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O DESAFIO DO TEATRO BRASILEIRO.

O teatro é a manifestação de artes cênicas mais presente em todas as


regiões do Brasil. Nas menores comunidades e nas mais distantes cidades ele se
desenvolve, com os grupos teatrais ensaiando e se apresentando onde podem, em
salões paroquiais, em salas de aulas, nas ruas e nos teatros, quando estes existem.
Em sua grande maioria esses grupos de teatro em atividade no país são iniciativas
particulares e desvinculadas de instituições, mantidas pôr apaixonados pela arte do
teatro. O teatro está integrado de forma vital à cultura brasileira. É, dentre todas as
artes, a mais antiga praticada em território nacional, já que os jesuítas muito se
utilizaram dele para a conquista espiritual dos povos indígenas, gerando o primeiro
dramaturgo brasileiro, o Pe. José de Anchieta, ainda no século XVI. Além do mais, o
teatro nasce espontâneo em todo o país, apesar de todas as dificuldades, da
ausência de oportunidades de estudo, de cursos regulares, de acesso à informação,
meios estes restritos a algumas capitais. Os grupos de teatro nascem e sobrevivem,
e são, com sua força de existir, a base da vida teatral do país. E sempre
surpreendem com montagens magníficas, reflexo de uma criatividade transbordante.
Uma primeira dificuldade é a obtenção de textos teatrais. Na grande maioria
dos municípios brasileiros o sistema de bibliotecas públicas é falho, ou defasado,
limitando a oferta de peças teatrais ou de livros teóricos e manuais técnicos. Além
disso, a indústria editorial pouco se interessa pela edição de textos teatrais, restando
aos órgãos de estado a tarefa de dar vazão à dramaturgia. No caso dos textos
clássicos, programas editoriais como os da Funarte e da Unicamp, cuidam de editar
versões definitivas e atualizadas vernacularmente, tornando aptos para a encenação
moderna autores como Coelho Neto, Arthur Azevedo, Araújo Porto Alegre e até
mesmo comédias de Plauto ou tragédias de Sófocles e Eurípides. No caso da infra-
estrutura dos teatros ou casa teatrais, há uma enorme deficiência, são salas pobres
de equipamentos de iluminação e de som. Nas capitais, onde estão alguns preciosos
teatros construídos no século passado ou início deste, o que se pode ver é que
esses monumentos pesam nas finanças dos poderes locais, gerando problemas de
manutenção e atualização tecnológica. Influi nessa questão de infra estrutura teatral
a presença de mão de obra qualificada, de cenotécnicos, maquinistas e
iluminadores, hoje cada vez mais raras. Essa carência de técnicos é razoavelmente
contornada pôr um calendário de cursos e oficinas nos estados e regiões,
desenvolvido com a presença de grandes profissionais.
Quanto à dramaturgia, a crise parece ser uma síndrome brasileira. Vejamos
alguns sintomas. Em 1994, num dos concursos de dramaturgia mais concorridos, o
da Funarte, que outorga o prêmio Nelson Rodrigues, o júri decidiu não dar o Prêmio
para nenhuma peça. Todos devem ter acompanhado a gritaria que ocorreu através
dos jornais. Mas a decisão de um júri é soberana e não se pode fazer nada.
Especialmente quando a justificativa era de que não podiam outorgar o “Prêmio
Nelson Rodrigues” para um texto que estivesse muito aquém do patrono do próprio
prêmio. O que o júri desejava indicar com a sua posição, era que um prêmio
nacional exigia que o texto a ser premiado no mínimo estivesse no padrão geral da
dramaturgia brasileira, que é alto. Embora não se tenha tido acesso aos textos que
estavam concorrendo, a premissa do júri era irrepreensível. E sequer foi a primeira
vez que isto aconteceu. Nos anos setenta o mesmo prêmio também não foi
outorgado. Mas isto foi nos anos 70, numa outra época, em que a crise que ocorria
na dramaturgia brasileira era provocada por motivos não artísticos. Vivíamos um dos
momentos mais difíceis da convivência da cultura nacional com o poder do Brasil,
que foi o período da ditadura militar.
