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05/05/2022 Dermatologia Carolina Rossi

o Imunidade celular defeituosa → forma inde-


Hanseníase terminada ou incaracterística
PROF. FLÁVIO ▪ Evolui para cura ou para forma dimorfa
ou borderline (tipo peculiar de pacientes
imunologicamente instáveis, que agrega
INTRODUÇÃO características dos dois polos)
É a doença causada pelo Mycobacterium leprae, • Paciente multibacilar
acometendo principalmente pele e/ou nervos peri- o Evolução inicial para polo tuberculoide (be-
féricos. Evolui de forma crônica com períodos de nigno) ou virchowiano (maligno) já de início
agudização. ▪ Polo tuberculoide: predomina resposta Th1
Pode afetar qualquer órgão que possua macrófagos, (celular) → Mitsuda + e baciloscopia -
exceto o SNC. ▪ Polo virchowiano: predomina resposta Th2
(humoral) → Mitsuda - e baciloscopia +
Ou seja, a resistência ou suscetibilidade à infecção
DEFINIÇÃO
depende da capacidade inata do macrófago fa-
A OMS define como caso de hanseníase a pessoa gocitar o M. leprae. A maior característica da forma
que apresentar 1 ou mais características: virchowiana é a incapacidade do macrófago em rea-
• Lesão de pele com alteração da sensibilidade lizar essa lise, gerando a célula de Virchow (macró-
• Acometimento de nervos com espessamento fago repleto de M. leprae).
neural, acompanhado ou não de alteração de OBS.: Anticorpos específicos praticamente só se
sensibilidade e/ou força muscular formam nas formas bacilíferas.
Pode haver diagnóstico de hanseníase sem le-
sões cutâneas → hanseníase neural pura! CLASSIFICAÇÃO
• Baciloscopia positiva para M. leprae → mas ba-
ciloscopia negativa não exclui o diagnóstico Operacional Madrid (1953)
Paucibacilar Indeterminada
EPIDEMIOLOGIA
(baciloscopia – e Mitsuda +) Tuberculoide
Multibacilar Dimorfa
A doença é endêmica de países subdesenvolvidos,
sendo a Índia o país com maior incidência, seguida
(baciloscopia + e Mitsuda -) Virchowiana
do Brasil, seguido da Indonésia.
Sua prevalência caiu drasticamente com o adento da MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
poliquimioterapia (PQT) no início de 1980.
HANSENÍASE INDETERMINADA (1): costuma ser a
É mais comum em pessoas socialmente excluídas
fase inicial da doença, caracterizada por máculas hi-
(80% não têm ensino médio completo) e entre 30 e
pocrômicas ou eritemato-hipocrômicas com hipoe-
60 anos, e não possui predileção por sexo.
stesia. São poucas lesões, com bordas bem ou mal
definidas. Não há localização preferencial, mas em
TRANSMISSÃO crianças, é mais comum em face e MMII.
A principal fonte de transmissão é a via aérea supe- • Diagnósticos diferenciais: pitiríase alba, pitirí-
rior do doente bacilífero: a infectividade é alta, mas ase versicolor, nevo hipocrômico, nevo anê-
a patogenicidade é baixa (a maioria evolui para cua mico, vitiligo, eczemátide, dermatite seborreica,
espontânea ou infecção leve). A transmissão ocorre hipocromias e acromias residuais
por contato direto, mas também pode ocorrer de HANSENÍASE TUBERCULOIDE (2): lesões de as-
forma indireta. O principal sítio de inoculação é a mu- pecto papuloso ou tuberoso, agrupadas em placas
cosa nasal, além de soluções de continuidade da (não máculas, porque têm relevo), bem delimitadas,
pele, porque o bacilo não penetra a pele íntegra. com borda mais elevada. São únicas ou pouco nu-
O bacilo se reproduz a cada 15 dias, o que justifica merosas. A hipo/anestesia é precoce e sempre
o longo período de incubação. ocorre – o dano neural é maior no polo tubercu-
loide do que no polo virchowiano (quando se destrói
o bacilo, que está no nervo, se lesa o nervo).
