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REGISTRO CIVIL DE

PESSOAS NATURAIS
E O REGISTRO
EMPRESARIAL

Gabriel Bonesi Ferreira


Histórico, fundamentos
e princípios dos
atos registrais
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Discutir a finalidade do registro.


 Identificar os princípios aplicáveis aos atos registrais.
 Estabelecer a jurisdição e competência dos registradores.

Introdução
Os registros estão presentes na vida cotidiana de toda sociedade com-
plexa. Diariamente são realizados registros de nascimento, falecimento,
compra e venda de imóveis e muitos outros. Há diversas legislações que
fundamentam e disciplinam os registros e atos notariais, realizados por
cartórios e tabeliães no Brasil.
Neste capítulo, você vai ler sobre a finalidade dos registros, sendo de-
monstrada a sua importância e relevância para a sociedade. Em seguida,
você verá os princípios e as características comuns aos atos registrais,
tanto os princípios constitucionais gerais como seus derivados. Por fim,
você verá as competências dos notários e oficiais de registro e as regras
que estabelecem as suas respectivas jurisdições de atuação.

1 Finalidade do registro
O Direito Notarial e o Direito Registral são disciplinados pela Lei nº. 8.935
(BRASIL, 1994), de 18 de novembro de 1994, que traz um conjunto de normas
e princípios.
O Direito Notarial é definido por Loureiro (2017, p. 48) “[...] como o con-
junto de normas e princípios que regulam a função do notário, a organização
2 Histórico, fundamentos e princípios dos atos registrais

do notariado e os documentos ou instrumentos redigidos por este profissional


do direito que, a título privado exerce uma função pública por delegação”.
Desse modo, o Direito Notarial diz respeito, em essência, à atividade notarial,
regulando e tratando dos serviços notariais. O notário tem como função o
melhoramento do Direito Privado, atuando de modo imparcial no aperfeiço-
amento dos atos e negócios da vida patrimonial e pessoal dos particulares.
Por sua vez, o Direito Registral pode ser definido do seguinte modo: “[...] trata-
-se do conjunto de normas e princípios que regulam a atividade do registrador, o
órgão do Registro, os procedimentos registrais e os efeitos da publicidade registral,
bem como o estatuto jurídico aplicável a este profissional do direito” (LOUREIRO,
2017, p. 48). De fato, os conceitos parecem similares, mas o modo de atuação e as
competências são bastantes distintos entre ambos os ramos do Direito.
A função básica do registrador, como órgão ou instituição, é tornar co-
nhecível a todos os fatos e as situações jurídicas relevantes. Evidentemente,
foram criados diversos tipos de registros com finalidades e objetos bastantes
diversos, como os registros imobiliários, de pessoas naturais, de títulos e
documentos, entre outros. Assim, em razão da grande quantidade de tipos
de registros e suas diferenças e finalidades, dificilmente é possível afirmar
a existência de um Direito Registral único, o que leva consequentemente à
necessidade de uma análise de cada uma das espécies de registros públicos.
Ambos os ramos são autônomos e distintos, o que não significa que possuam
total interdependência. Doutrinariamente os diversos ramos do Direito são
estudados de modo autônomo, o que não significa, porém, interdependência
entre eles. Os ramos do Direito Notarial e do Direito Registral possuem re-
lação. Do mesmo modo que possuem relação com outros ramos do Direito,
podemos pensar, por exemplo, como o registro de pessoas naturais (nascimento,
casamento, entre outros) tem reflexos nos direitos e nas obrigações do Direito
de Família, assim como os efeitos de contratos, declarações públicas e outros
atos notariais possuem reflexos no campo da responsabilidade civil.
A partir da leitura dos arts. 1º e 3º da Lei nº. 8.935/1994 (BRASIL, 1994),
podemos verificar a similaridade entre as finalidades dos serviços de regis-
tros e serviços notariais, ao passo que os arts. 6º e 12 da mesma Lei definem
atribuições e competências distintas entre os notários e os oficiais de registros.
Desse modo, existe autonomia entre esses ramos do Direito, apesar de compar-
tilharem normas comuns previstas na Lei nº. 8.935/1994, que é, na realidade,
a única legislação em comum entre ambos os institutos.
Histórico, fundamentos e princípios dos atos registrais 3