Naquele momento de extremas restrições, e não apenas com uma censura
drástica que inibia a criação artística, mas com atos e ações terroristas contra a
integridade física dos artistas, era normal que a produção entrasse num período
de baixa inspiração. Mas hoje são outros os motivos. Hoje nós vivemos em plena
liberdade de expressão, com amplas garantias constitucionais. Para quem fazia
teatro nos anos 70, é estranhamente delicioso saber que se pode montar uma peça
sem passar pela Polícia Federal e sem ter um censor assistindo aos ensaios antes
da estréia. Quem experimentou aquela época lembra que os artistas de teatro, até
mesmo os amadores das cidades do interior, eram obrigados a ter uma carteirinha
amarela da Polícia Federal, provavelmente inspirada, o que muito os honrou - e
pensavam que estavam humilhando o teatro -, nas carteirinhas amarelas das
prostitutas da belle-époque.
Voltemos, então, ao Prêmio Nelson Rodrigues de 1994, quando nenhum texto
foi premiado. Houve uma grande discussão e uma grande movimentação dos
dramaturgos brasileiros em atividade. E o debate acabou gerando um Encontro
Nacional de Dramaturgia, que ocorreu em novembro de 96, no Rio de Janeiro, com
expressiva participação e excelentes resultados. Este seminário organizado por
iniciativa da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais - SBAT, com o apoio do
Sesc/Rio e da Funarte, constatou realmente a existência de uma crise. Os
profissionais mais visceralmente ligados ao teatro, acostumados a seguir a
temporada teatral de grandes centros como o Rio de Janeiro e São Paulo,
observaram que a dramaturgia brasileira encenada, quando encenada, estava muito
aquém da sua tradição.
Se isto constitui uma crise ou não, é um grande debate teórico que pode nos
levar aos píncaros da metafísica, mas provavelmente não nos vai explicar essa
crise. De uma perspectiva profissional, observa-se que alguns problemas que estão
penalizando a dramaturgia são de ordem econômica, mas não explicam pôr si só o
processo de diluição e o afastamento de sua alta tradição. E mais, a dramaturgia
internacional atravessa uma fase bastante viva, resultando a nossa crise em um
fenômeno inquietantemente localizado.
A dramaturgia brasileira faz parte de uma alta tradição artística que é a
literatura brasileira. Nunca se deve esquecer que dramaturgia teatral é antes de tudo
literatura. Ela não é um alinhavado de diálogos e indicações cênicas para os atores
e técnicos, é simplesmente literatura, com todos os compromissos com a
profundidade e a invenção da literatura. O discurso teatral é, além de expressão
artística, um dos componentes da identidade nacional. O texto dramático tem a
capacidade de reproduzir as falas sociais, as aspirações, os sonhos e as
esperanças de um tempo. A dramaturgia faz o registro da contingência através da
fala, portanto ela tem uma função linguística que lhe é exclusiva. Da mesma forma
que a grande literatura é sancionadora das normas gramaticais, a dramaturgia tem a
ver com o falar em seu aspecto sintático, dialetal e com o estilo do discurso. Ou seja,
é a dramaturgia que em povos maduros determina o dizer, os parâmetros da
oralidade. Como se trata de um trabalho literário, os dramaturgos necessariamente
possuem uma grande intimidade com o idioma em que escrevem. O vocabulário de
Shakespeare enriqueceu o vernáculo inglês, importando formas e expressões
populares para o dialeto senhorial, e aproveitando termos estrangeiros para
enriquecer o falar elisabetano. E sua presença fundadora é tão poderosa, que a
fala teatral padrão em língua inglesa é a fala britânica de Londres. No teatro dos
Estados Unidos, uma fala intermediária, de New York, mas com muita proximidade
ao padrão tradicional, serve como padrão para o teatro. O que está fora desta
norma, é dialeto ou pronúncia regional. Na França, o mesmo fenômeno ocorreu com
Racine e Molière. A fala teatral francesa, válida para todas as formas cênicas, segue
a cadência e a entonação plasmadas pelos intérpretes daqueles autores, desde o
século XVII. Tanto em inglês, quando em francês, os padrões são normas nacionais
acima das diferenças regionalizadas. Nesses países, uma tragédia grega ou outro
texto clássico é impensável ser encenado com autores falando bretão ou cokney, a
não ser que se trate de uma parodia ou alguma produção de nacionalistas sem
expressão artística.
