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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2017.0000766950

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do Mandado de Segurança nº


2101485-19.2017.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que é impetrante CARLOS
JOSE RAMOS DA SILVA, é impetrado GOVERNADOR DO ESTADO DE SÃO
PAULO.

ACORDAM, em Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo,


proferir a seguinte decisão: "POR MAIORIA DE VOTOS, DENEGARAM A
SEGURANÇA. FARÃO DECLARAÇÃO DE VOTO OS EXMOS. SRS. DES. JOÃO
NEGRINI E XAVIER DE AQUINO.", de conformidade com o voto do Relator, que
integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO


DIMAS MASCARETTI (Presidente sem voto), FERRAZ DE ARRUDA, RICARDO
ANAFE, ALVARO PASSOS, BERETTA DA SILVEIRA, ANTONIO CELSO
AGUILAR CORTEZ, ALEX ZILENOVSKI, SILVEIRA PAULILO, MOREIRA
VIEGAS, ADEMIR BENEDITO, PEREIRA CALÇAS, MOACIR PERES, FERREIRA
RODRIGUES, PÉRICLES PIZA, EVARISTO DOS SANTOS, MÁRCIO BARTOLI,
JOÃO CARLOS SALETTI e FRANCISCO CASCONI denegando a Segurança; E
JOÃO NEGRINI FILHO (com declaração), SÉRGIO RUI, SALLES ROSSI, PAULO
ALCIDES, XAVIER DE AQUINO (com declaração) e ANTONIO CARLOS
MALHEIROS concedendo a Segurança.

São Paulo, 4 de outubro de 2017.

RENATO SARTORELLI
RELATOR
Assinatura Eletrônica
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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

IMPETRANTE: CARLOS JOSE RAMOS DA SILVA


IMPETRADO: GOVERNADOR DO ESTADO DE SÃO PAULO
INTERESSADA: FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO

EMENTAS:

“MANDADO DE SEGURANÇA - DECISÃO


DO GOVERNADOR QUE APLICOU A PENA
DE CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA EM
DESFAVOR DO IMPETRANTE, EX-
DELEGADO DE POLÍCIA, EM RAZÃO DE
PROCEDIMENTO IRREGULAR DE
NATUREZA GRAVE, ATOS DE
IMPROBIDADE E DEFINIDOS EM LEI COMO
CRIME - PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO
PUNITIVA - INOCORRÊNCIA - FALTA
FUNCIONAL QUE TAMBÉM É PREVISTA EM
LEI COMO INFRAÇÃO PENAL -
PRESCRIÇÃO ADMINISTRATIVA QUE SE
REGE PELA PENA CRIMINAL EM
ABSTRATO (ARTIGO 80, INCISO III, DA LEI
COMPLEMENTAR ESTADUAL Nº 207/1979) -
INDEPENDÊNCIA ENTRE AS ESFERAS
ADMINISTRATIVA E PENAL - ABSOLVIÇÃO
POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS E
PRESCRIÇÃO NO ÂMBITO CRIMINAL NÃO
TÊM O CONDÃO DE REPERCUTIR NA VIA
ADMINISTRATIVA -
INCONSTITUCIONALIDADE DA PENA DE
CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA - NÃO
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RECONHECIMENTO - IRRELEVÂNCIA DO
CARÁTER CONTRIBUTIVO - PRECEDENTES
DO E. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, DO
E. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E
DESTE C. ÓRGÃO ESPECIAL - SIMETRIA
COM AS PENAS DE DEMISSÃO OU DE
DEMISSÃO A BEM DO SERVIÇO PÚBLICO
(ARTIGOS 67, INCISO VII, E 77, INCISO I, DA
LEI ORGÂNICA DA POLÍCIA CIVIL DO
ESTADO DE SÃO PAULO) - AUSÊNCIA DE
DIREITO LÍQUIDO E CERTO - SEGURANÇA
DENEGADA.

“A absolvição do réu, no processo crime,


apenas tem o condão de repercutir na via
administrativa quando baseada na negativa
da autoria ou na inexistência do fato”.

“A autoridade competente para aplicar a


penalidade administrativa vincula-se aos
fatos apurados no processo administrativo
disciplinar, os quais também podem ser
examinados na esfera criminal sem que
isso implique vinculação automática entre
as instâncias”.

“Inexiste ofensa a direito adquirido ou ato


jurídico perfeito na medida em que o
servidor não faria jus ao benefício se a
infração disciplinar passível de demissão
tivesse chegado ao conhecimento da
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Administração antes de passar para a


inatividade”.

VOTO Nº 29.659

Trata-se de mandado de segurança


impetrado por Carlos José Ramos da Silva, Delegado de Polícia,
classe especial aposentado, contra ato do Excelentíssimo Senhor
Governador do Estado de São Paulo que baixou Decreto, publicado
em 22.02.2017, impondo ao impetrante a pena de cassação da
aposentadoria, após acatar proposta do então Secretário da
Segurança Pública do Estado à vista de parecer da Assessoria
Jurídica do gabinete do Procurador Geral do Estado.

Sustenta, em apertada síntese, o


requerente que sofreu processo administrativo, enquanto no
exercício regular do cargo de Delegado Seccional da Polícia Civil
de Mogi das Cruzes, pela prática de infração disciplinar, dado como
incurso nas disposições dos arts. 62, incisos II, III e IX (deveres);
63, incisos XIV e XXVII (transgressões), bem como do art. 74,
inciso II e 75, incisos II, VI e XII (penas) c/c art. 77, inciso I, todos da
Lei Complementar nº 207/79, com a redação imposta pela Lei
Complementar Estadual nº 922/02, além dos arts. 9º, inciso V, e 11,
inciso II, da Lei Federal nº 8.429/92 (improbidade administrativa),
acusado de negligência quanto à adoção de providências inerentes
ao seu cargo em face de faltas funcionais perpetradas por seus
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subordinados, autoridades e funcionários da CIRETRAN de Ferraz


de Vasconcelos, que teriam se associado a terceiros para a
emissão fraudulenta de carteiras nacionais de habilitação - CNH por
aquela repartição pública, além de improbidade administrativa sob o
pretexto de que teria se beneficiado do cargo para obtenção de
proveito pecuniário.

Acena, todavia, com a extinção da


punibilidade uma vez que a primeira infração - associação
criminosa - praticada entre junho de 2004 e março de 2008, foi
declarada prescrita, por sentença, na esfera criminal; quanto ao
segundo ilícito - falsidade ideológica - logrou ser absolvido da
imputação, embora submetida a decisão penal a recurso interposto
pela acusação, acrescendo que a pena de cassação de
aposentadoria viola direitos fundamentais do servidor, tais como o
ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

Invocando, em seu prol, a presença de


direito líquido e certo que o acompanha, busca o impetrante: a) o
reconhecimento da prescrição da pena a ele imposta, pois entre a
data da imputação disciplinar, considerando a segunda portaria
acusatória (22/2/2012) (haja vista que foi declarada nula a primeira)
e a data da publicação do ato impugnado que deu azo à pena de
cassação da aposentadoria (22/2/2017), transcorreram exatamente
cinco anos e um dia; b) a prescrição "do feito, eis que,
referentemente as infrações penais, já se deu a decretação da
prescrição tocante ao delito de associação criminosa, reconhecida
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judicialmente em sentença e, quanto ao delito de falso, foi o


impetrante ali absolvido, regrando o tema os incisos II e III do art. 80
da LOPC; c) Em face da ausência de pressuposto específico do ato
administrativo, declarar que desviou-se a autoridade executiva dos
motivos que fundamentavam a acusação na exordial para baixar o
ato sancionatório e isso o torna nulo face o conteúdo do preceito
secundário dessa norma; d) Declarar não mais subsistir a pena de
cassação da aposentadoria após a edição das Emendas
Constitucionais nos 3/93 e 20/98 face o regime contributivo imposto
a todos pela nova ordem previdenciária" (cf. fl. 12).

Invoca, outrossim, pedido de tutela de


urgência com a finalidade de obter, em caráter liminar, a suspensão
de eficácia do ato administrativo sancionador, até julgamento final
do writ, assegurando-lhe o direito de receber seus proventos,
inclusive eventuais valores acumulados desde a impetração,
pleiteando, por fim, a concessão da ordem visando desconstituir o
ato acoimado de ilegal.

Denegada a liminar, a digna autoridade


apontada como coatora prestou informações, acenando, em
resumo, com a inocorrência de prescrição quinquenal. Alegou, por
outro lado, que incide a regra do artigo 80, inciso III, da Lei
Orgânica da Polícia do Estado de São Paulo, aplicando-se o
mesmo prazo prescricional previsto para o ilícito penal por se tratar
de infração administrativa que também corresponde a fato definido
em lei como crime. Ponderou, ainda, que a sentença penal
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absolutória por falta de provas e o reconhecimento da prescrição na


esfera criminal não repercutem na via administrativa, tratando-se de
instâncias independentes. Argumentou, no mais, que a condenação
administrativa está lastreada em robusto conjunto fático-probatório,
defendendo, de resto, a constitucionalidade da pena de cassação
de aposentadoria (cf. fls. 280/318).
A douta Procuradoria Geral de Justiça,
em seu parecer, opinou pela denegação da segurança (fls.
412/435).