Para compreender a finalidade do registro público, seja do serviço notarial


ou do serviço de registro, é necessário apresentar um breve histórico entre o
surgimento de ambos os institutos. Loureiro (2017) apresenta dois elementos
bastante importantes em relação aos registros: a segurança jurídica e a pu-
blicidade jurídica. Ambos surgiram em momentos históricos distintos para
responder a diferentes anseios e necessidades históricas.
Os serviços notariais surgiram espontaneamente na sociedade. Nas sociedades
antigas do Egito e da Grécia, havia determinadas pessoas que realizavam algum
tipo de registro, mas foi efetivamente na sociedade romana que os tabeliães foram
institucionalizados, surgindo incialmente em caráter privado para formular
escrituras e atividades correlacionadas até serem oficializados pelo Império
Romano. Assim, o registro surgiu como uma necessidade histórica de garantir
segurança jurídica aos indivíduos e à sociedade frente a eventuais problemas
que precisassem ser solucionados. Desse modo, os serviços notariais surgiram
espontaneamente frente à necessidade da segurança jurídica (LOUREIRO, 2017).
Por outro lado, a publicidade jurídica é um fenômeno artificial identifi-
cado como “[...] um órgão criado pelos diversos sistemas legais para garantir
a eficácia e segurança de determinados direitos, situações e relações jurídicas
e, consequentemente, possibilitar o progresso econômico” (LOUREIRO, 2017,
p. 51). O entendimento de Loureiro atrela a publicidade jurídica ao progresso
econômico, mas é possível também afirmar que a publicidade jurídica serve
para a garantia de princípios democráticos, dando a garantia da publicidade
de atos públicos ou privados relevantes a todo o conjunto social.

Na Roma Antiga, surgiram os primeiros tabelionatos nos moldes relativamente similares


aos que conhecemos hoje. Na organização da Roma Antiga, havia uma divisão entre
tabulariuns e notarius. O tabulariuns era o servidor público do império responsável pela
escrita e contabilidade das administrações públicas romanas, bem como de dados de
censo, negócios jurídicos, entre outras atividades, além de guardar ou arquivar tais registros.
O tabularium (tabulário) era o edifício que abrigava os registros da Roma Antiga, além de
diversos escritórios oficiais do governo romano, sendo construído por volta de 78 a.C.
Essas atividades são as que mais se assemelham às atividades dos notários da atualidade.
4 Histórico, fundamentos e princípios dos atos registrais

As finalidades dos registros estão intrinsecamente ligadas à própria neces-


sidade histórica que marcou o seu surgimento. A partir da descrição histórica,
podemos identificar as duas principais finalidades dos atos registrais e dos
atos notariais: a segurança jurídica e a publicidade jurídica. Apesar das dife-
renças apontadas entre registros e atos notariais, para além das finalidades, a
segurança jurídica e a publicidade jurídica são duas das suas características
comuns e basilares. A segurança jurídica tem seu fundamento constitucional
no inciso XXXVI do art. 5º da Constituição Federal (BRASIL, 1988, docu-
mento on-line), que estabelece: “Art. 5º [...] XXXVI — a lei não prejudicará
o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada” (BRASIL, 1988).
O princípio da segurança jurídica tem como características gerais (CA-
NOTILHO, 1993):

 a estabilidade dos atos, isto é, uma vez praticados, não podem ser
arbitrária ou unilateralmente alterados;
 a previsibilidade dos atos jurídicos e seus efeitos jurídicos, ou seja, a
segurança jurídica garante uma lógica dos atos jurídicos; a partir de
um ato, é possível conhecer ou ter a previsibilidade de seus efeitos.