ETIOPATOGENIA • Sinal da raquete: nervo espessado que forma
Existe correlação nítida entre a imunidade inata es- um trajeto a partir de uma lesão cutânea
pecífica e a apresentação clínica da doença: • Diagnósticos diferenciais: dermatofitose, psorí-
ase, dermatite seborreica, lúpus eritematoso dis-
• Paciente paucibacilar
coide, sífilis secundária e terciária
o Boa imunidade celular → eliminação dos baci-
los, sem haver doença
HANSENÍASE DIMORFA OU BORDERLINE (3): le- COMPLICAÇÕES
sões infiltradas anulares, com borda interna nítida e
externa apagada (“em queijo suíço”). Podem ter le- REAÇÃO HANSÊNICA
sões com características de ambas as formas vircho- Corresponde a fenômenos agudos que interrom-
wiana e tuberculoide. pem a evolução crônica da doença. Pode ocorrer an-
HANSENÍASE VIRCHOWIANA (4): lesões eritema- tes, durante ou depois o tratamento, e em qualquer
toinfiltrativas com bordas mal definidas; em geral, uma das formas clínicas, exceto na hanseníase inde-
são simétricas e localizadas em todo o corpo; nódu- terminada e nas formas polares da doença.
los e tubérculos costumam ocorrer.
• Na face, produz a fácies leonina Tipo 1 (reação reversa)
• Ocorre madarose bilateral (queda do 1/3 ex- Aumento súbito da imunidade mediada por célu-
terno da sobrancelha) las (reação de hipersensibilidade tardia) – isso ex-
• Sua anestesia é mais tardia, sendo “em luva” ou plica sua ocorrência como SIR do HIV.
“em bota”
As lesões cutâneas se tornam mais
• Diagnósticos diferenciais (os mesmos da forma
eritematosas, intumescidas, edema-
dimorfa): leishmaniose anérgica, sífilis secundá-
tosas e infiltradas, podendo até ulcerar.
ria, farmacodermias, lúpus eritematoso sistêmico,
xantomatose, neurofibromatose, lipomatose e A ocorrência de lesões na região de
linfoma cutâneo troncos nervosos ou em áreas perioftál-
micas são preditores de maior gravi-
o As alterações neurológicas devem ser diferen-
dade.
ciadas de alcoolismo, diabetes, escleroder-
mia, artrite reumatoide etc. A hanseníase tuberculoide reacional possui 2 tipos
de quadros:
TIPO NODULAR INFANTIL (5): variante da hansení-
ase tuberculoide, que acomete crianças de 1 a 4 • Se instala agudamente com exacerbação das le-
anos. É caracterizada por lesão tuberonodular, não sões preexistentes e/ou surgimento de novas
nódulo. • Ocorre inicialmente (abre o quadro de hansení-
ase com reação)
FORMA NEURAL PURA (NEURÍTICA): corresponde à
ausência de lesões dermatológicas, e ocorre em to- TRATAMENTO: corticoide com retirada gradual
dos os sexos e em qualquer faixa etária. após desaparecimento dos sintomas + tratamento
profilático de estrongiloidíase + prevenção de oste-
• Confirmação diagnóstica: biópsia de nervo sensi-
oporose + manutenção da PQT, se estiver usando.
tivo superficial
FORMA HISTOIDE DE WADE: nódulos endurecidos,
hipercrômicos, elevados na pele; mais comum em Tipo 2 (eritema nodoso hansênico)
recidivas. Corresponde a “queloides” sem história Alteração da imunidade humoral (reação por imu-
de trauma. nocomplexos circulantes).
Acomete as formas virchowi-
ana e dimorfo-virchowiana.
Ocorrem pápulas, nódulos e pla-
cas dolorosos, na pele normal,
distribuindo-se universalmente
pelo corpo, com preferência a
(1) (2) superfícies extensoras e face.
O quadro pode, algumas vezes,
ser de eritema multiforme-símile, com manifesta-
ções sistêmicas (febre, mal-estar, hiporexia), orquio-
epididimite, glomerulonefrite, miosite etc.
TRATAMENTO: talidomida; em mulheres em idade
fértil, na qual ela é contraindicada, pode-se usar cor-
(2) (3) ticoide.