A dramaturgia não se limita a refletir a sociedade, ela tem a capacidade de
construir o discurso que vai se metamorfosear em emoção, mas também no verbo
de um povo. O texto teatral nem é a reprodução estrita do oral, nem o seu
mimetismo, mas uma reivenção literária da fala. É por isso que é muito difícil a
relação do simples leitor com o texto teatral, porque ele não é simplesmente para ser
lido, é para ser encenado, ouvido no conjunto de ruídos incidentais de uma
montagem. Mesmo assim, ainda que o ato de escrever um texto teatral seja um
instante individual do autor, será no entanto seu único ato individual, pois já na
leitura desse mesmo texto será necessária uma audiência. Por que o teatro é fala, é
a fala que faz a passagem do texto literário para o teatral. Por isso o dramaturgo tem
um grande compromisso político que é refletir os discursos de seu povo, as formas
dramáticas pelas quais uma nação se expressa.
Infelizmente a dramaturgia brasileira perdeu o rumo desse compromisso.
Perdeu por vários motivos. Um deles porque talvez tenha se desencontrado na
perspectiva de nosso próprio idioma. E a culpa não é inteiramente dos dramaturgos
brasileiros.
Das línguas neolatinas, o Português talvez seja o idioma que oferece os
maiores desafios aos dramaturgos e à dramaturgia. Em países como a Itália, ou a
França, mas sobretudo em países de língua inglesa, vimos que a dramaturgia foi
crucial para criar um discurso nacional, uma forma de dizer o texto que é
evidentemente teatral, que é a forma padrão da emissão do teatro. E mais, a
dramaturgia colaborou para unificação do discurso standard do idioma, para o
estabelecimento das normas cultas. A dramaturgia de língua portuguesa não teve
nunca o mesmo peso que em outros idiomas, inclusive no espanhol. O século de
ouro da Espanha, com autores como Calderon de La Barca e Lope de Vega,
encontrou na dramaturgia o fundamento discursivo para o idioma espanhol. Em
Calderon de La Barca temos todas as classes sociais da Espanha renascentista,
representadas em suas peças. É um grande retrato de conjunto da sociedade
espanhola, que cimentou um dizer teatral, instaurando a fala castelhana como a
norma teatral por excelência, respeitada até mesmo na América hispânica.
Talvez não tenhamos nos atentado para o português, que é um idioma
atípico, no conjunto das línguas neolatinas. Gil Vicente, por exemplo, o nosso
Shakespeare, jamais teve a oportunidade de seu parceiro de Stratford on Avon. Gil
Vicente, um grande dramaturgo, que não faria feio em nenhuma literatura, não foi
um contemporâneo de seus contemporâneos. Pelo menos em termos de acesso à
sua obra. Hoje, quase cinco séculos depois, podemos ter acesso à sua obra e
saber que ele fez um grande painel da sociedade de seu tempo, exatamente como
Calderon, Lope de Vega e Shakespeare.
Para nosso desconsolo, Gil Vicente vivia num país mais conservador que a
Espanha, e sua dramaturgia foi impedida. Em vida, encenou muito pouco e com
enormes restrições.