A segurança jurídica exige, portanto, valores e princípios que envolvam a


estabilidade, a certeza e a previsibilidade das normas que regem as relações
intersubjetivas. O desempenho das atividades econômicas, políticas, jurídicas,
entre outras, exige o conhecimento das regras jurídicas vigentes, que tenham
estabilidade e que o Estado possa garantir que os atos e negócios sejam seguros
e eficientes com a aplicação das normas vigentes. Para o estabelecimento da
segurança jurídica, é necessária a confiança nas relações jurídicas vigentes.
Com o aumento da complexidade das relações sociais e jurídicas, a se-
gurança jurídica deixou de ser suficiente, quando consideramos o Direito
Notarial e Registral, para dar conta das demandas sociais. Muitos negócios
ou relações jurídicas não envolvem apenas as partes diretamente implicadas
no negócio, mas têm reflexos ou consequências a terceiros ou à coletividade.
São exemplos uma pessoa que vende seus imóveis com o fim de fraudar ou
se escusar de pagamento de dívida de credores ou a pessoa que busca casar-se
novamente, mesmo já estando casada, entre outras situações. Em casos como
esses, a publicidade dos registros é capaz de evitar a fraude contra credores
ou mesmo o casamento civil poligâmico, o que é proibido pela legislação.
A publicidade dos registros civis evita a realização de atos secretos que
possam implicar ou prejudicar terceiros interessados. São diversas as situações
Histórico, fundamentos e princípios dos atos registrais 5

jurídicas que envolvem os processos sociais e econômicos, a propriedade, as


relações familiares, a produção de bens e propriedades, entre outras situações
que envolvem a vida em sociedade. Com o aumento da complexidade das
relações sociais e jurídicas, percebeu-se a necessidade de participação do
Poder Público em negócios privados. Especificamente no que concerne ao
Direito Notarial e Registral, são exemplos:

 compra e venda de imóveis;


 regulação sobre os registros de nascimento e falecimento de pessoas;
 declarações e registros de atos públicos e com fé pública.

Desse modo, os serviços registrais e notariais têm como finalidades a


garantia da segurança jurídica e a publicidade jurídica de atos e registros.
Ambas as finalidades acabam sendo complementares na garantia de princípios
constitucionais, de desenvolvimento econômico e de estabilidade de normas
e princípios legais. A segurança jurídica é um princípio geral trazido pela
Constituição Federal (BRASIL, 1988), que objetiva a estabilidade legislativa
e a previsibilidade legal de atos e fatos jurídicos.

A publicidade jurídica de atos, além de ser um fundamento em si, também permite a


fiscalização e garantia da segurança jurídica, pois, uma vez que existe a publicidade
de atos, registros, entre outros, existe também a possibilidade de sua fiscalização por
terceiros interessados ou pela coletividade. Com isso, torna-se possível o conhecimento
de fatos que possam ser prejudiciais a terceiros e que podem provocar o Poder Público
para a aplicação da legislação.

O modo genuíno pelo qual os registros são realizados é o escrito, possi-


bilitando a catalogação e o arquivamento das informações relevantes, que
podem ser acessíveis. Apesar de os registros notariais e registrais possuírem
naturezas distintas, apresentam, de maneira basilar, duas principais finalidades:
a segurança jurídica e a publicidade jurídica.
6 Histórico, fundamentos e princípios dos atos registrais

2 Princípios aplicáveis aos atos registrais


Os arts. 1º e 3º da Lei nº. 8.935/1994 (BRASIL, 1994, documento on-line)
salientam:

Art. 1º Serviços notariais e de registro são os de organização técnica e ad-


ministrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e
eficácia dos atos jurídicos.
[...]
Art. 3º Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profis-
sionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da
atividade notarial e de registro.