• Em caso de reações oculares graves, orquite, eri-
tema nodoso necrótico ou acometimento de
troncos nervosos, fenômeno de Lucio e nefrite,
deve-se associar talidomida + corticoide

(4) (5) Fenômeno de Lucio


É um processo trombótico-oclusivo de
trombose de pequenos vasos da derme, re-
sultando em ulceração da epiderme. Carac-
teriza-se por máculas eriteamatopurpúricas
que evoluem formando escaras castanhas finas, • Descartar outras doenças
principalmente em pés, pernas, mãos e antebra- • Pesquisar sensibilidade térmica, dolorosa e tátil
ços. Pode-se realizar também palpação dos nervos, a
Varia de um quadro discreto, com poucas lesões, a procura de espessamento.
quadros graves que chegam a óbito. Pode ocorrer
na hanseníase de Lucio e no polo virchowiano.
EXAMES COMPLEMENTARES
Sua inclusão como um tipo de reação é discutível,
pois é uma manifestação inicial, que cede à PQT e Auxiliam na classificação que orienta o tratamento.
não recorre. • TESTE DE MITSUDA
o Não é útil para diagnóstico: os pacientes
MANIFESTAÇÕES NEUROLÓGICAS com doença mais grave (polo Th2) têm resul-
tado negativo (imunidade celular ruim)
Podem ocorrer antes mesmo das lesões cutâneas,
o Avalia imunidade celular ao M. leprae
mas são mais frequentes as perda progressiva de
sensibilidade (térmica, dolorosa e então tátil). ▪ É positivo no polo tuberculoide e nega-
Pode haver hiperestesia nas reações hansênicas. tivo no polo virchowiano
O acometimento se restringe aos nervos periféricos, o Negativo se < 5 mm
cujo espessamento pode ser até palpado. ▪ Reação precoce ou de Fernandez (48-
72h após): eritema e induração local
▪ Reação tardia (28 dias após)
o A positividade/negatividade não implica alte-
rações da resposta do paciente a testes com
outros antígenos, como tricofitina, histoplas-
mina, PPD ou substâncias sensibilizantes
• TESTE DA PILOCARPINA
o Pingam-se iodo e amido de milho, e então pi-
locarpina para provocar sudorese; se houver
sudorese, a mistura se cora de azul; se não
APARELHO GENITAL houver (hanseníase), não se cora
No polo virchowiano, pode haver atrofia bilateral • TESTE DA HISTAMINA
dos testículos, resultando em esterilidade e, tardia- o Após pingar histamina e fazer pequenos furi-
mente, disfunção erétil. Pode haver também gineco- nhos na pele, espera-se a tríplice reação de
mastia. Lewis – surgimento de eritema, eritema reflexo
Nas reações de tipo 2, pode haver orquioepididi- e pápula urticária
mite. o Não ocorre eritema reflexo (vasodilatação) na
hanseníase, apenas na área sã, porque há le-
são da inervação do vaso
OLHOS
• BACILOSCOPIA
Pode ocorrer lesão de duas formas:
o Realizada com linfa de pelo menos 4 locais (ló-
• Invasão primária (afeta córnea, conjuntiva, es- bulos das orelhas e/ou cotovelos + lesões cu-
clera, corpo ciliar e íris) tâneas, se houver)
• Secundária ao comprometimento nervoso (cera- o O índice baciloscópico varia de 0 a 6 e repre-
tite, úlcera de córnea, lagoftalmo – enfraqueci- senta a quantidade de bacilos no esfregaço
mento do m. orbicular, com alterações funcionais
▪ IB = 0 → paucibacilar
da pálpebra)
▪ IB > 0 → multibacilar
o Importante: nas formas virchowiana e di-
COINFECÇÃO COM HIV morfa, como os macrófagos não eliminam
A incidência da hanseníase não é aumentada em bem os bacilos mortos, o paciente pode se
PVHIV, ao contrário da TB. manter positivo após a alta
O HIV E A HANSENÍASE SE INFLUENCIAM MI- • HISTOPATOLÓGICO DE LESÃO/NERVO
NIMAMENTE
O tratamento do HIV não deve ser modificado du- TRATAMENTO
rante o manejo da hanseníase.
Pacientes paucibacilares
Inclui pacientes com as formas tuberculoide e in-
DIAGNÓSTICO
determinada.
