimentos necessários aos 9 meses de idade. A maioria
das crianças é capaz de consumir uma dieta baseada em alimentos de mesa aos 2
anos de idade, exibindo habilidades de mastigação totalmente maduras por volta
dos 4 anos (7).

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Dentre os membros de uma equipe interdisciplinar responsável pela avaliação


e pelo tratamento dos transtornos alimentares, o fonoaudiólogo é o profissional
com treinamento para a avaliação e a intervenção das disfunções mastigatórias,
dada sua expertise em aspectos anatômicos, de desenvolvimento, fisiológicos e
comportamentais da alimentação e deglutição. Considerando que as etiologias fisi-
ológicas / médicas ocorrem em combinação com déficits comportamentais e de de-
senvolvimento, a colaboração entre fonoaudiólogos e analistas do comportamento
é essencial para o avanço dos objetivos terapêuticos propostos (12, 21).
A seguir será dado enfoque às intervenções sensório-motoras orais, priori-
zando-se as intervenções com componentes comportamentais, em uma perspec-
tiva de colaboração interdisciplinar entre os profissionais fonoaudiólogo e analista
do comportamento (3, 6, 12, 21, 32).

INTERVENÇÕES SENSÓRIO-MOTORAS ORAIS NOS


TRANSTORNOS ALIMENTARES PEDIÁTRICOS

De acordo com a American Speech-Language-Hearing Association (1), os objeti-


vos da intervenção alimentar realizada por fonoaudiólogos incluem: apoiar nutrição
e hidratação seguras e adequadas; determinar métodos e técnicas de alimentação
ideais para maximizar a segurança da deglutição e a eficiência da alimentação; cola-
borar com a família para incorporar preferências alimentares; atingir habilidades ali-
mentares adequadas à idade no ambiente e da maneira mais típica possível (ou seja,
fazer refeições com colegas na pré-escola, hora das refeições com a família); maxi-
mizar a qualidade de vida; e prevenir futuros problemas de alimentação com expe-
riências positivas relacionadas à alimentação, na medida do possível, dada a situa-
ção médica da criança.
As opções de intervenção fonoaudiológica para os transtornos alimentares in-
cluem: técnicas posturais e de posicionamentos; modificações na dieta, incluindo
consistência; mudanças no momento das refeições; utilização de e/ou mudança de
equipamentos e utensílios; manobras; biofeedback; terapia sensório-motora oral;
exercícios orais-motores; técnicas de estimulação sensorial; treinamento de cuida-
dor; prática funcional consistente, e intervenções comportamentais (2, 21, 32).

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No que tange à evidência de intervenções como terapia sensório-motora oral,


exercícios orais-motores e técnicas de estimulação sensorial para crianças com
transtornos alimentares, há a necessidade urgente de ensaios randomizados em
grande escala para determinar estratégias que sejam baseadas em evidência (12,
32). Em contrapartida, há um pouco mais na literatura sobre terapia comportamen-
tal como abordagem para os transtornos alimentares pediátricos do que outros ti-
pos de terapias (9, 12), o que pode servir de incentivo para fonoaudiólogos clínicos
incorporarem a fundamentação teórica e os princípios e estratégias da Terapia ABA
na prática terapêutica com crianças com atrasos e disfunções nas habilidades de
alimentação.

A seguir serão relatadas as principais intervenções utilizadas na prática clínica


da autora. Será explicitado como essas intervenções podem ser apoiadas por prin-
cípios e estratégias comportamentais, no que se refere ao planejamento e à progra-
mação da intervenção, bem como à avaliação do efeito do tratamento de escolha
para cada criança que apresenta transtorno alimentar.

Intervenções sensório-motoras orais apoiadas em


princípios e estratégias comportamentais

A seleção das intervenções a serem utilizadas deve ser cuidadosamente con-


duzida com base nos componentes específicos das intervenções que se supõem re-
levantes para a habilidade que se pretende ensinar (14).
Considerando que as funções alimentares de sugar, mastigar, beber e deglutir
são comportamentos e que as intervenções comportamentais são destinadas a mo-
dificar o comportamento, a atitude ou a capacidade de resposta à alimentação dos
clientes ou pacientes, e que as intervenções comportamentais podem e devem ser
utilizadas na terapia fonoaudiológica (2, 21, 32), a Tabela 1 apresenta uma descrição
das principais intervenções programadas pela autora na prática clínica, no atendi-
mento a crianças pequenas e a crianças mais velhas com Transtornos Alimentares
Pediátricos para a aquisição das habilidades alimentares, e dos procedimentos e
estratégias comportamentais (Terapia ABA) utilizados para apoiá-las.

