Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
(Organizador)
DIREITOS DA NATU.REZA
MARCOS PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA_TEORIA GERAL
1 {
I .
Casa Leiria
São Leopoldo/RS
2020
'.
, DIREITOS DA NATUREZA: l
MARCOS PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA TEORIA GERAL
ARTICULAÇÃO NACIONAL PELOS DIREITOS DA NATUREZA
GRUPO DETRABALHO JURÍDICO
Autores
Anna Maria Cárcamo
Carla Judith Cetina Castro ·Articulação
Chantelle da Silva Teixeira Brént Milikan
Felício Pontes Jr. Luiz Felipe Lacérda
Johny Fernandes Giffoni .
Lu:civaldo Vasconcelos Barros
Manoel Séverino Moraes de Almeida Organização
Mariza Rios Luiz Fel.ipe Lacerda
Monti Aguirre
Vanessa Hasson de Oliveira
. .
' Secretário para Promoção ·da Justiça Socioambiental
da Província: dos Jesui~as do Brasil e
··Coordenador Nacional do OLMA
Pe. José Ivo Follmann, S. J.
\
Secretário Executivo
I)r. Luiz Felipe B. Lacerda 1
j
.1
)
·J
·.. ,'
.,
( '
,. ,.,\
·,
r • ' • • • • , ..
ISBN .9'78-65-'991.675.:3~9
: . ' ·.' . '.• ··,.· .. i
'.1.: Direito ambieritáL 2. Justíça socióambíental. 3".
Direitos da Natureza e:: Teoria geral." J. Lacerda,, Luiz ·
FeUpe.··. (Or_g.).. .. / ·. _, ' ' , '., ' ·\'
. /" ,, cou349'.6
./
~-----~------··~~··'.._,.·~----,--,-,----<;-~---'->-----' /
·.. 1. Catalogação ri.a publicação .· .·
Bibliotecária: Carlà InêsCóst~dos Sánros.~ CRB 10/973
' '·
.· .~ .. - . )•
_,,. '·
SUMÁRIO
9 Prefácio
Ivo Poletto
11 Apresentação
· 'Luiz Felipe Lacerda
15 Paradigma dos Direitos da Natureza
johny Fernandes Giffoni
Manuel Severino Meraes de Almeida
MarizaRios
Vtinessa .Hasson de Oliveira
29 A defesa da natureza em juízo: atuação do Ministério Público
Federal em favor do Rio Xingu no caso da construção da
Usina Hidrelétrica Belo Monte
Felício Pontes ]r.
Lucivaldo Vasconcelo_s _Barros
47 O Rio Whanganut e o povo·Mao~i: reconhecimento e garantia . .
. dos Direitos. da Natureza
·Monti Aguirre
AnntÍ Maria Cárcatno
· 55 Povo Xll;kuru vs. Brasil: um paradigma da Corte
Interamericana de Direitos Humanos na construção· dos
direitos t~rritoriais col~tivos dos povos indígenas
' Chantelle da Silva Teixeira
69 . Amazônia ç=olombiana como sujeito de direitos: sentença da
Corre S~premâ de Justiçà da Colômbia
·Carla Judith Cetina Castro
r"',
81 , Caso do papagaio Verdinho e a transição de paradigma na
jurisprudência brasileira
Anna Maria Cárcamo
91 Protocolos de Consultà e Conse~timento Prévio, Livre e
Informado no estado d~ Pará ,
Johny Fernandes Giffoni
105 Resistência e. teffitório: os povostr3:dicionais e a Covid-19
ManoelSeverinoMor4çs (Íe Almeida
113 Tudo está interligado: o rio, a comunidade e a Terra
MarizaRios
· 131 Direitos da Natureza no Brasil: o caso de Bonito - PE
. l0nes5a Hasson de Oliveira
1,47 Cortsideràçôes finais
· 151 Anexo ~Carta pública pela defesa dos direitos da Mãe.Terra e 1
. '
, 1
s\
' )
, ". -~~,
- ·(
PREFÁCIO
.. .
As Órganizações, inoVimentos, e pàstorais que constituem o ·Fóním Mu~ ·..
dànças Climáticas e Justiça'Socioarríbiental 1 . FMCJS decidiram, no Seminário
.Nacional realizado etn novembro de 2019, q~e, sem deixar de lado as demais ati-
. vidades prêvistas no plâno áe trabalho, deviarn ser assumidas duas prioridades: á
defesa .00: vida da Amazõ,nia cc:un seus póvos'e o recori.heciinert~o dos .Direitos da
a
Natureza; Mãe Te~ra~ ' . . . . ,
. ~ ·As conclu~ões dà. recente Sínodo para a Amazônia, reconhecidas e reforça"
·das pelo papa Francisfo âtr\lvés da mensagem Querfc4 Am~ônia, ·lndicavani ser -
, indispensável defender os direitos daswessoas e dà nàtureza para salvar a vida da
Màzônia com seus povos. E, mesmo antes dó. Sínodo, a encíélica Lau.dato Si' - o '·'
Cuidado da Casa Comum havia motivado o FMCJS a avàrlçar nay.tlorização dós .
biornas criàdos pela 'forra ~m todas as.ações que visavam séu objetiyopermahep.te:
identificàr e combater as táus~s do aquecimento global,~<iandq especial atenÇão
aos afe~ados/as pelas mudanças climáticas, na perspectiv~ da construção de sode-
dad~s de Bem Viver. ,- ' ' :- ' - '
A Articulação pelos Qireitos .da Natureza:_, a Mã~ Terra, q~ ·organiz.a essa1
publicação;. foi c<:mstituída por organizações, movimentos e pastorais qu.e acófhe-
. ,,, ram o convité do FMC}S para partilháreki a .missão de implerrientaf anecessá~ia ·
"mobilizaÇão pará alcançar o-reconhecimento desses direit9~ em todas os âmbitos
· · -da vida nacional. .E; para isso, provoçar um amplo é profundo processo de· reed1i-
"caçãà., de• muclànç_a da cultura domín~te ass~ntada :sobre ~ separaçãó êntre hü:- .•.
.\ .. manidâde é natureza,. ácolhendo. as. cu1turas. dos po~o~ indígenasie .·comunidades .
· ttadfcionais. . ; ' .. . . .'
. ' • . r---,._ i " . " .. ··. .
· . A r~alida4e .nos mostra, çóritudo/ que não é assim que muitàs pesso;rs ~e re- ·.
)
)aciot:iam côm_a Térra. A ed~cação dominante díf\iridiu uma cultura ~tropocên~ , , .
.· trica, e mesmo andfocêntrica', ~e cohsiderar o $er humano como superior a todó,s ,
.. os demai~ seres, por ser ~acioná! e livre, inteligeµte e criativQ. d que se denomindu. r
lg:'·
' . . ' . .1 ' .,_ ' - . '
1 ..
/.
. /~
:io \.Ivo Poletto
"naturezÍ' foi sendo considerado algo ext~rfor e inferipr _e, a0s poucos; algo. a ser /
apropriado como espaço éxcl~sivó deu~ grupo ou_ de uma pessoá; ~dando 'uma· .
. divisãd nãoautorizada e suoscrita pela Mãe Terra. E nesse tipo de sociedade, êm . · .
. que há mercàdÓ de terras e'a propríedadefoi tomando ares de direito absoluto e
sem limites por força de leis criadas por instâncias coú~roladas pelos diversos tipos
de, grandes prÓprierarios, que se torna absofµtamente 'necessário colócàr êm deba~
te e lutar'pelo reconhecimento deis Direitos da NaturêÚ, a Mãe Terra. Afip.al, .a
própria Terra cotre o risco de gerder- sua vitàlidade e seu equilíbrio energético p~r <
causa da int~risidadê abs4rda da.sua exploração a serviço dos interesses dos poucos (.
grandes senhores de.terra, reforçados•pelos poucos senhores das.font~s fósseis de.· .
energia e dos poucos que~ atfavés dos processos\de endividamento e especulaçáP:,
se tornaram senhores da riqueza exP[eSsa em moeda e títulos de crédito financeiro.
Que este livro nos ajude a~~vançar na coriquista do reconhecimento _dos
pirei tos d;1NatureZai a. Mãe Terra, condição para a vigência r~al dos Direitos
Humano~;~ · ·· · · ·
. . . , lvo,Poletto
F6r~m Mudan'ç_as Clin:táticàs e Justiça Socioambiental-:---PMCJS.
Artichlàção :Nacional pelós Direitos da Natureza - aMãe:Térra'
\.:
'\ ........ ,.·
)
, ..
. . '
.. \.
1;
/
I
:
y
í ...
A~PRESENTAÇÃ() '.
) . C;
_/.
--.,.
. '
,.
1
·(
. '-·
j
'•
Ap~esentação l l3 i
1
. da International Rivers, que apresenta o casÓ der papagaio Verdínho, ~ob .a ótica'
dos Direitos da Nati.ire~a. · · · · ·· ; ·\ ' ·
, !. Os capítulos sete e oito são apresentados; Tespedivamente, pmJ9hny Fer-
mµl:des Giffo'1.i, da Defensoria Púbiea do Ptiá, apordando os pro~9cólos de coq.~ .
sitlta e consentiniertto prévio, livre·e informado; epor ~an~elSeverino Moraes
de 1\lmeida, da Cát:edra de Direites Humanos do Helder Câmara/Uriiyérsii:l.ade -
. Católica de Pernambuco; tratando qa: resistência e dos territór~os do~ povos· ti-adi,
· cionaisfrente à pandemia da COVIli)~'l 9, · ·
. Mariia Rios, àa Escolii de Direito DomHelder Câmara; no capítulo sub-
sequenÚ,avança na.ieflexão sobre o~ Direitos da Natureza com relação às políti· ·
cas públicas, à democracia e aos·orçámentos municipais, demonstrando que tudci
... ~stá interligado. . . . ,
· ,Encerrando a·etapa de exposições e·estudos de casos, o décimo capítulo,
.escritci por Vanessa H~son de Oliveira,,~a:OSéIPE MAPJ\:S; ilumina11d.o-nos ·
e
;ma'vés' dos casos de Bonito (JJE) FlorianópoÜs (SC), .apresenta uma apurada
~náfise de textos legàis para aludir aos fi.mdainento~ de uma perceptiva: proiriissbra
,_\ 1'
:/ ·/ ,:
~, . '•
.'/
1. PARADIGMA DOS DIREITOS DA NATUREZA
INTRODUÇÃO
No presente cápítulo os autores buscam apresentar alguns dos pilaíes-sus- .
tent~culos do paradigma· 4os Direitos da Natureza.como. fundamen,to teórico/
científico capaz de direcionar ó módelo de raciÓnalidade utilizada na sistematiza-
• ção das experiências apresentadas nos capítulos seguintes da obra, racionalidade
pautada na construção comunitária do saber e do conhecer pela recuperação da
tradicionalidade cómo. força propulsora de uma nova interpretação das relações
sociais entre seres humanos ~ entre estes e os demais seres da Comunidade Plane-
tária e, por consequência, uma nova interpretação do Direito diante de uma mu-
dança ,do paradigma epistêmico com o giro ecocênt'rico.
Por essa razão, busca-se sistematizar uma linha :condutora de uma racio-
nalidade que seja capaz de albergar a pluralidade de saberes constituída pela nec
gação da exclusão dos membros da Natureza não humanos qlfô constiniern, em
inte'rdependência com os.humanos, em sua diversidade ~Ôciale ecológica, o pla-
neta Terra pela promoção da complementariedade que,ao v~r dos a4tóres, passa
pela compreensão de 'que a pioderhidade é umá realidadeinacahada e, nesta1 :a
trajetória do conheeimento regulação se .apresenta como a mesma face do colo-
nialism~ .e., na mesma medida, a'pós~modernidade se reconhece pela naturaliza~
.ção da exclusão globalmente pro4uzida pela própria· modernidade (SANTOS,
2000; BAUMÀN, 2000). ,
Por fim, é possívt::l .afirmar que a lógica da fücionalidade juddica· direto-
ra deste estudo tem por desafio avançar na c6tnpreeµsão e fortalecimento dos
princípios, a partir do giro biocêntrico e: de uma ética ecocêntrica e sob ,a ba~e
fundante do, paradigma da .harmonia com a Natureza, da interdependência, da
reciprocidade, da complernentariedade e do fazer comunitário em duas direções
compleme11tares. A primeira busca a construção formal, da Natureza com() sujeito
de direitos e a segunda tenciona o aperfeiçoamento do equilíbrio entre os pilares ·
da regulação e da emancipaçã() como alimento de uma pos$ível te'oria geral dos .
Direitos da Natureza.
l6 I Johny Fernandes Giffoni, Manoel S.everino Moraes de Almeida,. Mariza Rios e Vanessa Hasson de. Oliveira
1.1 PARADIGMA SUSTENTÁCULOS DA LÓGICA DOMINANTE DE SABER,
CONHECER E.PROMOVER·
. ' - ', ,
\
Parad~gma dos Oireitos dg N~tur~za J 21 /
.,
1 ·.../ \
-· -- - - ----~---------:---------'----'
22 l_J~hny Fernandes Giffom~ Manoel Severinq Moraes d~ Almeida, Mariza Rios e Vanessa Hasson de Oliveira
lonibolas, Raizeiros, Afrocolombianos, e outros grupos etnicamente diferenciados .
com o universo da Natureza e sua cosmologia enquanto ciência (SVAMPA, 2012,
p. 20).
Protocolos Autônomos ou Comunitários de Consulta e Consentimento de
Povos Indígei:ias e·Quilombolas, Planos de Vida, Reconhecime.n.to daPachamama
como sujeito de Direitos, Reconhecimento de Territórios e Territorialidades na
·.esfera judicial interna dos países Latino-amhicanos ou no âmbito da Corte ln-
• 1
:. "/
'\.
241 Johny Fernandes (;ijfoni, Manoel Severino Moraes de Almeida, Mariza Rios e Vanessa Hasson de Olivéra
Tocla essa relacionalidade, por sua vez, tem como-centro o paradigma co-
munitário, no qual as relações se dão em respeito à interculturalidade e corri orien-
tação horizontalizada. Parte-se. do dado re~l de· que· a comunidàde humana co-
munga de uma: mesma unidade, corri(un)idade, com os 1 demais membros da co-
munidade planetária, à .Casa Comum, como sublinhado por Francisco em sua
, Carta Encíclica Laudato Si' (FRANCISCO, 2015). Qser humano possui a capa-
cid~de de estar inserido na éomunidade maior, aquela planei:~ria, e é porque aí se
encont~a: com os outros de sua espécie humana e demais membros da coletividàde .
pl~netária, sendo com e entre eles, sendo, portanto, a própria unidade.
A condição de membro de uma comunidade pressupõe a condição de per-
da da individualidade. e paradoxalmente justifica a existência do indivíduo, 11a
medida em que.somente é se está entre e com os outros membros. Para tanto, o
. indivíduo precisa ser aberto com o outro "no es simplemente ni ante todo gene-
rosidad; amplitud en la hospitalidad y largueza en el don, sin'a en prihcipio da /
condición de coexistencia de singularidades finitas 'entre? las cuales - a lo largo; al
borde, en los limites, entre- <afuera> y <a~entro> circula indefinidaµiente la posi-
bilidad de sentido" (ESPOSITO apud OLIVEIRA, 2016). .
·ºque un.e os membros de um.a comunidade e, assim, a constitui, é uma
áusência, um dev:er de urria só via de indiyíduo para indivíduo; é o outro o que ca-
racteriza.o comum. Não é oque é próprio, mas o que é impróprio, o outro. Como.
conséquência, o indivíduo é desapropriado de sua subjetividade e forçado a sair de.
si mesmo e se deslocar flO outro.
Oparadigma comunitário, ainda na perspectiva das comunidades andinas,
é de estética circular e procura centrar sua lógica n.o princípio do bem víver (bien
vivir) ou viver'bem (vivir bien), o sumak kawsay ou suma qamana.. '
Foi com base nesse entendimento principiológico que, durante o perí~do
de confinamento social, pesquisadores dos direitos da Natureza publicaram o Ma-
.tüfesto Ha\monia, no qual se declara que: ' ·
20t0, on-line).
Reconheciménto este que nós leva ao anúncio de uma possível teoria dos·
Direitos da Natureza. É dó que tratamos a seguir.
i
Paradigma dos Direitos da Natureza i 2s
dando teses que fundamentam uma teoria ou. teo,rias dos direitos da natureza. Esta
abertura {l.lm norté do pensamento destolonial e de superação antropocêntrica.
Em se tratando da prjmeita sentença não antropocêntrica da C{DH, esta
data de 6 de fever~iro de 2020 e rec~nheceti a proteção dos direiH:is dos povos in-
dígenas, no caso "Comunidade Indígena Memb~os da Associação Lhaka Honhat .·
(NOssa Terra) vs. Argéntinà'. Esta é a primeiravez que o tdbi.mal em'su.a jurisdi-
Ção e convencionalidade. criou um precedente _sobre os direitos à água? alimenta-
ção, meio. ambiente saudável e identidade cultural 1 •
. •Outro precedente importante ocorreu naAu~trália, a. Leida Proteção do Rio
Yarra (Wilip-gin Birrarung murron) promulgada é!Jl 1° de dezembro de 2017. O .
repositório reconhece legalmente os Yarra como uma entidade viva e indivisível. Re-
conheceu o direito tradicional da propriedade dos povos tradicionais do RioYarral. ·
.· .