É eminentemente clínico. Diante do paciente com • Dapsona + rifampicina 6 doses em até 9 meses
máculas hipocrômicas, devemos: o Rifampicina 600mg/mês (administração su-
• Verificar se há sudorese e pelos pervisionada)
o Dapsona 100mg/mês (administração supervi- DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL COM REAÇÃO: crité-
sionada) + 100mg/dia (autoadministração) rios clínicos + critérios laboratoriais (baciloscopia)
+ prova terapêutica com tratamento da “reação”.
Pacientes multibacilares • Critérios clínicos de RECIDIVA EM PB: dor no tra-
jeto de nervos, novas áreas com alteração de sen-
Inclui as formas virchowiana e dimorfa.
sibilidade, lesões novas e/ou exacerbação de le-
• Dapsona + rifampicina + clofazimina 12 doses sões anteriores que não respondem ao trata-
em até 18 meses mento com corticosteroide, por pelo menos 90
o Rifampicina 600mg/mês (administração su- dias
pervisionada) • Critérios clínicos de RECIDIVA EM MB (maioria):
o Dapsona 100mg/mês (administração supervi- lesões cutâneas e/ou exacerbação de lesões an-
sionada) + 100mg/dia (autoadministração) tigas, novas alterações neurológicas que não res-
o Clofazimina 300mg/mês (administração super- pondem ao tratamento com talidomida e/ou cor-
visionada) + 50mg/dia (autoadministração) ticosteroide nas doses e prazos recomendados,
A negativação baciloscópica é mais relacionada à aumento do índice baciloscópico com relação ao
carga bacilar inicial e à capacidade de clearance índice da alta ou baciloscopia positiva naqueles
dos macrófagos, não ao tempo de tratamento. Mais previamente negativos
importante do que a quantidade de bacilos é a sua Exceto nos casos de resistência, a PQT deve ser rei-
qualidade (índice morfológico) → os bacilos granu- niciada com as mesmas drogas.
losos são inviáveis.
OBS.: Devido a dificuldades na confiabilidade da
CRITÉRIOS DE CURA
baciloscopia, pode-se estabelecer como multibaci-
lares os pacientes com 5 ou mais lesões. • PAUCIBACILAR: fim das 6 doses em até 9 meses
• MULTIBACILAR: fim das 12 doses em até 18 me-
ses; se não houver melhora clínica na 12ª dose,
SITUAÇÕES ESPECIAIS
encaminha-se para avaliação e repetição do tra-
• MULHERES EM IDADE FÉRTIL: cautela pois a ri- tamento com mais 12 doses
fampicina reduz a eficácia dos ACO
• GESTAÇÃO: não contraindica a PQT
o Em caso de intolerância à dapsona, ao invés PROFILAXIA
de ofloxacino ou minociclina (1ª substituição • Diagnóstico e tratamento precoce
em não gestantes), usa-se clofazimina + rifam- • Vacina BCG intradérmica em contatos intrado-
picina miciliares assintomáticos (independentemente
• LACTAÇÃO: não contraindica a PQT de o caso ser PB ou MB)
• HANSENÍASE NEURAL PURA: deve ser tratada o Caso não tenha cicatriz de BCG ou tenha ape-
como PB ou MB, conforme a carga bacilar nas uma → 1 dose
o Caso tenha 2 cicatrizes de BCG → expectante
EFEITOS ADVERSOS OBS.: A não cultivabilidade do M. leprae dificulta a
• RIFAMPICINA: hepatite, síndrome pseudogri- elaboração de vacinas.
pal, trombocitopenia, rash cutâneo, choque e in- OBS.: É necessário examinar a família mesmo do
suficiência renal paucibacilar, porque, por mais que ele não trans-
• DAPSONA: gastrite, acrocianose, anemia hemolí- mita, ele pode ter pego a doença de um multibacilar.
tica, metemoglobinemia, fotodermatite, sín-
drome de Stevens-Johnson, dermatite esfoliativa,
eritrodermia, síndrome sulfona e neuropatia mo-
tora periférica.
• CLOFAZIMINA: pigmentação da pele e mucosas,
ressecamento da pele que pode evoluir para icti-
ose, dor abdominal e diminuição da peristalse
• TALIDOMIDA: teratogenicidade, constipação
intestinal, trombose, neuropatia sensitiva, edema
unilateral e sonolência

RECIDIVAS
São raras em pacientes regularmente tratados e,
em geral, ocorrem após 5 anos; a recidiva por resis-
tência medicamentosa é precoce, em até 3 anos da
alta.

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