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Tabela 1. Intervenções sensório-motoras e a utilização de procedimentos e estratégias comporta-


mentais.
Intervenções
Procedimentos e estratégias
sensório-mo- Descrição
comportamentais
toras
Modificações posicionais feitas para melhorar
a postura ou o alinhamento do corpo durante
Técnicas as funções alimentares, como, por exemplo: Reforçamento, Modelagem, Mo-
posturais apoio para cabeça ou pés, alinhamento postu- delação
ral cabeça-pescoço, orientação de cabeça e
boca em direção à comida (21, 32)
Intervenções que envolvam variação na consis- Reforçamento, Hierarquia de Di-
Modificações
na tência (avanço ou rebaixamento de texturas), cas, Fading, Tentativa Discreta,
densidade, sabor ou temperatura dos alimen- Suportes Visuais, Análise de Tare-
dieta
tos (32) fas
Modificações
Intervenções ambientais feitas para melhorar Reforçamento,
na hora das
o processo de alimentação 32) Suportes Visuais
refeições
É uma abordagem em que tarefas sensoriais
são programadas de forma associada à tarefa Reforçamento, Modelagem, Mo-
Terapia motora oral funcional pelo terapeuta para faci- delação, Hierarquia de Dicas, Fa-
sensório- litar a aquisição de uma nova habilidade ou, ding, Tentativa Discreta, Supor-
motora oral em uma habilidade já́ adquirida, para melhorar tes Visuais, Análise de Tarefas
a eficiência e a qualidade da tarefa de desem-
penho e reduzir erros de movimento
Referem-se a várias manobras e exercícios de
reabilitação que podem ser implementados
para mastigação e deglutição, podendo ser ati-
vos ou passivos. Os EOM ativos objetivam rea-
Reforçamento, Hierarquia de Di-
Exercícios bilitar as funções alimentares, como, por
cas, Fading, Tentativa Discreta,
orais-motores exemplo, exercícios de treinamento para au-
Modelação, Videomodelação, Su-
(EOM) mentar a força da língua. EOM passivo incluem
portes Visuais, Análise de Tarefas
massagem e amplitude de movimento passiva
em que o cliente ou paciente experimenta sen-
sações e movimentos corporais impostos pelo
terapeuta (21)
Técnicas de Exercícios passivos de estimulação sensorial Reforçamento, Fading, Tentativa
estimulação oral e perioral (à volta da boca) (por exemplo, Discreta, Modelação, Suportes Vi-
sensorial lábios, língua, mandíbula) (21, 32) suais, Análise de Tarefas
Reforçamento, Hierarquia de Di-
Instruções fornecidas para cuidadores sobre o
Treinamento cas, Fading, Tentativa Discreta,
processo de alimentação a serem aplicadas no
de cuidador Modelação, Videomodelação, Su-
ambiente doméstico
portes Visuais, Análise de Tarefas
Prática funcional da habilidade-alvo com téc- Reforçamento, Hierarquia de Di-
Prática
nica e rotina consistentes como meio de me- cas, Fading, Tentativa Discreta,
funcional
lhorar as capacidades fisiológicas subjacentes Modelação, Videomodelação, Su-
consistente
para o desempenho portes Visuais, Análise de Tarefas

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Reforçamento

Há uma boa chance de todos os profissionais de fonoaudiologia terem utili-


zado reforçadores em suas práticas clínicas, especialmente com crianças com atra-
sos no desenvolvimento. Reforçamento é um processo regido pelo pressuposto da
análise do comportamento de que todo comportamento emitido por um indivíduo
gera uma consequência no ambiente em que acontece, e que essa consequência
pode afetar a probabilidade de o comportamento ocorrer novamente. Desse modo,
a apresentação de consequências reforçadoras em um contexto de ensino de habi-
lidades é um importante recurso de qualquer terapeuta porque fortalece a ocorrên-
cia da resposta ensinada outras vezes no futuro (9).

