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ESPAÇO DO ATOR

CURSO DE FORMAÇÃO DE ATORES – 2° SEMESTRE/2022

COMPONENTE CURRÍCULAR: História do Teatro Brasileiro e Gaúcho

PROFESSOR: Diego Ferreira ANO LETIVO: 2° semestre/2022

CARGA HORÁRIA: 30h HORÁRIO: Segundas – feiras das 18h45min ás 21h45min

Pequena história do teatro gaúcho


A importância da história do Teatro Gaúcho está no fato de
que seus produtores,atores e textos assumiram uma posição que
extrapolou as fronteiras do Rio Grande do Sul ao longo do século
XX. Por esta razão era de se pensar que sua historia fosse uma
grande evolução, quando na verdade não é uma seqüência fortuita
de mudanças, estilos ou nomes, mas processos estruturados que
acompanham a história da sociedade gaúcha no Brasil. As grandes
mudanças tecnológicas, comportamentais e culturais do século XX
afetaram profundamente o Teatro Gaúcho, colocando questões
fundamentais para a área teatral na virada do século XXI. Este
teatro, que conheceu nos anos 70 e 80 do século XX o processo de
profissionalização, é um campo repleto de debates que envolvem
discussões estéticas, políticas e formas de sociabilidade de grupos
teatrais, ainda pouco conhecido das novas gerações. Uma
exposição, a ser inaugurada no próximo dia 16 de agosto na
Câmara Municipal, mostra que o longo caminho em direção a
profissionalização foi lento e nele, o teatro gaúcho oscilou sempre
entre as mesmas questões: a relação do teatro amador com
profissional, a problemática da distinção entre teatro de alto nível
e teatro para as massas, a busca pelo apoio privado e a demanda
por políticas públicas, chegando-se hoje, às vésperas de mais uma
edição do projeto Porto Alegre em Cena, a grande questão: o
Festival, mais do que uma política pública, não teria se
transformado no espelho no qual o teatro gaúcho se olha, mas que,
paradoxalmente, não quer se enxergar?
Para entender esse paradoxo e preciso voltar à história. O
teatro foi introduzido no Brasil no período colonial como
instrumento para catequese. Com o desenvolvimento da atividade
econômica o teatro passou a fazer parte das atividades cívicas e
religiosas. O amadorismo predominou no inicio do teatro brasileiro
e gaúcho: as encenações eram interpretadas por todos: padres,
freiras, índios, escravos alforiados, portugueses e jovens
brasileiros. Em 17 de junho de 1771 entra em vigor Alvará Régio
que tem o objetivo de incentivar a construção de “teatros públicos
bem regulados, pois deles resulta a todas as nações grande
esplendor e utilidade”. Em Porto Alegre, as primeiras casas de
espetáculos surgiram ao longo do século XVIII, em modestos
padieiros do Largo da Quitanda e do Largo da Forca. Já nesta
época, os poderes públicos, através da Câmara Municipal,
participam da vida teatral, acompanhando a construção da “Casa
da Comédia”, construída em 1794 as “festas reais”.
A vinda da família real ao Brasil, em 1808, impulsionou a
construção de teatros no Brasil. Em Porto Alegre, é construída a
“Casa da Ópera” na Rua Uruguai, também chamado Beco da
Ópera. Na cidade surge ainda o Teatro Dom Pedro II, na Rua Mal
Floriano, chamado de “teatrinho”, que funcionou até a
inauguração do Teatro São Pedro, em 1858, o primeiro grande
teatro de Porto Alegre. Nos subúrbios, pequenos teatros tentam
organizar-se, como o Teatro Variedades, na Voluntários da Pátria,
em 1879, o Teatro Partenon, da Sociedade Dramática Melpômene
em 1889, o Teatro Felix da Cunha, na Praça Menino Deus, entre
outros. Datam desta época as principais questões do campo teatral
até hoje: dividido entre adotar uma estética nacional ou européia,
entre a valorização do teatro amador ou do teatro profissional,
entre a produção de um teatro para elites ou teatro para as
massas, o teatro gaúcho inicia o século XX com angústias e
inquietações.
Em 1919, surgem as primeiras iniciativas com apoio da
municipalidade para impulsionar o campo teatral. É o nascimento
do projeto de construção de um teatro municipal, defendido pela
classe teatral, mas que só se concretiza meio século mais tarde,
quando é instalado o Teatro de Câmara, na Rua da República, o
Teatro Renascença e a Sala Álvaro Moreira, a partir dos anos 70.
Enquanto o inicio do século XX vê a emergência das vanguardas
artísticas, com o teatro do alemão Bertolt Brecht, Frederico Garcia
Lorca e Vladimir Maiakovski, onde expressionistas, surrealistas e