A partir da leitura desses dispositivos, podemos abstrair os conceitos e


as características centrais do notário e do registrador: são profissionais de
Direito, dotados de fé pública, que devem velar pela publicidade, autenticidade,
segurança, validade e segurança dos atos e negócios jurídicos. São, portanto,
“[...] agentes públicos, especializados na área de direito privado, encarregados
pela segurança preventiva dos atos e negócios jurídicos” (LOUREIRO, 2017,
p. 53). Por se configurarem agentes estatais, seus atos possuem a presunção
de veracidade, devendo garantir a sua validade e efeito probatório, do mesmo
modo que conferem autenticidade e legitimidade aos atos e negócios.
Os notários e os registradores exercem, ao mesmo tempo, uma função de-
legada pelo Estado e uma profissão de natureza privada. Dessa forma, vamos
analisar algumas características ou princípios que regem as atividades do notário
e do registrador, ressaltando o modo pelo qual as suas atividades se diferen-
ciam da atuação dos demais profissionais de Direito, considerando esse locus
intermediário de suas atuações entre a esfera pública e privada. Para tal análise,
tomaremos por base o que é apresentado por Loureiro (2017), conforme a seguir.

Função delegada pelo Estado


Por determinação constitucional (art. 236), os serviços notariais e de registro
são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público (BRASIL,
1988), isto é, os serviços notariais e de registros são exercidos em caráter pri-
vado por pessoas físicas por delegação do Poder Público. Com isso, o Estado
confere, por delegação, a fé pública, que é o poder de autenticar e certificar
fatos jurídicos considerados verdadeiros pela coletividade. Desse modo, o
Estado delega o exercício das suas funções.
Histórico, fundamentos e princípios dos atos registrais 7

Controle de legalidade
As funções notariais e de registro devem prezar pelo cumprimento das so-
lenidades e formalidades para a validade dos documentos e registros, isto é,
para que um documento seja reputado como instrumento público, o notário
ou registrador deve determinar os meios jurídicos adequados para execução
dos fins dos interessados.

Intervenção nos negócios jurídicos particulares


Os atos realizados pelos tabeliães e oficiais de registros têm como finalidade
garantir segurança jurídica às relações jurídicas estabelecidas entre particu-
lares. Para tanto, ocorre uma intervenção nos negócios jurídicos particulares,
uma vez que os tabeliães e registradores intervêm previamente na conclusão
dos negócios jurídicos dos particulares para dar-lhes autenticidade, publicidade
e eficácia, nos termos da legislação. Contudo, a intervenção se limita a dar
legitimidade e garantia da liberdade contratual, da segurança jurídica, da
estabilidade e da publicidade dos atos.

Assessoramento e mediação
Os notários e registradores possuem independência no exercício de suas fun-
ções, conforme previsto no art. 28 da Lei nº. 8.935/1994 (BRASIL, 1994), o
que visa garantir a imparcialidade e neutralidade de suas atuações. Com isso,
objetiva-se dar a eles eficiência em suas atribuições e permitir o assessoramento
e a mediação nos atos e negócios jurídicos dos interessados.

Imparcialidade
A independência da atuação dos registradores e notários, estabelecida no art.
28 da Lei nº. 8.935/1994 (BRASIL, 1994), exige também que as suas atuações
sejam imparciais, ou seja, devem agir e atuar de maneira equânime entre as
partes, sem privilegiar o interesse de qualquer envolvido. A imparcialidade
visa proteger tanto a(s) parte(s) diretamente envolvida(s) no negócio jurídico
quanto os terceiros interessados, tendo em vista que o equilíbrio e a proteção
ao negócio ocorram tanto em relação aos envolvidos diretamente quanto em
relação a terceiros.
8 Histórico, fundamentos e princípios dos atos registrais

Independência
A independência dos notários e oficiais de registro, além de ser um direito,
é um dever. A independência exige que o profissional atue de maneira inde-
pendente, não podendo privilegiar, de modo parcial e arbitrário, nenhuma
das partes. Por ser uma atividade delegada pelo Poder Público, deve também
observar os princípios gerais da Administração Pública, consagrados no art.
37 da Constituição Federal (BRASIL, 1988).