Consequências reforçadoras são, por definição, identificadas a partir de sua re-


lação com a resposta emitida; entretanto, “alguns eventos, objetos, itens ou ali-
mentos apresentam valor reforçador, independente de aprendizagem anterior”
(9). O elogio e/ou a atenção de um adulto, cuidador ou terapeuta pode ser uma
consequência naturalmente reforçadora para a resposta esperada emitida pelo cli-
ente ou paciente, ou pode ser necessário utilizarmos recursos tangíveis e de breve
apresentação como adesivos, turnos em jogos ou brinquedos ou sistemas de pontos
que podem ser acumulados para ganhar privilégios como mais tempo de acesso a
brinquedos ou vídeos, por exemplo. Vale ressaltar que a escolha das consequências
reforçadoras a serem utilizadas em uma sessão de ensino deve se basear em uma
avaliação das preferências das crianças (18), e não no que nós, terapeutas, julgamos
interessante ou divertido para elas, porque o que gostamos pode não ser o que a cri-
ança gosta e porque as crianças gostam de diferentes objetos, itens ou alimentos.
Em intervenções como técnicas posturais, terapia sensório-motora oral, exer-
cícios orais-motores (EOM), técnicas de estimulação sensorial e prática funcional
consistente, o procedimento de reforçamento pode ser realizado por meio de elo-
gio quando a própria conclusão da atividade possa vir a ser reforçadora para a cri-
ança, ou pode ser executado fornecendo-se um item de preferência para a criança
quando ela, por exemplo, apresenta uma postura corporal adequada independen-
temente ou com ajuda do terapeuta; quando ela realiza os exercícios corretamente
após o modelo da terapeuta, ou ajuda definida no procedimento de ensino, ou ainda
quando tolera a estimulação sensorial pelo tempo definido no procedimento de in-
tervenção. Respostas corretas em procedimentos utilizando alimentos (terapia
sensório-motora oral e prática funcional consistente, por exemplo) que, por ora,

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podem não ser os preferidos da criança, podem ser consequenciadas com a apre-
sentação imediata de alimentos preferidos após a completa ingestão do alimento
de treino.
O reforçamento também deve ser utilizado quando forem realizadas sessões
com os pais e/ou cuidadores para o treinamento de cuidador. Pais e cuidadores de-
vem ser elogiados ou reforçados com consequências previamente programadas
quando apresentam as respostas esperadas no contexto de aprendizagem ou no
ambiente natural.
Para as estratégias de terapia sensório-motora oral, exercícios orais-motores e
prática funcional consistente, por envolverem respostas essencialmente motoras,
devemos considerar os princípios de aprendizagem motora que incluem feedback
extrínseco. O feedback extrínseco consiste em reconhecimento verbal frequente e
imediato de desempenho adequado na tarefa motora (9, 14, 15). Quando a criança
apresenta a amplitude ou a força mastigatória esperada, o terapeuta pode fornecer
feedback extrínseco elucidando o quanto a criança demonstrou domínio na execu-
ção da habilidade: “Que legal, você mastigou com força” ou “Que incrível que você
abriu a boca o suficiente para mastigar esse pão”.

Modelagem, Encadeamento e Análise de Tarefas


A modelagem consiste em reforçar diferencialmente respostas que estejam
mais próximas ou que se aproximem sucessivamente da resposta final desejada e
pode ser utilizada para ensino de respostas vocais, motoras e de participação em
atividades (8). O procedimento que liga uma sequência de comportamentos que
fazem parte de uma cadeia comportamental resultando em um novo comporta-
mento é denominado encadeamento (26, 27), enquanto a análise de tarefas é um
procedimento que envolve decompor uma cadeia comportamental de respostas
em uma sequência de respostas discretas, especificando do primeiro até o último
passo crítico para executar uma cadeia comportamental (27).

Comer é uma cadeia comportamental complexa que envolve levar o alimento


até a boca, aceitá-lo, movê-lo para os molares, mastigá-lo até a trituração, movê-lo
dos molares de volta para a língua, elevar a língua e impulsioná-la para a deglutição,
seguido do comportamento de retirar os pedaços dos dentes e vestíbulos orais para
deglutir novamente (30).

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Sheppard (20) relata que uma análise de tarefa dos componentes motores das
habilidades de alimentação pode ser usada como uma referência para a avaliação e
para descrever o desempenho motor. Conforme a experiência da autora e con-
forme a literatura da área da análise do comportamento (27), pode também servir
como procedimento para a determinação de passos discretos a serem modelados,
da cadeia completa de comportamentos que é se alimentar de forma indepen-
dente.

A Tabela 2 apresenta passos discretos da tarefa de mastigar com aumento de


força e resistência a depender do alimento, conforme Sheppard (20).