Até quase o final do século XIX, o teatro era considerado menos arte que uma
espécie de delinqüência em Portugal. E mesmo em 1900, era coisa das grandes
cidades, como Lisboa e o Porto, antros de todos os vícios. Gil Vicente foi cerceado
em vida e interditado após a sua morte. A primeira edição de suas obras, foi proibida
pela Inquisição, assim ficando pelos próximos duzentos anos. Imaginemos o que
seria das literaturas inglesa e francesa, se Shakespeare e Racine tivessem sido
proibidos por dois séculos. Duzentos anos, não é brincadeira! Em Portugal a
redescoberta de Gil Vicente é uma coisa recente, é com a crise do fascismo em
Portugal que ele começa a emergir, a ser novamente encenado. E os portugueses
foram obrigados a reinventar uma maneira portuguesa de encenar Gil Vicente, de
dizer em cena Gil Vicente, que não podia ser dito da mesma forma que Racine ou
Shakespeare.
Esta é a grande contradição da dramaturgia brasileira: escrever teatro num
idioma que se formou mais através da retórica dos discursos jurídicos que pelas
deixas da comédia. Portanto, escrevemos teatro num idioma que teve o seu William
Shakespeare censurado por duzentos anos.
Esta é, infelizmente a nossa tradição. Uma tradição que temos obrigação de
levar em consideração, e de jamais esquecer. Nossa literatura dramática nasce de
uma perspectiva diferente, se desenvolveu de forma muito precoce e não exerceu
sua função linguística básica. Embora como luso-americanos não tenhamos culpa
dessa impossibilidade, o Brasil está repetindo um erro semelhante, ao desenvolver
uma economia cultural que tirou do teatro e deu à televisão o poder de estabelecer a
fala nacional.
Até que estávamos indo bem. Nos anos 50, o teatro e a dramaturgia estavam
trilhando tão exemplarmente os seus caminhos, que foi realizado, no Rio de Janeiro,
um Congresso inteiro para definir a fala brasileira a ser usada em nossos palcos.
Filólogos, lingüistas e gente de teatro, utilizando as técnicas mais avançadas da
época, esforçaram-se para definir um falar padrão, e encontraram nas formas
dialetais do português culto carioca, a norma ideal para ser aplicada ao teatro.
Lamentavelmente o tempo conspirou contra a importante decisão, porque nos dez
anos que se seguiram, nem o teatro, nem o cinema, lograram estabelecer um
padrão nacional. A distribuição dos bens culturais no território brasileiro,
especialmente o teatro, era precário e desigual. Ainda que o Rio de Janeiro tenha
permanecido como a capital cultural do país, onde os espetáculos mais importantes
eram encenados e as estréias de textos nacionais encontravam ressonância
nacional, os espetáculos propriamente ditos só muito raramente circulavam pelos
outros estados.
Mas a dramaturgia brasileira atingiu o alto nível da literatura como um todo,
especialmente por que teve a capacidade de sintonizar os desafios maiores de
nossa expressão, tal qual a poesia, o romance ou o ensaio teórico. Desde o século
XVIII que o texto dramático brasileiro estabeleceu um diálogo com o público do país
e com as outras formas literárias de expressão. É, assim, uma dramaturgia que tem
lastro, mesmo sendo recente, como todas as dramaturgias americanas. Autores
novos, como Mauro Rasi, Miguel Falabela, Wilson Sayão, Luís Antonio de Abreu,
entre outros, conquistaram o público com seus textos repletos de humor e crítica
social. Por este aspecto, não temos que alimentar nenhum complexo de
inferioridade.
O teatro para crianças é também uma atividade intensa em todo o país. Foge,
inclusive, da regra geral porque em muitos centros onde o teatro não é profissional,
artistas e produtores sobrevivem de seus trabalhos com peças infantis. É uma
atividade que nos últimos anos caiu na rotina, bem distante das discussões sobre
linguagem que tanto marcaram a década de 70. No Rio de Janeiro, inicialmente e
depois ampliado para São Paulo, é importante destacar o investimento em
espetáculos infanto-juvenís desenvolvido pela Coca-Cola nas montagens de
espetáculos, na premiação, na realização de seminários e na edição de publicações
voltadas para o setor. Talvez por isso o teatro infantil nessas cidades responda com
excelente qualidade.
