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Privilégio geográfico
Marcelo Ádams não tem dúvidas ao afirmar que foi esse
privilégio geográfico do RS que de alguma forma incentivou
não apenas a construção de teatros como o Sete de Abril, de
Pelotas, de 1833, o Sete de Setembro, de Rio Grande, de
1832, e o São Pedro, de Porto Alegre, de 1858, mas de várias
outras casas de espetáculos, em várias cidades gaúchas. Para
ele, ao lado dessa feliz constatação, também se coloca outra,
bem mais triste. “Muitos desses teatros do século 19 foram
demolidos, propositalmente, ou incendiados, acidentalmente.
Como caso exemplar, cito o Teatro Sete de Setembro, de Rio
Grande, que foi demolido em 1949”.
Se muitos dos nossos imponentes teatros já não existem
mais, fruto do descaso das autoridades, Marcelo lembra que
essa desvalorização do nosso patrimônio cultural não se
restringe aos séculos passados. “Em pleno século 21,
testemunhamos não apenas a destruição a marretadas de
nossos teatros, mas principalmente a morte à míngua de
nossos espaços culturais, por falta de investimentos públicos
para manutenção e, coisa grave, a não criação de novos
espaços, que acompanhem o ritmo de crescimento e a
diversidade de nossa população”.
Produção intensa
Para o pesquisador, relembrarmos a ligação do Rio
Grande do Sul com as artes cênicas comprova a intensa e
relevante produção teatral aqui realizada, “considerada pelos
especialistas como uma das mais importantes do Brasil, pela
qualidade artística e pela pesquisa de linguagem”.
Pulando algumas décadas, Ádams também falou sobre o teatro
gaúcho em um momento marcante na história brasileira: o
golpe civil-militar de 1964. Segundo ele, desde os anos 1950 a
organização de grupos de teatro no Estado havia se
intensificado, e tudo indicava que um movimento de
apropriação de temas e linguagens brasileiras passava a
preocupar nossos artistas da cena.
Teatro de Equipe, Pelotas e Arena
“A fundação do Teatro de Equipe de Porto Alegre, em
1958, mesmo ano do início do curso de Arte Dramática da
Ufrgs, ligado à Faculdade de Filosofia, demonstrava que se
andava a passos largos na renovação estética e temática de
nossas artes cênicas”, conta Ádams.
Outro aspecto deste triste capítulo de nossa história
salientado pelo professor e pesquisador, é que a partir do golpe
militar, o incremento na produção teatral do RS de alguma
forma refletiu o sentimento generalizado de insegurança, com o
surgimento de vários grupos e artistas de teatro que, mesmo
não abordando criticamente, em todas as ocasiões, o regime
de exceção então vigente, consolidou esses coletivos em torno
de uma necessidade de expressão. Ádams lembra ainda que
esse momento da história brasileira, dos anos 1960 e 1970, foi
paralelo à explosão da contracultura e dos movimentos
libertários ao redor do mundo.
“Temos em Pelotas, a partir dos anos 1960, o trabalho de
Valter Sobreiro Júnior; e em Porto Alegre, o Teatro de Arena,
criado em 1967, comandado por Jairo de Andrade, cujo espaço
localizado na Avenida Borges de Medeiros é, atualmente,
administrado pelo Estado. Em 1970, surgiu o grupo de teatro
Província de Porto Alegre com suas inovações estéticas e
experimentações cênicas; em 1978, foi criado o coletivo porto-
alegrense Ói Nóis Aqui Traveiz, que continua até hoje lutando
por um espaço físico próprio que abrigue sua arte e sua forte
ligação com a comunidade; e a Cia Teatro Novo, de Ronald
Radde, as produções de Ana Maria Taborda, etc.”
Ciente da incompletude de sua fala, Marcelo Ádams citou uma
lista de dezenas de grupos teatrais do interior do Estado e da
capital, antigos e atuais, mas fez questão de ressaltar que os
nomes são muitos, impossíveis de serem mencionados em tão
curto espaço de tempo, e que alguns deles já pararam de fazer
teatro, deixando em seu lugar novas gerações de artistas, que
foram formados justamente com a audiência a esses
espetáculos. Para ele, esse é um dos pontos importantes de
serem mencionados.
Novas gerações
“As novas gerações de artistas teatrais, ainda que
subvertam as estéticas dos que lhes antecederam, são
resultado da insistência em fazer teatro em locais que, muitas
vezes, não favorecem em nada seu florescimento, em virtude
das condições técnicas e do parco ou inexistente incentivo
público. Mas, paradoxalmente, nunca se viu tanto fazer teatral,
em nosso Estado, como hoje”, reflete. E acrescenta: “Juntar-se
em grupos foi e é a solução que os teatreiros encontraram para
agregarem força e conseguirem levantar suas produções, e
fazê-las chegar ao máximo de pessoas, nas mais diferentes
regiões do Estado. Fazer teatro em localidades fora da capital
é, sempre, um movimento de resistência e, por que não dizer,
revolucionário”.
Ao finalizar sua manifestação, Marcelo Ádams disse que
celebrar o Dia mundial do Teatro é um gesto simbólico que
merece nossa adesão, mas que ao mesmo tempo, “pensar em
um Dia Mundial não pode fazer com que essa abstração
gigantesca chamada mundo nos faça esquecer que, para além
do mundo lá fora, existe o Teatro aqui dentro, perto de nós, nas
pequenas cidades, nos bairros afastados”. Nas suas palavras:
“É esse teatro não mundial, mas local, que devemos celebrar
em primeiro lugar. É esse Teatro daqui, feito por nossos
artistas, que necessita, urgentemente, de um olhar próximo e
acolhedor, e que enxergue a importância fundamental da
presença da Arte em nossas vidas” reflete.