Tabela 2. Componentes da tarefa de mastigar.

Tarefa: Mastigar todos os tipos de alimentos


Componentes da tarefa:
Mastigar peças de textura única
Mastigar alimentos de textura mista
Mastiga alimentos firmes e fibrosos
Mastigar aumentando as forças mastigatórias e resistência para a tarefa
Movimentar a comida na boca para formar o bolo (lateralizar o alimento)
Movimentar o bolo para iniciar o reflexo de deglutição
Mastigar de boca fechada

Nota: Baseada em Sheppard (20).

Considerando a complexidade da tarefa de mastigar, o planejamento da inter-


venção pode incluir a modelagem da mastigação de diferentes alimentos de textura
única, incluindo modelagem do aumento da porção dos alimentos de treino para, en-
tão, ensinarmos a mastigação de alimentos que apresentam textura mista. Em outras
palavras, pode-se realizar o ensino de alimentos dissolvíveis como cereais matinais
para, depois, realizar o ensino de alimentos mastigáveis como maçã ou carne.

O procedimento de modelagem pode ser o procedimento de escolha para o


ensino de comportamentos como orientar a cabeça em direção à colher como es-
perado, abrir a boca com amplitude apropriada para acomodar a colher com uma

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porção de comida, realizar exercício oral-motor corretamente, conforme modelo


do terapeuta, ou ainda aceitar a estimulação sensorial perioralmente ou intraoral-
mente. Para utilizar essa estratégia, é necessário definir a habilidade, determinar
um ponto de partida, identificar instruções de pequenos passos, reforçar aproxima-
ções próximas e monitorar a habilidade (8).
Para o comportamento de orientar a cabeça em direção à colher, por exemplo,
podemos definir a habilidade como “alinhar a boca com a colher que se aproxima”
(9), e determinar como ponto de partida o fornecimento de ajuda física total para a
criança, seguida de ajuda física leve, e, por fim, apresentar a resposta de alinhar a
boca com a colher de forma independente. Se, na segunda sessão de ensino, o cli-
ente ou paciente já apresenta a resposta de alinhar a boca com a colher que se apro-
xima com ajuda física leve, devemos selecionar essa resposta para reforçar diferen-
cialmente, e não mais para reforçar respostas que necessitem de ajuda física total.

Modelação
Modelação, que se diferencia conceitualmente da modelagem, é uma estraté-
gia baseada em aprendizagem observacional, muito bem definida em manuais de
Análise do Comportamento e amplamente utilizada por fonoaudiólogos, assim
como o reforçamento. De acordo Cooper et al. (8), a modelação pode ser definida
como a demonstração de um comportamento-alvo desejado que resulta na imita-
ção do comportamento pelo aprendiz. Em intervenções sensório-motoras orais, uti-
lizamos a modelação com as crianças todo o tempo, seja para fornecer modelo de
abertura de boca, de amplitude de abertura de boca ou, ainda, modelo de exercício
oral-motor e de prática de lateralização de língua e mastigação.

Videomodelação
A videomodelação é uma estratégia derivada da modelação que envolve a de-
monstração de comportamentos desejados em apresentação das respostas por
meio de vídeo para o aprendiz que, em seguida, deve imitar o comportamento do
modelo do vídeo. Os modelos do vídeo podem ser colegas, irmãos, pais, terapeutas
ou o próprio pacientes ou cliente (automodelarem). A videomodelação tem sido
demonstrada como estratégia de ensino efetiva, especialmente para crianças com
TEA, de uma ampla variedade de habilidades, incluindo comportamentos motores,

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habilidades sociais, comunicação, automonitoramento, habilidades funcionais, ha-


bilidades vocacionais, desempenho atlético e regulação emocional (4). A videomo-
delação pode ser utilizada como estratégia para o fornecimento de modelo de um
exercício oral-motor, seja com vídeo da terapeuta ou de um par da criança reali-
zando-o.