~· REFERÊNCIAS
ACOSTA, Alberto. O hem viver: uma op~rtunidade para imàginar oÚtros
·mundp~. Sãó Paulo: AU:tonomia Literária; Elefante, 20i6. . .
: . ~ . l
.·AGAMBEN, Giorgio. Signatura rerum: sobre 9 método. 1. ed: São Paul~: Boi-
ternpó,2019. . . · •
AIJ'H;Fernando·et al. Manifesto·Harmon,a. 2020 . . Disponível em_: http~://_.
. .· :wWw.change.org/Manife~tQHar ntonia. Acess.0: em: 22 ago~ 202Q. ·
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade liquid~ Rio de Ja~eiro: Joi;ge Zahar Edi- ··
tor~ 2000~ \ . <· . . - ·•_/
:BA:UMAN, Zygmu~t. Mode~dade e ambivalêµcia. Rio dejaneiro: Jorge zpi~,
. ai Editor, 1999, . . ... . . . .. .
· BAUMJ\N, Zygmunt. O nial-estar da p6s~modernidade. Rio: de Ja~eir9: Jorge,~ ..
Zahar Ediror. 1997: · ' · · ··
. .BOFF, L~nardo. São Francisco de Ass.is: Ternuci e-Vigor. Petrópolis: Voze~,
' 1981. ' . . ' . ' ' '
·• - nômicos, 200~ .. · ,,
\
- .
Paradig,,;a dos Direitos da Natureza J 21
l 1 •• ,
! 1
;.,!
1
·,i;
L .. :i,
2. A DEFESA DA NATUREZA EM JUÍZO: ATUAÇÃO
DÓ MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL EM FAVOR
. DO RIO XINGU NO CASO DA CONSTRUÇÃO
DA USINA HIDRELÉTRICA BELO MONTE
INTRODUÇÃ~
. .
Este capífulo fáz uma análise sobre a discussão jurídico-filosófica do pro-
' cesso de reconhecimento da Natureza como sujeito de direito pelo Poder Judiciá-
rio e o papel do Ministério Público Federal na defesa do meio ambiente, .como
ator importante na condução de casos lt:;vados à arena judiciaL, O objetivo prin-
cipal do texto é apresentar um caso prático de violação do direito da Natureza na
Amazônia brasileira e seu impacto no pensamento acadêthico e jurídico, apre- ·
sentando a ação judicial do Rio Xingu durante a construção da Usina de Belo
Monte, no se.nddo de aprofündar as reflexões acerc~ da mudança de paradigma
de uma .vertente antropocêntrica utilitária para urha visão.ecocêntrica sistêmica,
bem como oferecer um viés teórico .com vistas,a fortalecer os princípios que dão
. susteí:náculo a uma possível teoria geral'dos direitos da Naturez\Í.
· Se olharmos o retrovisor da História, chegaremos à conclusão que guarda-
mos de qossos antepassados memórias desafiadoras em relação à proteção e à pre~
servação da Natureza, muita~ das quais nos remetem a tristes episódios sobre~ar
te da fauna e flora já não mais existentes entre nós. Somós, assirh, guardiões dos
recursos-presentes e .temos à responsabilidade· de' deixar aos nossos descenâentes'
um saldo ambiental positivo, riecessáriü" à continuidade da vida na Terra. Os .erros
c\â passado devem servir de aprendizado para, a atual geração e nortear um futuro
melhor e mais limpo para as gerações vindouras. ·
Nesse l).ori:zonte histórico, a.Amazônia representa uma das últimas fronté-
ras.ambientais planetárias e, ao mesmo,tempo, um dos celeiros econômicos m'ais
cobiçados da humanidade, com sua biodiversidade vital para todos os seres,
Numa perspectiva espaço-temporal, atualmente o ritmo da ~xploração IJ.ª
Amazônia tem sido muito mais veloz que nos séculos passados. Apenas pira ilus;-
trar essa constatação e partindo de uma dimensão ecológica, Araújo ~ta!. .(2'017 1
. p. 15)lembram que a participação percentual.do desmatamento êm Unidades d~
j 29
.30 1 Felfcià Pàntes Jr. e i.ucivaldo Vasconcelos Barros
. . .
1 '· · Ação'Civil Públicrn: :2s9~4-98;201 l.4:q13900, àu~da mJustiça Federal de Bdém (;Á) em
17 de ~oséo dé 201 L _·. · ·
A defesa da natureza em juízo: atuação do.Ministério Público Fed<?ral em favor do Rio Xingu... 131
Como resultado, compreende-se ser possível vislumbrar o reconhecimen-
to e legitimação de um novo ~statuto ambiental, que considere a Natureza cofuo
ente liotado dtrtl.tularidade jurídica, acatando princípios e regras baseados na re-
e
ciprocidade na sociabilidade mais respbnsável em relação ao rnidado com a Casa
Comum. · ' ·
f '
32 I F~lf~io Pontes Jr. e Lucivaldo Vasconcelos Barros
futuras, fazetido com que a proteção antropocêntrica do passado perca fôlego,
pois está em jogo não apenas o interesse da geração atual'1.
Nesta mesrqa linha de Orientação, Nash, Fox e Serres apud 1Diegues (1996,
p. 35) também advogam a tese de que tudo que há no mundo natural, indepen-
dentemente da utilidade dada pelo homem, eleve ter iguais direitos. De outro
lado, Furtado (2004, p. 151) expõe que a velha doutrina antropocêntríca, de
caráter e interesse utilitário, pode ser sintetizada como uma visão relacionaf do
homem com a natureza que "nega o valor intrínseco do meio ambiente e dosre: ·
cursos naturàis, resultando na criação de uma hierarquia na qual a humanidade
detém posição de superioridade, acima e separada dos demais membros da comu-
nidade natural".
No dizer de M.cCormick {1992), a compreensão sobre o ambiente natu-
ral emergiu de. pesquisas concebidas nos séculos XVIII e XIX,. afetando profun-
damente a visão do homem quanto a seu lugar na Natureza~ O domínio sobre·o
meio ambiente era visto como .essencial para o progresso e para sobrevivência da
raça humana. Mas uma "consciência biocêntrica'' ·foi sqrgiiido gr~duall1lente, ao .
reforçar o restabelecimento do sentido de inter-relação entre hom~m e natureza.
• - ' - ' ' ' ' ' \ 1
·Na visão de Serres (1990), o 1llúndo atual precisa de uma sociedade que
considere a Na~ureza como um mecanismo de garan_tia da sustentabilidade· da
vida. Ségundo o autor, é preciso não apenas um "ContratoSocial" na fçrma como
foi concebido por Rousseau (2000), mas também µm "Contrato Nat.Q.ral" qu~
resgate a solidariedade e a relação homem e Natúreza. Para o pensador e fil,ósofo
francês, a economia deve se preocupar com 6 meio âmbiente de forma sustentá-
vel; pois. é da Natureza que advém todos os insumos para sustentat o moderno
modo dê yida. ·
Também é esse o sentimento de Polany (1988), ao afirmar que a Terra e as
instituições humanas estão entrelaçadas. Para ele, do ponto de vista da economia
de mercad9, essa separação talvez até seja possível, mas a fu1:1ção econômica. é ape~
nas uma entre as muitas funções da Terra. A mesma rese defende Acosta (2010), . ,"'
ao afirmar que a: Narur~za .pod~ sim s.er sujeito de direito. .
2 Úiscu;imos a mesma questão em obras publicadas anteriot!Ilente: ·Pontes Jr. e Barros (2015;
2016). . '
A defesa da natureza em juízo: âtuação do Ministério Público Federal em favor do Rio Xingu... 133
Na opinião de Gudynas (2010, p. 51), a Carta Magna do Equador, apro-
vada em 28 de setembro de 2008, elevou a Natureza como sujeito de direito ao
nível de mandamento constitucional:
,3 Dá Declaração Universal dos Direitos da Águ.a, da ONU, de 1992, é.possível extrair os fu~da
mentos que' embasam a tese da possibilidade das águas .como sujeitos de direitos (DE CARL!,
2017, p. 96).
------------' -- ______ _____
, ----------------------~
Depois do. debaté. fomentad9 pel(Y caso Siem1 Cfob v.. Morto ri,· julgado .pela
~uprema~Coàe dos Estados Unidos, em 1972,..especialmente capii:anead~ pefq /
artigo Should tree.S have standingf Towa~dlegal rights for naturaf. objects; de Chris-
tópher Stone (1972), P~ofessor da Uni.versity qf Southerh palifornia School
of Law,f5onde sustentou à natureza como titular de direitos e; asshn, o seu
direlto de postular ~!11 juíw, •perspedlv; que não vence.u na SU:p~enià C:orté,
• mas que1tecebe4. três votos favoráveís ,contra quatro contr,ários, ,oJeading- case
' . . no mul!do, admitindq .anatureza em jtíízo, ocorreu no Equador, em ·março
._. ,_. d~ 2011. A Çorte Provincial. de Justiça de Loja reconheceu o Rio \("ilcabam-
. 'ba corno détentor <;le valor próprio, _sujeito de direito, que estava tendo o seu
e<:;ossistepi~ prejudicado por detrito~ d~spejado~ em função ela construção.de· ·
uma•carretera."
·.' , ..
.·. . . Ainda parnOliveira (2015, p. 101); a sente~ça ~tribuÍ~ aos juízes o eom-
promisso de "conferir efedvidade aos direitos da nàtúteza, nada' mais normal em
função do dever.dé cumpri.rp.ento da Constituição". . . ,
~No Brasil, o- Ministério Público Federal se encarregou de levar a juízo a
tése/dà Natµre7a como sujeito d~dir:eito4, d1;1.rante a ~onstrução da Usina de Bel-o
Mo~te, bride problema.$ de toda ordem "Ocorreram; desde corrupçã95; com ~esvios
çl:e alta nion~a, até Óperigo iminente de prejuízo' a ur'ri dos hlanànci<li.s màtinhós
· mais belos e impomrntes da região ~ o Rio Xingu6: · ·
.. ·' ·. . .·
4 · ' ··· Es~a eas demais ações podem se~ vis~as ~ acorp.panh~das no Ii~k http://bit.ly/acoeshidreleuicas.
· .• ~, 5 • o esquema de corrup.ção e lavagem de dinheiro foi encoberto p~Ía propagand~ da g~raçáo de erier-
,. . , gia para evltarum novo "apagão" (;~~o o, ócor~ido em.2001 no•pa:Ís (MEDEil~.05;201-7; p.158)'. .
6. Ver--vídeo no linkhttps:l{Www.y'durube.tbm/watch?v-:fWDEilY8WBY. .
-~- - . " . i ;, ,./' .
''-·.
.3 61 falido Pd~tes Jr.' eLucivaldÔ Vasconcelos Bar;os
to sqb análise. b projeto de B~l~ Monte remonta à década de 1970 e ateridi:i a ..
Uma neéessidade de o PóderExecutivo fed~ral promover o projeto desenvolvi~
mentlstabra5ileirq no que tangeaó aproveitamento-energéticodo piís, num pe:.
:ríodb em que não havia \nn mçircoJegal 'claro acerça qaproteÇão ambiental. ·
· Os primeiros Esmdos de Inventário l;Iidrel.étrico da Bacia Hidrográfica do
. Rio:Xingu datam da.década de 19'70, Mais tarde, nos anos 1980;.i Eletronorte
começa a fazer estudos de vfabiÍidade téciiiéa.e econô"mica do chamado Complexo
1 Hidrelétrico de A,ltaríiira,Jorma4o pelas usinas de Bab;tqúatáe Kararaô.
-.., . No ano de 1989, ~ur:µJte o 1º Encontro dos Povbs Indígenas do Xingu; · ·
realizado na cidade deiAltaniira (PA), .:i líder indígena Tuíra, ém sinitl de protes:..
to, leva."nta-se da plateia e ericosta a l~míha de seu facão' h~, ros!o deJosé Antônio
Mu~iz, ·dirétor da Eletronü"rte. à .época, qúandef este'fal~va sobre a construção ej.a·
USina ~araô, mais tarde batizada de Usina Befo Monte'diante dos protestos dos
'd-
povo~ ih ígenas.
/ ' .
J
• · ,
1
-\
' '
'- (
·-!'/
/ A defesá.da natureza em jufzo: ãtuaÇão do Ministério Público Federal ~m favor do Rio Xingu... 13 7
A ~tuação do' 6rgão" ininis,terial no caso da construção do ,complexo am- '
biental na Bacia do Rio Xingu foi cansativa, mas de grande relevância, 1;1m pa-
.' ~'. .
ndigrná em termos qe
;i.rivismo judicial, 'defer:idendo'a necessidade' pqr parte de
tod9s os àtotes sociais ~ em especial do .Póder Judiciário como o último frontde
,apelo social. Par": Cunha e_Silv;a (2016, p. 175), a adoção de m~a· posiçâQ políti-
~ cá mais proativa e "ação mais engajada politicàmente, dd pr_6piio judiciário seria
positiva para a 'cçmstrução ·de uma otqem jurídico~ambiental,. ou de Estàdo' De~
mocráfü;o Ambiental", erri prol.da conservaç~o dos recursos naturais para impedir /
exàgero.s ou próces~os de degradação dàNatureza. , .. .
.) Finalmente, rio dia 17 de agosto de 2011, (conforme assevera Férrei.ra
"(2013, p. 417), a !'defes:i dos diréitós da Natureza foi apresentada pela primeira ·
· ve~ ao Judiciarío, na Ação Civil Pública; interposta pelo Ministério Phl.blico Fe- ,
dera). 'dó Pará (MP'f/PA)/ com'pedido de paralisação das obras daHidrelétrica de'. 1
. Belo Monte, no Rio Xingu". · · . '
FONTE DE
'i TITULO ÀUT,Ó:iUA· ANO .INFolll\1AçAo .
ARTIGQ "Bel~-Moiue: riscd ou pregresso?" ' Luciàna Rodrigues 2011 · ~evistá'Latitude, v. 5,
' .' n2, p.111,139, 4.,011
(on-line): · '
PISSERTj\ÇÂO "Direito fundaiilental ao C~res FirQ.~dà 20.12' · -Base on-lín~ da
des~nvçilviq:ientci '.e .condições para a realiza,ção ..Corrêá " UniBrasÍL
dos direitos fundamentais rto setor ene~g~tic9:
o ca5o _da Usiria Hidr~elétric~ B~lo Monte". ',
DISSERTAÇÃO 'fO Estudo de AnPjéiá. Ponciàno 2012 . Repositório on-lih.e &, · '
Iinpacto Ambientá! e ~üà complexidade .. 'de,Mdraes ÜFPB. .·
.(
·jurídk.o-admiiíisrtativà'. '·
/
381 Felício Pontes Jr. e Lucivaldo Vasconcelos Barros
ARTIGO "ATerra como sujeito de direitos" .. Mateus Gomes 2013 Revista da Faculdade
Viana de Direito (on-line).
TCC, "Desenvolvime;,to econômico e os André Demetrio 2013 Repositório on'line de
c,lireitos das populações indígenas: ~mação Alexandre TCC da Unesc.
do parquet no detrimento da aplicação
dos direitos humanos na construção do
Aproveitamento Hidrelétrico (AHE) Belo
1
Monte"; .-
.
TCC "O licenciamento ambiental da Usina - Prisdla Lima 2017 Base on-line de TCC
Hidrelétrica de Belo Monte". Medeiros ·. da UniRio: .
TESE "Violência e_ estado de exceção na .Sabrina Mesquita 2017 Repositório on~line da
:-
· Amazônia brasileira: um estudo sobre a do Nascimento ÚFPA- PPGDSTU . 1'.
implantação da hidrelétrica debelo m9nte 'no "_1------
Revista). J
'
40 1 Felício Pontes Jr. e Lucivaldo Vasconcelos Barros
ARTIG0 "As gerações futuras como súJeito Felício 'Pontes 2018, Revista do Tribunal
de direito ao meio ambiente ecologicamente Jr. e Lucivaldo Regional Federal da 1"
equilibradó: o acessei à informação C:Omo base Vasconcelos Barros Região.
para ilrna consciência intergeracional".
ARTIGO "Inovação na Construção da Mariane Mórato 2018 R~vista Fronteiras:
Jurisprudên~ia Intérnacional Ambiental: O Stival e Marcelo Journal of Soçial, .
caso da Usina de Belo Monte no sistema Dias Varella Technological and -
interamericano de direitos hum.anos e os . 1
/
Environmental
reflexos no Brasil". Science, v. 6, n.4,
p. 1S1-203. Edição·
Especial 20.17.
ARTIGO "Ministério Público e ~ Wi!Slmara Almeida 2018 Revista de Dir~ito
judicialização da_ polítka: uma anális~ a partir Barreto Camacho, - Viçosa (Site da
da implantação da Usina Hidrelétrica de _Belo MariliseAna Revista)_.
Monte no Parâ'. Deon l?eterlini, /
-
EDUEPB.
.· /
TCC "Contextos rurais e conservação francisca Shelley_ 2019 Repositório on-line da
ambientá! ~o Brasil: uma experiência - onde Dilger UFRGS.
está a· Psicologia?" ' ' ....
A defesa da natureza emjuízo: atuação do Ministério Público Federal em favor do Rio Xingu... 141
DISSERTAçAO Direitos da Natureza: a Andiata Cristine 2Ql9 Repositório on-line
ecologia jurídica e política do giro bíocêntrico Me'rcini Fausto da Universidade
como paradigma para a restauração do Rio Federal de Quro
Dote". Preto - Programa de
Pós-Graduação Stricto
'
' Sensu em Direito -
J Novos Direitos, Novos
Sujeitos.
tIVRO "Pensamento crítico latino-americano Edna Castro (Org.) 2019 Disponível on-line na
reflexões sobre 1políticas e fronteiras Belém''. íntegra no R~positório
'
Digital deCLACSO.
