Você está na página 1de 4

7.

ª aula

subministrado os meios abortivos (§ 4.º).

Essa incriminação manteve-se depois da revisão do Código, em vigor a partir de 1886,


passando a pena prevista no corpo do artigo a ser a de prisão maior de 2 a 8 anos (artigo
358.º), pena essa que também era aplicada caso o aborto fosse realizado com o
consentimento da mulher pejada ou realizado por ela própria (§§ 1.º e 2.º).

Manteve-se a atenuação quando a mulher tivesse atuado para ocultar a desonra (§3.º), caso
em que a pena era a de prisão (correcional, de 3 dias a 2 anos – § 1.º do artigo 56.º) e a
agravação segundo as regras gerais (dentro dos seus limites legais – n.º 2 do artigo 91.º) para a
conduta do médico, do cirurgião e do farmacêutico que, abusando da sua profissão, tivessem
voluntariamente concorrido para a execução do crime, indicando ou subministrando os meios.

No Código de 1852/86 não se previa qualquer causa especial de justificação, de exclusão da


culpa ou de não punibilidade da conduta.

O certo é que o aparente rigor e severidade da lei não tinha qualquer correspondência na vida
quotidiana uma vez que a punição do crime de aborto era rara, por volta de uma dezena de
condenações por ano, grassando o aborto clandestino, que atingia as dezenas de milhar,
variando, segundo os autores, entre 30 e 100 000 por ano.

Médicos, enfermeiros e simples curiosos, com mais ou menos formação e condições higiénicas
e logísticas, praticavam abortos sob o olhar cúmplice das autoridades, o que tinha, de certo
modo, o beneplácito de amplos setores da sociedade.

O projeto de Parte Especial do Código Penal (1966) do Professor Eduardo Correia, mantendo
a punição do aborto – aborto não consentido, aborto consentido, aborto agravado e aborto
privilegiado (artigos 148.º a 151.º) – previu a não punibilidade do aborto terapêutico em
sentido estrito – aquele que constitui o único meio de remover um perigo de morte ou de uma
grave e irreversível lesão da saúde ou da integridade física da mulher grávida (artigo 152.º) –
realizado por médico e com consentimento da mulher grávida, causa de não punibilidade que,
verificados os pressupostos estabelecidos no preceito, também se aplicava à morte de uma
criança que estava a nascer (artigo 152.º, n.º 5).

A proposta de lei apresentada à Assembleia da República, em 11 de julho de 1979, pelo IV


Governo Constitucional, em que Eduardo Correia desempenhava as funções de Ministro da
Justiça, que não chegou a ser apreciada por ter caducado com a cessação de funções do
Governo, previa uma atenuação da pena para o aborto realizado nos primeiros 3 meses da
gravidez (artigo 143.º, n.º 3), que era punível com prisão até 1 ano ou multa até 100 dias, e a
interrupção da gravidez por indicação médica (artigo 145.º) em termos mais amplos do que os
previstos no projeto de 1966.

Não obstante, o Código Penal de 1982, quando foi publicado e entrou em vigor, em 1 de
janeiro de 1983, tal como a Proposta de Lei n.º 100/II, que esteve na sua origem, não

1
continham normas equivalentes, nem qualquer outra que limitasse, por qualquer forma, a
punibilidade do crime de aborto.

No artigo 139.º estabelecia a punição do aborto cometido sem o consentimento da mulher


grávida, punindo-o com uma pena de prisão de 2 a 8 anos, no n.º 1 do artigo 140.º punia o
aborto realizado com consentimento da mulher grávida com pena de prisão até 3 anos, pena
que era aplicável à própria mulher que tivesse prestado o consentimento ou que se fizesse
abortar (n.º 2 do mesmo preceito).

Continuava a prever a atenuação da pena, agora para prisão até 2 anos, se o objetivo fosse a
ocultação da desonra da mulher, não restringindo a sua aplicação à própria mulher grávida (n.º
3).

Previa-se a agravação pelo resultado morte ou lesão grave do corpo ou da saúde da mulher,
elevando o máximo da pena em 1/3, e a qualificação do crime se o agente se dedicasse
habitualmente à prática do aborto ou o realizasse com intenção lucrativa (artigo 141.º).

A ausência de qualquer norma que previsse a não punibilidade da conduta em determinadas


situações específicas suscitou, na altura, ampla discussão pública, conduzindo a que, logo em
1984, viesse a ser publicada Lei n.º 6/84, de 11 de maio, que, sem alterar substancialmente as
incriminações estabelecidas, veio a prever, no novo artigo 141.º, quatro causas de exclusão da
ilicitude do aborto.

Tal acontecia quando existisse indicação terapêutica em sentido restrito – o aborto é o único
meio de remover perigo de morte ou de grave e irreversível lesão da mulher [n.º 1, alínea a)] –
e lato – o aborto mostra-se indicado para evitar perigo de morte ou de grave e duradoura
lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher [alínea b)] –, quando existisse
indicação embriopática ou fetopática, mais conhecida como indicação eugénica – quando o
nascituro venha a sofrer, de forma incurável, de grave doença ou malformação [alínea c)] –, e
indicação criminal ou ética – quando a gravidez tenha resultado de violação da mulher [alínea
d)].