Hierarquia de Dicas

Consiste na apresentação de suporte / assistência com o objetivo de aumentar


a probabilidade de ocorrência de respostas (13). Considerando os déficits orais-mo-
tores que crianças com Transtornos Alimentares Pediátricos apresentam (31), é es-
sencial programar dicas para a intervenção sensório-motora. Para Sheppard (20),
seja na avaliação ou no tratamento, é necessário considerar o "nível" de desenvol-
vimento da criança no que diz respeito ao contínuo de emergência e de refinamento
da habilidade.
As dicas podem ser do tipo físicas, gestuais, visuais e/ou textuais, contextuais
ou modelação, e devem ser escolhidas de forma que ofereçam o mínimo suporte
possível para garantir a emissão da resposta, de modo que seja esvanecida o mais
rápido possível (13).
Tratando-se de habilidades alimentares específicas como beber de um copo,
beber de um canudo ou mastigar, o terapeuta deverá considerar o estágio inicial da
habilidade para programar as dicas para alcançar um “estágio intermediário de
consciência motora e consolidação de habilidades ou um estágio avançado de au-
tomaticidade” (20).
Para da Hora (13), a utilização de dicas deve envolver etapas de planejamento,
implementação e monitoramento. Essas etapas consistem em: a) definir a resposta-
alvo; b) definir o estímulo discriminativo; c) selecionar a instrução ou a demanda
para a realização da tarefa; d) selecionar reforçadores; d) definir os tipos de dicas e
a quantidade de níveis / hierarquia de dicas a serem utilizadas; e) e definir critérios
de aprendizado e de mudança na forma de apresentar as dicas.
A Tabela 3 apresenta um planejamento de intervenção para ensino da habili-
dade de mastigação com o instrumento ChewyTubeTM com utilização de uma hie-
rarquia de dicas.

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Tabela 3. Planejamento de ensino da habilidade de mastigar com o instrumento ChewyTubeTM.

Tarefa: Mastigação com o instrumento ChewyTubeTM

Resposta-alvo final: Mastigar o chewy tube por seis vezes consecutivas.

Estímulo discriminativo: Apresentar o ChewyTubeTM nos molares esquerdos e diretos alter-


nadamente.
Instrução: “Mastiga”.

Procedimento: Apresentar o ChewyTubeTM no molar esquerdo, em seguida apresentar no


molar direito. Aguardar 30 segundos para uma nova apresentação. A apresentação em cada
um dos molares pelo número de mastigações definido no passo atual será considerada uma
tentativa.
Número de tentativas: Seis tentativas em cada molar.

Reforçadores: Apresentação do alimento preferido após a realização de duas tentativas.

Dicas: Ajuda física no queixo; ajuda física leve no queixo (toque); modelo; instrução.

Critério de aprendizagem para mudança de passos de ensino e mudança de dicas: Duas ses-
sões consecutivas com 90% de acertos ou uma sessão com 100% de acertos.
Passos intermediários:
Passo 1: Mastigar o chewy tube duas vezes consecutivas com ajuda física no queixo.
Passo 2: Mastigar o chewy tube duas vezes consecutivas com ajuda física leve no queixo (to-
que).
Passo 3: Mastigar o chewy tube duas vezes consecutivas com modelo.
Passo 4: Mastigar o chewy tube duas vezes consecutivas a partir de instrução.
Passo 5: Mastigar o chewy tube quatro vezes consecutivas a partir da sua apresentação.
Passo final: Mastigar o chewy tube seis vezes consecutivas a partir da sua apresentação.

Fading
O procedimento de fading ou esvanecimento consiste na substituição de con-
trole de estímulos de forma gradual, transferindo o controle da resposta por meio
de acentuação das características do estímulo (fading in) ou por remoção ou atenu-
ação de características de um estímulo (fading out). Na área de Transtornos Alimen-
tares Pediátricos o procedimento de fading pode incluir, por exemplo, esvaneci-
mento de sabor, de volume, de textura e esvanecimento de talheres e de instru-
mentos (8, 15).

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O esvanecimento da textura é uma estratégia especialmente importante para


as crianças com atrasos motores, dado que a dificuldade aumenta à medida que a
textura aumenta, e as habilidades de mastigação não evoluem na medida em que
se aumenta a textura, principalmente na ausência de treino das habilidades de mas-
tigação (15). Estudos têm demonstrado que o fading de textura aumenta a aceita-
ção de texturas gradualmente crescentes pela criança (15, 26).
O esvanecimento do sabor pode ser feito, por exemplo, introduzindo choco-
late (sabor preferido) ao leite, de modo que a quantidade inicial de chocolate seja
progressivamente reduzida até a aceitação do consumo de leite apenas. Já o esva-
necimento de volume pode ser realizado diminuindo a quantidade de alimentos pre-
feridos e aumentando, gradualmente, a quantidade de alimentos não preferidos,
ou pode ser realizado aumentando gradualmente a quantidade de porções aceitas
do alimento não preferido. O esvanecimento de instrumentos pode ser importante
para crianças que apresentam aversão a materiais relacionados à alimentação ou
apresentam falta de habilidade para lidar com um instrumento como copo, por
exemplo (22). Em Marcon-Dawson (22), o leitor poderá encontrar mais modelos de
intervenções para a alimentação baseadas em fading.