LIVRQ "Direito Constitucional Comparado: Emilio Peluso 2020 Disponível oncJine
perspectivas contemporâneas". Neder M~yer na íntegra no site da
(Org.) . Editora FÍ (ISBN:
' 978-65-81512-55-2).
CON$IDERAÇÕES FINAIS
A efetiva defosa da Natureza exige uma mudança dé postura e o abandono
da visão antropocêntrica predominante em nossa Sóc,iedade para dar lugar a no-
vas interpretações, em que a proteção de ,outros ser~s vivos seja considerada em
,_ contraposição aos acontecime~tos, nocivos e quase irreversíveis provocados pela
sociedade pós~industrial. - ' ' · · , , ·
. Em última análise, o que se pretendé proteger é a vitalidade e afuncionali-
dade dos e~ossistemas; sem o comprometimento das suas funções, evitando a ex-
tinção de espécies. Desse modo, assegurar úma vida ambientalmente equilibrada
para o homem requer também garantir a sobrevivência dos demais seres vivos e
isso diz ~espeito a uma questão necessária, real e urgente. .
Não se trata apena~ de uma discu~são teórica ou doutrinátia, como defen-
. dem alguns operadores do Direito, pois os direitos fundamentais são produtos de
conquist.i.s históricas. Um exemplo bem atual foi a;decisã9 paradigm#ica_tomada
pelo Comitê de Direitos Humaros das Nações Unidas, segundo a qual os refu~
giados dos efeitos das mudanças climáticas não devem ser devolvidos a. seu paí~
de origem, se ao retornarem 1seus dir~itos humanos básicos estiverem em risco7:'
' Observa-se que no percurso da lJ,u~anidade pouc9 se, evofoiu em termos
''1
de inclusão de novos sujeitos- como detentores de direitos. As consequências da
. falta de proteção da Natureza são muitas das vezes 'invisíveis, difíceis de mensurar -
e o tempo acába sendo -0 único senhodmplacável. .
Mais do que ~ma proteção baseáda rio for,mali§mo jurídico, faz-se necessá-
rio formar unia cÓnsciência ética ambiental como alternativa para garantir apre-
. servação do Planeta. A tutela da qúalidade do meio ambiente corri os seus múl-
tiplos recursos visa, em última instância, a,garà~ti~ de.·vida como bem maior da
exis,têneia e sobrevivência de t<?dos os seres que compõem a grande teia.
. REFERÊNCIAS \.
\
. ACOSTA,· Alberto. -Ueclaraci6n univets~ de los derechos de lã natufaleza. '
. 201 d. Disponí-vel ~m: http://wmv;derechosclela~~tur~eza.coin. Acesso em:
21 jan; 2020:_ · .
. ' . • • 1 .
··i
\ r·,. . ./
·, ·.•,. ,·
A defesa da natureza em juízo: ,atuação do Ministério Público Federal em favor do Rio Xingu...143
.~:
.\. ,..
Í_I, /· ,,
• 1
.\ . (. \
.··-.---
=-------..--=--=·~-~~~~~--~----------------·-------------~---------"
A defesa da natureza em juízo: atuação ão Ministério Público Federal em favor do Rio Xingu... 145
jan./jun. 2015. Disponível em: http://www.domhelder.e,du.br/revista/index.
php/veredas/article/view/393. Acesso em: 26 jan. 2020.
VIANA, Mateus Gomes. A Terra como sujeito de direitos. Revista da Faculdad~
de Direito, Fortaleza, v. 34, n. 2, p. 247-275, jul./dez. 2013. Disponível em:
http:/ /www.revistadireito.ufc.br/ índex. php/ revdir/ articlé/view I'.ile/ 106/ 87.
1 '
Acesso em.: 26 jan. 2020. ·
VIEIRA, Flávi~ do Amaral. Direitos humanos, e desenvólvimento na, Amazô-
nia: Belo Monte na Comissão lnteramericana de Direitos Humanos, 2015.'
243 p. Dissertação (Mestrado em Direito) - Centro de Ciências Jurídicas,.
Programa de rós-Graduaçã? em Direito, Univérsidade Federal de Santa Ca-
tarina. Florianópolis, 2015.
r
3. O RIO WHANGNNUI E O· POVO
MAORI: RECONHECIMENTO E GARANTIA
DOS DIREITOS DA NATUREZA•
Monti Aguirre
Anna Man"a Cárcamo
INTRODUÇÃO
. Q objetivo dq texto é compartilhar a luta histórica dos Maori na Nova Zec
lândia pelo Rio Whanganui que resultou em decisão de tribunal e no pbsterior
acordo entre o Estado e tribos Maori, em 2014, que foi ratificada pelo Padamen~ .
to Neozelandês e se tornou uma lei em 2017, qlle reconheceu o Rio Whanganui
çomo sujeito de direítos. De r1osso ponto de vista, o caso pode servir como su~
porte para a experiê11e:ia brasileira no reconhecitnento dos Direitos da Natureza.
·· A hipótese que permeia a leitura é de que o reconhecimento formal· dos
• Direitos da Natureza constitui uma etapa importante .na garantia de realização ,
çlos Direitos da Natureza e, nesse campo, traz uma particularidade muito impor-
tante que é o pwtagonismo das populações tradicionais. Dessa maneira, optou-
-se, em primeirolugar; por contar, mesmo que resumidamente, a história çlo povo
Maori na defesa do Rio Whanganui, .considerando as especificidades do cirdena-
mento,jurídicodaquele país e, em s~guida, reler a lei de. 2017, no intuito·de apre-
sentar o caso de forma a fortalecer a luta social a partir da premissa diretora da· ·
qual a natureza, a ten~ e a hhmanidàde estaocoríectadas a ponto de nos permltfr
. afirnur que unia depende. da outra para a garantia de sua sobrevivência.
1.
O Rià Whanganui e oJiJJVO Mao ri: reconhei:imento e garantia dos Dir~itos da Natureza· \ 19
urbanos, trouxera~ ~nia degrádação clq rio e das matas. Ciliares; levando à ero-
são do mesmo (WARNE, 2019; GOECKERITZ, 2020). Em 1903, a situação·.
se deieéiormí, devido a umalei'i:J.ue Çstàbelecéu a propriedad~ de tod~s {s águas
naVJ!gáveis ao governo, em.contraqição ªºTratado de Waitangi (W.ARNE, 2019).
Aii;ida os Mao ris ,perderam o acesso às suas terràs t,radidonais e áreas de pesca, in-
clusive pela erÍilção de parques nacionais; e passaram· a viver na pobrezi (GOEC
KERITZ, 2020). ' ".
Os Maori hunca desistiram de lutafpor sçu rio, foram inú~eras vezes ao
Congr'ésso e ingressaram com litígios fim múltiplàs"eórtes a. respeito. da titulari-
dade dó rio. ESpecificaménte, desde 1?73; J!leiteavam seus direitos C\Om .base no ·
Tratado de Waitangi,; q1'Je reéonhecia os direitos dos Màori sob.re as suas terras
·. {O'DONNEL; TALBOT-JONES, 2018). U;Il desses litígios, Wái 167, foi levado·
ao 'Trihuna! Waitangi, que em 1999. reconhe~eu a propriedad~ do í."io por parte.
dos Maori (WAITANGI TRIBUNAL, 1999), que desencadeou 1.ún processo de "··
I,· negociaÇões. ·: · . . ..· . . · , · ·· . .· '.
. A.penas após· 140. anos de litígib's e negocfa.ções ent:re os Maori e o Estado,
· este :reconheceµ o rfo:corno e~tidac,i.e vi.va que deve ser protegida de 111.odo a preí
servar a ceíntinuidade de sua existênda·~m.p~enitti*: O Ministro da NovaZe~.'
lândia, !espqnsávd pelfS l!egocfações e pd0Tratad9 .de Waitangi, reconheleu que.
para se chegar ao entendimento foi ·necessário o afastamento ·de conceitos ociden-
tais e a abertura à conipreensã.o decomo os Maori viam o rio -(Christopher~ Fin-
layson, entrevisd.em Goeckerip;; 2020). · . · · · · . · . ·
. ' . ' . ' . -/ '-
(•
50 1 Monti Aguirre e A.nna_ Maria Cárçamo
' .
Liz Charpleix nota que, apesar de ser' importante veículo para o reconhec.iment0 de di~eitos dos
Maori, o tribunal airida é fruto do .Tratado que reflétiu principalmente visÓes dos britãnicos e,
portanto, ainda não chega a ser verdadeiramente pluralístiéo (2017). Para que haja um sistema
pluralístico, sâo necessá~ios um diálogo, conhecimentos e uma ruptura de dualidades, o que Boa-.
venrura de· Souza Santos s;onsidera uma sociologia das "ausências e emergências" ho campo jurídi-
co (SANTOS, 2002). ~ .
2 . Conforme Boaventura de Souza Santos, a exclusão de outras possibilidades e oposiÇóes entre cul- ,
turas se dá pqr conta do dualismo do pensamento ocidental, o que denomina como "pens,amento
metonímico"
. (SANTOS, 2002). .
3 o Neoz~landês não Mao ri é denomin.ado comó Direito Pãkehã, em maori (CHARPLEIX, 2017).
ORio Whanganui e o povo Maori: reconhecimento e garantia dos Direitos da Natureza i s1
Tupua Act ao set referendada pelo parlamento. A lei aéolhe os Direitos da Natureza
ao garantir ao rio a sua personalidade jurídica, incluídos os lago.~, tributários, riachos
e deryiais ecossistemas aquáticos naturais,assoeiados ao rio. Portanto, 0 sitr;passou a
ser sujeito de direitos e deveres, podendo ser representado frente ao judiciário. Ade-
màis, a'lei compreende a sua indivisibilidade, incluindo a sua "dimen~ão física e me-
tafísicà', de forma mais holística. Reconhece, ainda, o Rio Whanganui corrí:o ~asa,
fonte de'alimentos e transporte, bem como sua importância so~ial e cultural para os
iwi e hapu. Sendo assim o Te Awa Tupua Act observa o pluralismo jurídico e a rela-
ção intrínseca entre o rio e os habitantes maori da região, e compreende que existe
uma relação de benefício mútuo entre o rio e essas comunidades.
. O Te Awi. Tupua Act também possuiu caráter reparatório, ao reconhecer
as injustiÇas cometidas durante a colonização e incluiu um pedido de desculpas
oficial aos iwi. Estabeleceu uma indenizaçãode oitenta milhões de dólares neoze-
landeses aos Mao ri, pelo dàno. feito ao· rio, .e um milhão para o estabelecimento
de quadtolegal do rio, gerido por urrí corpo ju~ídico denominado Te Pou Tupua,
os "guardiões do rio". . .
A criação do Te Pou Tupua foi essencial paraqµe se efetivasse a proteção do
rio. O órgão foi criaqo com a capacidade de agir e representar o rio, sendo dotado
.de "todos os poderes n.eéessários para atingir seu propósito" e tem o dever de pro-
mover a "saúde e o bemcestar do rio". Segundo a lei, deve. pr~téger não apenas o
rio em si, mas também todos os elementos do seu ecossistema. Cabe ressaltar que, ·
por conta de sua personalidade jurídica, os representantes do rio tàmbém podem 1
ser responsabilizados pelos tribunais (RODGERS, 2017). '
O Te Pou TupU:a foi estruturado de forma a não reproduzir um viés pre-
servacionista que gerisse o rio' de maneira pautada apenas no 1conhecimento cien~
tífico ocidental. Assim, trata-se de um corpo que incorpora as cosmovisões Mao-
ri é seu conhecimento tradicional. Ü'corpo jurídico inclui em sua composição
apenas dois representantes, um deles nomeado pelos iwi e outro nomeado pelo
Estado, após consulta ao Ministro do Desenvolvimento Maori e de Conserva~ .
ção. Assim, estabelece um equilíbrio de interesses entre os povos maori e os povos
neozelandeses. ' '
A leitambém criou outros co~pos de góvernaoça, o Te Karewa,o, um grupo
consultivo formado por três pé'ssoas, apoiador do Te Pou Tuptia, que inclui reprê:
sentantes nomeados pelos iwi, pelo Te Pou Tupua e pelas autoridades .locais, além de
1 estabelecer o Te Kopuka, um grupo mais amplo, composto por dezessete memb.ros
que'lida com questões mais estratégicas a nível distrital, Para o planejamento da pro-
teção h{drica, criou o Te Heke Ngahuru e, para a gestão das margens, o Kia Matara
Ràwa. Por fim, a lejcriou um fundo para manter e gerir a conservação do rio,
Apesar de criar amplo re;conhecimento .inovador ereparador em relação
, ao Rio Whanganui, existe unia crítica uma vez que a lei não restringe os direitos
de propriedade privada no entorno do rio ou estabeiece diretrizes de como o.rio
deve ser gerido (CYRUS R. VAN CE CENTER FOR INTERNATIONAL JUS-
TICE; INTERNATIONAL RIVERS; EARTHLAW CENTER, 2020). Inclusi-
ve, o· grupo de dezessete representantes de stakeholders para lidar com estratégica.
do rio (Te Kopuka) inclui representantes da empresa Genesis Eq:ergy Limited que·
521, Monti Agi1irre e A;na Maria Cárçamo
0
' .
.• < utiliza 82% da água d~ n,as'centes do rio para energia· hidrelétrica (O'DONNEL; ·
'TALBOT"]ONES, 2018). . .
Por outro lado, a lei transferet9daterra de propriedade pública na bacia do
rio para a gestão Te Avra Tupua, e estabelece que a géstão devé ocorrer de mod.o
a retratar "os valores que repre~entem a es_sência do Te Awa Tupua". Portanto,.º·
rio' deve ser getido ,de modo a manter a suâ i,ntegridade; o seu valor espiritual e
os seus serviços ecossistêinicos aos Mao ri e outras comunidadés locais de maneira
~ustentável. Entreranto;ipor ser rntí.itÓ recente, aiqaa hão é pó~sível avaliar se a su;'
imp,let,nentação est~ ocorrendo de forma a cumprir os valore~ e objetivos delin!!a-
do.s na lei de maq.eira efetiya. " ·
. .. .
3.4 _RECOMENDA,ÇÕES PARA O CONTEXTO' BRASILEIR.O
.i. :'
1
, " :Como m(!nci~madó, o ·àmtextÓ neózelan:dê's se .difere~da muito d~ brasi-
leiro. O reconh~d,ment-0 da pluralidade JtJ.-rídica e~ dos direitos do~ !Maori sobre
suas _terras, com fundamento noTiatadq de Waitangi(e a exfsi:ênda de Tribunal
Waitangi fora\n. fundamentais p51-Ta permitir que oS: Maori garantissem esse d1rel-
to e o reêonheciQiéntÓ do~ Djreitos da :ijatureza em sCEsses· direitos inexisti~·
n'ó B~asil até 1988, que também não p~ssui t~ibun'al ~utq~omo ,sobre a temitica.
''Por.sua vez; o.Brasil, arualmerite ga:raÍite o rnconhecimerito, dodireito od:-
ginário dos povos irifügenàs ;is terras· (âit. :23 l d~ CRFB) e dos quilombolas (art.
68 ADCT),bem çorrio de suas cultu~as (art. 231,' 215 e 216 da CRFB), conquis-
tas desses'povos que fi~ram àpenas consolidadas át~avés da Constituiçãb de 1988_. ··
A mesma tamb~m estabelece o direito de todos ao meio ambiente ~calogicamen~e ·
équilibràdó, e prevê o d_yv'ei; de todos, especialmente do Estado~ à preservá-lo para
presentes e fi~.turas gerações (ari. 225 da CRFB). Ainda,_o oi;denaménto.jurídi-
co brasileiro hmta corr:i a Polítie>a Nacional(4o MefoAml:liente (PN;Mi\.); :Leí"n.º;
6.938 de,1981, qué esemelhante à legislação'ambientai que existe náN9vaZelân;'
dia. Tal legislação,' é um ·Il1arco por tratar do meio ~biente 'ccirri.Ô um todo, mas.·
n~o incluhisã(j ~spiritual e·-cul'tura:l da natureza e do yalor intríµ~ecó da niesm'!c. _
· ,OBiasiJrambém,ratifico1,1 a Çonyenção.169 daQigan;izaÇãólnternacional··
do T~áhalho (0IT), que. rstabelece a autodetçr~inaçãb dos pÓvq; indígenas ~ tri- .
-'\ b;:i:is .<;; portanto, vigor;í~oilio l~i no país. Ainda, é Estado-membro da 'Organiza:..
;
çãó'Cfo·sEstad.osÀÍnerid.nos.(OEA)
\.. . ' ' . . . .
eda OrganízaÇão. da.SNações UQidas
. ... '
(ONU),
' ..
que possuem a'Dedaração Ameiicàna dos Direitoslndí~enas da OEA e da ONU~.
réspectivamente~ bem como da Comissão e Corte Interamenicana de DJreJi:os Hu.:. .
-~anos (CIDfl), cuj9 prec~dente é v~n~u!~nte ~tnnp~o país. A.Jürisprudênciada1 "
ClDH ~ ineguívocà.ao es~*-belecer os ~iteit.os dóspbvos indígenas em rela?o às
~u~ terras e-ambiente, -n6 ~entido' de vincuiàr a propriedade coletiva indígena aos
direjlos soberanqs '~bte(bs recursos 'a.aturais nele contidosJ(MOREI~~ 2()17). ·
DessafornÚ, exíste no or~enainento jur(dico_bra8ileirÓ e íntérnacional amparo. le-, .