simbolistas revolucionam a encenação no mundo, no Brasil impera
o teatro de revista voltado para as massas. A nova dramaturgia
ainda levaria anos para inspirar o teatro brasileiro e gaúcho. O
período do entre guerras foi de grande importância para o teatro
brasileiro, já que a guerra colocava riscos para as companhias
européias chegarem ao Brasil e impulsionava o trabalho dos grupos
locais.
Um dos primeiros grupos de teatro amador do Rio Grande do
Sul foi o Teatro do Estudante. Criado em 1941 inspirados no Teatro
do Estudante do Brasil era patrocinado pela união Estadual dos
Estudantes. Foi o berço de atores como José Lewgoy e Walmor
Chagas que, junto com outros grupos, fundou em 1948 a Federação
Rio-Grandense de Amadores Teatrais (FRAT). Para Walmor Chagas,
o que diferenciava o Teatro do Estudante dos demais grupos era a
vertente mais “intelectualizada”, universitária, com um
“repertório universal”, diferente do teatro mais popular feito por
Procópio Ferreira, Renato Viana e Dulcina no Rio de Janeiro. O
Teatro do Estudante viajou em 1954 para o interior do Rio Grande
do Sul e no ano seguinte o grupo dividiu-se em três novos grupos
amadores: a Comédia da Provinicia, o Teatro Universitário da
União Estadual dos Estudantes (liderado por Antonio Abujamra) e o
Clube de Teatro da Federação de Estudantes Universitários do Rio
Grande do Sul, liderados por Cláudio Heemann. Enquanto que o
Clube de Teatro não tinha diretor artístico nem base financeira, e
vivia discutindo, lendo e ensaiando peças, o Teatro Universitário
contava com um estatuto próprio e era definido como teatro
amador. Nesse momento, segundo Silvia Ferreira, diretora do
Grupo Comédia da Província, ampliam-se os espaços dedicados ao
teatro na imprensa e as verbas governamentais começam a chegar
às representações teatrais.
O debate entre teatro amador e profissional foi constante
durante a década de 50. As primeiras tentativas de
profissionalização ocorrem com a Sociedade de Teatro Studio, que
possuía uma equipe com funções bem definidas. Paradoxalmente o
teatro gaúcho ainda era visto, pelos artistas do centro do país,
como um teatro predominantemente amador. A idéia de
profissionalização avança mais em 1958, com a criação do Curso de
Arte Dramática na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que
atendia a necessidade de sistematização do ensino teórico e a
necessidade de um mergulho na prática da interpretação, base
para um teatro profissional em Porto Alegre. Foi convidado para
dirigir o curso o diretor italiano Ruggero Jacobi. O curso iniciou
com dois cursos, o de Arte Dramática, para formar atores, com
teste vocacional prévio, e o Curso de Cultura Teatral, para
interessados. Uma demanda para as políticas públicas foi a
necessidade de criação de um teatro municipal para as atividades
cênicas.
Um dos primeiros grupos de teatro a surgir com a bandeira da luta
pelo profissionalismo foi o Teatro de Equipe, fundado por Mario de
Almeida, Paulo José, Paulo Cezar Pereio e Milton Matto. Depois,
Rugerro Jacobi, ao criar o Teatro do Sul, também pensava em
termos de profissionalização, defendendo a idéia de patrocínio por
empresas e a necessidade dos poderes públicos financiarem a
atividade teatral como fator de cultura para as massas. Era o
movimento de renovação do teatro brasileiro chegando ao Rio
Grande do Sul. Em 1960 o Teatro de Equipe inaugura seu teatro e
caminha em direção a profissionalização, com espetáculos no
interior com grande público. Entretanto, isto não é suficiente para
manter os artistas e muitos vão para o centro do país, como
Antonio Abujamra e José Lewgoy. Os anos 60 foram de crise do
teatro, envolvido com problemas como a falta de público, recursos
e com a interrupção de iniciativas, como a do Teatro de Equipe,
que pára de funcionar em 1962, o que levou a classe teatral a
reinvidicar maior participação do poder público. O Estado atuava,
mas não do modo desejado: era o problema da censura, que levou
ao desaparecimento do teatro secundarista, resistindo apenas na
Universidade e em alguns cursos livres de teatro. Em 1967, é
criado o Grupo de Teatro de Arena em Porto Alegre, por alunos do
CADE e do grupo de Teatro Independente, funcionando entre 64 e
65.
A partir de 1972, o Departamento de Artes Dramáticas da
UFRGS (DAD), o teatro de Arena e o grupo Província, com Luis
Paulo Vasconcellos e outros concentram as iniciativas teatrais. No