Tentativa Discreta
O ensino por tentativas discretas, do inglês Discrete Trial Training – DTT, é um for-
mato de ensino estruturado amplamente estudado no campo da Análise do Comporta-
mento e baseado no conceito da tríplice contingência, que deve conter ao menos cinco
elementos: estímulos discriminativos, ajudas e dicas, resposta, consequências e inter-
valos entre tentativas. Uma tentativa discreta deve ser iniciada com a obtenção da aten-
ção da criança para a apresentação do estímulo discriminativo e/ou da instrução. A res-
posta da criança pode ser vocal ou motora, por exemplo, e, a depender da programa-
ção de ensino, pode ser emitida com o fornecimento de uma dica do terapeuta. Diante
da apresentação da resposta, será fornecida a consequência reforçadora ou a correção
da resposta. Após apresentação do reforçador ou da correção da resposta, é realizada
uma breve pausa entre as tentativas, de 1 a 5 segundos (24, 28).
O ensino por tentativas discretas pode ser utilizado para a programação de
tentativas de aprendizagem nas estratégias de terapia sensório-motora oral, exer-
cícios orais-motores (EOM), técnicas de estimulação sensorial, e prática funcional
consistente. A Figura 1 ilustra uma tentativa discreta para o ensino de mastigação.

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Figura 1. Configuração de uma tentativa discreta para o ensino de mastigação.

Suportes Visuais
O uso de suportes visuais é recomendado nas diretrizes para intervenção de
pessoas com TEA e consiste em fornecer um estímulo antecedente visual para au-
mentar o controle do estímulo do comportamento desejado. São utilizados para
vários propósitos, dado que são mais permanentes do que palavras, permanecendo
para referência muito tempo depois que a instrução é dada (19, 26) e “podem redu-
zir a ansiedade, aumentar a previsibilidade, apoiar a comunicação e melhorar a par-
ticipação” (19).
No campo da intervenção alimentar, podem servir, por exemplo, para indicar
à criança a quantidade de alimento que deve ser consumida (quantidade de colhe-
radas, quantidade de porções, quantidade de potinhos), número de tentativas de
exercícios orais-motores etc. A Figura 2 ilustra um suporte visual para sinalizar a
quantidade de colheres com alimento do tipo Maroon SpoonTM que será ofertada
para a criança.

Figura 2. Suporte visual da quantidade de colheres com alimento a ser ofertada à criança.

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A parceria fonoaudiólogo e analista do comportamento


no planejamento da intervenção alimentar

A intervenção de alimentação consiste, de forma mais simplificada, em expor


a criança a tarefas que podem ser difíceis e que elas podem não ter motivação para
realizar, o que pode implicar na apresentação de comportamentos inadequados. A
intervenção alimentar, para ser bem-sucedida, dependerá de fatores como manipu-
lação do ambiente, aumento de comportamentos alimentares desejáveis e redução
dos comportamentos alimentares problemáticos, e, para isso, serão necessários
procedimentos e estratégias que serão mais efetivas se incluírem técnicas de con-
dicionamento clássico e operante, assim dominadas por analistas do comporta-
mento (12, 21). Para análises mais aprofundadas sobre essas técnicas, os leitores de-
vem revisar, por exemplo, Piazza (17), Tereshko et. al (26) e Gosa et. al. (12).