. ga1 para possível desenvolvimento ha interpretaçãã no senti.do de subsidiar os Di-' · /;
re.itos da N;iturezaa-partir qos direitos e das cu).turas1indígénas e-de demais póvos·
tradici9nâi,s, e de suas cbm;:epções ~ nàtu~eza: ,, · _ ' • - ·.; . ' .,
)··----:
ORiirWhanganui e o povo Maori: recônhedmento e garantia dos Direitos da Natureza 153
Além de~ser insp!ração em relaç~o aos Direitos. da Natureza, o Te Awa Tupua
Act revela a importância do reconhedmeni:o da pluralidade jur~dica e de conside-
r rár e ,centràliw os valores, as culturas e cosmovisões indíge~as nácorhpreensão da
povos indÍgenas, podendo vir a subsidiar uina leitur<l inovadora à.a Çonstituição.
., .. CONSIDERAÇÕES FINAIS
.·. '· 1 . '
REFERÊNCIAS
BÀNNER; Stuart: Two Piopertie~; One land: Lawànd Spàtt;in Nineteenth-Cen-
. tury New Zeallind. Law_& $ocial lªquify, v.14, n .. 4, p. 897z:852i 199'9.
Disponivel em:hrip~://doi.otg/l0.l 111/j.1747~4469.1rQ99,tb00406.x. Acc:,s 7
so em: ago.º 2020: . . ·_ · ·' , ·
.• CHAfilLEIX, LÍZ.The.Whanganui Rivei~ Te Awa, Tupga: PÍace~based law.in a _·
Jegally,pluf<!listiê.society. Í:he,GeographicitlJourfiàl, \r.184, p. 1,9-3Ó, 2_017.
Disp9nhrel em: ht,tps://doi.6~/10.11 Ü/gebj.12238: Acesso eÚl: ago. 2020. ,
' • • 1 ~ ' 1 ' : ' ~ ' • • "' ' • •
\.
541· Monti Agairre e Anna Maria Cárcamo
CYRUS R. VANCE CENTER FÓR.INTERNATIONALJUSTICE; INTER-
.. NATIONAL RIVERS; EARTH LAW CENTER~ Rights ofNat~e Report,
!·:,, EUA, 2020, Disponível em: https://3waryu2g9363hdviilci666p-wpéngille.
netd~a-ssl.com/wp-content/uploads/1sites/86~2020/09/Right-of-Rivers-Re
port-V3-pigital-c9mpressed:pd( .··, · · · · ·/
GOECKERITZ, Isâa.c. Los Derechos de La Natúraleza. .Un Movimiento Glo-
bal, 2020. Documentári6 •(52 mih} Disponível em: https://www,youtube.
com/watch?v=RupkZM8dV14~Açessp erh: jul. l020.
HUTCHÍSON Abigail. The Whangaimi Rfver as á Legal Persorr. Alternatlve '
Law Journal, v. 39, n. 3, p. 179-H~2, 2014. Disponível errj: https://doi.or
g/10.ll77%2Fl037969X1403900309. Acesso em: ago. 2010 . . \
. \ - \ . . ' ·/
MOREIRA, Ellane CristinaJ>into. JustiÇà-Socioambierital. e Direitos Huma-
nos: Uma Análise a Partir \ios I)ireitosTerritori~is de Povos e Conninidades
Tmdicionai~, Rio•deJaneiro: u:imep.Jútis Dirfito; 2017.J .
. NOVA ZELÂNDIA; Ministério da Cultura ç Patr.imôriio, ·Hist6i'ia da Nova 'ze~ '
. l~dia, Guerra rio whanganlii. Disponível er1{ https;/inzhlstory.govt.Q.z/
· war/wanganui-war/ slége-of-wang~nui. Atuafizado em 201.9. . · .
NOVA Z~LÃNDIÀ, Te Awa~Tupua Act, 2017·. Disponível em:.,http:/Íwww.legis ·
lation.govt.nz/act/publíc/2017/0007/latest/whole.htmL Acesso em: jul. 2020.
, O'DONNEL, Erin L.; TALBOT-JONES, J{ilfa, Cr~àting lega(~ights for riv.ers:
·. lessbns fr~m Aus~ralia,'New .Zealànq., ~nd India. Ecology 'and Society,: v.
23; n. i; mar. 2018. Disponível em: hi:tp://~.jstor.c~m/stable/26199037.
Acesso e~: juL 2020. ' .
RODGERS. Christqpher. A new ápproach tó protecting ecosystçms: The Te·
ÁVva Tupua (Whanganhi River ClaimsSettlement) Act 2017. E~yiroqmen-
. tal LawRevie\V, v. 19, n .. 4,. p. 266-279; 2017. Disponível em: https://doL
Órg/IO~Ül7/146:14.52'9177,44909. Acesso eín:'jÚl. 2020. , '
· SANTOS,
'·
Boaventura
. '
de Sousa. . OPlÚ:riVerso
.·.
dos
.
Direitos
: . 1
HUm.anos:
'. .
.i diversi~
. .
.. ·
· · dade c4slutas pela dignidade, Belo Horizonte:. Autêntica, 2019 ..
·SANTOS, ~oaventura de Sbu$a.-Pàra u'ma sociologia das <lUsêndas e uma sodà-
logia das emergências.' Revista Crítica de Ciências Sociais, Coimbra, p. 231 ~.
280, oút. 20Ó2. ' '· ·
. WARNE; Képnedy. Thé Whánganui Riv~r in New.Zeal:md is~ legalperson ...
~ 'N~tional Geographic, 2019'. DisBoníveLem; https://www.nadonalgeogra
. phic.com/Cultyre/2019/04/maori,-river-iq~new~zealand~rs~a-legal-pers~n/;
Acesso em! ago. 2020. . ,
WAÍTANGI T,RIBUNAL, TheWhanganui River Report, .1999. Dispontvel em: •
1
• ÍÍttps;//fqrffis,j.Ustice.g~vt.nz/searchtDocumeqts/WT/wcDOC_6845o'539/
Whanga~uí%20River%20Repcirt%2o 1999. pdf. Acess6 ~m;: out. 2020. ·
.) /' . . ' (
l .
/
f:
1,
. 'COLETIVOS· DOS PONQS.INDÍGENAS
INTRODUÇÃO 1 )
CÍ."povo ~U:iu habita a regi~o da Serra ~o ~r1>i;:ibá, em Pe;q~éira (PE), 9'1unicípio inJ:egrante._9_p.c. . ' ·
Vale .do Ip9jpca..A ~rra db-OroruQá é mritpostà por uma c::1deia ,de montanhas mni Uma_ altiú1dé
de cerca: de3, 000 metros. É uma régÍã,o que dispõe de. uma hidrografià-ptivilegiadamm a presenÇ:i
.,de U:in grande açúde .e. rios~como Ipanem:i'e Ipojuca que cortam a Terra Indígena Xukúru e são ri!s:.'
';.1
• ponsávei,s. pela feftilidade de parte d!> te[{itO-riO. Os Xúkuru estão situados rrã mesorregião do agreste.
· pernámjJucàno que tem càractetísticas propíd'1tl â agr\culruta, cqnsiderando a existência,de água e de
um clima àmeno. A região támbém .\'OSSUÍ uma área semiárida; lo.calizada e!ltre o Agréste e o Se_rtãÜ.
Disp,onível em) https~//pib:sodoaro.biental.org/pt/Povo:Xúkuru. Acesso Ón: ,ü4 set. 2020..
2 ' À Corte lntetamericana.de Díreitos If!umanos;~ ~- órgãô judicial autô;mno e. tem co.mo pro-
. pósito a aplicaÇão e interpretaçãq da ConveíÍÇão AniericatJ.a de Direitos Ruinarias e outros
'tri1tados de-Urréitos Humanos, no chamado Sistema Interamericano de Proteção aos Píreitos
l,IUJ1iatios.A Corte IDH po~sui cpln.petêncialitig!Ósa .entre o,s Est!\clos 'signatários, abarcando
\ l.
r todos_ os casos em que se alegue· que um dos I_lstados-membro,s teil~a violado um direito 0u
liberdadéprotegidópela Convenção. O Brasil é Estado Parte na Convenção AmericálÍa, desde
25 de setembro de1992; e reconhecéi.t a competência contenciosa da Corte em 10 de dezemc
bro.de 1998. Disponível em: htrps://www.cidh.oas:org/basicos/portugÚes/y.Estatµto.Coite,h~m.
b-cesso em: 04 sêt. 2020. · · · ·
'·
· iss
\.
/
. 561 Ch~ntelle da Silva Te~eira
. . ( . .
3 Xicáo Xukuru, além de t~r sido peça fundamental n'o fortalecimento da organização sociopolítica
e na criação das estratégias de retomada, é personagem histórico na luta pelos direitos indígenas
. ' 110 Brasil, especialmente no processo Constltuiritede 1987/SS,
, ss \ Chantelle da Silva Teixeira .
\·:
.... :
621 Chantelle _/ª Silva Teixeira
4.4 GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DE UMA PROPRIEDADE COMUNAL
Os povos indígenas possuem formas de vida e sua cosmovisão se baseia na
estreita relação com a terra. As terras tradicionalmente ocupadas e utilizadas por
esses povos são um fator primordial ,para sua vitalidade física, cultural e espiritual.
Esta relação úuica, que engloba uma tradição e uma identificação cultural desses
povos com a terra, pode expressar-se de distintas maneiras, dependendo do povo
ind'ígena particular de que se trate e de suas circunstâncias específicas. Na Consti-
tuição Federal brasileira essa possibilidàde está assegurada quando o constituinte
utilizou a expressão "de acordo com seus usçis, costumes e tradições" para a defi-
nição de terras tradicionalmente ocupadas por povos indígenas. Assim determina
o texto copstitucional em seu anigo 231:
São reconhecidos aos índios sua organ'ização social, costumes, línguas, cren-.
ças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicional-
,mente oc:upam, competindo à União .demarcá-las, proteger e fazer respeitar
rodos os seus bens. § 1° São terras tradicionalmente ocupad~ pelos índios
as por eles habitadas e!Il caráter permanenter as utilizadas par~ suas ativida;:
des produtivas, as imprescind_íveis à preservação dos recursos ambientais .ne-
'1
cessários a seu bem-estar e as necessárias a sua teprddução física e cultural,
seguhdo seus usos, costumes e tradições. § 2° As terras tradicionalmente
., ' ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o
.usufruto exclusivo das riquezas do solo, tlos rios e, dos lagos nelas existentes §
3º o aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéti-
( cos, _a pesquisa e'a lavra das riguezas minerais em terras indígenas só podem
·ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comuni-
dades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, 1
. na forma da lei. § 4 ° As terras de que trata este artigo são inàlienáveis e in-
disponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis. § 5° É vedada a remoç'ão
dos grupos indígena~ de suas. tenas, salvo, "ad referendum'' do. Congresso
·Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que pohha em risco sua popu-
lação; o.u no interesse da soberania do País, após delib'eração do ·congresso
Nacional, garantido, em qualqu~r hipótese, o retorno imediato logo que ces~
se o risco. (BRASIL, l988).
§ 6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham
por objeto a ocupação, o 4omínio e a posse das terras a que se. refere este artigo,
ou a exploração das riqueza~ naturais do solo, dos rios.e dos lagos nelas existen-
Povo Xukwu vs. Brasil: um paradigma daCorté Interamericana de Direitos Humanos na construção... 163
tes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei
complementar, não gerando a nulidade e a extinçãü direito a indenização ou a
ações contra a União, salvo, naforma da lei, quanto às benfeitorias derivadas
da ocuração de boa-fé. § 7° Não se aplica às terras indígenas o disposto no art ..
174, § 3° e § 4°. (BRASIL, 1988)
~.
Na esfera internacional temos os_, tratados sobre os direitos dos povos in~
dígenas que reçonhçcem esses direitos e aqui podemos mencionar, não .de forma. y,.
eX:àustiva, a Convenção 169 da·· Organização lnternàciónal dq Trabalho -· Off
(1989/2002), Declaração das NaçõesUnidas sobre os Dir~itosâosPovos Indígenas
. (2007) e aDec:faração Americana sobre os. D~reítos dos Povos Indígenas (2Ql ~): ·
. . : AC~mvenção 169 da·OITestabeléce, no seu.artigo 13, o relativo ao direito
.ao território dos povos indígenas, como os Estados devem respeitar a r~lação que .
os povos t~m com seus territórios, baseados em aspectos culturais. e valores espi-
rituais, assim como a relação coletiva-que os~ovos guardam com os territórios.
) No déc;.orrer deste instrurn~nto ~orpiativo, •Vai se desenvolvendo um am~
pio marco regulatório parà qué os Estados criem, dentro dos seus sistemas~urídi
cos_, mecanismos que permfram que <:)S direitós· ao território se vejam efetivados~ r •
!.
·Entre estes mecanismc:}s pode.mos mencionru-;procedimenros; de demarcação qú~
oµtprgam cert~zajurídica à posse tradicional dos povos indígenas sobre seus terri~ •
tórios ç. que os trasladas d9s povos sejam sotneni:e de caráter eicepciona:l e outor,-;
gandoter~a'S com as mesmas caractdtístkas (OIT, 1989). ·. · ' , ' · _ ·.
. Já ã Deçlaração das Nações Unidas sobre ós ·Direitos· dos Povhs Indígenas
vai desenvolvende uma .série de princípios que pétín'.iterh entender o direitó ao\
1
te,rritóri9do·s poyos in:dí~enas t9nio um direito h~:Il}ano,fundarnerital pataaso-
brevivência e desenvolvimento
' '.1 .
destes
. ,
povos. • 1'·
.
•
'!
• •
_ .. No seu artigo 26 1 a,DeclaraÇãO reconhece que os povos indígenas têm di~. / · ..;
rei to às .ter.tas, territórios e recursos naturais qu~ tê!ll sido oc,up1<,tda~ de forma tra-
dicionàl ou que rêm sido 11dlizadas Ou adq.uiridas de outra forma} Assi]ll mesmo
a Declaração reconhece-~ 'formas 'dê proprieda9.e tradicional que os poyos ,indí-
genas e_xer2em sobre· seus ~ei-ritórios: afirma que ds Estados devem assegurar o re-
• 1
conhecimento e pmteção jurídica destas terras seguindo os costumes e tradiçõ_es é
regimes de.posse dé terra dos povos indígenas (ONU, 2007).
·
1
inicia a 1nterpretação e erit~ndimento comunal sobre a' propriedaâe"coletiva. Nes- ' ,' I
.re sentido, na sentenÇa a Córte lnteram~riçarí:a de Direitos Humanos det~rmin:eu .
(OEA, 2001; parágrafu 149): ' ' ·· . . . · . ·. , · ~ '
• ' • • 1 •
Entre os indígena5 ex'iste uma tradição co~unitá~Íá sobre uma forro~ ó:imu>
nàl.da·própriedad.e cciktiva dá terra,'·no sentido que-a pertençacdtista não está
centrada no indivíduo, mas no grupq ~.a· ~ua comunidade, o~ Íridígena5 pelo -
Íàto d_à sua própria eXistêP:ci1írem ~ dirdto a ')iver liv~einente ~os seus próprios
tetritóricis; a estreita relação que ÓS indígénás têrri' COID à terra deve Sef reco-
n.hecida e compreencj.ida como .li base fundamental de suas -culturas; sua Vida
.- " espiritual,.'sua integddade ~.sua sobrevivência•econôniica. Paraa~ comunidades
. indígepas a relação com a terra não é ~ma questã9 de possessão e prodúçã~.
· mas uÍti eleme.nto mate.ri.ai e espiritual do qual se deve ter plenarriente desfru- . . '.,
te, indusive pata preserv:a~ o legado. cultu~al e tran~mitir' este a'geràçóes. futi.miS
(OEA,2001, tradução da autora). ' · ·
·. \
. , . ..,_·. ' /
.t"'
,·,-~:·.:
-----------e---- ---
r
Povo Xukuru. vs. Brasil: um paradigma da Corte Int~ramericana de Direitos Humanos na,construção ... - 165
·Já, ha sentença do caso "Coniunidad Indígena Xákmok Kásek vs. Para-
guay'', a CIDH (0EA, 2010) consolida alguns critérios sobre a terra comun~l que
serviram na fundamentação em casos posteriores:
,5 Artigo 21: Direito à Propriedade Privada. L Toch pessoa tem direito ao uso e gozo dos seus behs.
A lei pode subordinar esse uso e gozo ao interesse social; 2. Nenhun:ia pessoa pode ser privada de
seus bens, salvo mediante o pagamento de indenização justa, por motiv~ de utilidade pública ou
de interesse social e nos casos e riá forma estabelecidos pela lfi; 3. T'anto a usura como qualquer ou-
tra forma de exploração do homem pelo homem devem ser feprimidas pela lei (BRASIL, 1992).
• ' • ' 1 ~
4.5 A RELAÇÃO DO CASO .COM OS DIREITOS DA NATUREZA
Em função de seu entorno, sua integração com a natureza e sua·his~ória, as.
comunidades indígenas transmitem, de geração em geração, este patrimônio cul-
tural imaterial, que é recriado cortstarttemehte. O território, local de moradia dos
encantados e dos caboclos da mata, local que abriga a.Pedra do Rei e.tantos outros
símbolos sagrados para os Xukuru é aspecto primordial de sua identidade étnica
e, pórtanto, de sua s~brevivência como povo. ''
. · . Na legislação nacional, bem como na jurisprudência consolidada do
· SIDH, os povos iridígenas têm direito ao reconhecimento e proteção de suas ver~
sões específicas do direito ao uso e ao gozo dos elementos da natureza, dados pela
cultura, usos, costumes, crerças e ti-adições de cada povo indígena. .