Imediação
A imediação é necessidade da presença pessoal e efetiva do notário ou do
oficial de registro nas realizações de seus atos, tendo em vista que a delegação
é exclusiva e pessoal. Assim, apenas os notários e registradores devem realizar
seus atos, ainda que materialmente lavrados por seus prepostos.

Funções endógenas e não superpostas


Os notários e registradores atuam conforme a vontade de particulares, respei-
tando a ordem jurídica vigente e de acordo com seus princípios norteadores.
Os princípios e as características apresentadas fundamentam-se na Cons-
tituição Federal. As atividades dos notários e dos registradores são delegadas
pelo Poder Público, por isso, devem seguir também os princípios gerais da
Administração Pública, previstos no caput do art. 37 da Constituição Federal
(BRASIL, 1988, documento on-line): “Art. 37 A administração pública direta
e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal
e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e eficiência [...]”.
Assim, os princípios aplicáveis também aos notários e aos registradores
são: o da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da
eficiência. Tais princípios podem ser definidos do seguinte modo:

 Legalidade — a fé pública decorre de delegação, por isso, os atos dos


notários e registradores limitam-se às delegações do Poder Público.
Nos limites dessa delegação, o princípio da legalidade estabelece que
os atos dos notários e registradores se limitam ao que determina a lei,
por isso, não podem extrapolá-la ou agir para além de sua omissão ou
além dos limites da delegação.
Histórico, fundamentos e princípios dos atos registrais 9

 Impessoalidade — a imparcialidade decorre dos princípios gerais da


impessoalidade, princípio que determina que todos devem ser tratados
com igualdade, sem tratamento diferencial, favorecendo ou desfavo-
recendo qualquer interessado que busque os serviços públicos, nesse
caso, por delegação, os serviços notariais e registrais.
 Moralidade — com base no princípio da moralidade, o notário ou
registrador deve agir de maneira ética, de acordo com os bons costumes,
de modo honesto e de boa-fé.
 Publicidade — do princípio geral da publicidade, decorre uma das
finalidades do registro. Segundo o princípio da publicidade, todos os
atos devem ser públicos, isto é, devem ser acessíveis às partes, aos
interessados e a toda a coletividade.
 Eficiência — o princípio da eficiência prevê que os atos públicos devem
ser otimizados, ou seja, deve-se sempre garantir que os atos tenham o
melhor desempenho. No caso dos serviços notariais e registrais, esse
princípio é especialmente importante, uma vez que devem, ao mesmo
tempo, observar as formalidades e burocracias necessárias aos seus
atos e buscar que os atos notariais e de registros sejam otimizados,
de forma a privilegiar e favorecer aqueles que buscam seus serviços.

O fato de os notários e oficiais de registros atuarem por delegação do Poder


Público exige que sejam observados os princípios gerais da Administração
Pública. Desses princípios gerais, decorrem as características e os princípios
específicos dos atos registrais, observadas as suas finalidades específicas.

3 Jurisdição e competência dos registradores


Por força constitucional (art. 236 da Constituição Federal), a função pública
notarial e de registro é do Estado, mas deve ser necessariamente delegada a
profissionais do Direito, que a exercem em caráter privado (BRASIL, 1988).
Quem deseja tornar-se notário ou oficial de registro deve ser aprovado por
concurso público de provas e títulos.
A competência diz respeito à gama de atos e ações públicas que pode ser
exercida pelos notários e oficiais de registro, ou seja, a competência dos no-
tários e oficiais de registro é a estritamente delegada pelo Poder Público para
o exercício em caráter privado. Os titulares dessas atividades são definidos
pelo art. 5º da Lei nº. 8.935/1994 (BRASIL, 1994):
10 Histórico, fundamentos e princípios dos atos registrais

 tabeliães de notas;
 tabeliães e oficiais de registro de contratos marítimos;
 tabeliães de protesto de títulos;
 oficiais de registro de imóveis;
 oficiais de registro de títulos e documentos e civis das pessoas jurídicas;
 oficiais de registro civis das pessoas naturais e de interdições e tutelas;
 oficiais de registro de distribuição.