Considerando que analistas do comportamento são, cada vez mais, considera-


dos membros essenciais de equipes interdisciplinares, a colaboração tem sido am-
plamente recomendada em estudos da área, isso porque a colaboração permite que
as equipes interdisciplinares abordem com eficiência várias necessidades do cliente
apresentadas simultaneamente, além de abordar o desenvolvimento conjunto de
metas, avaliação do progresso e resolução de problemas de forma abrangente (5,
6, 23). A colaboração entre analistas do comportamento e fonoaudiólogos pode fa-
vorecer muito os resultados para as crianças e suas famílias.
Diante do que foi exposto em relação aos tratamentos de escolha para a inter-
venção dos Transtornos Alimentares Pediátricos e a colaboração interprofissional,
a Tabela 3 apresenta alguns exemplos de pesquisas que utilizaram procedimentos
que envolveram intervenções sensório-motoras orais combinadas com interven-
ções comportamentais, de forma a ilustrar esse modelo de trabalho.
Intervenções para aumentar a mastigação têm sido pouco estudadas na litera-
tura (29), e as relatadas se concentram especialmente em periódicos de Análise do
Comportamento, o que demonstra a importância dessa ciência para a programação de
ensino de habilidades, chamando a atenção de clínicos para a importância da colabora-
ção de profissionais de fonoaudiologia e análise do comportamento na investigação e
intervenção dos problemas de alimentação, dada a expertise de ambos os profissionais.
Fonoaudiólogos podem e devem participar na escolha de intervenções realizadas por

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analistas do comportamento, de modo que sua expertise possa servir para contemplar
o estágio Inicial da habilidade e o estado das estruturas orofaciais, bem como as habili-
dades cognitivas, de linguagem expressiva e receptiva dessas crianças que, por vezes,
apresentam necessidades complexas de comunicação.

Tabela 3. Pesquisas que combinaram intervenções sensório-motoras orais e intervenções comporta-


mentais.
Citação Procedimento
A intervenção envolveu ensino de lateralização de língua, controle labial e
vigor na mastigação (1). Para o componente mastigatório, pequenos peda-
Gisel (11) ços de biscoito eram colocados nos molares e as crianças foram incentivadas
a mastigar. A dureza do biscoito era aumentada (2) à medida que as crianças
demonstravam maior vigor nos movimentos mastigatórios.
Foi implementado pacote de treinamento que contemplava dois tipos de
sessão: sessões de mastigação (3) e sessões de fading (2) da demanda, que
Eckman et al. (10)
tinham como objetivo instruir a criança a mastigar, lateralizar a língua, me-
lhorar o fechamento labial e aumentar a textura dos alimentos.
As sessões de ensino consistiram em cinco apresentações de porções de ali-
mentos (3) pequenos o suficiente para a que as crianças não engasgassem
se engolissem sem mastigar (2). O procedimento de ensino consistiu de
Volkert et al. (31)
ajuda da menos para a mais intrusiva (instrução vocal, modelo e ajuda física)
(4) e elogio (5) se as crianças completassem o número de mastigações defi-
nido (3).
O procedimento de ensino de mastigação (3) incluiu várias etapas (7), inicial-
mente ensinando as crianças a mastigar um tubo de mastigação vazio, de-
Volkert et al. (30)
pois mastigar o tubo contendo comida e, finalmente, mastigar um pedaço
de alimento, utilizando ajuda da menos para a mais intrusiva (4).
Pinos e blocos (6) foram apresentados com a tarefa de comer para informar
a criança sobre o número de porções ou goles necessários para completar a
McKirdy et al. (16)
tarefa. A remoção de um objeto (5) indicou que a criança concluiu uma ten-
tativa.
O procedimento adotado incluía o ensino de lateralização da língua como
parte da instrução de mastigação e utilizou de estratégias como modelação
Adams et al. (1) com terapeuta fornecendo modelo de lateralização da língua e mastigação
(8) e modelagem (7), com reforçamento (5) de respostas aproximadas das
respostas de lateralização e mastigação definidas como alvo.
O tratamento visou oito categorias de progressão de textura de alimentos
com níveis crescentes de dificuldade de mastigação (2) com alimentos de to-
Taylor (25)
dos os grupos alimentares (9), inseridos após prática utilizando usando ins-
truções verbais (4) e modelagem (7).

Legenda: Terapia sensório-motora oral (1); Fading (2); Prática funcional consistente (3); Hierarquia de dicas (4);
Reforçamento (5); Suportes visuais (6); Modelagem (7); Modelação (8); Modificações na dieta (9).

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CONCLUSÃO

A colaboração interprofissional é uma oportunidade de respeitar as diferenças,


valorizar a expertise de profissionais de saúde envolvidos em equipes interdiscipli-
nares e, acima de tudo, incluir os clientes e suas famílias no centro da intervenção.
No âmbito da intervenção alimentar, o planejamento compartilhado pode garantir
que os componentes das intervenções contemplem o melhor das evidências cienti-
ficas de cada especialidade, promovendo o sucesso da intervenção e bem-estar dos
clientes e suas famílias.

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