final de 1978, Geisel havia regulamenta a profissão de artista, que
passou a possuir um sindicato e um registro de trabalho e que
permitiram a grupos de atores usarem a pessoa jurídica do próprio
sindicato para trabalhar, para superar a burocracia. Nesse período
o Estado atuou frente ao teatro de duas formas: como apoiador e
como censurador. Durante o regime militar, a censura foi comum.
Para as produções culturais era necessário fazer uma apresentação
para a censura antes da estréia, sendo geralmente o último ensaio.
Havia o recurso, é claro, de anunciar-se não como um espetáculo,
mas como leitura dramática, o qual não exigia censura prévia.
Como não era permitido cobrar ingressos, daí nasceu o hábito de
passar o chapéu ao final de cada espetáculo.
Mas este também foi o período do Plano de Interiorização e
Ação Cultural do Departamento de Assuntos Culturais da Secretaria
de Educação e Cultura do Estado do Rio Grande do Sul, que
patrocinava espetáculos e os levava para o interior do estado em
grandes turnês. Foco de polêmicas, porque somente apóia
espetáculos infantis, visando criar hábitos nas comunidades do
interior e beneficiar alunos de escolas públicas. Teve o mérito de
criar, por outro lado, um mercado de trabalho para artistas locais,
criando condições de sobrevivência para muitos artistas. Em 1976
foram promovidos 540 espetáculos. Mas também era o período da
censura. Por conta dessa política foram publicados manifestos
contra a ação do Estado, como, por exemplo, quando da proibição
da peça O Aprendiz de Feiticeiro, de Maria Clara Machado, uma
peça infantil e quando o Teatro de Arena foi fechado por conta da
leitura dramática da peça “Rasga Coração”, texto proibido de
Oduvaldo Vianna Filho, anos depois. O reforço do apoio público
vem a partir de 1975, quando o Serviço Nacional de Teatro
começou a financiar grupos que atendessem determinados
requisitos em suas montagens, além de subvencionar companhias
profissionais que quisessem viajar para outro centro. Isto levou ao
governo estadual a patrocinar um projeto de interiorização do
teatro, mais voltado para peças infantis. Era a idéia de formação
de público consumidor de teatro a ocultar as iniciativas mais
críticas do meio. No inicio dos anos 80, Porto Alegre possuía dois
núcleos teatrais fortes, o Teatro de Arena e o Grupo Província,
com suporte do DAD, mas a censura dificultava os trabalhos:
faltavam salas públicas e amparo governamental para os grupos
existentes mais críticos e os artistas reivindicavam a
regulamentação da sua profissão.
Uma das distinções da área cultural era que o teatro era a
única área de produção artística em que existia um curso superior
entre os anos 70 e 80. Nesse contexto existiam basicamente dois
tipos de grupos de teatro em Porto Alegre: os grupos de criação
coletiva, influenciados pelo método de trabalho do grupo carioca
Asdrúbal Trouxe o Trombone, onde havia uma grande divisão de
tarefas e a produção era coletiva, e os grupos que funcionavam
num formato mais tradicional trabalhando com textos de autores
teatrais, como os grupos do Grêmio Dramático Açores, Vende-se
Sonhos, Faltou o João, entre outros. A divisão entre teatro
intelectualizado, como os trabalhos do Faltou o João, e propostas
mais lúdicas, como a do grupo Vende-se Sonhos. O Balaio de Gatos,
considerado o mais “maluco” de sua geração, pretendia encarnar a
vanguarda e estética punk em seus trabalhos. Outros, tiveram a
criação de peças ontológicas como Bailei na Curva, de 1983, do
grupo Do Jeito que Dá e finalmente, existiam aqueles grupos onde
a idéia de liderança do trabalho é muito forte, como no grupo Tear
dirigido por Maria Helena Lopes e o Teatro Vivo de Irene Brietzke.
Eram grupos de pesquisa, voltadas para a profissionalização,
chegando à radicalização, como Oi Nóis Aqui Traveiz.
O inicio da profissionalização do teatro gaúcho inicia com a
peça Bailei na Curva, que contava com um produtor, Geraldo
Lopes, da Opus Produções, responsável por trazer grandes shows
para Porto Alegre. Ele deu uma noção profissional ao teatro, com
novos equipamentos e uma preocupação com o acabamento dos
espetáculos, processo que visava administrar melhor a execução da
peça, sedimentando o mercado e o espaço cultural. A partir de
então ficou claro a necessidade dos grupos em trabalharem com
um produtor teatral, ainda que a criação continuasse coletiva. Mas
os atores ainda dependiam para sobreviver de adotar outras formas
