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A brincadeira na educação infantil

em tempos de BNCC
Por REDAÇÃO PÁTIO 25 de julho de 2019

Por Tânia Ramos Fortuna

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um texto complexo,


resultado de muitos anos de trabalho e da reunião de diferentes
perspectivas sobre a educação na escola básica brasileira. Elaborada em
várias etapas e a várias mãos com o objetivo de nortear os currículos e
propostas pedagógicas de todas as escolas brasileiras, da educação
infantil ao ensino médio, é notória a presença de “degraus” no texto final,
que expressam descontinuidades e algumas inconsistências que têm
sido objeto de muita contestação e crítica.

Contudo, é preciso destacar que uma qualidade importante da BNCC é


atribuir à brincadeira um papel axial na educação infantil, como já
preconizara as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil
(DCNEI), tanto em sua formulação original, como em sua revisão.

Leia mais: Por que uma BNCC para a educação infantil

A brincadeira figura nela como um dos direitos de aprendizagem e de


desenvolvimento, ao lado do direito de conviver, participar, explorar,
comunicar, conhecer-se. É, pois, direito da criança segundo a BNCC,
“brincar cotidianamente de diversas formas, em diferentes espaços e
tempos, com diferentes parceiros (crianças e adultos), ampliando e
diversificando seu acesso a produções culturais, seus conhecimentos,
sua imaginação, sua criatividade, suas experiências emocionais,
corporais, sensoriais, expressivas, cognitivas, sociais e relacionais” (p.
36).

Esse direito deve ser assegurado à criança da educação infantil nas


creches e pré-escolas brasileiras através da proposição de “campos de
experiências”, isto é, uma forma de organização curricular que também já
estava indicada nas DCNEI e que “acolhe as situações e as experiências
concretas da vida cotidiana das crianças e seus saberes, entrelaçando-
os aos conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural.” (p. 38).
Acredita-se que, assim, os bebês (crianças de 0 a 1 ano e 6 meses),
crianças bem pequenas (de 1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses) e
crianças pequenas (de 4 anos a 5 anos e 11 meses) contarão com as
condições necessárias para que “aprendam em situações nas quais
possam desempenhar um papel ativo em ambientes que as convidem a
vivenciar desafios e a sentirem-se provocadas a resolvê-los, nas quais
possam construir significados sobre si, os outros e o mundo social e
natural.” (p.35).

Como se vê, a aprendizagem acha-se intimamente associada ao brincar


na BNCC.

Leia mais: Brincar na natureza: por que é tão importante para as


crianças

Por uma nova compreensão do brincar e do


aprender
Essa relação exigirá dos educadores infantis uma compreensão
ampliada do brincar e do próprio aprender.

Tal como tenho insistido (FORTUNA, 2013, 2018), será preciso que os
educadores compreendam que brincar ou jogar (não importa, aqui,
distinguir estes termos, senão captar o sentido que têm em comum) é
uma atividade fundamental no ser humano, porque funda o humano em
nós. Aquilo que define o ser humano – inteligência, criatividade,
simbolismo, emoção e imaginação, para listar apenas alguns de seus
atributos – constitui-se pelo jogo e pelo jogo se expressa.

Não obstante a ambiguidade da brincadeira, para usar uma expressão


consagrada por Sutton-Smith (2017), sobre a qual não há nenhuma
certeza, já que ela é incerta por definição, aprendizagens prévias são
evidenciadas no ato de brincar, o que o torna um referente sobre as
possibilidades de aprender. Por isso é possível depreender seus
benefícios para o desenvolvimento global, no qual se inclui o
desenvolvimento cognitivo ou intelectual. A BNCC baseia-se claramente
neste pressuposto.

Leia mais: Ambiente aberto à criatividade é um dos desafios da


educação contemporânea
Sobre a autora
Tânia Ramos Fortuna é doutora em Educação e professora de
Psicologia da Educação (Psicologia do Jogo e Jogo e Educação) da
Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS) em Porto Alegre. Lá, criou e dirige o Programa de Extensão
Universitária “Quem quer brincar?” e realiza pesquisas na área da
formação lúdica do educador.

Referências
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum
Curricular: Educação é a base. Disponível em:
<http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_publicacao.pdf>.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretária de Educação Básica.


Diretoria de Currículos e Educação Integral. Diretrizes Curriculares
Nacionais Gerais da Educação Básica. Brasília: MEC, SEB, DICEI,
2013.

FORTUNA, Tânia Ramos. Por uma pedagogia do brincar. Presença


Pedagógica. Belo Horizonte, ano 19, n.109, p.30-35, jan./fev. 2013.

FORTUNA, Tânia Ramos. Brincar é aprender. In: GIACOMONI, Marcello


Paniz; PEREIRA, Nilton Mullet. Jogos e ensino de História. Porto
Alegre: Editora da UFRGS, 2018. (Série Ensino, Aprendizagem e
Tecnologias).

SUTTON-SMITH, Brian. A ambiguidade da brincadeira. (Revisão


Técnica da Tradução de Tânia Ramos Fortuna). Petrópolis, RJ: Vozes,
2017.

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