.Nesse sentido, os povos indígenas e outras sociedades culturalmente di-
, versas da sociedade majoritária organizada em Estado de Direito, cujas normas
· jurídicas se baseiam em uma racionalidade antropocêntrica, apresentam um novo
paradigma para a relação dos seres humanos com espaço viva que habitàm.
A Constituição brasileira 1de 1988 ªS» finalmente, recon,hecer nossa .socie-
dade como pluriétnica e multicultural, ampa,rou as cosmovisões, as culturas, os
usos, costumes, crenças e tradições dos povos indígenas: sobretudo reconheceu
que 9s modos distintos e profundos de se relacionar com a terra e a natureza são
quesitos fundamentais para o recónhedment<i oficial de seu território através de.
processo de d,emarcação. No Caso dos Xukuru vs. Brasil, a Corte IDH afirmou e
aprofundou esse entendimento, reconhectmdo, inclusive, .que? sistema júrídico
interno brasileiro ampàra as perspectivas indígenas réconhecendo seus modos de
vida e sua relação c9m a terr.a e a natureza. . . '
Podemos considerar que há, nestes casos, o pluralism~ jurídico,.reconheci-
do na exi~tência de uma rrultiplicidade de fornias de jurisdicidades heterogêneas
que não se reduzem eritre si· e in,iplic,am a aceitação de uni Direito paralelo. ao
oficial; que surge das. práticas comunitárias; e que tem sua legitimidade· assentada
não no caráter estatal de sua fonte ou nos procedimentos formais preestabelecidos
para sua validade; mas no reconhecimento e eficácia social que possui para asco-
munidades indígenas.
Para Maliska (2000), um pluralismo jurídico factível reconhece a legiti-
midade 'das conquistas já asseguradas no plano jurídico estatal, como é o caso do·
artigo 231 da Constituição Federal e da contribuição que a atqaÇão de operaciores
l."i
Povo Xukuru vs. Brasil: um pamdigma da Cort;~ Interamericana de Direitos Humanos na construção... 16 7
e operadoras jurídicas na estrutura jurisdicional pode oferecer 'pai-a 'a construçãO
de um projeto social emancipatório.
Assim, a racionqlidade em que se baseia o reconhecimento dos direitos ter-
rit<?riais dos povos indígenas no .Brasil e considera os usos, costumes etr~dições
e as características comunitária e transgeracional que possuem esses povos em re"
lação à terra e à natureza ap~esenta,-se como uma alternativa orientadora para a
construçãb dos direitos da natureza.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
. .
O caso do Povo Xukuru apresenta-se como marco histórico da luta indí-
gena pelo exercício pacífico do direito à propriedade coletiva sobre seu território,
cuja titulação acorreu em 2005, mas, ai:é a dara da sentença da Corte IDH, não
estava totalmente na pos~e, controle, uso e gozo dos indígenas .
A decisão da Corte IDH sobre o caso reafirmou a rel~ção particular que os
povos indígenas pos~uem com· seus territórios, afirmada na Constituição Federal,
em tratados internacionais .e na jurisprudência do SIDH, inspiradâ em uma racio-
nalidade baseada 'na inter~ependência com a terra e a natureza, em uma perspecti-
va de coexistência harmônica,já que não se tratam de bens mai:ériais comercializá-
veis, mas elementos fundamentais para a reprodução física e cultural desses povos.
O ·reconhecimento desta relàção entre os· ~eres humanos e o território/ a
natureza, por consequência, trolixe refl~xos na interpretação e realização de direi-
tos, reconhecendo outros conceitos e preceitos jurídicos, como o reconhecimento
. dos territórios de ocupação trad.ic:ional dos povos indígenas no Brasil.Estas ex-
. periências constroem o que podemos chamar· de um tímido pluralismo jurídico
nacional. . .
Nesta linha condutora, s~ constroem ria.rrativas e racionalidades jurídicas ,\
que convergell\ para. o fortalecimento dos paradigmas da Harmonia com a/Na-
'tureza, 'da interdependência, da reciprocidade,· dacomplementariedade e do fazer
~omunitá~io na construção 4os direiros da natureza. · ...
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de
1988, Brasília, DF: Senado Fed~ral, 1988. ' · · . '
' ' ' . . .
. \
'!
INTRODUÇÃO .
J' ':. '. ·• ··:· /. ' . ··.. ,. '.' . ..
O prdsentç artigô tem por objetivq realizar uma'anáfise sobre a: decisão
·. judicialda Corté Suprerµa 'de Justiça daC~lômbia, na qual toi dec!arada ~.Ama- ·
zônia como suj~ito ,de direi~o~\e poder delinear estrátégias..-a: partir dá experiência
1
de§te caso, par:i.' que1 possam contribuir ao debate feito pelos niovinientos sót!ais
no Brasil no reconhecimento dos DíreitÓs da Natureza. Esta sentença vem como
resposta à adequação do. sistenÍ.ajudi~iário às novas concepçõe,s de direito ambieri~
:'to/ ,e às reiviry.dicações dos m<Niment'os sociais, e do fenômeni:i' do nov() constiúi~ 1. '
tas cosmovisões dó. befn_ viver (vidarem plenitude} ~mak f<4wsay (erri Quechua),
· • Suma .Qamdfta, oJi a· proteç~o dá· Pacham_amft, rec;onhecidos qas Constituições
do Equaaor. (2008)>, Bolívia (2009), Venezuel:ir (1999) nos perinitein entender
forinas: difé(entes em: quê as. pessoas ,se. relacionam. 'COill. o ambiente. E. iínpor~
· tante re~sal~âr .éJu,ê; embora estes técorthecimento~,sejam relativamente novos· nas
, colistinilções, estas· qmcepções são praticadas, desenvólvidas e vividílS de, forma,,·-,\ .
•::: J • • ' • ' ' ' •
' 169
) .
· - - · - · .· -----
j
jqrídicos própi:ios que estão vivos no· cotidiano, e que ytvem em: paralelo. cóm o
sistema juddicO do Esta.do nacional. . · . · . . . .·
Esta convivência de sistemas Juríd~cos; m'úitas v:ezes até contrários uns dos
o.utiós., é inevitáve.l. iuima· região com \./'.ma div(!rsidàde tão rica· como é Amética
'Latina.. b novo ·constittieio'nalismo vei;n~ tentando. aproxirhar 1e harmonizar estas. ,_'
divergêndas;:·reco.nhecep.do nas sµa,s constit~çÕes estéplm:al~smo jurídico.. r ••.
·' Por sua Parté, a Consj:it(lição colornbi~na/ denominada de ':~onstituição
_ecológicà'? tra,z ~cdncepçõ1es do tradicional direito arµbiental, desenvàlyidas na~
' ·maioria. d.ৠConstituições da América Lati9;i: em l ~91, onde, os tratados e con-
. ;. _venções ai~da. tonse~avam a, ideia de.que o affib'iertte'-deve ser coiiservado é p~,o-~·
· .• tegido para servir às gerações futuras: anatureza ao serviço d 0 .ser humano, · ·• .·
No ep.tanto, a C,onstiruiÇão colombiana,, já em 1991, coloca elementos
. importantes qµe hoje pb:demos inter~relacioIJ.ar com os Direitós a Natureza. No
seu texto coristitucio.nal desenvolvem~se de forma inais1detalhada os. direitos fun-
), · / ,d;mentais, .em relaÇã~ ·aconstitÚição a.nterior, e os rrteca~ismos pàraJazei efeii-
- ,/ ··-. / . ( . .
. !
'•
'
1 '·'-
. /. ·,
: ;, . !:
i .. ·
~ ·.' , _·,.
"\
Amazônia Colombiana co'mo sujeito de direitos: sentença da Coite Suprema de Justiça da Colômbia i11
vos. esses direitos como ação p~pular e ação de tutela. Assim, também introduz
no sistema jurídico colombiano procedimentos 'participativos, derµocratizando o ·
Estado e sociedade, como,. po.r exemplá, plebiscitos, referendos, consultas populares,
cabildo abierto, iniciativa legislativa, revocación de! mandato, etc. (FERNANDEZ,
DIEGO, 20} 1). .
No que se refere à proteção do ambiente, estabelece no seu artigo 79 que
todas as pessoas têm direito a um ambiente sadio, reconhecendo que a lei deve
garantir a participação das comu,nidades nas decisões que possam afetar este (CO-
LÔMBIA, 1991). Assim também reconhece que é fundamental a proteção de
.áreas .de importância ecológica e da d.iversidade.
a
No artigo 80 observamos como a ideia de que Natureza pode ser explorada
e sua pres~rvação e conservação estfrelacionada ~um benefício para o ser humano,
e não por ter um valor em si mesma, quando se afirma que "o Estado deve planejar
o manejo e aproveitamento dos' recursos naturais, para garantir o desenvolvimento
sustentável, conservação, restauração e substituição" ~COLÔMBIA, Í991).
Por sua parte o artigo 79 da Constituição colombiana estabelece o relativo
'<!O direito ao ambiente sadio, que reconhece a participação da comu,nidade quan-
Este preceito constitucional guarda muita relação coni .o artigo 225 d.a ·
Cónstituição Federal de 1988, e pensamos que pode servir de referência para en-
tender como o poder Judiciário, embora a constituição colombiana não reconheça
os direitos da natureza de forma expressa, corho o fazem,as Constituições da Bolí-
via e Equador, conseguiu fundamentar uma decisão tão imp0ítante como é c,leda-
rar sujeito de direitos a uma entidade da natureza, suscetível. de especial protéção.
É importante prestar muita atenção nesta semelhança já que, como será
· analisado posteriorment\:, emliora a Constituição colombiana não tenha um pre: ....
ceito específico que reconheça a natureza como sujeito de direitos, este reco.nhe-
cimento partiu de uma interpretação, num primeiro momento-pela C?rte Cons:;:
titucional e depois pela Corte Suprema de Justiça, do .direito ao meio ambiente·
ecologicamente sustentável.. Ou seja, foi através da interp~etâ:ção de leis "antropo-
. c.êntricas" que se conseguiu reconhecer que a Natureza tem valor e,i;n si mesma, e
.como. tal deve ser respeitada e protegida. .
É fundafuental aclarar que com isto não se desconhece o valor das cons-
tituições .como a do Equador ou Bolíyia, que trazem no seu texto uin 'reconheci-
mento express~ do direito da Pachamama. O que se pretende ressaltar é que éxis~
tem várias frentes de luta, não somente no reconhecimento legislativo os Direitos .
da Natureza podem se ver materializados, mas também nó' judiciário esta luta
pode e deve ·ser Hbrada. . .
(
IÍÍ'!"' ..
i
12 'Carla Judith Cetina Castro
l
i
' 1'
5.2 SENTENÇA STC4360-2018 DA CORTE SUPREMA DE JUSTIÇA DE 1
1. A ação de tutela que pernütiu que o Rio Atrato, sua bacia e afluentes
fossem declaràdos como sujeito· de direitos foi peticionada pelo Cen-
tro de Estúdiós. para la Justida Social "Tierra Dignà'; em represen-
tação do Cc;msejo Comunitario Mayor de la Organízación Popular
Campesina deÍ Alto Atrato "Coc;omopôca~, el Consejo Comunifatio
Mayor de la Asodación Campesina Integral del Atrato -Cocomacia-,
a Asociación de Consejos Comunitarios del' Bajo Atrato -Asocoba-, o
Foro lntercétnico Solidaridad Chocó (FISCH).
)
Amazônia Colom.biana como sujeito de direitos: sentença da Corte Suprema cfe Justiça da Colômbia 173
2. a
A ação de tutela foi contra Presidência'daRepública, o Ministe_rio de
Ambiente y Desarrollo Sostenible. .
3. Os fatos que motivaram a ação consistem em que constantémente o
Rio Atrato, sua bacia e afluentes, se vê afetado..:-pela éxph5ração míne-
ral ·e o desmatamento.· A exploração. mineral especificamente tem fei-
to com que ó rio esteja sendo poluído por mercúrio, cianeto e outras
substâncias químicas altamente tóxicas, trazendo grandes impacto~ à~
comunidades. _. .
4. Dentro do processo iria, se julgar se em virtude da exploração mineral,
e posterior poluiçã6 .do Rio Arrato, estavam se vulneqndo os direitos
fundamentais da vida, saúde, água, segurança alimentar, meio am-
biente sadio, à cultura e o território dos povos peticionários. Dentro
do processo iria' se julgar, em virtude qa expioração mineral, 'e poste-'
rior poluição do Rio Atrat6, caso estivessem se vulnerando os direitos
fundamentais da vida, saúdé, ·água, segurança alimentar, meio am-
biente sadio, a .cultura e o território dos povos peticionários. .
5 .. A Corte Constitucional faz, dentro da decisão, a análise de vários pofü
·tos import<1ntes p<1ra fundamentar a especial proteção que deve rece-
ber o Rio: Atrato, sua bacia e afluentes: Estas análises são sobre: a) <1
riqueza natural e cultural da nação; b) a Constituição ecológica e bio-
diversidade; ~) o conceito e abrangência dos direitos bÍocultura:is; d) a
especial proteção dos rios, bosques, fontes de alimento, rfie.iO ambien~
te e biodiversidade, o direito fundamental da água; proteção· da natu-
reza e segurança alimentar.
6. Os direitos bic:iculturais, afirma a Corte Constitucional, são, na sua
definição mais simples, os direitos que têm as comunidades étnicai; de
ac\ministrar e exercei a tutela de forma autônoma sob~e seus territó-
tios, em conformidade com suas pr~prias leis e costumes, assim como
d.os recursos naturais que formam o território, onde se desenvolve sua ·
cultura, tradições e forma de viver, com base ná especial relação que
. tem com o aplbiente e a biodiversidade; Estes direitos bioçulturais não .·
correspondem a novos direitos, pois, segundo autores da rnatét:ia,. são
a convergência dos. direitos aos recurs~s naturais e a cultura d,os povos.
indígen~s e tribais, q1:1e na Constituição.colÓmb~ana se encontrarv dis-
persos: E assim que os direitos bioculturais reafirmam o vínculo entre
as comunidades indígenas e tribais, e outras coletividades cornos re-
curso~ que compreendem seu territóÚo (CC, 2016).
' -. 1 . ' '
7. _A Corte Constitucional se fundamenta· no princípio da precaução em
matéria ainbieni:al para pr~téger o direito à saúde das· pessoas, uma
yez que existiu evidência, embora não certeza científica, de que ó Rio
A.trato estava sendo contaminado pela exploração mineira ilegal; a
qualvem provocando afetações na saúde das pessoa~ das comunidades
que consomem a água deste rio, pelos químicos tóxicos como mercú~
rio e ciane~o.
41
7 Carla Judith Cetina Castro
1.·
1 ~
1.
\
·' . ,. /'
',,
( ,
·'
7 61. Carla Judith Cetina Castro ·
Ação popular Aç!W de tutela
rRrocede quando ~se vulner:i.m direitos ou' Espedfica para a proteçáo_de d.ireitos .fundameni:áis.
)~teresses écíl~tivos . .
" Pe>de s~ âpresentada por; Meêahisip.o de defesa~udicial qüe 9.1,1alquer p~s;e>a pode
• Qualquer pessoa sendo ésta fí~ica ou acudir para ~obter a proteção imediata; dos· seus direitos
jurídica. . fundamentais quandosejam vulnçi;áveis ou. ameaÇados por
• ONG's. uma.entidade pública ou privada: ''
• Entidades p,úblicas ·de controle e
vigilância. .
• Procurador Ge~al da Naçáo.
• · [)efensoria Pública.
•. Personeros distritais e munidpais.
'• Prefeitos e funcionários que. renham
• o dever de proteger estes direitos .
. Tem por fü;1alidade: Tem por finalidade: · ..
• . Evitar, um .dano cónringente. .; Evitai ã·violaçáo ·de direitos fundamentá.is.
i Cessar o petig<;>, ameaça, vulneÍ:ação • Rep~rar os drui~s ocru:ionados pela viol~çáo.-de di(ei-
,ou agravio · 1·• · • ·• ·' tos fundamentais. e •
• ,R~stituir as coi.sas ao estado ap.i:erior.. r-.. . -
'JurisdH;~o: · Jurisdição: , . .. . .• . .
• Contencioso ~tlministrarívo con- Ó ~tigdJ7 do Decreto Lei2S91 de 1991 pre~(:reve qué'.
tra eri(jdades· pública:S ou. perso- a compei:ênoia'para con,hecer a ação de tutela priineira .•. em
'nas que desempenham · funções )ristância é dos_juízes e tribunais com jurisdiçáo no luga'Ç
-"--- adin.inistratiVa.S. , onde Qéorteu à vióláçáo ou ameaÇa em relaçáo a tun direi-
• ' Ordin~ia d;il. · . ..J:o ~ndamenial. ' · ·
. ·: . /• ''(
/) /,,-'
.\
"· \
_\_ ._.