É o relatório.

O controle jurisdicional por via de


mandado de segurança deve restringir-se à proteção de direito
líquido e certo, atingido por ilegalidade ou abuso de poder,
evidenciados em prova pré-constituída, o que aqui não se
vislumbra.

Com efeito, infere-se das peças que


instruem o writ que o impetrante, ex-Delegado de Polícia, teve sua
aposentadoria cassada em razão de sanção disciplinar, aplicada
em processo administrativo instaurado em seu desfavor, por
suposto envolvimento com organização criminosa responsável pela
emissão fraudulenta de carteiras nacionais de habilitação, no
período de junho de 2004 a março de 2008.

Embora instaurado através de Portaria


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datada de 18/12/2008 (fls. 146/150), o processo disciplinar foi


anulado pela autoridade apontada como coatora em 28/12/2011 (cf.
fl. 169), editando-se nova Portaria em 22/02/2012 (fls. 152/173),
atribuindo-se ao impetrante as seguintes condutas e faltas
funcionais a serem investigadas, verbis:

“Considerando o conjunto probatório, pesam as seguintes


imputações em desfavor do Doutor CARLOS JOSÉ RAMOS DA
SILVA, delegado de polícia aposentado, conforme a denúncia
ministerial nos autos do Processo nº 191.04.2008.04440-2,
controle nº 342/08, da 1ª Vara Judicial do Foro Regional de
Ferraz de Vasconcelos:

'Consta nos inclusos autos de inquérito policial que, a partir


de meados de 2004 até março de 2008, na Ciretran de Ferraz
de Vasconcelos, situada na Rua David de Rogatis, 49, Ferraz
de Vasconcelos/SP, CARLOS JOSÉ RAMOS DA SILVA, vulgo
CASÉ, (...) associaram-se em quadrilha com o fim de cometer
crimes.

(...)

Segundo se apurou, CARLOS JOSÉ RAMOS DA SILVA era,


na época dos fatos, o Delegado Seccional de Mogi das
Cruzes, responsável pela indicação dos Diretores das
Ciretrans de sua circunscrição, dentre elas a de Ferraz de
Vasconcelos.

(...)

Em data não precisa desse período, CARLOS JOSÉ RAMOS


DA SILVA, (...) associaram-se em quadrilha com o fim de
falsificar carteiras de habilitação e receber vantagens
indevidas em razão destas fraudes, formando uma
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organização criminosa na qual cada um deles tinha uma


função específica.

CARLOS JOSÉ RAMOS DA SILVA consentiu com que esse


esquema fosse montado e permitiu ainda seu funcionamento
durante anos. Em troca, passou a receber pagamentos
periódicos provenientes do lucro da atividade ilícita,
realizada com sua permissão e anuência (...).

CARLOS JOSÉ RAMOS DA SILVA, então Delegado Seccional


de Mogi das Cruzes, utilizou a forte influência que exercia,
bem como o seu poder correcional, para impedir que
investigações revelassem o esquema de fraude. Era ele,
aliás, que realizava as correições ordinárias na Ciretran de
Ferraz de Vasconcelos, sempre atestando a lisura da conduta
de seus subordinados.

CARLOS JOSÉ RAMOS DA SILVA, ciente de tudo o que


estava ocorrendo com seu consentimento, concorreu para
que a Ciretran de Ferraz de Vasconcelos falsificasse as 1596
carteiras de habilitação, à medida que permitia que o
esquema de fraudes funcionasse, omitindo-se em tomar
qualquer providência, aderindo assim à conduta dos demais.

(...)

Deste contexto e considerando a vertente disciplinar, são


atribuídas, em tese, as seguintes acusações de violações às
infrações administrativas disciplinares ao Doutor CARLOS
JOSÉ RAMOS DA SILVA, delegado de polícia de classe especial
aposentado: descumprir os deveres contidos no inciso II ('ser
leal às instituições'), no inciso III ('cumprir as normas legais e
regulamentares') e no inciso IX ('proceder na vida pública e
particular de modo a dignificar a função policial') do artigo 62;
transgredir as disposições do inciso XIV ('lançar
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intencionalmente, em registros oficiais, papeis ou quaisquer


expedientes, dados errôneos, incompletos ou que possam
induzir a erro, bem como inserir neles anotações indevidas'),
inciso XXVII ('valer-se do cargo com o fim, ostensivo ou velado,
de obter proveito de qualquer natureza para si ou para
terceiros') do artigo 63 e; incidir, ainda, nas gravosas condutas
combatidas no inciso II ('procedimento irregular, de natureza
grave') do artigo 74; no inciso II ('praticar ato definido como
crime contra a Administração Pública, a Fé Pública e a Fazenda
Pública ou previsto na Lei de Segurança Nacional'), no inciso VI
('exigir, receber ou solicitar vantagem indevida, diretamente ou
por intermédio de outrem, ainda que fora de suas funções, mas
em razão destas') e no inciso XII ('praticar ato definido em lei
como de improbidade') do artigo 75; acrescentando-se, em face
de sua aposentadoria, o disposto no inciso I ('praticou, quando
em atividade, falta para a qual é cominada nesta lei a pena de
demissão ou de demissão a bem do serviço público'), do artigo
77 todos da Lei Orgânica da Polícia Civil do Estado de São
Paulo combinados com o artigo 9º ('Constitui ato de
improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito
auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em
razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou
atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e
notadamente:') e seu inciso V ('receber vantagem econômica de
qualquer natureza, direta ou indireta, para tolerar a exploração
ou a prática de jogos de azar, de lenocínio, de narcotráfico, de
contrabando, de usura ou de qualquer outra atividade ilícita, ou
aceitar promessa de tal vantagem') e artigo 11 ('Constitui ato de
improbidade administrativa que atenta contra os princípios da
administração pública qualquer ação ou omissão que viole os
deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade
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às instituições, e notadamente:') e seu inciso II ('retardar ou


deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício') da Lei nº 8.429,
de 2-6-1992” (cf. fls. 158/163).

Após regular instrução, o parecer da


Assessoria Jurídica do Gabinete do Procurador Geral do Estado
concluiu que as provas coligidas eram suficientes para a
responsabilização do impetrante, sendo “farto o conjunto probatório
a demonstrar que CARLOS JOSÉ RAMOS DA SILVA tinha pleno
conhecimento do esquema fraudulento engendrado na CIRETRAN
de Ferraz de Vasconcelos, omitia-se na fiscalização e apuração das
irregularidades ali perpetradas, beneficiava-se economicamente da
estrutura ali montada (mediante pagamentos periódicos),
concorrendo, assim, para o sucesso longevo da empreitada ilícita.
As imputações descritas na exordial, portanto, são integralmente
procedentes, e conduzem a um édito condenatório” (cf. fl. 338).

À luz de tais considerações, a


autoridade apontada como coatora reconheceu a procedência das
acusações irrogadas ao impetrante, impondo-lhe a pena de
cassação de aposentadoria pelo descumprimento dos deveres
preconizados no artigo 62, incisos II, III e IX, e pelo cometimento
das transgressões disciplinares descritas no artigo 63, incisos XIV e
XXVII, além das infrações descritas no artigo 74, inciso II e 75,
incisos II, VI e XII, todos da Lei Complementar nº 207/1979, sendo
referida decisão administrativa publicada em 22/02/2017 no órgão
oficial (fls. 250/251).
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Pois bem, tenho para mim que a


arguição de prescrição não comporta acolhida.

Com efeito, diversamente do que


sustenta o impetrante, incide a regra do artigo 80, inciso III, da Lei
Complementar Estadual nº 207/19791, porquanto os fatos a ele
atribuídos por ocasião da instauração do processo disciplinar
também se qualificam como infração penal, consumando-se a
prescrição do ilícito administrativo no mesmo prazo fixado pela
legislação penal.

A circunstância de ter sido processado


administrativamente por “falta prevista em lei como infração penal”
basta para definição do prazo de prescrição, na forma do artigo 80,
inciso IV, da Lei Complementar nº 207/1979 (Lei Orgânica da
Polícia do Estado de São Paulo), independentemente de posterior
absolvição na esfera criminal por insuficiência de provas.

Destaco, a propósito, precedentes da


lavra deste C. Órgão Especial, verbis:

“MANDADO DE SEGURANÇA. APLICAÇÃO


DE PENA DE DEMISSÃO A BEM DO
1
“Artigo 80 - Extingue-se a punibilidade pela prescrição:

(...)

III - da falta prevista em lei como infração penal, no prazo de prescrição em abstrato da pena
criminal, se for superior a 5 (cinco) anos”.
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SERVIÇO PÚBLICO A OFICIAL DE JUSTIÇA,


POR INFRAÇÃO AOS ARTIGOS 241, XIV,
CC. ARTS. 256, II, DA LEI 10.261/68.
ENVOLVIMENTO EM VENDA SIMULADA DE
IMOVEL. INOCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO.
PRESCRIÇÃO DA FALTA ADMINISTRATIVA
SE REGE PELA PENA EM ABSTRATO DO
FATO CRIMINAL” (Mandado de Segurança nº
2254315-04.2016.8.26.0000, Relator
Desembargador Xavier de Aquino).