de trabalho nesse período, como locução, dublagem, publicidade e
até ministrando aulas. O Estado e o município já contavam com
uma organização voltada para o Teatro, na Secretaria Estadual da
Cultura administrando o Teatro de Arena e o Teatro São Pedro e a
Secretaria Municipal de Cultura com o Teatro de Câmara, Teatro
Renascença e outros espaços. Em Porto Alegre, em 1991, Luciano
Alabarse assume a Coordenação de Artes Cênicas da Secretaria
Municipal da Cultura de Porto Alegre, cargo em que permanece até
1994, sendo responsável por inúmeros projetos que movimentam a
cena porto-alegrense. Entre suas iniciativas, está a criação do
projeto Novas Caras, em que artistas iniciantes têm a
oportunidade de mostrar seu trabalho nos teatros municipais, e a
Sessão Maldita, realizada no porão do Teatro Renascença, que
semanalmente, à meia-noite, apresenta espetáculos de caráter
experimental.
O “Porto Alegre em Cena” constituiu, depois das iniciativas
dos anos 70, o grande esforço de atuação do Estado no campo
teatral. Idealizado por Luciano Alabarse com patrocínio da pela
Prefeitura e apoiadores, teve sua curadoria entre 1994 a 2001 e de
2005 em diante e provoca uma transformação fundamental no
modo de atuação do Estado no campo teatral. Parcerias, mas
também, megaproduções transformam-se no modo de ação das
políticas públicas para a área. O evento é considerado um dos
maiores festivais de teatro da América Latina, e traz, anualmente,
no mês de setembro, atrações nacionais e internacionais à capital
gaúcha, além de peças produzidas no Rio Grande do Sul. Durante
os seus primeiros quinze anos de existência, o Porto Alegre em
Cena teve diferentes e variados espetáculos. Desde os clássicos de
Shakespeare Hamlet e Romeu e Julieta, Le Costume de Peter
Brook (um dos maiores diretores teatrais do mundo), até obras
como Cacilda! (que comenta a história do teatro brasileiro, com a
presença de Zé Celso, que é considerado o mais provocador dos
encenadores brasileiros). E também teve grandes polêmicas, como
a obra Oresta do grupo italiano Socìetas Raffaello Sanzio, que foi
dirigida por Romeo Castelucci e acabou se sagrando como uma
obra bastante polêmica que teve grande audiência negativa por
parte da plateia; pois se tratava de uma obra que trazia à cena
animais vivos e tinha por personagens homens com problemas
físicos e mentais. O Porto Alegre em Cena colocou Porto Alegre no
cenário do teatro internacional com espetáculos variavam entre
grandes clássicos e obras modernas; e, também, obras que
recebiam críticas boas e ruins.
O Porto Alegre em Cena é o espelho do teatro gaúcho e onde,
paradoxalmente, ele não quer se enxergar. Suas virtudes, sua
história, seus vícios, tudo vêem se refletir ali. Isso acontece
porque, de certa forma, o que faz em seu interior é atualizar os
dilemas da história da teatro gaúcho. Todos admiram o projeto,
mas paradoxalmente, as maiores críticas vem da área teatral, que
nele não deseja se mirar. É uma política pública que recebe
elogios porque colocou o mundo teatral em Porto Alegre, mas que
recebe também críticas pelo pouco espaço que concede a
produção local. Nele pode-se perguntar se os grupos de Porto
Alegre participam menos porque são ainda amadores e os do
centro do país participam mais porque são profissionais; pode-se
indagar se os espetáculos são de um teatro para elite ou se são
voltados para as massas e finalmente, pode-se perguntar se os
textos locais são superiores ou inferiores aos universais. Tudo é
recolocado pelo Porto Alegre em Cena, e é este justamente o seu
mérito. Todos veem os espetáculos do Porto Alegre em Cena, mas
muitos atores e produtores gaúchos ainda lhe torcem o nariz. É
deste espelho que se trata, e a idéia que pode contribuir para os
debates é se o teatro gaúcho está vivo não porque tem uma
política cultural consagrada para a área, mas porque através dela
se recolocam novamente os temas e dilemas do teatro gaúcho.
Numa palavra, o valor do Porto Alegre em Cena esta no fato de
que rememora a identidade cultural gaúcha, a atualiza, pois
coloca, de uma forma ou de outra, a grande questão: que teatro
queremos nós, gaúchos, fazer? Prova de que, ao iniciar o século
XXI, nosso teatro padece dos males e virtudes de um século atrás,
mas com a disposição de um profundo autoquestionamento.
Uma breve história do teatro no
Rio Grande do Sul 
Por Cristiano Goldschmidt