O teatro de bonecos manifesta-se por todo o país. Há centros onde é mais
intenso e com características diferenciadas. A Associação Brasileira de Teatro de
Bonecos coordena e difunde cursos, intercâmbios e informações para os grupos. O
teatro popular de bonecos – o Mamulengo – rica expressão da cultura brasileira no
nordeste, tem no Espaço Tiridá, em Olinda, Pernambuco, mantido pela Funarte e a
prefeitura da cidade, um organismo dedicado a documentar seu passado, difundir e
permitir que essa frágil manifestação da cultura popular possa sobreviver e
prosperar.
Uma outra questão relevante hoje é a retomada do teatro de grupo, ou seja, o
ressurgimento de uma prática comum até os anos 70, que deu ao teatro brasileiro
experiências vitoriosas como o Teatro de Arena de São Paulo, o Teatro Oficina, O
Teatro Jovem do Rio de Janeiro, o Teatro Popular do Nordeste, o TESC do
Amazonas, etc. Nos últimos 20 anos, as produções eram iniciativas individuais,
empreitada particular de atores ou atrizes cansados da televisão, com elencos que
nasciam e terminavam em torno dessas montagens.
A pulverização da economia teatral em torno de projetos particulares, tornou
as temporadas brasileiras uma grande exposição egocêntrica, encenações com
enfoques inadequados para o texto, uma fragmentação insólita que afastou ainda
mais o público das salas. O mais grave é que sem a existência de grupos estáveis,
que trabalhassem em conjunto, pesquisassem aspectos de linguagem cênica a
longo prazo, a dramaturgia brasileira passou a ser encenada mais raramente e o
desenvolvimento do teatro brasileiro ficou ameaçado, já que o teatro somente
avança através da experiência de grupos estáveis, como bem lembra a sua tradição
milenar. Os novos grupos, como o Olodum, da Bahia, o Galpão, de Minas Gerais, o
Engenho Teatral, de São Paulo, os Fodidos e Privilegiados, do Rio de Janeiro,
começam marcando seus estilos e formado “escolas”, inspirado outros grupos mais
jovens e apontando para futuros novos “movimentos teatrais”.
Foi pensando nesses grupos, que o Ministério da Cultura e o Ministério do
Trabalho criaram em 1997 o projeto Cena Aberta. Com o Cena Aberta o estado
brasileiro assumia uma posição renovadora, ao considerar a atividade teatral – uma
atividade artística -, como trabalho. Ou seja, ao reconhecer que fazer teatro é
trabalho, é atividade geradora de riqueza e absorvedora de mão-de-obra, o projeto
ultrapassa a velha prática de patrocinar “eventos” e propõe a sustentação de
“movimentos”. O Cena Aberta também foi um salto qualitativo nas relações do
estado com as artes cênicas, por retirar a questão do fomento às artes do enfoque
dos incentivos fiscais, das políticas de mecenato e marketing tão controvertidas e
aprofunda o compromisso do estado com as políticas de longo prazo e profundidade
no tecido social. Lamentavelmente, como os recursos eram oriundos do FAT, os
sindicalistas trataram de barra o Cena Aberta, destruindo o projeto.
Do ponto de vista do Ministério da Cultura, o Cena Aberta era a oportunidade
de oferecer aos grupos de teatro e dança os meios de manutenção, permitindo-lhes
trabalhar em condições mais favoráveis e com dedicação ao fazer artístico. Para o
Ministério do Trabalho, seria a extensão às artes cênicas de um programa que já
vem funcionando desde 1937, que pretende gerar mão de obra qualificada em
espaços periféricos, aprimorando e formando profissionais integrados às suas
comunidades e mercados, barrando a migração para os grandes centros,
aumentando a oferta de emprego e evitando o esvaziamento de sub-regiões
consideradas atrasadas. A permanência do projeto Cena Aberta apontava para uma
mudança profunda da economia do teatro brasileiro e um dos fatores que afastariam
para sempre a síndrome da crise sob a qual o setor vive.