“MANDADO DE SEGURANÇA - DELEGADO


DE POLÍCIA - IMPETRAÇÃO CONTRA
GOVERNADOR DO ESTADO DE SÃO
PAULO - PROCEDIMENTO
ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR -
APLICAÇÃO DE PENA DE CASSAÇÃO DE
APOSENTADORIA - AUSÊNCIA DE
NULIDADES OU CERCEAMENTO DE
DEFESA - FATOS QUE ENSEJARAM
INSTAURAÇÃO DO PAD TAMBÉM ALVO DE
APURAÇÃO NA ESFERA CRIMINAL -
PRETENSÃO DE SOBRESTAMENTO DO
PAD, ATÉ DESFECHO DO FEITO CRIMINAL,
QUE SE MOSTRA INCABÍVEL -
INDEPENDÊNCIA DAS ESFERAS
ADMINISTRATIVA E PENAL - ADEMAIS,
PREVISÃO DO ART. 65, §3º, DA LCE Nº
207/1979 QUE NÃO TRADUZ DIREITO
LÍQUIDO E CERTO - PRECEDENTES -
PRESCRIÇÃO INOCORRENTE - LAPSO
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EXTINTIVO, NA HIPÓTESE, REGRADO


PELO PRAZO PRESCRICIONAL EM
ABSTRATO DA INFRAÇÃO PENAL (ART. 80,
INCISO III, DA LCE Nº 207/1979) - 8 (OITO)
ANOS, À LUZ DOS ARTIGOS 109, INCISO IV,
E 288 DO CP - TRANSCURSO NÃO
VERIFICADO NA HIPÓTESE -
PRECEDENTES - SEGURANÇA DENEGADA
- LIMINAR REVOGADA" (Mandado de
Segurança nº 2232029-66.2015.8.26.0000,
Relator Desembargador Francisco Casconi).
“MANDADO DE SEGURANÇA - Cassação de
aposentadoria de Delegado de Polícia
pronunciada pelo Governador do Estado -
Condenação do impetrante que se deu sob
a imputação de violação dos deveres
funcionais descritos no artigo 62, incisos II,
III e IX, ficando então incurso no artigo 74,
inciso II, artigo 75, incisos II, VI e XII, e
artigo 77, inciso I, todos da Lei
Complementar nº 207/79 (Lei Orgânica da
Polícia do Estado de São Paulo), alterada
pela Lei Complementar Estadual nº 922/02 -
Ilícito administrativo imputado que é
também previsto como infração penal,
atraindo a incidência da regra contida no
artigo 80, inciso IV, da Lei Complementar nº
207/79, consumando-se a prescrição da
pretensão punitiva, no âmbito
administrativo, no mesmo prazo fixado pela
legislação penal - Fenômeno extintivo, in
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casu, que se daria em doze anos, na forma


do artigo 316 c.c. artigo 109, inciso III,
ambos do Código Penal, não restando,
então, consumado entre a ocorrência dos
fatos investigados e a instauração do
respectivo procedimento administrativo
disciplinar - Inexistência, nesse passo, de
direito líquido e certo do impetrante a ser
protegido nos autos - Segurança não
concedida” (Mandado de Segurança nº
2094238-55.2015.8.26.0000, Relator
Desembargador Paulo Dimas Mascaretti).

No caso, dentre as várias imputações


que lhe foram irrogadas no âmbito disciplinar, o impetrante foi
acusado de “lançar intencionalmente, em registros oficiais, papeis
ou quaisquer expedientes, dados errôneos, incompletos ou que
possam induzir a erro, bem como inserir neles anotações indevidas”
(artigo 63, inciso XIV, da LC nº 207/1979), assim como “praticar ato
definido como crime contra a Administração Pública, a Fé Pública e
a Fazenda Pública” (artigo 75, inciso II, da LC nº 207/1979), sendo,
inclusive, denunciado na esfera criminal pelo delito tipificado no
artigo 299 do Código Penal (Falsidade Ideológica - cf. fl. 143), que
prevê pena de reclusão de um a cinco anos para a hipótese de
falsificação de documento público.

Regulando-se a prescrição penal pelo


máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, o prazo
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a ser considerado para efeito de extinção da pretensão punitiva é


aquele fixado em 12 (doze) anos (artigo 109, inciso III2, c.c. artigo
299, ambos do Código Penal).

Portanto, considerando que o processo


administrativo foi validamente instaurado pela Portaria de 22 de
fevereiro de 2012 (fls. 152/172) e a pena de cassação de
aposentadoria imposta por decisão publicada em 22 de fevereiro de
2017 (fls. 250/251), não há que se cogitar do decurso do lapso
prescricional.

No concernente à arguição de ausência


de justa causa para a sanção administrativa é importante ressaltar
que a decisão punitivo-disciplinar não teve como único fundamento
a transgressão relativa ao artigo 63, inciso XIV, da LC nº 207/19793,
pois tanto a Portaria inaugural (fls. 162/163), como o parecer da
Assessoria Jurídica do Gabinete do Procurador Geral do Estado (fl.
323) e o próprio ato administrativo impugnado (fl. 251) fazem
referência a condutas capituladas como corrupção passiva na
2
“Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no §
1o do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao
crime, verificando-se:

(...)

III - em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a oito”.
3
“Artigo 63 - São transgressões disciplinares:

(...)

XIV - lançar intencionalmente, em registros oficiais, papeis ou quaisquer expedientes, dados


errôneos, incompletos ou que possam induzir a erro, bem como inserir neles anotações
indevidas”
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medida em que reconhecem a prática da figura prevista no artigo


75, inciso VI, da LC nº 207/1979 (receber ou solicitar vantagem
indevida, diretamente ou por intermédio de outrem, ainda que fora
de suas funções, mas em razão destas), além de responsabilizarem
o impetrante pela inobservância de deveres funcionais e por se
valer do cargo para obter proveito pessoal ou de terceiros,
classificando sua atuação como procedimento irregular de natureza
grave e improbidade administrativa, temas estranhos ao objeto da
ação penal.

Por isso mesmo não procede a assertiva


no sentido de que a autoridade apontada como coatora teria se
desviado “dos motivos que fundamentavam a acusação na exordial
para baixar o ato sancionatório”, impondo-lhe “sanção de máxima
gravidade por suposto fato que não ficou reconhecido na espera
criminal, o que lhe era defeso, especialmente por se tratar de
atividade vinculada e que foi delimitada na portaria inaugural do
processo administrativo” (cf. fl. 09).

Ao contrário do que pretende fazer crer


o impetrante, o processo administrativo disciplinar não estava
limitado aos delitos pelos quais fora processado na esfera criminal
(cf. fls. 04/09), sendo irrelevante que a Portaria inaugural tenha
reproduzido a narrativa constante da denúncia.
Segundo se extrai o ato punitivo
acoimado de ilegal julgou procedentes as acusações imputadas ao
impetrante, nos exatos termos da Portaria que deu origem ao
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processo administrativo, não vingando a arguição de incongruência


entre ambos - portaria e ato punitivo -, traduzindo a inicial
construção argumentativa equivocada e dissociada da realidade
dos autos, motivo pelo qual a insurgência, nesse aspecto, é
despicienda.

Na verdade, a autoridade competente


para aplicar a penalidade administrativa vincula-se aos fatos
apurados no processo administrativo disciplinar (MS nº 13.099/DF,
Relatora Ministra Laurita Vaz), os quais também podem ser
examinados na esfera criminal sem que isso implique vinculação
automática entre as instâncias, sendo oportuno consignar que a
mesma situação fática é passível de configurar ilícito administrativo
e, ao mesmo tempo, não ensejar responsabilidade penal.

Na hipótese sub judice, o impetrante foi


denunciado e processado criminalmente pela prática dos crimes
tipificados nos artigos 288 (associação criminosa) e 299 (falsidade
ideológica), ambos do Código Penal, em concurso material, sendo
declarada extinta sua punibilidade, com fulcro no artigo 107, inciso
IV, do CP, em razão do transcurso do prazo prescricional de 08
(oito) anos, relativamente ao primeiro delito, e absolvido por
insuficiência de provas, nos termos do artigo 386, inciso VII, do
CPP, quanto ao segundo ilícito penal (cf. fls. 15/31).

Não obstante a extinção da punibilidade


e a absolvição na esfera penal quanto aos delitos de associação e
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de falsidade ideológica, a autoridade apontada como coatora


reconheceu a existência de comportamentos infracionais de
natureza grave sob o ponto de vista disciplinar, havendo notório
resíduo administrativo na conduta submetida ao juízo criminal.

Nesse sentido, o enunciado da Súmula


nº 18 do E. Supremo Tribunal Federal, verbis:

“Pela falta residual, não compreendida na


absolvição pelo juízo criminal, é admissível
a punição administrativa do servidor
público”.

A isso acresça-se que a absolvição do


réu, no processo crime, apenas tem o condão de repercutir na via
administrativa quando baseada na negativa da autoria ou na
inexistência do fato, situações aqui não entrevistas.