Salvo quanto à indicação terapêutica em sentido estrito, a interrupção da gravidez devia ser
realizada até ao termo de um determinado prazo – 12 meses no caso de indicação terapêutica
lata e indicação ética e 16 meses no caso de indicação fetopática.

A interrupção da gravidez tinha que ser realizada por médico ou sob a sua direção em
estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente reconhecido, a verificação das três primeiras
circunstâncias tinha que ser certificada em atestado médico subscrito por um clínico diferente,
exigindo-se a existência de queixa criminal para comprovação da indicação ética.

Regulava-se também os termos do consentimento e impunha-se que entre a sua subscrição e a


realização do aborto mediasse um prazo mínimo de 3 dias.

Para quem era favorável à consagração de causas de justificação específicas para o crime de
aborto, duas questões relevantes ficavam ainda em aberto.

Uma tinha a ver com a excessiva limitação dos prazos estabelecidos para a realização, em
certos casos, do aborto, sobretudo no que respeita à indicação fetopática, em que o prazo de
16 meses é muitas vezes insuficiente para um diagnóstico seguro da malformação.

2
Outra tinha a ver com a insuficiência do âmbito da justificação, que continuava a não evitar o
flagelo do aborto clandestino. Para uns, devia ser prevista uma causa de justificação por
indicação social ou económico-social e, para outros, devia ser prevista a não punibilidade da
interrupção voluntária da gravidez por decisão da mulher grávida, respeitado que fosse um
determinado prazo, em geral de 12 semanas.

A Comissão Revisora do Código Penal de 1991, de cujo trabalho resultou a publicação do


Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de março, optou por manter o modelo das indicações
praticamente intocado, uma vez que entendeu que, com a ampla discussão de 1984, se tinha
chegado a um ponto de equilíbrio, propondo apenas quatro ligeiras alterações.

Propôs, em primeiro lugar, suprimir a atenuação da pena quando o aborto visasse «evitar a
reprovação social da mulher», fórmula que, em 1984, tinha substituído a ocultação da
desonra, a que se referiam os Códigos, desde 1852.

Se, como dizia o Professor Figueiredo Dias a propósito da supressão da expressão «ocultar a
desonra», ainda constante, até 1995, do tipo de infanticídio, «ter um filho não pode ser nunca
uma desonra para ninguém», o mesmo se deverá dizer do «evitar a reprovação social», que
tem um sentido próximo.

Por isso, nenhuma objeção merece essa supressão. Acontece, porém, que o preceito incluía
uma outra situação que fundamentava a especial moldura penal que previa: a da existência de
«um motivo que diminua sensivelmente a culpa do agente». E quanto a essa, não se vê razão
para a sua supressão, que acabou também por desaparecer sem motivo aparentemente
justificado. A redução da pena proveniente da aplicação das regras gerais da atenuação
especial conduz à aplicação de uma pena significativamente superior.

Em segundo lugar, alterou a epígrafe do artigo, deixando de qualificar como causas de


exclusão da ilicitude as situações descritas no artigo 140.º, em que constavam as indicações
que legitimavam o recurso à interrupção da gravidez, passando a designá-las como casos de
interrupção da gravidez não punível, isto depois de, numa primeira proposta, se ter pretendido
que a epígrafe tivesse um carácter ainda mais neutro – «interrupção da gravidez por
indicações».

Em terceiro lugar, substituiu, na indicação criminal, a menção à gravidez ter resultado de


violação e a exigência de participação criminal, pela locução «tenha resultado de crime contra
a liberdade e autodeterminação sexual».

Por fim, em quarto lugar, propôs o alargamento do prazo para a interrupção da gravidez por
indicação embriopática e fetopática de 16 para 22 meses, proposta que, embora fundada
cientificamente, não veio a ser aceite.

A redação dada aos preceitos que integram este Capítulo II veio a ser alterada dois anos mais
tarde através da Lei n.º 90/97, de 30 de julho, que se limitou a alongar o prazo da interrupção
voluntária da gravidez por indicação embriopática e fetopática, que passou de 16 para 24
meses, acrescentando-se que ela podia ser realizada em qualquer momento no caso de se
tratar de um feto inviável, e o prazo da interrupção por indicação criminal ou ética, que passou
de 12 para 16 semanas.

3
No ano seguinte, e depois da aprovação na generalidade de um projeto de lei que combinava o
regime das indicações com o sistema de prazos, com obrigatoriedade de aconselhamento
antes da decisão final da grávida, foi decidido realizar, em 28 de junho de 1998, um referendo
de que resultou, embora sem carácter vinculativo, a não aprovação da alteração que se
propunha, tendo a Assembleia da República abandonado aquele projeto.

Em 2007, quase 10 anos mais tarde, foi realizado novo referendo que, também sem carácter
vinculativo, porque o número de votantes também então não foi superior a metade dos
eleitores inscritos, manifestou concordar com a despenalização da interrupção voluntária da
gravidez realizada, por opção da mulher, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado,
nas primeiras 10 semanas.

Na sequência deste novo referendo, veio a ser aprovada a Lei n.º 16/2007, de 17 de abril, que
estabeleceu o regime atualmente vigente entre nós.

Você também pode gostar