Embora o teatro de grupo esteja novamente em evidência, não se pode
esquecer que o teatro é também uma atividade comercial, que precisa conciliar suas
produções com a lógica do mercado. De qualquer modo, mesmo este teatro
comercial é atualmente um investimento de risco, economicamente inviável por uma
série de fatores. Somente em alguns raríssimos casos que fogem à regra geral, o
teatro mostra-se capaz de pagar seus investimentos com os lucros da bilheteria.
Esses poucos casos acontecem porque têm um apelo forte, de nomes televisivos e
conseguiram ressarcir os investimentos de produção através de recursos pesados
de patrocinadores. Mas no Brasil, mesmo com a existência da Lei Rouanet, de
renuncia fiscal, são poucas as empresas que investem sistematicamente em
teatro. Há o caso da Petrobrás, do Centro Cultural Banco do Brasil, da Caixa
Cultural, do SESC em alguns estados, da Votorantin, etc. Na realidade, o grande
volume da produção fica desprovido de apoio, dependendo exclusivamente de
pequenas permutas. Daí a quantidade de créditos que hoje são encontrados nos
cartazes e fachadas dos teatros.
O programa de empréstimo reembolsável — PROJETO TEATRO BRASILEIRO —
realizado pelo Ministério da Cultura em parceria com a Caixa Econômica Federal,
atendia de forma racional a uma parcela maior de projetos e com critérios mais
amplos.
Atendia, na realidade, à faixa das empresas profissionais, desde que
comprovassem sua documentação regularizada e a temporada do espetáculo
devidamente planejada. Era importante esta linha de apoio à produção sem
paternalismo, mas que capitalizava os produtores nos seus investimentos. Uma
parte do apoio era empréstimo bancário (35% do valor concedido) e outra parte era
patrocínio (65% do valor concedido). O programa sumiu do mapa sem explicações.
Outros programas governamentais — com apoio técnico da Funarte —,
acabaram sistematizados de forma permanente, embora dependam das flutuações
orçamentárias e financeiras: são os programas de apoio aos festivais, mostras e
encontros, especialmente os de importância nacional e internacional e de
exemplaridade na sua organização; o programa de apoio à excursões de
espetáculos, o programa de edições de livros de artes cênicas, especialmente
aqueles que não interessam ao mercado privado; os editais de fomento, firmando
uma política de fortalecimento dos grupos especialmente os que apresentam
características de continuidade de trabalho e que não disponham de apoio de outras
fontes, além de ações na área da dramaturgia, como encontros de autores, ciclos de
leituras, prêmios e concursos.
Existem, no país, entidades representativas da classe artística como os
sindicatos, as associações de produtores e federações de teatro amador,
atualmente com a tendência de afastar a denominação “amador”, todas filiadas a
entidades nacionais. Recentemente, surgiram novas formas de organização como a
REDE BRASIL que filia produtores, artistas, diretores de casas de espetáculos,
promotores de eventos no sentido de facilitar, entre eles, a circulação de
espetáculos nas diversas regiões do país. A REDE BRASIL está integrada à REDE
LATINO AMERICANA em moldes idênticos.
Cabe, ainda, observar a lacuna que se abriu, nos últimos anos, de programas
desenvolvidos na área do teatro na educação, questão que faz parte da utilização
do teatro e das artes cênicas em geral como arte-educacão. Em muitos países as
artes cênicas desempenham papel relevante na socialização de populações
marginalizadas, na integração de comunidades economicamente frágeis e na
formação dos futuros cidadãos. As artes cênicas já estiveram mais presentes nas
escolas, mas sucessivas reformas educacionais não sistematizaram essas
atividades, lamentável omissão que não abriu a possibilidade do teatro e da dança
estar na base da formação dos jovens, fosse como disciplina ou atividade
extracurricular incentivada. A prática artística na escola é a forma mais rica de
promover o desenvolvimento das crianças e adolescentes no campo da expressão,
na formação do espírito crítico e na criação de pessoas intelectual e eticamente mais
ricas.
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