Na lição de Hely Lopes Meirelles, a


"responsabilidade administrativa é a que resulta da violação de
normas internas da Administração pelo servidor sujeito ao estatuto
e disposições complementares estabelecidas em lei, decreto ou
qualquer outro provimento regulamentar da função pública. A falta
funcional gera o ilícito administrativo e dá ensejo à aplicação de
pena disciplinar, pelo superior hierárquico, no devido processo legal
(v. cap. XI, item 3). A punição administrativa ou disciplinar não
depende de processo civil ou criminal a que se sujeite também
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o servidor pela mesma falta, nem obriga a Administração a


aguardar o desfecho dos demais processos, nem mesmo em
face da presunção constitucional de não culpabilidade.
Apurada a falta funcional, pelos meios adequados (processo
administrativo, sindicância ou meio sumário), o servidor fica sujeito,
desde logo, à penalidade administrativa correspondente. A punição
interna, autônoma que é, pode ser aplicada ao servidor antes do
julgamento judicial do mesmo fato. E assim é porque, como já
vimos, o ilícito administrativo independe do ilícito penal. A
absolvição criminal só afastará o ato punitivo se ficar provada, na
ação penal, a inexistência de fato ou que o acusado não foi seu
autor" (Direito Administrativo Brasileiro, 33ª edição, Malheiros, pág.
500).

Lembre-se, na mesma linha, precedente


da lavra do E. Superior Tribunal de Justiça, verbis:

“ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO.


PROCESSO ADMINISTRATIVO
DISCIPLINAR. PRESCRIÇÃO.
INOCORRÊNCIA. APLICABILIDADE DA
LEGISLAÇÃO PENAL. PRECEDENTES.
INDEPENDÊNCIA DAS ESFERAS
ADMINISTRATIVA E PENAL.
PRESCINDIBILIDADE DE SENTENÇA
PENAL CONDENATÓRIA. PARTICIPAÇÃO
DE REPRESENTANTES DO MINISTÉRIO
PÚBLICO EM CONSELHO DISCIPLINAR DA
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POLÍCIA. POSSIBILIDADE.
1. A sanção administrativa é aplicada para
salvaguardar os interesses exclusivamente
funcionais da Administração Pública,
enquanto a sanção criminal destina-se à
proteção da coletividade.
Consoante entendimento desta Corte, a
independência entre as instâncias penal,
civil e administrativa, consagrada na
doutrina e na jurisprudência, permite à
Administração impor punição disciplinar ao
servidor faltoso à revelia de anterior
julgamento no âmbito criminal, ou em sede
de ação civil, mesmo que a conduta
imputada configure crime em tese.
Ademais, a sentença penal somente produz
efeitos na seara administrativa, caso o
provimento reconheça a não ocorrência do
fato ou a negativa da autoria” (RMS nº
32.375/RS, Relator Ministro Mauro Campbell
Marques - grifo nosso).

Cumpre, ainda, ponderar que o


impetrante questiona tão somente formalidades extrínsecas do ato,
não se insurgindo contra os motivos e os pressupostos de direito e
de fato que levaram à imposição da penalidade máxima prevista em
lei.

Logo, tendo a autoridade apontada


como coatora analisado os fatos apurados em procedimento
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administrativo desenvolvido com observância aos princípios do


contraditório e da ampla defesa, concluindo, a final, pela prática,
quando em atividade o impetrante, de faltas funcionais graves para
as quais a lei estabelece, peremptoriamente, a pena de pena de
demissão e demissão a bem do serviço público, a cassação de sua
aposentadoria não se revestiu de qualquer ilegalidade ou abuso
de poder, constituindo ato administrativo vinculado por força do
preceito contido no artigo 77, inciso I, da Lei Complementar
Estadual nº 207/1979, verbis:

“ADMINISTRATIVO. MANDADO DE
SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO
DISCIPLINAR. ANALISTA TRIBUTÁRIO DA
RECEITA FEDERAL. PENA DE CASSAÇÃO
DE APOSENTADORIA. INEXISTÊNCIA DE
VÍCIOS CAPAZES DE MACULAR A
LEGALIDADE DO PROCEDIMENTO.
SEGURANÇA DENEGADA.
(...)
7. Compreendida a conduta do impetrante
nas disposições dos arts. 117, IX, e 132, IV,
da Lei n. 8.112/1990 - valer-se do cargo para
lograr proveito pessoal ou de outrem, em
detrimento da dignidade da função pública, e
prática de improbidade administrativa -,
inexiste para o administrador
discricionariedade a autorizar a aplicação de
pena diversa da demissão ou da cassação de
aposentadoria” (MS nº 14.023/DF, Relator
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Ministro Rogerio Schietti Cruz).

No mais, a pena de cassação de


aposentadoria permite à Administração Pública responsabilizar o
servidor por ilícito administrativo de natureza grave praticado
quando ainda estava em atividade, mas que a autoridade só teve
notícia depois do ato de jubilação, correspondendo à sanção de
demissão ou demissão à bem do serviço público prevista para os
funcionários da ativa.

Embora tenha, no passado, perfilhado


posição diversa hoje devo render-me ao entendimento sufragado
pelo E. Supremo Tribunal Federal no sentido de reconhecer a
constitucionalidade da pena de cassação de aposentadoria, mesmo
depois do advento das Emendas Constitucionais nos 03/93 e 20/98,
que instituíram o regime previdenciário de caráter contributivo dos
servidores públicos, verbis:

“AGRAVO REGIMENTAL. SUSPENSÃO DE


TUTELA ANTECIPADA. SERVIDOR
PÚBLICO ESTADUAL. CASSAÇÃO DE
APOSENTADORIA. CONSTITUCIONA-
LIDADE. DECISÃO AGRAVADA QUE
DEFERIU A SUSPENSÃO DE TUTELA
ANTECIPADA. AGRAVO REGIMENTAL
IMPROVIDO.
(...)
II O Plenário Supremo Tribunal Federal já
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se manifestou pela constitucionalidade da


cassação da aposentadoria, inobstante o
caráter contributivo de que se reveste o
benefício previdenciário. Precedentes: MS
21.948/RJ, Rel. Min. Néri da Silveira, MS
23.299/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence e
MS 23.219-AgR/RS, Rel. Min. Eros Grau.
III Impõe-se a suspensão das decisões
como forma de evitar o efeito multiplicador,
que se consubstancia no aforamento, nos
diversos tribunais, de processos visando ao
mesmo escopo. Precedentes.
IV Agravo regimental a que se nega
provimento” (STA nº 729 AgR/SC, Relator
Ministro Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno,
julgado em 28/05/2015).

O Pretório Excelso, por sinal, em


precedente mais recente, negou provimento a agravo regimental
contra decisão monocrática do saudoso Ministro Teori Zavascki
que, em sede de Recurso Extraordinário manejado pelo Estado de
São Paulo, reformou v. acórdão da lavra deste C. Órgão Especial
proferido no MS nº 0237774-66.2012.8.26.0000, reafirmando a
jurisprudência da Suprema Corte a propósito da constitucionalidade
da cassação de aposentadoria, a despeito do caráter contributivo
que se reveste o benefício previdenciário, verbis:

“ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL.
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO
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EXTRAORDINÁRIO. SERVIDOR PÚBLICO.


CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA.
CONSTITUCIONA-LIDADE. PRECEDENTE
DO PLENÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL A
QUE SE NEGA PROVIMENTO. INAPLICÁVEL
O ART. 85, § 11, DO CPC/2015, HAJA VISTA
TRATAR-SE DE MANDADO DE
SEGURANÇA (LEI 12.016/2009, ART. 25)”
(RE nº 848.019 AgR/SP, Relator Ministro Teori
Zavascki, julgado em 16/09/2016).

Na mesma diretriz, cumpre destacar o


entendimento perfilhado pelo E. Superior Tribunal de Justiça,
verbis:

“ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO.


PROCESSO DISCIPLINAR. CASSAÇÃO DE
APOSENTADORIA.
CONSTITUCIONALIDADE. CONTROLE
JURISDICIONAL. APLICAÇÃO DA PENA.
PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE.
DISCRICIONARIE-DADE PARA O
ADMINISTRADOR. AUSÊNCIA.
1. É firme o entendimento no âmbito do
Supremo Tribunal Federal e deste Superior
Tribunal de Justiça de que é constitucional
a pena de cassação de aposentadoria
prevista nos arts. 127, IV, e 134 da Lei n.
8.112/1990 não obstante o caráter
contributivo de que se reveste o benefício
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previdenciário. Precedentes” (AgInt no MS


nº 22.526/DF, Relator Ministro Gurgel de Faria,
julgado em 10/05/2017).

“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO.


MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL.
SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. AUDITOR
FISCAL DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL.
PROCESSO ADMINISTRATIVO
DISCIPLINAR. PENA DE CASSAÇÃO DE
APOSENTADORIA. ART. 117, IX C/C ART.
132, IV E XIII, DA LEI 8.112/1990.
CONSTITUCIONALIDADE. PRECEDENTES
DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DO
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
CONTAGEM RECÍPROCA DO TEMPO DE
SERVIÇO. INTELIGÊNCIA DO ART. 201, § 9°,
DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
SEGURANÇA DENEGADA.
1. Pretende o impetrante, ex-Auditor Fiscal
da Receita Federal do Brasil, a concessão
da segurança para anular o ato coator que
cassou a sua aposentadoria por invalidez,
em razão da prática de infração disciplinar
tipificada no art. 132, inc. IV ('improbidade
administrativa') da Lei 8.112/1990, ao
fundamento da inconstitucionalidade da
pena de cassação de aposentadoria.
2. É firme o entendimento no âmbito do
Supremo Tribunal Federal e desse Superior
Tribunal de Justiça no sentido da
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constitucionalidade da pena de cassação de


aposentadoria prevista no art. 127, IV e 134
da Lei 8.112/1990, inobstante o caráter
contributivo de que se reveste o benefício
previdenciário.
3. Precedentes: MS 23.299/DF, Rel. Min.
Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno do STF,
julgado em 06/03/2002, DJ 12/04/2002; AgR
no MS 23.219/RS, Rel. Min. Eros Grau,
Tribunal Pleno do STF, julgado em
30/06/2005, DJ 19/08/2005; (AgR na STA
729/SC, Rel. Min. Ricardo Lewandowski
(Presidente), Tribunal Pleno do STF, julgado
em 28/05/2015, DJe 22/06/2015; AgR no ARE
866.877/RJ, Rel. Min. Rosa Weber, Primeira
Turma do STF, julgado em 25/08/2015, DJe
09/09/2015; MS 20.936/DF, Rel. Ministro
Mauro Campbell Marques, Primeira Seção
do STJ, julgado em 12/08/2015, DJe
14/09/2015; MS 17.537/DF, Rel. Ministro
Arnaldo Esteves Lima, Rel. p/ Acórdão
Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira
Seção do STJ, julgado em 11/03/2015, DJe
09/06/2015; MS 13.074/DF, Rel. Ministro
Rogério Schietti Cruz, Terceira Seção do
STJ, julgado em 27/05/2015, DJe
02/06/2015” (MS nº 20.470/DF, Relator
Ministro Mauro Campbell Marques, julgado em
25/02/2016).

“ADMINISTRATIVO. MANDADO DE
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SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO.


PROCESSO ADMINISTRATIVO
DISCIPLINAR. PENA DE CASSAÇÃO DE
APOSENTADORIA. INEXISTÊNCIA DE
VÍCIOS CAPAZES DE MACULAR A
LEGALIDADE DO PROCEDIMENTO
DISCIPLINAR. SEGURANÇA DENEGADA.
(...)
9. A despeito das teses que se tem
levantado acerca da inconstitucionalidade
da aplicação da pena de cassação de
aposentadoria de servidor público em
processo administrativo disciplinar, seja em
razão do caráter contributivo dos benefícios
previdenciários, seja à luz dos princípios do
direito adquirido e do ato jurídico perfeito,
prevalece nesta Corte e no Supremo
Tribunal Federal o entendimento de que é
possível a aplicação da referida pena, desde
que haja expressa previsão legal e que o
ilícito administrativo tenha sido cometido
pelo servidor ainda na atividade.
10. Segurança denegada” (MS nº 13.074/DF,
Relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, julgado
em 27/05/2015).

Esta, aliás, é a orientação que


atualmente tem prevalecido neste C. Órgão Especial, verbis:

“Mandado de segurança. Decisão do


Governador do Estado de São Paulo que
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aplicou pena de cassação de aposentadoria


em desfavor do impetrante, ex-Delegado de
Polícia, por prática de procedimentos
irregulares de natureza grave, consistentes
em atos que se ajustam ao delito de
denunciação caluniosa. Absolvição do
impetrante na esfera criminal.
Independência entre as esferas
administrativa e penal. Ato impugnado que
se encontra devidamente fundamentado e
em provas colhidas de forma independente,
com aplicação de sanção que não se
mostrou desarrazoada, em observância aos
critérios legalmente previstos para a
cassação da aposentaria dos servidores
(LC nº 207/79). Ato impassível de
declaração de nulidade pelo fundamento
apontado. Inconstitucionalidade e
desproporção da pena de cassação de
aposentadoria, em razão do caráter
contributivo inaugurado pelas Emendas
Constitucionais nº 03/1993 e 20/1998.
Inocorrência. Precedentes deste Órgão
Especial e do Supremo Tribunal Federal.
Segurança denegada” (Mandado de
Segurança nº 2191417-52.2016.8.26.0000,
Relator Desembargador Márcio Bartoli, julgado
em 26/04/2017).
“MANDADO DE SEGURANÇA. CASSAÇÃO
DA APOSENTADORIA. PRÁTICA DE FALTA
GRAVE NO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO
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PÚBLICA E CONDENAÇÃO JUDICIAL POR


ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.
PENA PREVISTA NO ORDENAMENTO
JURÍDICO. SIMETRIA COM AS PENAS DE
DEMISSÃO OU DE DEMISSÃO A BEM DO
SERVIÇO PÚBLICO (ARTIGOS 67, INCISO
VII, E 77, INCISO I, DA LEI ORGÂNICA DA
POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DE SÃO
PAULO). INCONSTITUCIONALIDADE NÃO
VERIFICADA. PERDA DA CONDIÇÃO DE
SERVIDOR PÚBLICO QUE AFASTA O
DIREITO À APOSENTADORIA NO SERVIÇO
PÚBLICO. POSSIBILIDADE DE O
IMPETRANTE OBTER A APOSENTADORIA
PELO REGIME GERAL DA PREVIDÊNCIA,
ATENDIDOS OS REQUISITOS LEGAIS PARA
TANTO. PODER-DEVER DA
ADMINISTRAÇÃO DE AUTOTUTELA.
POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL DO
ÓRGÃO ESPECIAL E DOS TRIBUNAIS
SUPERIORES. AUSÊNCIA DE DIREITO
LÍQUIDO E CERTO À DECLARAÇÃO DE
NULIDADE DA DECISÃO ADMINISTRATIVA.
SEGURANÇA DENEGADA, REVOGANDO-
SE A LIMINAR CONCEDIDA” (Mandado de
Segurança nº 2069529-19.2016.8.26.0000,
Relator Desembargador Tristão Ribeiro,
julgado em 29/03/2017).

“MANDADO DE SEGURANÇA. Impugnação


de ato do Governador do Estado de São
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Paulo, consistente em cassação de


aposentadoria de delegado de polícia, por
falta disciplinar, em regular processo
administrativo. Alegação de
inconstitucionalidade, sob o argumento de
que, com as Emendas Constitucionais
3/1993 e 20/1998, o benefício previdenciário
passou a constituir necessária
contraprestação pelas contribuições
compulsoriamente efetuadas. Ademais, em
razão da idade e condições de saúde, risco
de penúria. Segurança denegada.
Constitucionalidade da medida aplicada,
pois as contribuições dos servidores
públicos se destinam a fundo geral, para
pagamento dos benefícios já concedidos,
não para conta individualizada, com valores
resgatáveis na passagem para a inatividade.
Pagamento de tributo. Tanto que não se
cogita de direto a qualquer restituição em
caso de demissão por falta grave.
Insuficiência do tempo de contribuição,
exigindo-se ainda a condição de funcionário
público. À semelhança do demitido,
servidor que praticou infração antes da
aposentadoria perde o vínculo com a
administração. Exercício do poder de
autotutela da Administração e princípio
constitucional da moralidade
administrativa. Subsistência possibilitada
pelo regime geral de previdência (art. 201, §
PODER JUDICIÁRIO
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9º, da CF). Precedentes do Órgão Especial,


do STJ e do STF” (Mandado de Segurança nº
2136268-71.2016.8.26.0000 Relator
Desembargador Vico Mañas, julgado em
19/10/2016).

“MANDADO DE SEGURANÇA Ato do


Senhor Governador do Estado de São Paulo
que aplicou a pena de cassação de
aposentadoria ao impetrante, Delegado de
Polícia aposentado do Quadro da Secretaria
da Segurança Pública - Admissível a
aplicação da pena de cassação de
aposentadoria de servidor público, em
processo administrativo disciplinar, quando
o ilícito tenha sido praticado pelo servidor
em atividade, não obstante o caráter
contributivo do benefício previdenciário -
Decisões recentes deste C. Órgão Especial
e dos Colendos Superior Tribunal de
Justiça e Supremo Tribunal Federal - Não
há falar em ato jurídico perfeito ou direito
líquido e certo - Constitucionalidade da
pena de cassação de aposentadoria já
declarada por esta C. Corte e pelo C.
Supremo Tribunal Federal. Mandado de
segurança denegado, cassada a liminar,
com observação” (Mandado de Segurança nº
2190754-40.2015.8.26.0000, Relator
Desembargador João Carlos Saletti, julgado
em 28/09/2016).
PODER JUDICIÁRIO
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“MANDADO DE SEGURANÇA. Delegado de


polícia aposentado. Condutas ilícitas de
natureza grave comprovadas em
procedimento administrativo disciplinar.
Pena de cassação de aposentadoria.
Desnecessidade de sobrestamento.
Processo criminal mencionado pelo
impetrante que, ademais, não tem relação
com o procedimento administrativo
disciplinar em que foi aplicada a
penalidade. Constitucionalidade da pena.
Agente que, ao praticar falta grave, deixa de
ostentar a condição de servidor público,
não fazendo jus à aposentadoria do serviço
público. Ordem denegada” (Mandado de
Segurança nº 2061427-42.2015.8.26.0000,
Relator Desembargador Antonio Carlos Villen,
julgado em 17/02/2016).