A competência para a criação desses serviços é da legislação estadual e,


conforme a jurisprudência, compete aos tribunais proporem leis para as suas
criações, por serem considerados parte da organização judiciária por exegese do
art. 125 da Constituição Federal (BRASIL, 1988). Tendo em vista a diferença
entre os serviços notariais e registrais, vamos analisar separadamente tanto
as suas competências quanto as suas jurisdições.

Competência e jurisdição dos notários


A competência corresponde às aptidões ou funções exercidas pelos notários,
que, em resumo, referem-se à formalização da vontade dos interessados,
exercendo atos e negócios jurídicos para as partes e autenticando fatos. Os
incisos do art. 6º da Lei nº. 8.935/1994 (BRASIL, 1994, documento on-line)
definem as seguintes competências

Art. 6º [...]
I — formalizar juridicamente a vontade das partes;
II — intervir nos atos e negócios jurídicos a que as partes devam ou quei-
ram dar forma legal ou autenticidade, autorizando a redação ou redigindo
os instrumentos adequados, conservando os originais e expedindo cópias
fidedignas de seu conteúdo;
III — autenticar fatos.

As competências dos tabeliães de notas são bastante amplas, uma vez que,
entre suas atribuições, estão:

 lavratura de escrituras e procurações;


 lavraturas de testamentos e inventários;
 reconhecimento de firmas;
 autenticação de cópias;
 lavratura de declarações públicas;
 atas notariais.
Histórico, fundamentos e princípios dos atos registrais 11

Os tabeliães de notas podem ainda realizar diligências, entre outros atos


de acordo com as atribuições definidas na Lei. Loureiro (2017) classifica as
suas atribuições em duas espécies: legitimadora e certificadora.
A primeira diz respeito a legitimar e reconhecer o ato ou negócio cele-
brado entre as partes ou interessados como amparados em lei por meio de sua
intervenção. Assim, na função legitimadora, cabe ao notário formalizar em
documento com fé pública a vontade das partes. Cabe ainda a intervenção do
notário nos atos ou negócios jurídicos que as partes queiram ou devam fazer
por força legal, dando, desse modo, autenticidade a seus atos. Já certificar
significa dar autenticidade, verdade e certeza a atos ou fatos. Aqui se inclui,
por exemplo, autenticar cópia de documentos, autenticar a veracidade de uma
assinatura, entre outros. O art. 7º da Lei nº. 8.935/1994 (BRASIL, 1994) define
ainda como competências exclusivas dos tabeliães:

 lavratura de escrituras e procurações públicas;


 lavratura de testamentos públicos e aprovação dos cerrados;
 lavratura de atas notariais;
 reconhecimento de firmas;
 autenticação de cópias.

Claramente existem exceções a essa exclusividade. Já está consolidado na


jurisprudência que as sentenças judiciais têm o mesmo valor que as escrituras
públicas e podem ser inscritas no registro de imóveis, como as sentenças ho-
mologatórias de partilha ou as doações de bens entre cônjuges em processos
de divórcios.
Existem exceções à regra. Na autenticação de documentos, por exemplo —
por força dos incisos IV e V do art. 425 do Código de Processo Civil de 2015
(BRASIL, 2015) e do art. 830 da Consolidação das Lei do Trabalho (BRASIL,
1943) —, os advogados, os membros do Ministério Público e seus auxiliares,
a Defensoria Pública e seus auxiliares, as procuradorias e as repartições
públicas, em geral, possuem fé pública limitada, uma vez que os documentos
e as cópias juntadas a autos de processos em que atuam possuem fé pública
presumida. Em outras palavras, as cópias de documentos juntadas a processos
por esses profissionais do Direito são consideradas autênticas, podendo a sua
autenticidade ser ilidida de forma motivada e de forma comprovada.
Outra exceção é a do funcionário consular, que pode exercer a atividade
notarial em consulados brasileiros nos países estrangeiros. Por isso, a doutrina
separa as competências em duas espécies:
12 Histórico, fundamentos e princípios dos atos registrais

 a exclusiva, que é aquela que efetivamente somente os notários realizam;


 a concorrencial, que pode também ser exercida por outros profissionais,
como magistrados, funcionários consulares, entre outros.