Theatro Sete de Abril, de Pelotas. Filme O Mágico de Oz. Década de 1940

Foto: Reprodução Acervo Memorial Theatro Sete de Abril

Todos os anos, o dia 27 de março é dedicado às


comemorações do Dia Mundial do Teatro. Neste ano, em Porto
Alegre, a data foi celebrada dez dias antes, em 17 de março,
numa sessão do Conselho Estadual de Cultura do Rio Grande
do Sul (CEC-RS), transmitida ao vivo pelas redes sociais,
alcançando 570 visualizações no Facebook. Na oportunidade,
artistas, professores e pesquisadores, além de discutirem
questões de gênero e raça nas artes da cena, apresentaram o
que vem sendo feito em teatro em nosso Estado ao longo dos
anos.
Quando se fala em teatro, para a maioria das pessoas
vem à mente aquilo que é apresentado em um palco. A reunião
organizada pelo CEC teve como objetivo mostrar ao público
que o teatro vai além daquilo que é feito no que chamamos
palco italiano, e que nas suas diferentes possibilidades, mais
que entretenimento, ele contribui para o desenvolvimento de
uma nação, gerando milhares de empregos, produzindo e
agregando conhecimento e ampliando os horizontes da
população.
Participaram da celebração, Marcelo Ádams, reconhecido
e premiado ator gaúcho, também professor de teatro da
Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Uergs), a quem
coube traçar um panorama do teatro no Rio Grande do Sul;
Vera Bertoni, atriz, professora e pesquisadora da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), que falou sobre a
contribuição do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas
da instituição na formação de professores de teatro e dança;
William Molina, ator, professor de teatro do Colégio de
Aplicação da Ufrgs, que apresentou as memórias do ensino de
teatro no Aplicação; Marcos Breda, ator gaúcho, que há muito
reside fora do Estado, emprestando seu talento para produções
que correm o país, mas que nunca perdeu o contato e o afeto
com suas origens, que falou sobre a obra dramatúrgica de Caio
Fernando Abreu: O Teatro de Caio Fernando Abreu: 25 anos
Luz; e Sirmar Antunes, ator que do alto do seu talento, já
reconhecido pela sociedade em anos de carreira, falou sobre
os artistas negros em cena.
Por uma questão de espaço, e também por considerar
importante a profundidade das informações e discussões dos
cinco artistas convidados, que trouxeram diferentes aspectos
da história, da prática e dos estudos teatrais, optei por
apresentar um apanhado desse panorama em nosso Estado
em três diferentes textos, a serem publicados em momentos
distintos. Assim, nesta primeira publicação, compartilho com os
leitores uma breve e incompleta história do teatro gaúcho,
muito bem resumida por Marcelo Ádams nos seus dez minutos
de fala – algo que só bons professores conseguem fazer. Em
meus dois próximos textos, pretendo entregar ao leitor as
principais contribuições de Vera Bertoni (a universidade na
formação de artistas e professores) e William Molina (teatro na
escola); e de Marcos Breda (o teatro de Caio Fernando Abreu)
e Sirmar Antunes (artistas negros em cena).
Folha
da
Tarde
de 25
de
agosto
de
1967
noticia