Sobre o assunto, não é ocioso destacar


a posição doutrinária de José dos Santos Carvalho Filho, verbis:

“O ato de aposentadoria do servidor pode estar contaminado


de vício de legalidade, como ocorre com qualquer ato
administrativo. Quando tal ocorrer, o caso é de invalidação do
ato, devendo o servidor retornar à atividade. A cassação da
aposentadoria, porém, tem natureza diversa. Cuida-se de
penalidade por falta gravíssima praticada pelo servidor quando
ainda em atividade. Se essa falta fosse suscetível, por exemplo,
de pena de demissão, o servidor não faria jus à aposentadoria,
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de modo que, tendo cometido a falta e obtido a aposentadoria,


deve esta ser cassada. Trata-se, por conseguinte, de
penalidade funcional, ainda que aplicada a servidor inativo.
Registre-se, por oportuno, que não há direito adquirido do ex-
servidor ao benefício da aposentadoria, se tiver dado ensejo,
enquanto em atividade, à pena de demissão. Por isso,
inteiramente cabível a cassação da aposentadoria. Na verdade,
até mesmo a aposentadoria compulsória de magistrado, que
tem natureza punitiva, está sujeita à cassação se decisão
superveniente a decretar em razão da condenação à perda do
cargo. Semelhante solução tende a evitar que a aposentadoria
(que - devemos lembrar - enseja remuneração) sirva como
escudo para escamotear infrações gravíssimas cometidas pelo
ex-servidor anteriormente, sem que se lhe aplique a necessária
e justa punição. Por tal motivo, quando o servidor passa para a
inatividade a fim de fugir à responsabilidade funcional, e
posteriormente se conclui, em regular processo disciplinar, no
sentido de que praticou falta gravíssima, a pena de cassação de
aposentadoria apresenta-se com duplo efeito: invalida o ato de
aposentadoria e traduz a aplicação de penalidade equivalente à
de demissão” (Manual de Direito Administrativo, Editora Atlas, São
Paulo, 2016, págs. 770/771 - grifos nossos).

Como se vê, inexiste ofensa a direito


adquirido ou ato jurídico perfeito na medida em que o servidor não
faria jus ao benefício se a infração disciplinar passível de demissão
tivesse chegado ao conhecimento da Administração antes de
passar para a inatividade, sendo certo que “o ato jurídico perfeito
impede que se desconstitua aposentadoria pela aplicação de lei
posterior a ela, mas não há que se invocar esse princípio, que se
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situa no âmbito do direito intertemporal, para se pretender a


inconstitucionalidade de lei que, com relação às aposentadorias
ocorridas posteriormente a esta, comine sua cassação pela prática,
na atividade - e, portanto, anteriormente à sua concessão -, de falta
punível com demissão” (MS nº 22.728/PR, Relator Ministro Moreira
Alves).

Por derradeiro, vale a pena reproduzir o


seguinte excerto da manifestação da d. Procuradoria Geral de
Justiça, verbis:

“I - PRESCRIÇÃO

Sobre o alegado transcurso do prazo prescricional, deve ser


observado, em primeiro lugar - como bem destacado ela digna
autoridade coatora em suas informações - que não transcorrera
o prazo de cinco anos e um dia entre a data da Portaria que
aditou a Portaria inaugural (22.02.2012 - fls.172) e a data da
Decisão da digna autoridade coatora (21.02.2017 - fls.251), nos
moldes do artigo 92 da Lei Estadual n. 10.177/98. Vale dizer, não
se haviam completados cinco anos quando do édito
condenatório.

Deve ser observado, ademais, que a falta cometida pelo


impetrante e pela qual teve cassada a sua aposentadoria está
prevista em lei como infração penal (artigo 75, inciso II, da Lei
Complementar n. 207/79, com as alterações introduzidas pela
Lei Complementar n. 922/2002, combinado com o artigo 299,
parágrafo único, do Código Penal). Por isso, a prescrição se dá
pela pena criminal em abstrato, à míngua de notícia de
absolvição criminal pela inexistência do fato ou pelo fato não
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configurar crime. (artigo 65, parágrafo 2º, da Lei Complementar


n. 207/79, com as alterações introduzidas pela Lei
Complementar n. 922/2002).

(...)

Nesta hipótese, de acordo com o disposto no artigo 109, inciso


III, do Código Penal, combinado com o artigo 299, parágrafo
único, do mesmo Diploma Legal (falsidade ideológica), a
prescrição se dá no prazo de doze anos. Os fatos ocorreram
entre os anos de 2004 e 2008; a Portaria inaugural do PAD data
de 22.02.2012 e a r. Decisão administrativa que cassou a
aposentadoria do impetrante data de 21 de fevereiro de 2017, de
maneira que não decorreu em qualquer hipótese tempo
superior a doze anos a ensejar o reconhecimento da
prescrição.

(...)

II - MOTIVAÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO

Neste tópico deve ser ponderado, em primeiro lugar, que o fato


do impetrante na instância criminal ter sido absolvido do crime
de falsidade ideológica e ter reconhecida a prescrição da
pretensão punitiva estatal em relação ao crime de associação
criminosa, não induz à conclusão de que deveria ser absolvido
na instância administrativa e nem tampouco à alegada 'falta de
justa causa à imputação, motivo e motivação do ato
administrativo' (fls.06).

Note-se o seguinte: a relação entre o ilícito administrativo e o


ilícito penal e o consequente sobrestamento do Processo
Administrativo Disciplinar pela autoridade administrativa,
enquanto se aguardava o deslinde do Processo Crime em
testilha, não induz ao entendimento de que a sanção
administrativa dependia absolutamente da sanção criminal.
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(...)

Ao contrário do que pretende o impetrante, a sua absolvição


criminal por insuficiência de provas à condenação não vincula
a Administração Pública, que bem sopesou o conjunto
probatório colhido no âmbito administrativo para definir a
responsabilidade administrativa do impetrante. Assim, bem
motivado e fundamentado o Ato Administrativo de cassação de
aposentadoria do impetrante, é defeso ao judiciário adentar o
seu mérito, pena de indesejável violação ao princípio de
separação de poderes inserto na Constituição da República.

(...)

Neste contexto, deve ser afastada a pretendida declaração de


vício formal na edição do ato sancionatório por falta de justa
causa ou de motivação.

III - CONSTITUCIONALIDADE DA PENA DE CASSAÇÃO DE


APOSENTADORIA

Sobre o tema da cassação da aposentadoria do servidor


público, ensina ODETE MEDAUAR:

'A cassação da aposentadoria ou disponibilidade é a


extinção da aposentadoria ou da disponibilidade,
acarretando o retorno (reversão) do servidor à atividade, para
que possa ser aplicada a pena de demissão. Tal ocorre
quando em atividade o servidor cometeu falta grave,
verificada depois do ato de aposentadoria ou
disponibilidade.'

(...)

A concessão da aposentadoria ao impetrante, deveras, não se


consubstanciou num ato jurídico perfeito. Foi-lhe concedida a
aposentadoria que se mostrou indevida a posteriori, razão da
cassação, porquanto em atividade praticou falta administrativa
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de natureza grave, sujeita à pena de demissão a bem do serviço


público.

(...)

Neste sentido o c. Supremo Tribunal Federal, mesmo diante do


regime previdenciário de natureza contributiva - regime
consolidado para os servidores públicos apenas em 15 de
dezembro de 1998, com a Emenda Constitucional n. 20 - fixou
entendimento favorável à aplicação da pena de cassação da
aposentadoria ao servidor público sujeito à pena de demissão,
diante da Constituição da República.

(...)

Neste contexto, não há direito líquido e certo do impetrante ao


restabelecimento de sua aposentadoria regularmente cassada,
como pretende nesta ação mandamental” (cf. fls. 415, 416/417,
419/422, 423, 425, 428 e 435).

Ausente, portanto, o invocado direito


líquido e certo a acompanhar o impetrante, mostra-se, a meu ver,
inviável o acolhimento do writ.

Ante o exposto, denego o presente


mandado de segurança impetrado por Carlos José Ramos da Silva,
deixando de fixar honorários advocatícios em atenção ao art. 25 da
Lei nº 12.016/2009 e aos enunciados das Súmulas nº 512 do STF e
nº 105 do STJ. Custas na forma da lei.

RENATO SARTORELLI
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Relator
Assinatura Eletrônica
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Voto nº 31.003 - Declaração


Mandado de Segurança nº 2101485-19.2017.8.26.0000
Comarca: São Paulo
Impetrante: Carlos Jose Ramos da Silva
Impetrado: Governador do Estado de São Paulo
Interessado: Fazenda do Estado de São Paulo

DECLARAÇÃO DE VOTO DIVERGENTE

DECLARAÇÃO DE VOTO DIVERGENTE

Mandado de segurança impetrado por


Delegado de Polícia contra ato do Excelentíssimo Governador
do Estado de São Paulo que lhe aplicou a penalidade de
cassação de aposentadoria, por ilícitos administrativos
praticados no exercício do cargo que ocupava.