Entre as competências dos tabeliães, estão ainda a possibilidade de assessora-


mento das partes de modo imparcial e independente, a realização de diligências,
como a solicitação de certidões, a comprovação do pagamento de tributos, entre
outros atos necessários para a melhor realização da atividade notarial.
Em relação à competência territorial, os notários não podem praticar atos
de ofício fora do município para o qual recebeu sua delegação, como, por
exemplo, recolher assinaturas em outros municípios, uma vez que se exige
que as partes outorguem a escrituração pública em sua unidade de serviço
(cartório ou tabelionato). Porém, a escolha do notário é livre, qualquer que
seja o domicílio das partes ou o local dos bens do ato ou negócio jurídico.
Assim, qualquer tabelião pode realizar atos, mesmo que as partes não
residam no domicílio de sua delegação ou que os bens objetos do ato ou negócio
não estejam situados no município onde o tabelião recebeu as suas delegações.

Em um exemplo hipotético sobre a competência territorial, em uma compra e venda


de um imóvel situado em Salvador (Bahia), as partes, residentes em São Paulo (capital),
poderiam lavrar o contrato de compra e venda em Curitiba (Paraná).

Competência e jurisdição dos oficiais de registro


A publicidade jurídica destina-se a tornar acessível a qualquer interessado um
determinado fato, situação ou relação, produzindo efeitos a terceiros. Os serviços
registrais cumprem o papel de dar publicidade jurídica a determinados fatos ou
situações, dependendo de sua natureza, o que produz efeitos jurídicos, dando
existência, eficácia ou exercício de direito ao publicitar o ato ou negócio jurídico.
O efeito da publicidade jurídica é fazer prova e dar eficácia a fatos e situ-
ações jurídicas. Serve ainda como requisito para a constituição de direitos e
situações jurídicas (LOUREIRO, 2017). Os registros são variados, de modo
que os seus efeitos dependerão do tipo de publicidade jurídica, isto é, os efeitos
Histórico, fundamentos e princípios dos atos registrais 13

jurídicos irão depender do tipo de registro. O art. 12 da Lei nº. 8.935/1994


(BRASIL, 1994, documento on-line) define, de maneira geral, a competência
dos oficiais de registro e estabelece:

Art. 12 Aos oficiais de registro de imóveis, de títulos e documentos e civis


das pessoas jurídicas, civis das pessoas naturais e de interdições e tutelas
compete a prática dos atos relacionados na legislação pertinente aos registros
públicos, de que são incumbidos, independentemente de prévia distribuição,
mas sujeitos os oficiais de registro de imóveis e civis das pessoas naturais às
normas que definirem as circunscrições geográficas.