Amazônia Colombiana como sujeito de direitos: sentença dq Çorte Suprema de Justiça da Colômbia 177
nas previsões dos piores efeitos da~ mudanças climáticas, eles teriam uma média
de 78 anos de idade. · . ·
Neste sentido, a Corte a:firma:
segurança alimentar, que não se dão de forma isolada. Para poder permitir uma
proteÇão integral deve-se entender tudo interconectado. · _ -
E
assim que, ao defender o rio, a Horésta, os animais, os territórios comtL-
hais, os povos, a cultura, todos estão s~ndo defendidos em sua: coletividade. As-
sim como afirma a Corte Constitucional (CC, 2016), a constituição colombiana
rernnhece eSta cosmovisão indígena:
' '
CONSIDERAÇÕES FINAIS.
· A Constituição Colombiana de 1991 tnmxev~rios reconhecimentos im- .
portantes· enquarito ·mecanistnos de participação cidadã. O direito ao meio atfi:::
bi~nte sadio se reconhece ainda seguindo uma lógkaantropocêntrica, o ambien-
te nãô possui valor intrínseco, e considera-~e sua importância em função do ser
humano. ·
A· Corte·· Constitucional ~em 2016 ·realizando. uma interpretação extensi-
va e funcÍamentaÇão em teorias científicas que defendem o valor da natureza em
si mesma, a imp9rtância do reconhecimento da relação que os povos indígenas
guardam com seus territórios e seu ambiente, e a relação entre todos como ele~
'mentas intercónectados declarou. ao B-.io Atrato, sua bac:;ia-e afluentes como uma
entidade sujeito de direitos.
Este reconhec~mento marcou o ponto. de partida para uma nova interpre-
tação das leis colombianas em matéria de proteção ao meio ambiente, porque, ao
declarar o Rio Atrato como Sujeito deI?ireitos, reconheceu os Direitos da Natu"
'·
1 '
. 80 1 Carla Judith Cetina Cast~~
i'.eza, permitindo que este ént~ndimeni:o seja ~tilizado ·por órgãos jurisdicionais
inferiores. · .. . , . ·. . ··. . ·
Posteriormente,· este reconhecimento é u~ilizado para fundamentar a espe;..
cial proteção que a Amazônia colombiana deve tet' para evitar as, mudanç~ climá-
ticas que $Uporiam ~itos devastadores para as comunidades .que se encontram
habitando este ecossistema. .·. . ..
. A senteÚça da Corte Suprema de Justiça representou um passo Ímportan-
. te. no sistema juqidáriocolombiano, e na-consolid:i,ção dos Direitos da Natureza.
Embora a Constituição colombi~a .não reÇonheça os. pireitos da Natureza dé
forma expressa; esta possui preceitos legais que perr;iitem realizar upiafot~Jpreta- .
ção ,mais. adequada com aS ríecessidad(jS que Sf'! apresentam nà sociedaqe. . ·.
1
Ó caso da Colômbia é um claro exemplo das. diferentes frentes de luta qu,e .!
podem ser libradas pará o ·reconhecimento dos Direitos .da Natµreza, ·no j~diciá
rio; e·nãb uo legislatiyo .como acmntecéu na Bolívia e no Equadpr. . • ..
)'
Q judiciário co1ombiano já'c;onsolidou a necessicl.ade de: abandonar a ideià
. antropocêntriCa, ereconhecer a nível estatal i cosmovisão dos povos ip.dígenas de.
1 .,, •
.1
.REFERÊNCIAS. ·.~
, CC, Corte Constituci~nal. Sala Sexta ·de RevisiÓn( Sentencia T-622 de 2016,
Referençia:,Expediente T~,S.016;~42. Accióu. de Tutela, ~'!-$istrado Po~e~te ·;·:I
' : ' ~.
,Jm:ge lván Palacio Palacio. Bogota, 'I Ode rioviembte de 20 I 6. · · ·, .
•· · COEOMBIA. Cohstituci6n Politic:a de Colombia 199i: Actúalizada..cÓm los
•.• \ ' ') .. i . ·' ' • . . . . ·\ •. '. ..\. " ·' •
. · actos-legi:slativ9s a 2qI6. Edicion~especiial preparada por la Çor~e Co_nstitu-
cion,al Çonsejo Sl;l:peJ."jor
,
de, -là]udiéamra,
..
Centro de .Oocumentación
., . .
Judicial
·. r
·-cENDOJ, Bibllioieai. Entiqúe LowMuitra1-::- BELM. Colotn~ia: 1991. ·
1, ./", .-· ' • • • • /• .,. , •• - ., • • •, • • • "·/'"·-:
·r.'
' ,~ :. ,.1
------ -----
INTRODUÇÃO
1~1
.. --. -~~-··~---'---------~-.--.
8~ 1 Anna·Maria Cárcamó ..
1
6.2 DIREITOS DA NATUREZA NO.TEOR DA DECÍSÃO DO STJ
j:
<'
!, i
si mesmo, ou seja; de um valor intrínseco .conferido aos seres sensitivôs não h.uma- ./ .
nos, que passariattiater reconhecid~o status moral.e dividir com o ser humano
:1 ','' amesma comunidade moral" (NJ\ESS apudSARLET; FENSTERSEIFBR, 2017
'apudSTJ, 20i9). > · , . 1 • .. , · . · •. • ··
' htu;i~ana; .Pois as múltiplas mudanças de ,ambiente perpetuam .º estressé do. .;;inb .
1
mal; pondo ein dúvida a viabilidade dé- uma readaptação uiri, novo amb.iente"a
(STJ,'2019). .. .. .'·.... · .. . ··.
V : '•; ·. .
fa ·da pluralidade jurídiêa reconhecida por Boav~ntilra~de Sousa Sa.ptos (2002) e'
(
1' .Vid~: sTJ, AgRg nó AREsp 333105/PB, Relatorà Mínisi:~; ASSUSETE MAGAhFÍAEs:sE- .
'.'Ç1JNDkTURMÀ, DJe 01/09/2014;.AgRg no Nllip 345926/SC, Rei.Ministro HERMAN.
J3ENJAMiN, SEGUNDATURMA, DJe 15/04/2014; REsp 1085045/RS, }lei. Ministro HÉR-
MAN BENJAl\1:IN,\SEGUNDA TURMA, DJe 04/05/2011; e R.Esp 1.084.347/RS, Rei. Minis-
,,
.mi HE~ BENJAMIN, SEGUN:i)A TURMA, ·DJe 3il/~/2010. AgRg no REsp l.483.969/ -·
(.
CE, ReL Miriisiro·HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMf\,julgi!do em,25/l 1/2014.
'1
/ .. <.._
'\:.
Caso do papagaio Verdinho e a transição de paradigma na jurisprudência brasile.ira iss
Antônio C;irlos Wolkmer (201 O) c~mo possibilidade teórica do paradigma emer-
gente que transporta a centralidade, a interpretação jurídica para os princípios
constfrucionais. Para além di"sso, essa interpretação an_ipla da dignidade humana
é aryiparada; segundo à decisão, pelo àrt. 225, parágrafo 1°, VII da Con~tituição
Federal quetraz, de forma expressa, que Ó Estado deve "pi:oteger a fauna e a flora,
vedadas,· na forma da lei, prátícas que coloquem em risco a função ecológica, pro-
voquem a extinção de espécies ou su.bmetam os animais a crueldade".
Assim, o retorno do animal ao seu estado de natureza colocaria em dúvi-
da a viabilidade. de uma: readaptação e violaria sua digniçlade/conforme o con-
ceito amplo pautado na interpretação conjunta do art. 25S, parágrafo 1º,VII e o
princípio di dignidade humana. O voto do Ministro foi mantido e referendado·
pelo restante da 2ª Turma do STJ, composta pelos Ministros Mauro Campbell
Marques, Assusete Magalhães, Fl'.ancisco Falcão e Herman Benjan;iil1. Emboi;a a
ementa não entre no mérito dos direitos d:;i natureza, reflete que houve violação
da"dim,ensão ecológica d~ princípio da dignidade humanà'. .
mesmo ecocêntrico.
Segundo Daniel Braga Lourençó.(2019), o paradigma biocêntrico a,barca
apenas os seres vivbs, incluindo planta~ e aaim!tis, enquanto-o paradigma ecoe
cêntrico abarca a totalidade dos eçossisterrias, incluindo 'seres inanimados é· os
processos ecossistêmicos naturais os quais são inclusive necessários para toda a
vida (LOURENÇO, 2019). Sendo assim, os Direitos daNatureza albergariam
arribas .as vertentes 2 • Ainda, conforme Lourenço, o par<!.digma que abarca ape.::
nas animais sencientes seria considerado um paradigma biocêntrico mitigado
(LcJURENÇO, 2019).
Nessa paisagem, temos o artigo 225, caput, da Co~stituiçãà Federalque
estabelece o direito ao meio ambiente ecologicamente· equilibrado como um di-
. reito-devet de todos, reservando o direito das futuras gerações, e trazta111béÍn
um dever do poder público e da coletividàde paraproteger esse. direito. Sendo
assim, a doutrina e a jurisprudência majoritária compreendem que a constitui-
ção àbarca um.paradigma antropocêµtrico alargado.Esse paradigma seria mais
ampló, pois vai além de Uma 1visão meramente antropocêntrica e. utilitarista à
2, Udliza~emos esses COJ:\.c~itos apesar de não haver consenso, uma vez que outros iturores, tomo
Wolkmer, Augustin e Wolkmer (2012) e Acàsta (2016) tratam dos Direitos da Natureza como
direitos bioc~nfriCos (ACOSTA,2016; WOLKMER;_AUGUSTIN~ WOLKMER, 2012)~
,
.-,_·...·•·
--1·.·
_861 ~nnà Morio Cárcamo
.nàmreza, entendendo sua. irriportânciá para a vida de presentes e futur;s gera~ ,
çpes, _inclusivei sendo considerado· um direito hu~ano (SARLET; FENSTÉR-
SEIFER, 2017). 1-Jo e.ntanto, ai'rida não abarca explici!amente os direitos dos
animais e da natureza pot si, e sini os benefícios que oferecem aos humano.s.
- .- . ·. Entrerantd, em seus·parágrafos1 o :u:tigo225 impõe ao Estado o dever de .
proteger -a natureza~ a fauna e os processos ecológicos. Assim -MfnistróºHerman,,
Benjamin do .STJ compreende, ~m pa~te, que a Constituição-jrampara uma visão
· que vai alé:ní do olhar antropocêntrico; no parágrafo 1°, inciso 1, para abarcar uma
visãobiocênrricn.em partes ecocêntrica, "ao propor-se a: a:rnpar11r a totalidade da
vida e suáshases" (BENJAMIN 1~098). · - ·' · . 1 _
· · Assim,. a ConstituiÇão estaria preparada para receber uma evolução db de-
bate filosófico ácerc;a _de uma rransi,Ção paradigmática pa~a uma visão biocêntri~
·_ca., ecocêntrica. A decisão. em análise abarca ,essa transição· e indusiv~ afüma que ..
é "nece.ssário repensaç a c6ncepção kantiana individualista e antropocêµrtica' da'.
1
ess~s fontes normativas e as insere tarpbérp no direito formal, qqe ,passa.a: refletfr ·:
,.. I , ' '
\
.,.
-3 Segundo Lourenço, o1paràrl,igm.a qu~ ;iparca apéb~ animais1 sencientes setià um•paracÍigma bioc
têfitrkomltigado (LOURENÇO; ;Wl9). '
.( .
: <:. -·~' .
.....
Caso do ·papagaio .Verdinho e a tfánsição de paradigmo'lla jurisprudência brasileira .1 si
. nã~ apenas um· direito com valores oçidentais modernos, mas valores plUrais con~
1tidos na sociedadê4. · · , '. · ' ' ·. r · . · · .· · • .. . ·
··. , Assim, a "coqsciência ecológicâ' e a visão ampla dos direitçs hup:i:á~os tr.a- ·
tados na d~cisãó embasam uma leitura de diréitos humanos que cofii'emplem os
.. ' \
dir~itos da natureza:, a partir de1mudaO:ça de consc;iência de visão di:; mundo, que
9s
. reconhece a "conexãp simbiótica entre ·seres humanos .e a Natureza.e de~orre da
indi~§odabilidade.entre eles" (MORAES, 2019):
Dessa forma, é possível faier u:rna leitura ainda miJ.is. ampla e instrumental·
. do caso em análise pautadanas suas referências explléitâs aos Direitos da Natureza,.
ao pluralismo jurídico e ao récoriheeimento da importância do movimento glo-
\ bal ne~te sentido, sustentandp, assim, a trans,ição para o P,aradigma eco.cêntr:icO. 1
REFERÊNCIAS ·•
'1
ACOSTA; Albe.rto.- O Bem Viver, São Paulo: Editora
" -
Elefante,
. 2016. .. ~
iieÍ:dna-ssLcom,/wp-content/uploads/sites/86/1020/09/Right-of-Rivers2.Re
\
.·I
pori:-V3.- Digital-~qmpre,ssed. pdf.
.• 1
INTRODUÇÃO
D.lante do modelo de desenvolvimento de cunho extrativo implementado
p
ria Região Amazônica, mais especificamente no:estado do Pará, ps 0 vos Ind.í-
.genas,. comunidades Quilombolas e. comunidades Tradicionais vêm criando seus
Protocolos Autônomos de Consulta e Consentimento Prévio, Livre e)nformado
·como instrumento jurídico e político de defesa territorial. Tais instrumentos jurí-
dicos e políticos estabelecem as diretrízes como esses povos desejam ser J:Onsulta-
dos pelos governos em .razão de decisões administrativas, tendo como objeto polí-
ticas de deseriv:olvimento e exploração de recursos naturais na. região Amazônica,.
Como os povos Indígenas, comunidades Quilorµbolas e comunidades Tra-
dicionaiS-vêm defendendo juridicamente a Natureza, seu direito enquaI).to detento~
ra de personalidade jurídica, através dos Protocolos Autônomos ou Comunitári0s
de Consulta e Consentimento Prévio, Livre e Informado será o nosso objetivo no
presénte artigo. Pretendemos, ao conceituar os Protocolos Autônomos ou Comu-
nitário~, relaciô'rtá-los com a teoria geral do Direito à Natureza e de seus princípios.
Inicialmente, definiremós os "Protocolos Autônomos ou Comunitáries de
e
Consulta e Co11sentimento Prévio, Livre Informado" traçando sua diferença
·com outros dois protocolos constfüídos antes dos primeiros protocolos identifi 0
cados. O.Direito ~Natureza precisa ser compreendido a pàrtir da relação cosrnô- ···
lógica existente entre Indígenas, Quilombolas e c~munid,ades Tradicionais e seus ·
territórios. A Teoria do Bem Viver constitui~se em um d0 s marcos fundamentai~
da teoria do Direito da Natureza, que se op&e as teorias econômicas denominada
de "economia . verd" .e . . . . . .
Em seguida, serão fix~dos os objetos jurídicos. protegidos pelos Protoco-
los. Entendendo o sentido das "necessidades" identific;idas pelos povos Indígenas,
comunidades Quilombolas e comunidades Tradicionais a partir de suas cosmo-
logias e da sua relição com a Natureza; buscaremos compreender a identidade da
Natureza como titular de direitos fundameritais;cónsubstanciadas nos Protocolos
como normas jurídicas de caráter vinculante. Através da raciônalidade ambiental .
propomos uma nova forma de entender as relações jurídicas, entre os ,bens jurídi-
cos e a Natureza. .
,
.921 Johny Fernaníies Giffoni
1
No último item, serão ~presentados os sujeitos coktivos que se apresentam
nos protocolos autônomos de consulta e consentimento, bem como esses sujeitos '1
se reladonam e produzem seus protocolos, como eles se relacionam com o Direito [
da Natureza e com o Bem Viver. 1
i
1
social "igualmente distintÓ qu~ regularmente vem desenvolvendo uma .Uividade extrativa secular
- 1
nas áreas de ocorrência de bahaçu" (SHIRA!SHI NETO, 2013, p. 24). O Movimento Interesta- -
dual das Quebraddras de Coco Babaçu (MIQCB) vem lutando pelo reconhecimento dos direitos
das mulheres que ~ompõem ~s~es grupos que existem de forma distinta, não se assemelhando ao~
grupos de trabalhadoras ~urais, ao acesso e uso comum das p~lmeiras de babaçu, btiscando atravé~
" das legislações infraconstinicion~is esse tratamento diferenciado (SHIRAISHI NETO, 2013, p.
25):. . .
· Protocolos de Consulta e Consentimento Prévio, Livre 1e.Informado no estado do Pará 193
O fundamento. conéeitual clisso é uma reconfiguração do conceito. de natu-
reza.-, e· nã~ uma transformação do nosso método econômico. "Repensar a
economià' é associado, acima de tudo, com· "rede~nir a naturezà'. l§SO impõe.
forçosamente a tarefa de desenvolver \hétodos, técnicas e procedimentos de
mensuração com os quais a natureza pdssa ser économicame~t~ avaliada e cal-
. cuhda. Se até então a causa da d~struição d~ natureza er;t a sua não valorização
econômica, agora as soluções e abordagens de ação dessa lógica se concentram
na ecónomização de serviços ambientais e da natureza (UNMÜBIG; FUHR;
FATHEUER, 2016, p. 60).