Em que pese comungar do entendimento do


Relator quanto à inocorrência de prescrição, nos exatos
termos do venerando acórdão vencedor, reconhecendo
também os ilícitos apontados no procedimento administrativo
e a independência entre as esferas penal e administrativa, a
meu aviso, a aplicação da pena de cassação de aposentadoria
ao impetrante se afigura inconstitucional.

Este Colendo Órgão Especial decidiu, em


outras oportunidades que, com o advento das Emendas
Constitucionais nº 03/93 e 20/98, que disciplinaram o
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regime de aposentadoria na Constituição Federal/88, a


aplicação da pena de cassação da aposentadoria não
encontra mais respaldo na ordem jurídica vigente, implicando
em violação dos corolários da dignidade da pessoa humana,
do direito adquirido e da segurança jurídica.

É que, com o advento da Emenda


Constitucional nº 03, de 19934, que alterou o § 6º do artigo
40 da Constituição Federal, a aposentadoria dos servidores
públicos passou a ser custeada com recursos da União e
contribuições dos servidores. Posteriormente, a EC nº 20, de
1998, elencou as situações de concessão de aposentadoria
dos servidores públicos da União, Estados e Municípios,
mantendo o caráter retributivo das contribuições, verbis:

"Art. 40 - Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos


Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias
e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter
contributivo, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro
e atuarial e o disposto neste artigo.

Daí o entendimento de que a aposentadoria do


servidor público deixou de ser um prêmio aos anos de
trabalho dispendidos pelo servidor junto ao órgão estatal,
passando a ser um direito adquirido pelas contribuições que
efetivamente recolheu em prol da Administração Pública a
4
Art. 1.º Os dispositivos da Constituição Federal abaixo enumerados passam a vigorar com as
seguintes alterações: "Art. 40. ... § 6.º As aposentadorias e pensões dos servidores públicos
federais serão custeadas com recursos provenientes da União e das contribuições dos
servidores, na forma da lei.
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título de obrigação previdenciária.

Em julgado da Relatoria do e. Desembargador


Guerrieri Rezende, do qual participei, deixou-se assente
sobre o tema que:

“De outra banda, este colendo Órgão Especial,


assentou entendimento de que após a vigência das
Emendas Constitucionais nºs 03/93 e 20/98 a
cassação da aposentadoria, como forma de sanção
disciplinar, não é mais compatível com a nova ordem
constitucional e implicaria na violação dos princípios
da dignidade da pessoa humana, do direito adquirido e
da segurança jurídica. Exemplo disso são os
julgamentos do Mandado de Segurança nº 0388683-
91.2010.8.26.0000, do Agravo Regimental nº
2112408-12.2014.8.26.0000/50000 (ambos da
relatoria do Des. Paulo Dimas Mascaretti) e do
Mandado de Segurança nº
0005462-84.2013.8.26.0000, da relatoria do Des.
Elliot Akel, j. 05.06.2013, com a seguinte ementa:

“MANDADO DE SEGURANÇA PROCESSO


ADMINISTRATIVO PENA DE DEMISSÃO E CASSAÇÃO
DA APOSENTADORIA COMPROVAÇÃO DE QUE A
SERVIDORA FORJOU DOCUMENTOS PARA JUSTIFICAR
AUSÊNCIAS AO TRABALHO GRAVE INFRAÇÃO A
DEVER FUNCIONAL - ART. 178, XII, DA LEI Nº
8.989/79 DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO PREVISÃO DA
PENA DE DEMISSÃO ART. 188, INCISO III, DA LEI
MUNICIPAL Nº 8.989/79 DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO
IMPOSSIBILIDADE, NA VIA ELEITA, DE REAVALIAÇÃO
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DAS PROVAS COLHIDAS NO INQUÉRITO E DE


DISCUSSÃO DO MÉRITO DO ATO ADMINISTRATIVO
PELO PODER JUDICIÁRIO DESCABIMENTO, CONTUDO,
DA CASSAÇÃO DA APOSENTADORIA COMO FORMA DE
SANÇÃO DISCIPLINAR INCOMPATIBILIDADE COM A
NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL, A PARTIR DA
PROMULGAÇÃO DAS EMENDAS N. 03/93 E 20/98
SISTEMA PREVIDENCIÁRIO DO SERVIDOR QUE
PASSOU A TER CARÁTER RETRIBUTIVO -
PRECEDENTE DO ÓRGÃO ESPECIAL - SEGURANÇA
CONCEDIDA EM PARTE.”

A aposentadoria deixou de ser um prêmio concedido


pela Administração Pública ao servidor que cumpriu
com suas obrigações funcionais e passou a ser
entendida à semelhança de um contrato de seguro.
Como bem observou o eminente Desembargador Paulo
Dimas Mascaretti no Agravo Regimental nº
2112408-12.2014.8.26.0000/50000, “Inafastável, pois,
a conclusão de que com a exigência de contribuição
previdenciária visando financiar a futura
aposentadoria, o processo administrativo disciplinar que
conclui pela pena de cassação do benefício
previdenciário viola diretamente o artigo 40, caput, e §
5º do artigo 195, ambos da Constituição da República,
pois como mencionado acima, o sistema previdenciário
tornou-se retributivo, o que acarreta na concessão e
manutenção do benefício, após o implemento do tempo
exigido de contribuição”.

Não se pode deixar de anotar o caráter


alimentar dos proventos de aposentadoria, que merecem
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proteção por se referirem à subsistência do servidor e de sua


família, não se admitindo que deles seja despojado. Ora,
tendo contribuído por longos anos para a Previdência Social,
é essencial e, inclusive, consagrado pelo postulado da
dignidade da pessoa humana, que o trabalhador possa arcar
com o necessário à manutenção da vida e de sua família, v.g.,
alimentos, vestimentas, cuidados com a saúde, etc.

Também por essa razão, a pena de cassação da


aposentadoria, no meu sentir, não se justifica.

Diante do exposto, pelo meu voto, concedo a


segurança para afastar a pena de cassação da aposentadoria
aplicada ao impetrante.

XAVIER DE AQUINO

DESEMBARGADOR
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Voto nº
Mandado de Segurança nº 2101485-19.2017.8.26.0000
Comarca: São Paulo
Impetrante: Carlos Jose Ramos da Silva
Impetrado: Governador do Estado de São Paulo
Interessado: Fazenda do Estado de São Paulo
Voto nº 23.304

DECLARAÇÃO DE VOTO

Com o devido respeito ao Nobre Relator, Des. Renato


Sartorelli (v. 29.659), ouso discordar de seu entendimento quanto à
possibilidade de aplicação da penalidade de cassação de aposentadoria.

Trata-se de mandado de segurança movido por Delegado de


Polícia aposentado que postula a revisão judicial de ato do Governador do
Estado de São Paulo, que cassou sua aposentadoria como forma de sanção
por ilícitos administrativos praticados no exercício do cargo que ocupava.

Quanto aos argumentos apresentados pela impetrante e pelo


impetrado, peço vênia para remeter ao relatório do E. Relator, que detalha
de forma clara e precisa as matérias trazidas a debate.

Pois bem, tendo em vista a modificação, nos últimos meses,


do posicionamento desde C. Órgão Especial sobre a questão, considero por
bem declarar meu entendimento no sentido da inconstitucionalidade da
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cassação de aposentadoria, contrariando neste ponto o I. Relator (não há


divergência quanto aos demais fundamentos de seu voto, de natureza
infraconstitucional).

Com efeito, filio-me à linha de pensamento do preclaro


Desembargador Paulo Dimas Mascaretti, atual presidente deste E.
Tribunal, o qual capitaneou por longo período o entendimento majoritário
no OE de que a penalidade em tela viola princípios e garantias
constitucionais e previdenciárias.

Sobre a matéria, vale a pena transcrever, porque sintetiza de


forma lapidar a questão, excerto do estudo realizado por Maria José
Queiroz Lemos, publicado sob o título de “A Inconstitucionalidade da
Pena de Cassação de Aposentadoria dos Servidores Públicos à luz da
Emenda Constitucional nº 20/1998” e referido pelo Des. Paulo Dimas no
voto condutor proferido nos autos do Mandado de Segurança 2091987-
98.2014.8.26.0000 (julgado em 28.01.2015):

“Até a edição da Emenda Constitucional n.º 03/93, a


aposentadoria dos servidores públicos era totalmente financiada com
recursos advindos exclusivamente do Estado, e não previa qualquer
participação do servidor. Entretanto, não era uma imposição à
Administração. Contudo, pela regra trazida pela Emenda
Constitucional n.º 20/98, a aposentadoria dos servidores públicos
passou a ser obrigatoriamente de caráter contributivo, isto é, o
servidor passou a contribuir para o custeio da previdência.
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Dessa maneira, a aposentadoria, que era caracterizada


como um prêmio, passou a ser um seguro, um direito de caráter
retributivo face ao binômio custeio/benefício, de modo que a
aposentadoria deixou de ser tratada como uma benesse da
Administração Pública ao servidor que cumpriu com suas obrigações
funcionais e passou a ser um direito subjetivo, assegurado em razão do
desconto da obrigação previdenciária.