Assim, em razão de diferentes tipos de registros, cada oficial de registro terá


a sua competência distinta, relacionada ao fato, à situação, ao negócio, entre
outros, que dá publicidade. Entre as espécies de registros, podemos citar, por
exemplo, o registro civil de pessoas naturais, que, entre as suas atribuições,
destina-se a fazer prova de fatos e atos jurídicos relacionados à identidade,
ao estado civil, ao falecimento, entre outros.
Os oficiais de registros civis podem ainda realizar os atos relativos aos registros
de pessoas jurídicas, como empresas, fundações, organizações, entre outros. Os
registros de títulos e documentos dão publicidade, por exemplo, a contratos, títulos
e outros documentos, que podem ser conservados como meios de prova. Também
realizam a inscrição de propriedade e direitos imobiliários, entre outras funções.
Desse modo, são variadas as funções e finalidades das diversas espécies
de registros públicos existentes. Assim, a competência de cada um dos atos
de publicidade jurídica irá depender de cada tipo de registro, de acordo com
as competências atribuídas pela legislação a cada um.
Sobre a competência territorial, a parte final do art. 12 da Lei nº. 8.935/1994
(BRASIL, 1994, documento on-line) estabelece que “[...] mas sujeitos os oficiais
de registro de imóveis e civis das pessoas naturais às normas que definirem as
circunscrições geográficas”. A partir da leitura desse dispositivo, o princípio
da territorialidade seria aplicável apenas ao registro de imóveis e civil, o que
excluiria os registradores de títulos e documentos.
Contudo, como aponta Loureiro (2017, p. 86), “[...] o Conselho Nacional de
Justiça estabeleceu uma jurisprudência administrativa que se aplica igualmente
a todos os registradores”, ou seja, o princípio da territorialidade aplica-se
indistintamente aos oficiais de registro de todos os tipos, desde o registro de
imóveis e civil de pessoas naturais até os registradores de títulos e documentos
e civis de pessoas jurídicas. De modo que o princípio da territorialidade deve
ser entendido como regra, com isso, as exceções devem ser expressamente
mencionadas pela legislação regulatória específica.
14 Histórico, fundamentos e princípios dos atos registrais

O princípio da territorialidade define que o poder de atuação de um determinado tipo


de registrador está circunscrito a uma determinada territorialidade geográfica. Em outras
palavras, a lei estabelece que os registradores somente podem atuar nos territórios
definidos em lei. Isso não significa que a publicidade de seus atos também esteja
circunscrita a essa base territorial, isto é, apesar de sua ação ser territorialmente limitada,
os efeitos da publicidade jurídica de seus atos não são territorialmente limitados.

Tal limitação territorial decorre de uma necessidade prática. Assim, para


se obter informações de um imóvel ou de uma pessoa, deve-se conhecer onde
estão localizados e buscar o cartório competente. Se o registro não tivesse uma
base territorial, seria praticamente impossível dar publicidade sobre o registro,
por exemplo, de um imóvel, uma vez que poderia ser virtualmente registrado
em qualquer serviço registral, ainda que em municípios muito distantes. A
Figura 1 apresenta as competências dos serviços notariais e registrais.

Figura 1. Competência dos serviços notariais e registrais.

A lei não explica qual a circunscrição territorial de cada oficial de registro.


Assim, em princípio, é o município, por ser a unidade básica de divisão territo-
rial. Contudo, é possível a subdivisão territorial entre mais de um cartório. Por
Histórico, fundamentos e princípios dos atos registrais 15

exemplo, é bastante comum que cidades de médio e grande portes subdividam


a competência de registro de imóveis entre mais de um cartório, de modo que
cada um fica responsável por alguma(s) área(s) do município. Assim, a base
territorial dos serviços de títulos e documentos e civil de pessoas jurídicas
será definida pelas legislações estaduais de organização judiciária.

Ao contrário dos serviços notariais, os serviços registrais têm, em regra, uma base
territorial definida, por isso, no exemplo hipotético dado, o contrato de compra e
venda lavrado em Curitiba (Paraná) de um imóvel situado em Salvador (Bahia), entre
residentes de São Paulo (capital), deveria necessariamente ser registrado em Salvador e
ainda no cartório competente pela região do município onde o imóvel está localizado.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União,


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BRASIL. Lei nº. 8.935, de 18 de novembro de 1994. Regulamenta o art. 236 da Cons-
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Diário Oficial da União, 21 nov. 1994. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/
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BRASIL. Lei nº. 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Diário Oficial
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2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 22 jan. 2020.
CANOTILHO, J. J. G. Direito Constitucional. 6. ed. Coimbra: Livraria Almeida, 1993.
LOUREURO, L. G. Registros públicos: teoria e prática. 8. ed. Salvador: Editora JusPODIVM,
2017.

Leitura recomendada
MELLO, C. A. B. Curso de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
16 Histórico, fundamentos e princípios dos atos registrais

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