O BeÍn Viver prcipÔe úma cosmovisão diferente ela ocidental, posto que sl!r~
ge de ràí'zes comµnitárias' nãó. capitalistas. Rompe igualmente com as lógicas
antropocêntricas do capitalismo enquanto civilização dominante e com os dic ·
· versos socialismos reais que existiram até agora - que deverão ser repen~ados a
2 Segundo o Protocolo Comunitário BiÔc~tural das Raizeiras do Cerrado: "À identidade de 'raizeic
ti foi escolhida para esta representaçãq, sen,do o 'dos .da cura através das plàntas medicinais' o se.u
principal elemento de expressão. O conceito de 'dom' elab~r~do coletivamente assim foi definic
do: 'a pessoa nasce com o dom de cura, é algo espiritual, é uma hera'nça de sabedÓria trazida peia
ancestralidade. O dom é como sentir facilidade, ter vontade e amor para trabalhar com a medici-
na tradicional. Porém, o doni tem que ser despertado, a pessoa1tem que busçar conhecimentos e
ter coragem para exercer o seu poder de cura, senão não aproveita o dom que tem'. As priricÍpais
características de pertencimento ·à identidade/social das raizeiras, e que reforçam o dom da cura, ·
foram definidas coletivamein/com o objetivo d~ Ull1 reconhecimentómútuo e consclentização de
princípios, valon;s 'e ações do seu ofício" (DIAS; LAUREANO, 20~4, P; 11).
9.41 Johny Femqndes Giffoni
e
partir ·de posturas sociobiocêntricas qu~ não serão atualizados simplesmente,
mudando seus sÓbrenomes. Não esqueçamos que socialistas e capitalistas dê
todos o,s tipos se enfréntaram e ainda se enfrentam no quadrilátero do desen-
volvimento e do progresso (ACOSTA, 2016, p. 72). . .
1
· adotadas por esses pov.os. ' · . 1
,]
J
Protocolos de Consulta e Consentimento Prévio, Livre e _Informado no. estado do Pará 195
e· emancipação, qué se desenvolyem em espaços multiculturais, diversificados e
participativos, onde o exercído da democracià deve expressar os "valüres coleti-
vos niaterializados na dimeJ!SãO cultural de cada grupo e de cada comufiidàde"
(WOLKMER, 2013, p. 41). É nesse contextó que.tenciona o estudotrátar os di-
reitos da Natureza.
A Natureza na perspectiva ''.ocidental" é vista como um bem, que deve ser
controlado, "domesticado" e. submetido à vontade dos "homens civilizados", que
são aqueles desenvolvid9s, que dão uma destinação à natureza, para que ela se trans-
forme em um "objeto" economicamente aproveitável. Esse modelo vem gerando
um conflito com outros modelos, como aqueles defendidos .e vivenciados por indí-
genas, quilcimbolas, Afro-colombia,noi, palenqueiros, raizeiros, pescadoras e pesca-
dores artesanais, dentre tantos outros povos tradicionais. Segundo Acosta:
. . .
Isso nos lev4 a aceitar que a Natureza - enquanto construção social, ou seja~
enquanto conceito. elaborado pelos seres humanos - deve ser reinterpret~da e
revisada totalmente se üão quisermos colocar em. risco a existência do próprio
-ser humano. Para·começar qualquer reflexão, devemos aceitar que a Humani-
dade não está fora da Naturéza e que a Natureza tem limites biofísicos (AÇOS-
TA, 2016, p. to4r - " .
. Se~pre dependemos de n,ossas terras, Igarapé~, Ri.o e Baia que rodeia nosso
território, porém, tais modos de stibsistêncif! estão cada vez mais difíceis, iss~
porque a poluição do rio, da baia e do ar, (oriundos princip~lmente das fábri-
cas de Vila do Conde/Baicarena) estão afetando dé forma notória a-pesca e a
produção de açaí em nossa comunidade, como se isso não fosse suficiente, nos
últimos anos o proj~to de construção de dois portos, um da empresa america-
na CARGILL e outro, em Ponta de Pedra, da empresa francesa Louis Dreyfus
Company (LDC), amba.s envolvidas com negócios de soja e agrotóxico (AR- '
QUIA; 2020, p. 6-7): 1
• •
çlé vida, as' nossas práticas tradicionais de produção e as práticas culn1rais nos são
ensinados de geração em. geração" (ASAPAP, 2018, p. 5). .
;
J. do os 'sujeitos que podem disputar ou desej::tr a proteção desses bens. Todavia essa ·
construção é feita a partir de uma racionalidade de matriz iluminista, que descon-
Protocolos de Consulta e Consentimento Prévio, Livre e Informado no est;àdo do Pará · 199
sidera outras culturas que não as produzidas na matriz europeia e liberal. Neste
sentido, a ideia de universalidade acaba exduindÓ grupos sociais que apresentam
' "individualidades e coletividades'~ construídas_pela "diversidade" e pela "aiferen-
ça''..Dessamaneira, José Geraldo ch,àtna atenç~o: .· ·
A análise da experiência da ação coletiva dos novos sujeitos sociàis, que se ex-
prime no exercício da cidadania ativa; designa uma prática social que autoriza
estabele~er, em perspectiva jurídica, estas novas configurações, tais como a de-
terminação de espaços sociais a partir dos quais se enunciam direitos.novos, a
constituição de novos processos sociais e de novos direitos e a afirmação teórica
do sujeito coletivo de direito (SOUSA JUNIOR, 2002, p. 63).
'.' " Os protocol~~' ads diSporem pelas formas•com que as eoinunidades que~
. rem ser consultadas, queremser ouvidás quant~ ·~um projeto "desenvolvimeq:- ..
tista" ,qu~ se fundaJI1enta nas teori~ bxtra.tivistas e que podein 1interferir no seu
- 1 _( j_
- ,\
' !.
Protocolos. de Consulta e Consentimento Prévio, Livre e Informado· no estado do Pará i 101
modo de vida, possibilitam que eles "representem a naturezà' e seu entendimento
de "vida e. dignidade". Retirar da invisibilidade jurídica do "poder decisório" no
tocante as prioridades e do modelo d~ desenvolvimento dignifica pos~ibilítar aos
· povos marginalizados; determinar defender o seu modo de vida, que significa de-
fender/representar
. .
o sujeito de "Direit.o Naturezà'.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Direito da Natureza não pode ser vist,o de forma isolada, não pode ser
·concebido por m;na religiosidade eurqcêntrica ou antropocêntrica,. capaz de se-
parar o ser natureza; como sendo um ser mítico. A Natureza', e aqui. com 1etra
maiúscula, é um ser dotado de personalidade, dotado de uma raci~nalidade que
rrão a racionalidade colonial construida pelo sistema mundo moderno e colonial ..
A Natureza enquanto sujeito de direitos é construída pela cosmologia e juridici-
dade Indígenas, Quilombólas e .das comunidades Tradicionais.
· Essa juridicidade manifesta-se através de um direito consuetudinário, an-
cestral,. existente antes- da invasão europeia nas terras dos povos originários, por
nós chamados d~ Indígenas, e dos povos que habitavam o continente Africano.
Os povos se relacionam coin a Natureza c9mo mãe, como sua fonte de existência,
como elemento, de sua iden~idade. Por eles foi categorizada, por eles. 'gera seus re-
médios, seus alimentos, mantendo o ciclo da vida, ~om uma racionalidade conce-
bida sem despe.rdícios ou agressões. Essa raCionalidade, dehominada por Leff de
ambiental, é conceituada por Acosta de Bem Viver, e pelos povos simplesmente
de "respeito" ao seu modo de vida. '
Os protocolos são instrumentos construídos por uma imposição da racio-
. nalidade jurídica liberal que, embora reconheça as organizações sociais, culturais,
ecorn;miicás e até a pluralidade jurídica, exige dessas comunidade~. que o "verbo"
oral, "se faça carne", para somente .assim "habitar ·entre nós". Af.ista Oxum que
habita nos m,os, Xangô que (habita
/ .
na Pedreira, Ossanhã, o senhor
. de tódas a; er-•....
·
vas, ou Obaluae, q senhor da térra e das doenças. Mas Oxalá ab~nçoa e com Jesus
nos perdoa pela ignorância de não compreender o verdadeiro sentido que Tupã e
Nhanderu nos colocaram.
Os protocolos resgatam a força de Gaia, pela forÇa daquelas e daqueles que
d~scendem de Qrumilá, de Javé, de Obatalá, de Ananse e, a~ redor 'das festas dos
p~droeiros é das padroeiras, agradecem a "mãe" que dos rios ofereceu 6s peixes
(que antes dos. portos lá viviam), que deu~ frutas e os irmãos animais (que antes
das queimadas e dos sojefros lá viviam), que deu o sustento e a vida (qu~ antes dos
distrito.s industriais e da mineração lá viviám). Que a Teoria Geral do Direito da
Naturez.a, que se fez ~!carne e habit~u entre nós" hos Protocolos Comunitários de
. Consulta e Consentimento, possa orientar cada operadora e operador do direito
para uma nova hermenêutica capaz de conjur;ir )â vida e a continuidade de nossa
sobrevivência. .
~1 1 111 1 t!/
1:, l
1
SOUSÂ JYNIGR, José ÇeraJdo de. Sociologia JutÍdka: CondiçõesSoFia\s e·
,/
· PoS'sibilidacle~ Teóric<1-s; Poito Al~J~i"e': Sergio Antonio.fabris Editor, 2002. · ·
\
'
í
l
~
Protocolos de Consulta e Consentimento Prévi~, tivre e Informado no estado do Pará 1103
VNMÜBIG, Barbara; FUHR, Lili; FATHEUER, Thomas. Crític~ à economia
verde. Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Bõll, 2016.
1 WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo Jurídico: Fundamentos deu~a nova
; cultura no Direito. 3. ed. São Paulo: Alfa Omega, 2001.
1
1
WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo Jurídico: Um espaço de resistência na
construção de direitos humanos. ln: WOLKMER, Antonio Carlos; NETO,
1
1 Francisco Q. Veras; LIXA,)vone M. (orgs.). Pluralismo Jurídico: Os novos
caminhos da contemporaneidade. 2. ed. São Paulo: Saraiva, .2013.
8. RESISTÊNCIA ETERRITÓRIO: OS POVOS
TRADICIONAIS E A COVID-'19
INTRODUÇÃO
'
O presente ensilio aborda o processo de resistência dos povos indígenas em
Pernambuco durante a pandemia da Covid-19 1, conforme registros sistematiza"
dos de doze povo~ indígenas .(ISA, 2020), e uma migração; recente dos índios ve~
nezueldnos Waraos. OSistema lnteramericano de Direitos Human'Üs possui uma
série de julgados que asseguram os direitos originários dos povos indígenas. Uma.
das decisões mais· recen,tes da Corte lnteramericana, em pftrticular, tratou do Bra-
sil vs. Xukúru, ern um território demarcado: no estado de Pernarnbucó.
1 '
i1os.
106,1 Manoel Severino Moraes de Almeida
na internet denominada "Povos Indígenas e a Covid-19 em Pernambuco'', com o
apoio da Comissão de Professores/as· Indígenas em Pernambuco (COPIPE), Co-
missão de Juventµde Indígena em Pernambuco (COJIPE) e Articulação dos'Povos
e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOIN-
ME), Cátedra UNESCO/UNICAP Dom Helder Câmara de Direitos Humanos
e a Rede Solidária em Defesa da Vida - PE, deime outras entidades (REMDIPE,
2020).
Barreiras sanitárias foram criadas pelos indígenas antes mesmo dos primei-
ros casos confirmados da Covid-19 no estado, protegendo, nas aldeias, os indi~
víduos suscetíveis à infecção. Trata-se de uma iniciativa complexa porque exigiu,
para sua manutenção, a necessidade de cobertura de um elevado n4mero de vias
de acesso aos territórios e a proximidade dos centros urbanos, be~ como a falt:a
de iteas de higiene pessoal (álcool em gel, álcool 70° e sabãoJ e de Equipamentos
de Proteção Individual PI's).(f , .
· Em notª técnica conjunta (AATR et a!., 2020) assinada por várias institui-
ções sobre a legalidade das barreiras territoriais como uma estratégia de isolamen-
to ~ocial comunitário, esta iniciativa, somada ao isolamento familiar realizado es-
pecialmente na zona urbana, considerou as relações sociais que organizam: o modo
de viver dos povos tradicionais, salvaramyidas. As lideranças indígenas agiram nos
termos dos arts. 215, 216 e 231 da Constituição Federal. Somada as garantias da
1
li
1:,
I'',·. '.
',,I
,:'
,·1:1
~...
Resistência e território: os povos tradicionais e a Covid-19 1107
8.3 A REMDIPE INTENSIFICA SUA ATUAÇÃO NA SISTEMATIZAÇÃO DOS
MD~ ' .
- }
1081 Manoel Severino Moraes de Almeida -
O 2$ SOkm·
~ ,-==·
~r.
i=
. • 1'
l!
(RMR): a ,capital conta .com uma população declàrada de 3.665 indígenas; em
Olinda, autoéieclararam indígenas '941;. Paulista, 83; e Jaboatão rdos Guararapes,
1.513. Diferente dos índios que estio alde~dos ou quevivemnos territóriosind(
genas já demarcados, os indivíduos .que se autodeclararam indígehas ria RMR não
tem acesso aos serviços da Secretaria Esp~dal de Saú9,e Indígena (SESAI). J; como
de resto, ao dar entrada em seryiços de educação, saúde ou assistência social, não
i:
:~ i 1
í
1
Resistência e território: os povos tradicionais e a Covid-19 i 109
são régistrados como illdígenas, caracterizando Ull\a violação grave à identidade
desses indivíd~os. ·
. ,Em 15 de jt.mho de 2020, no boletim nº 8, podemos identificar:, no gráfi-
co abaixo, o processo deinteriorização da .infecção e sua incidência nos territórios
inclígenas, que conseguiu, até o momento, bons resultados com as barreiras sani~
-tárias organizadas pelos próprios povos indígenas. ,
O IS SOkm
L_.J.___J
...........
TIS SEM MEDIDAS PE CmtfltMÃDOS.
MRdPIOS~tt\
• , .. so
•
• •·lS e so-100
,
.......
• 100-150
• 40·•• • ,.,,.,00
9'200 . . 2so ,
J . .
CONSIDERAÇÕES FINAIS
. ,
A experiênci~ da REMDIPE e da Rede Solidária em Defesa da Vida -PE
potencializaram uma agenda indígena em Pernambuco, ainda mais diante do de-,
·safio que 'a pandeÍnia da Covid-19 representou .para os povos originários a possi-
bilidade de rompe~ a invisibilidade da mídia oficial e mesmo do p;ocesso de cri- ,
minalização c01;itra'. suas lideranças. ·
Uma mà~ca importante de auto proteção tem sido ação no território de
a
inciativas proativas e de uma estratégia focada em valores como a solidariedade, a
·cultura de o vínculo social.- Mas os desafios ainda são enormes e a falta de recur-
sos financeiros podem fragilizar o ganho em saúde pública, diante da pandemia.
É importante frisar que a gandemia acrescentou nqvos elementos de 'amea-
ça ,à vida e à memória dos povps indígenas, mas nãó significou o maiorproble:ma
quando analisamos a criminalização de suas organizações e as recentes a,meaças de
morte aos índios da etnia Pankararú em Pernambuco.
··A terra e sua efetiva demarcação é uma agenda ainda não superada, e·como
!')Uas identidades tradicionais dependem de seu vínculo com o território, infeliz-
mente o vírus do preconceito e da intolerância contra os povos indígenas em Per-
nambuco continua sua curva de medo é injustíç~s.
REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
Nosso propósito, neste ensaio; é descobrir se é possível afirmar que ahis~
tória re~ente do rio Paraopeba em Minas Gerais e da comurüdade indígena Naô
rXohã pode servir como alimento para o reconhecimento de que aquela comu-
nidade ea natureza se complÚam e~ sua essêp.cia de vida e, mais que isso, essa .
co/mpletude serve como ponte que, se for interligada aos valoi;es públicos locais,
os direitos da natureza poderão se.r reconhecidos e protegidos pela política pública
municipal. E, nesse ponto, registramos com entusiasmo a participação d(; Rafae-
. la Carvalho Coutinho de Oliveira\ nossa assistente de pesquisíl, porque sem sua
íl)~da não teríamos tido acesso à l;iistória da comunidade Naô Xo~ã.
As premissas que dirigem nosso ensaio .são três. A primeira é a de que é
possível considerar que se trata de uma única histót'ia; cujos sujeitos de direitos
-,- o rio e a comunidade - em urna luta que até pode parecer isolada, se consolida
de forma interligada. A segunda ~ a de que estamos diante da concretização de
um pressuposto importan.te para a reafirmação dos valores comuns/públicos que
podem ser recuperados reforçando pontes fortal~cedoras da democracia ecológi-
co-social2 nas quais os direitos da natuteza são adubos para à qualidade da vida
dos membros de todo munieípio e,que, portanto, o desafio atual é escutar, com:
partilhar e abraçar valores comuns na diferença de cada sujeito de direito - o rio e
a comunidade i~dígena. Por fim, a terceíra é ade que rec;uperâr as forças de par':'
~ticipação, na esfera local; m avaliàÇão dos instruJllentos jurídicos, Lei Orgânica
Municipal, Plano Di~etor municipal e regional, poderá impactar positivamente a
Democracia Participativa local, onde o ente· federativo - ,o Município - tem úm
papel fundamental no reçonhecimento.e na defesa dos direitüs da natureza.
Rafada Carvalho Coutinho de 'oliveira é estudante da Escola Superior Dom Helder Câmara
Diréito Integral. Memb~~.do Grupo)de Iniciação Cién#fica "Instrumentos para Efetivação dos
Direitos Humanos no Estado Elenrocrático de Direito'', sob a coqrdenação da professora Mariza
Rios. Arualmente sua pesquisa é sobre "O impacto na aldeia Naô Xohá na defesa ; proteção do
Rio Paraopeba em Minas Gerais".