nascimento do Teatro de Arena, na Capital


foto: Reprodução/livro Teatro de Arena Palco de Resistência, de Rafael Guimaraens
Panorama da história do teatro gaúcho
Ao traçar um breve panorama da história do teatro em
nosso Estado, Marcelo Ádams iniciou lembrando que desde o
século 18, o RS conta com casas de espetáculo, pontuando
que nos primórdios elas eram chamadas de Casas de Ópera,
locais em que, como o próprio nome indica, encenavam-se
óperas, comédias, tragédias, pantomima, atos burlescos e uma
série de outras manifestações cênicas.
Nas palavras de Ádams, esse apreço pelo Teatro, que
remonta ao período colonial do Brasil, iniciou sob a influência
da colonização portuguesa, fato que pode ser constatado por
pesquisadores e estudiosos pelos registros dos espetáculos,
em que predominavam artistas e dramaturgias provenientes de
Portugal. Mas ele também lembrou que outra influência foi a da
cultura francesa, que perdurou até as primeiras décadas do
século XX.
Em sua fala, o professor da Uergs fez referência à
localização geográfica estratégica do RS e de algumas de
nossas cidades, que devido a essas condições, foram
privilegiadas com a visita de companhias europeias que se
deslocavam do Rio de Janeiro para Montevidéu e Buenos
Aires. “Além da cidade do Rio de Janeiro, sede da corte, e
algumas outras cidades nordestinas, como Salvador e Recife,
três cidades gaúchas se notabilizaram pelo trânsito intenso de
companhias européias, durante boa parte do século 19:
Pelotas, Rio Grande e Porto Alegre. Artistas que
desembarcavam na América do Sul com seus elencos e
estruturas cênicas, para realizar apresentações de seus
espetáculos em cidades grandes como Buenos Aires e
Montevidéu, tinham que cruzar o Rio Grande do Sul. E por
esse motivo, dada a proximidade de nossas cidades com
Argentina e Uruguai, aproveitavam a oportunidade para
também realizar apresentações por aqui”.

Privilégio geográfico
Marcelo Ádams não tem dúvidas ao afirmar que foi esse
privilégio geográfico do RS que de alguma forma incentivou
não apenas a construção de teatros como o Sete de Abril, de
Pelotas, de 1833, o Sete de Setembro, de Rio Grande, de
1832, e o São Pedro, de Porto Alegre, de 1858, mas de várias
outras casas de espetáculos, em várias cidades gaúchas. Para
ele, ao lado dessa feliz constatação, também se coloca outra,
bem mais triste. “Muitos desses teatros do século 19 foram
demolidos, propositalmente, ou incendiados, acidentalmente.
Como caso exemplar, cito o Teatro Sete de Setembro, de Rio
Grande, que foi demolido em 1949”.
Se muitos dos nossos imponentes teatros já não existem
mais, fruto do descaso das autoridades, Marcelo lembra que
essa desvalorização do nosso patrimônio cultural não se
restringe aos séculos passados. “Em pleno século 21,
testemunhamos não apenas a destruição a marretadas de
nossos teatros, mas principalmente a morte à míngua de
nossos espaços culturais, por falta de investimentos públicos
para manutenção e, coisa grave, a não criação de novos
espaços, que acompanhem o ritmo de crescimento e a
diversidade de nossa população”.