Assim, se ausente qualquer irregularidade no ato de


concessão, não estando, portanto, os atos administrativos imaculados
de vícios, caberia a cassação da aposentadoria?

O marco teórico reside na nova natureza do benefício


previdenciário de aposentadoria dos servidores públicos, pois, com a
instituição da contribuição previdenciária por parte do servidor e do
ente púbico, tem-se que a exação tornou-se uma garantia da
contraprestação do custeio. A partir do desconto da contribuição
impõe-se o direito à aquisição do benefício de aposentadoria, em
conjunto com o implemento do tempo e idade exigidos pelas normas de
concessão.

Cumpridos os requisitos para a aposentadoria, editados os


atos de concessão à luz da legislação e presente o registo do benefício, o
ato de concessão encontra-se em perfeita harmonia com a Constituição
da República e com a legislação previdenciária, o que implica nas
garantias para a manutenção do benefício, o que torna a pena de
cassação da aposentadoria um ato que viola direitos fundamentais do
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servidor, como por exemplo o direito adquirido, o ato jurídico perfeito


e a coisa julgada e, ainda, a segurança jurídica.

(...) Tratando-se, portanto, de servidor inativado ou ativo


que já implementou o direito à aposentadoria, seja civil ou militar, a
partir do momento que o benefício deixou de ser prêmio e passou a ser
um direito subjetivo constitucional, a essência da prestação
previdenciária experimentou significativa transformação, deflagrando-
se efeitos antes não considerados, que justificam e asseguram a
manutenção do servidor no Regime Próprio de Previdência, o que
torna a decisão que conclui pela pena de cassação da aposentadoria
inconstitucional.”.

Percebe-se, portanto, que a aplicação da penalidade de


cassação da aposentadoria não mais se compatibiliza com a Constituição
Federal desde a entrada em vigor das ECs 03/1993, 20/1998 e 41/03, as
quais deram nova natureza ao sistema previdenciário dos servidores
públicos, passando este a ter caráter contributivo/retributivo.

Em outras palavras, enquanto a aposentadoria do servidor


público era paga independente das contribuições deste, como ocorria antes
das Emendas supra indicadas, havia compatibilidade entra a sanção e a CF,
dada a natureza de “prêmio” do benefício.

Contudo, quando ele (o benefício) se tornou uma


contraprestação pelas contribuições pagas pelo servidor, a cassação tornou-
se inconstitucional, levando, sua aplicação, à violação dos direitos
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constitucionais à previdência e à seguridade social e ao enriquecimento


ilícito do Estado.

Demais disso, bem argumentou Maria Sylvia Zanella Di


Pietro, no artigo “Cassação de aposentadoria é incompatível com regime
previdenciário dos servidores”, publicado no CONJUR em 16.04.2015:

“A relação entre benefício e contribuição decorre de vários


dispositivos da Constituição, mas consta expressamente do artigo 40,
parágrafo 3º. O que ocorre é que a legislação estatutária não se
adaptou inteiramente ao novo regime de aposentadoria e continua a
prever a pena de cassação de aposentadoria, sem levar em
consideração que ela se tornou incompatível com o regime
previdenciário. Além disso, há uma resistência grande dos entes
públicos em abrir mão desse tipo de penalidade, seja por não terem
tomado consciência das consequências de alteração do regime do
servidor, seja por revelarem inconformismo com a incompatibilidade
da referida penalidade com o regime previdenciário contributivo
agora imposto a todos os servidores.

Mas o fato é que a pena de cassação de aposentadoria


deixou de existir para cada ente federativo a partir do momento em
que, por meio de lei própria, instituíram o regime previdenciário para
seus servidores. Isto não impede que o servidor responda na esfera
criminal e no âmbito da lei de improbidade administrativa e que
responda pela reparação civil dos prejuízos eventualmente causados
ao erário. A cassação de disponibilidade continua a existir, porque a
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disponibilidade continua a ser uma decorrência da estabilidade do


servidor, independentemente de qualquer contribuição
previdenciária.”.

Neste ponto, é interessante notar que a União e alguns entes


federativos, como o Estado de São Paulo, ao aproximar o Regime Próprio
do Regime Geral de Previdência (tendência normativa adotada pelo
constituinte reformador), instituíram a possibilidade de o servidor
contribuir também para entidade de previdência complementar no caso
de São Paulo, a SP-PREVCOM, criada pela Lei 14.653, de 22 de dezembro
de 2011.

A União, por sua vez, com a aprovação da Lei 12.618, de 30


de abril de 2012, instituiu o Regime de Previdência Complementar para os
servidores públicos federais, que se trata de regime privado, complementar,
de cunho previdenciário, consubstanciado em adicional que resulta num
benefício programado para garantir renda futura melhor (e superior ao teto
dos Sistemas), quase que na forma de poupança de longo prazo, visando
garantir um melhor padrão de vida na aposentadoria.

Ora, ante o sistema híbrido que tem sido erigido no


ordenamento brasileiro (parte obrigatório, parte facultativo), não
remanesce dúvida quanto à natureza contributiva da aposentadoria, isto é,
quanto à ilicitude de cassar o benefício, como forma de sanção, depois de
terem sido regularmente pagas as contribuições previdenciárias para
entidade autônoma, apenas incumbida da administração das respectivas
reservas matemáticas dos participantes.
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Sem prejuízo do acima exposto, deve-se ter em mente o


caráter alimentar do benefício e o evidente estado de indigência no qual o
servidor seria lançado com a cessação de sua aposentadoria no momento
da vida em que menos chance teria de se reinserir no mercado de trabalho
observe-se que, atualmente, a aposentadoria compulsória ocorre aos 75
anos e se discute, a latere, a reforma da previdência para estabelecimento
de idade mínima para aposentação.

Retirar a fonte de renda de uma pessoa (geralmente) idosa,


privando-a de recursos indispensáveis à sobrevivência, afronta claramente
a segurança jurídica e a dignidade da pessoa humana.

Como já afirmou Marcelo Figueiredo, em parecer jurídico


intitulado “Inconstitucionalidade da 'cassação' de aposentadoria no
Brasil: considerações gerais e modulação sobre o tema em face da
realidade nacional” (elaborado na condição de Conselheiro da OAB
Nacional):

“Entendo (...) que a cassação da aposentadoria é medida


que não encontra amparo na Constituição da República, sobretudo
após as Emendas Constitucionais referidas. E, ainda, que sua
concretização revela um ataque frontal ao que consideramos o “núcleo
essencial” ou mínimo existencial sem o qual o ser humano não logra
existir ou sobreviver com dignidade. Atacar ou atingir a aposentadoria
do servidor público (ou privado), cassando-a, é, a meu juízo, agir sem
autorização constitucional expressa ou implícita, ou ainda mais,
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friccionando o grau de proteção social elevado do contexto


constitucional e protegido pelos valores sociais do trabalho e da
assistência social contemplados larga e confortavelmente na
Constituição Federal de 1988.”.

Ressalto que a vedação à cassação do benefício previdenciário


do servidor que comete ato ilícito grave não pode ser confundida com
complacência ou impunidade, visto que ele ainda estará sujeito a outras
sanções penais, administrativas e de ordem civil, inclusive com
obrigatoriedade de reparar benefícios materiais causados ao erário. Ela
apenas visa conciliar tais sanções com o atual texto constitucional.

Por fim, entendo ser importante consignar que, como já


anotaram o Des. Paulo Dimas e a Professora Maria Sylvia Di Pietro, o
entendimento atual do C. STF sobre a questão se lastreia em precedentes
anteriores às ECs 03, 20 e 41, não tendo sido enfrentada pela Corte
Suprema a questão da atual natureza contributiva da aposentadoria do
servidor público, dada pelas Emendas em tela.

De outro lado, é sabido que tramitam atualmente no STF a


ADPF 418 e a ADI 4.882, ambas cuidando exatamente da matéria ora
trazida a debate, o que me convence ser prudente manter a aplicação do
posicionamento anterior deste Órgão Especial, no sentido da
impossibilidade constitucional de cassar uma aposentadoria como sanção,
até que o Tribunal Constitucional enfrente o mérito dessa questão.

Quando menos, por ser o posicionamento que menos dano


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causará aos direitos e garantias fundamentais, como explicitado acima.

Ante o exposto, pelo meu voto, CONCEDO A


SEGURANÇA pleiteada, em razão da inconstitucionalidade da
cassação de aposentadoria.

JOÃO NEGRINI FILHO


Desembargador
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Este documento é cópia do original que recebeu as seguintes assinaturas digitais:

Pg. inicial Pg. final Categoria Nome do assinante Confirmação


1 38 Acórdãos RENATO SANDRESCHI SARTORELLI 1E58EFB
Eletrônicos
39 45 Declarações de JOSE CARLOS GONCALVES XAVIER DE 6EDF9D1
Votos AQUINO
46 53 Declarações de JOAO NEGRINI FILHO 6E36901
Votos

Para conferir o original acesse o site:


https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informando o processo
2101485-19.2017.8.26.0000 e o código de confirmação da tabela acima.

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