Produção intensa
Para o pesquisador, relembrarmos a ligação do Rio
Grande do Sul com as artes cênicas comprova a intensa e
relevante produção teatral aqui realizada, “considerada pelos
especialistas como uma das mais importantes do Brasil, pela
qualidade artística e pela pesquisa de linguagem”.
Pulando algumas décadas, Ádams também falou sobre o teatro
gaúcho em um momento marcante na história brasileira: o
golpe civil-militar de 1964. Segundo ele, desde os anos 1950 a
organização de grupos de teatro no Estado havia se
intensificado, e tudo indicava que um movimento de
apropriação de temas e linguagens brasileiras passava a
preocupar nossos artistas da cena.
Teatro de Equipe, Pelotas e Arena
“A fundação do Teatro de Equipe de Porto Alegre, em
1958, mesmo ano do início do curso de Arte Dramática da
Ufrgs, ligado à Faculdade de Filosofia, demonstrava que se
andava a passos largos na renovação estética e temática de
nossas artes cênicas”, conta Ádams.
Outro aspecto deste triste capítulo de nossa história
salientado pelo professor e pesquisador, é que a partir do golpe
militar, o incremento na produção teatral do RS de alguma
forma refletiu o sentimento generalizado de insegurança, com o
surgimento de vários grupos e artistas de teatro que, mesmo
não abordando criticamente, em todas as ocasiões, o regime
de exceção então vigente, consolidou esses coletivos em torno
de uma necessidade de expressão. Ádams lembra ainda que
esse momento da história brasileira, dos anos 1960 e 1970, foi
paralelo à explosão da contracultura e dos movimentos
libertários ao redor do mundo.
“Temos em Pelotas, a partir dos anos 1960, o trabalho de
Valter Sobreiro Júnior; e em Porto Alegre, o Teatro de Arena,
criado em 1967, comandado por Jairo de Andrade, cujo espaço
localizado na Avenida Borges de Medeiros é, atualmente,
administrado pelo Estado. Em 1970, surgiu o grupo de teatro
Província de Porto Alegre com suas inovações estéticas e
experimentações cênicas; em 1978, foi criado o coletivo porto-
alegrense Ói Nóis Aqui Traveiz, que continua até hoje lutando
por um espaço físico próprio que abrigue sua arte e sua forte
ligação com a comunidade; e a Cia Teatro Novo, de Ronald
Radde, as produções de Ana Maria Taborda, etc.”
Ciente da incompletude de sua fala, Marcelo Ádams citou uma
lista de dezenas de grupos teatrais do interior do Estado e da
capital, antigos e atuais, mas fez questão de ressaltar que os
nomes são muitos, impossíveis de serem mencionados em tão
curto espaço de tempo, e que alguns deles já pararam de fazer
teatro, deixando em seu lugar novas gerações de artistas, que
foram formados justamente com a audiência a esses
espetáculos. Para ele, esse é um dos pontos importantes de
serem mencionados.
Novas gerações
“As novas gerações de artistas teatrais, ainda que
subvertam as estéticas dos que lhes antecederam, são
resultado da insistência em fazer teatro em locais que, muitas
vezes, não favorecem em nada seu florescimento, em virtude
das condições técnicas e do parco ou inexistente incentivo
público. Mas, paradoxalmente, nunca se viu tanto fazer teatral,
em nosso Estado, como hoje”, reflete. E acrescenta: “Juntar-se
em grupos foi e é a solução que os teatreiros encontraram para
agregarem força e conseguirem levantar suas produções, e
fazê-las chegar ao máximo de pessoas, nas mais diferentes
regiões do Estado. Fazer teatro em localidades fora da capital
é, sempre, um movimento de resistência e, por que não dizer,
revolucionário”.
Ao finalizar sua manifestação, Marcelo Ádams disse que
celebrar o Dia mundial do Teatro é um gesto simbólico que
merece nossa adesão, mas que ao mesmo tempo, “pensar em
um Dia Mundial não pode fazer com que essa abstração
gigantesca chamada mundo nos faça esquecer que, para além
do mundo lá fora, existe o Teatro aqui dentro, perto de nós, nas
pequenas cidades, nos bairros afastados”. Nas suas palavras:
“É esse teatro não mundial, mas local, que devemos celebrar
em primeiro lugar. É esse Teatro daqui, feito por nossos
artistas, que necessita, urgentemente, de um olhar próximo e
acolhedor, e que enxergue a importância fundamental da
presença da Arte em nossas vidas” reflete.

Cristiano Goldschmidt é doutorando e mestre em Artes Cênicas


(Ufrgs). Conselheiro de Estado da Cultura do RS.

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