2 O termo democracia ecológico-social' aqui utilizildo é o ele que trata Leonardo Boff êujo conceito
se fµnda na· ideia de que "o ser humano é' parte da natureza e da biosfera. El~ não é o centro do
universo" (BOFF, Leon~do. Ecologia Mundializafáo, Espiritualidade. Rio. de Janeiro: Record, .
2008, p. 108. [p. 12]). .
' i 113 ,
1141 Mariza Rios
Nesse sentido, o primeiro reconhecimento é de que estamos diante de uma
única história porque o rio, em seu percurso geográfico, tem como braço direito de
proteção um povo que é capaz de compreender e interligar a sua pr6pria história
a historia da natureza. Assim, rio ·e natureza são parte de úm mesmo patrimônio
ligado por pontes de solidariedade, reconhecimento de direitos e participação-por
dentro dos instrumentos públicos de proteção da democracia local.
Para iniciar, lembramos a convocação do papa Francisco 3 dando voz, credi-
bilidade e oportunidade para o desenvolvimento da 'virtude do amor que, a nosso
. ver, não cabem.ais explicação e sim deixar/permitir que aflore o sentimento de per-
'tença um do outro, o homen:i e a natuteza, e mais, a certeza de que a sobrevivência
de um está conectada diretamente à sobrevivência do auto. Essa lição nos foi re-
lembrada por frei Silvanildo, em 29 de maio de 2020, quando ensinou: "nós temos
.que amar a natureza'' 4 porque somente assim·vamos conseguir compreender que
tudo está interligado.
. . , Por tudo. isso, decidimos, em primeiro lugar, resumir a história do rio Paraope-
, ba e da comunidade Naô Xohã procurando pontes que possam eluçidar uiva parte
do presel}te, marcado pela retomada da comunidade ao seu territórib (2018) e pelo.
rompimento da barragem de Bruinàdinho (2019) que, acreditamos, ser capaz de Aos
levar a.compreender que tudo está interligado e que a chave .do sentir e da renovação
de compromisso ~stáno espaço, local pronto para anunciar ao Universo que podemos
ser diferentes, que podemos amar a natureza a ponto de mudar a direção do coração
para o cuidado da Casa Comum, aqui representada pelo espaço municipal;
E, dessa maneira, passo agora .a ocupar o lugar de testemunha ,protagonista
de vozes locais que gritam pelo reconhecimento de valores' comuns, mas, ao mesmo
tempo, anunciam que é possível cohstrufr pontes fortalecedoras da democracia lo-
cal e, quiçá, apol,ltar limites e sugestões para o fortalecimento dessas pontes.
Ocorre'que essa compreensão exige pelo menos três providências práticas: a)
conhecer os membros desta rede de relações, aqui compree!Jdidos todos qiie fazem
parte do ente federativo município; b) conhecer e ocupar os instrumentos locais
garantidores do vaiar cornuU:itário; c) repactuar gestos e compromissos que possam
fortalecer a justiça social. ' \ -
3 VATICANO. Carta Endclica Laudato Si' dc;i Santo Padte Francisco sobre o c1ddado da casa
comum, 201 ~· Qisponível em: https://w2. vatican. va/ content/ dam/francesco/pdf/ encyclicals/ doeu
mems/papa-francesco~20150524_enciclica-laudato-si_po.pdf. Acesso em: 10 maio 4oio.
4 DOM TOTAL. Live realiz~da no dia 2Q de maio de 2020 por ocasião da celebração dos cinco anos
daLaudato Si' (2015 a 2020).
•5 Di~ponível em: https://www.paraopeba.mg.gov. bt/ detalhe-da-materia/info/historia/6502. Acesso .
em: 9 jun. 2020.
1
li
-. cas, fixa:dà às margens ·do,;rio Paraopeba, .ondeJ_uta pela construção do seu, pcróprio /
modo de vid~ desd.e 2017. Entretanto, apesar do monitoramento do território :1
(
ocorrer desde 2013, as migraçõesdes~és povos.nãb são rece!).tes. Os,Pataxós vivem
./em diversas aldeias espalhadas pelo estado da Bahia e de Mí,na:s Gerais e o primei- · i
1
nânda dos Pataxós no município de São Joaquim de Bicas 10 fol fi1.otivadà 'pelas di- 1.
. MST, ein u:ma área que fica a cerca de 22 km da barragem de Brumadinho, uma
área· ver<:l.e de 327 hectares,, que àté aquele momento era otupad'!- pela· emprefa
n:iinetad.óra FertottS: Resources dó ~rasil, cuja· propriedade, ,~egundo o jornal Hoje
em.Dia, pertencia à MMX, empresa de Eike Batist:J:. ·..•. . , / ' , . .
, " Ojornal 9 Tenfé,,veiculado ein:l9 de abril de 2oi9; fal~tído 8obr~ a vida
da comunidade, nesse momento erp seu território, traz ª(ºz do cacique Hayó:
"aqui nós .temos paz porqüe D!!us esrá presente no rio Pa:raopeba e â. C!?munidade
esta~a destiq:adaa vivei em harmonia [.:.], peFmanecer no local'para recuppar ~,
• i ' : - ' 1 \, - .\ , ' ,· -
mci~ salário, mírti~opor adoiestente; um quarto de .salário mfrilmo por criahça; val0 r corresp6n-
dente a umá ces~a básica para. cada·núcleo familiar. Disponível em: l;ittp://~.mpf.nip.br/mg/
., s~a-de-impren~a/docs{acordo.:.vale~pa'taxos .. Acesso em: 1.5 jun. 2Q20. , . · .·;
9 · 'cENTR~ bE Docú'MENTÀÇÃ:ó EtdY FERREIRA DA SILVÀ-CEDEFES~.Dispori1vd
etÍi.: https://www-.cedefes.org.b'r/. Aces;o e\n; 15 jun. 2020~ · ·
' 1 J . ' ' •·.. • . ..:_ ,·
10 São Joaquim de Bicas é um peqúeno Município Cl0 Es.tado que sàstenQ.e pot7l,6 e, se- ktn2
'
I~ .
.· gundo o senso de 2010, já cól)tava corri 3 L.578 habitantes. A densidade demográfica. é de 441.~3
(habitantes por kni2 no ·territórk( do município. TrataCse de utii municípi~ vizinho :de Brumadi- .
;nho, região que se en~tra b,runtlmente afetada pelo rompimentó da Barragem cie Brumadinho.
Disponível em: 'https:/ !w\vw.dcLlde~br~siLcom:br/municipio-saocjoaquim-de-bicas.h,thil. Acess 0 ·
. em: 1·5 jun. 2Ó20. https://wwW'.cedefes.org:br/. Acesso em: 15 jiln. 2020 .. - . .
>. · ', · . . ···'
' • -. '·.'· • • .'. • • : ' • 1 "- • , •
'.\,
r-1. \'
1 . \ . 1
l
Tudo está interligado: o rio, a comunidade e a Terra . 1l7
assim _Bzermos, ~staremos ôesconectando á ponte que liga dois sujeitos de direitos,
. o rio e'à comunidade. . ! \ . ' r. \ ' . . .
'1,
118 ~ Mariza Rios
1
,.
-,_:;
Tudo está interligado: o rio, a comunidade e a Terra 1_119
Nessa paisagem, Leonardo BofF2;- fazendo a releitura das moqernidades, li-
beral e· socialista, sintetiza que a modernídade liberal criou a sociedade industrial·
, pelo instruménto da democracia liberal representativa cuja centralidade é o n:lercado
e o consÚmo.
,,
A modernidade
- --
socialista, por s~a vez, excluiu
!
por completo a diferen-
ça, àcreditando ser a diferença a mesrria coisa que as,desigualdâdes e, daf, a luta pela,
igualdade tão fortemente focada na formalidade que chegou a se olvidar, na mesma
.medida, da efetividade, reconhecida aqui como formação de uma nova' sociedade
nutrida-pelos valores da participação, solidariedade,. diferença e comunhão.
Frente a essa realidade de dóis projetos que se excluíram, aponta o autor a
ideia da reconstrução da.sociedade pautada por uma participação que seja capaz
de criar práticas; a solidariedade reconhec_ida como ''a capacidade de incluir o ou-
tro no seupróprib interesse e.entrar no mundo do diferente para fortalecê-lo" 23 , a
diferença requerida hoje por muitos grupos sociais, exatamente por isso, apresen,ta
a possibilidade de visualização da.comunhão\ . ·
Aqui vale relembrar o valor corrmmentre o·rio, a comunidade indígena e a :
comunidade local, a justiça social, reconhecimento que fundou a própria cria9ão
dos entes federativos, o m~nidpio de Paraopeba e São Joaquim' de Bicas; Boaven-
tura,24 em seu estudo sobre os caminhos da democracia: participativa, expõe que
é.preciso democratizar a própria democracia porque assim passa aser possíveLi.
reinvenção da emancipação social.
É o que àcréditamos e, por essa razão, estamos propondo, comoingredien-
. teda construção qessa emancipação social, o resgate dos instrumentos públicos
locais e a repactuação, pela governariça local, de gestos e compromissos capa:ies de
trazer à centralidade da comunidade o valor da justiça social. .
25 Após a tragédia de 'Brumadinho, Furidaçáo decreta m;rte do rio Paraopeba. Disponível em: http~://
g l .globo.com/mg/centro-oeste/ noticia/ 20.19 / 02/04/ apos-tràgedia-de~ brumadinho-fundacao-de
creta-ll1orte-do-rio·paraopeba-em-para-de-minas.ghtml. Acesso em: maio 2020.
· 26 IGAM. Disponível em: https://g l .globo.com/ mg/ minas-gerais/noticia/2019/07123i quase-6-me-
. ses-apos-tr~gedia-dà-vale-u50-dá-agua-do~paraopeba-segue-sem"previsaq"impacto-ao.-meio-ain-
. biente-ainda-e-analisado.ghtml. Acesso em: 3 maio 2020. ' .
27 SANTOS; Boaventura de Sousa._Para mriaS~ciol;gia das ausências e uma.sociologia.das emer-
gências. Revista Crítica de d.ências Sociais, Coimbra, n. 6,3, p. 237-2$0, out. 2002.
28 RIOS, Mariza. Produs:ã.o'de Direitos: a exper:iência da comunidade remanescente de quilombq
de Preto Forro; Pàsso Fundo: IFIBE,\2008. · · .
Tudo está interligbdo~ o rio, a comunidacje e a TetTa ·i 121
. ' , '
., '
.""-..: i:
jor-..--------
31 .. GRAU; Eros. A ordem econômic\l da Constituição d~ 1988. 13. ed. São Paulo: Malheiros,
2010, p. 13. .
32 BRASIL.Constituição Federal de 1988. Disponível em: http://www,planalto.gov.br/ccivil_03/
constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 15jun. 2020.
33 BRASIL Éstat1Jto d~ Cidade. Lei: nº 10.257, de 10 de julho de 2001 .. Disp~nív~l em: http:// ·
www.planalto.gov:bt/ccivil_03/leis/leis~2001/11025].hrui. Acesso em: 15 jun. 2020.
34 Disponível .em·: ht'tp://www.planalto:gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/ll 0257.htm. Acesso em: .15
jun. 2020.
J_
'l
dos direitos indivif1uais e sociais que a Cónstituição da República confere aos bra-
sileiros e estrangeiros". Veja que não se trata d.e 1 urna opção ou qualquer vontade
própria e sirn de obrigação de curnprfr o que
Alérn diss.o, o artigo 6°, ern seu parágrafo segundo, do rnesrno instrurnen-
, .·to, 'deteqnina que "É.direito de qualquer cidadão e entidade legalmente constituíe
da de.nuneiar às autoridades competentes a prática, por órgão ou entidade pública
ou pór delegatório de serviço rúblico, de atos lesivos aos direitos dos usuários dos
serviços públicos locais'', o que reafirma a obrigatoriedade local pela garantia do.s
direitos constitucionais.
O segundo instrurnerito de fundarnent~l importância na· esfera local é o ·
Plano Diretor, definido ern seu artigo primeiro a sua identidade. É.dizer: o "ins-
trumento básico da política de desenvolvimento sustentável", cujos objetivos são,
dentre outros,"[ ... ] o bern-es.tar de seus habitantes e a gestã\) democrática a partir
d~ participaçao popular".
Assim, ternos na garantia da ordenação. urbana, prevista no artigo 2°, irici-
, so 1, letra a, o objetivo de "evitar [...] a poluição e ·a degradação ambiental", bern
como, ºno inciso VIII, :'a próteção, preservàção e. recuperação do rneio ambiente".
' . Para alérn disso, o rnesrno instrumento, ern seu artigo ?ó; inciso III, l~tra
a, crh urna Zona de Interesse Especial e Preservação Ambiental e, por último, no
artigo 10 da Lei de Uso e Ocupação do Solo ternos "proteção das nascentes e as cac
beceiras'dos cursos d'águà'. Reconhece o, Plano Dii:etor, artigo 15, inciso I; dentre
os objetivos estratégicos da política de desenv.olvirnento urbano, a "~onsolidação
do Município ~orno polo regional de lazer, turismo ecológico [... ]". 35
Sobre a Legislação Municipal de São Joaquim .de Bicas, rnunícipio que, de
acordo corn IBGE, ern 2010 tinha a população de 2,5.619 habitantes, da rnesrna
maneira, ternos dois instrumentos básicos: Lei Orgânica e Plano Diretor. Na Lei
Orgânica, ern seu artigo 5°, alérn da obrigação municipal pela efetividade dos di-
\
reitos fundamentais constitucionais, podemos encontrar, no Plano Diretor, Lei
· Cornplernentar nº 13 de 2012, ern seu artigo 5°, inciso III, letra a, obdgatorieda-
de pela criação da Zona de Proteção Ambiental. "'1lérn disso, o mesmo instrumen-'"'
to traz, ern seu artigo 6°, inciso X,· a obrigação pública de "estabelecer diretrizes.
para ocupação da Zona de Vroteção Ambiental". · ·
f,, por derradeiro, o terceiro instrumento fundamental pai:a a garantia de
· pr9teção dos direitos da natureza é Plano Diretor de Recursos Hídricos da Bacia·
do Rio Paraopebà. Instrurnefito de iníple~entação de programas, .projetos, obras
e investimentos prioritários visando à melhoria da qualidade ambiental da ba-
cia. Este, de acor<lo corn resolução dó Conselho Nacional de Recursos Hídricos
(ÇNRH),.deve ser periodicamente revi~to.
Tratacse de urn plano juridicamente re.conhecido pelo Estatuto da Cidade
cqm abrangência de gestão rregional e segue as orientações do Instituto )'víineiro
de Gestão das Águas; bern ~orno da Companhia de Saneamento de Minas.Gerais
A política púqÜca é o mecanismo pelo qual o pode~. executivo éxen:e sua. '
função públíca de proteção dos direitos fundamentais porqu~ estes constituem. a
expressão concreta dos valores teconh_ecidos formalmente na Constituição focl.e"
ral, nasCon~tittiições Est.aduais e nas Leis Órgânicas Municip~is, ~justiça social.
Nesse contexto, Maria Paula Dallari Bucçi39 apresenta cü'mo d,e extrema impor-
tância a cqmpreensã6 da Política Públicâ:conecrada ao .orçamento público; úma
vez que este constitui condição parq. a realização da política pública.
· Sendo a Política Pública. mecanismo de proteção de valores, e direitos, a
questão do pagamento, db di~heiro para a sua execução torna-se um problema
37. DALLARI, Dalmo de Abreu. Elemen~os deTeoria Geral do Estado, São Paulo: Saraiva, 20 Í2.
• -'1 '.--, ' ' -. _'
Nesse contexto, podemos afirmar que uma vez que o orçamente detalha
as despesàs, pode-se acompanhar. as prioridades do· governo, com ó por exemplo,
d investimento na construção de escolas, transporte público, gasto com a saúde,
proteção da natureza, dentre outros qlie se realizam pelo mecallismo de políticas·
públicas. Cómpreendido o tamanho da importância das políticas públicas, não
temos outra opção, no campo da garantia de direitos, que não seja abraçar o ins-
trumento do, orçamento público porque somente assim teremos políticas públicas
dé qualidade para a garantia e proteção dos dir~itos da natureza.
· Mas a pergunta que surge é: com0 Jazer esse abraço de forma a dar cont;i.,
em prirn.eito lugar, do reçonhedmento dos direitos da naturez~ e; em segundo; da
política públicàgarantidora desse direito? Para resporideressa questão preçisamos
recuperar uma atitude pessoal de cada cidadão que é a participaçjo, junt°'.;.W poder
legi~lativo, para o reconhecimento exHresso na Le,i Ürgâni~a Municipal dos direi-
ªº
to da natureza e, juntq poder executivo, na construção de uma política pública
protetora dos direitos.da natureza., que deverá terprevisão expressa no Pla.110 Di- ·
retor, não esquecendo de maneifa nenhuma do orçamento público aµual. .
&sim,.o direito de participação, garantido na-Constituição F:xleral em.seu
ari:igo 1°, par.ígrafo único "Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio
. de representantes eleitos. ou diretamente, nos termos desta Constituição" ~e aprec
·. senta corri ó. condição ju~ídica, inclusive, par~ a validade do· Planó Diretor muni-
cipal. Aqui é de bomalvitre que se destaque, entre muitas outr.as; a d~cisio do
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no Agravo de Instrumento de nº
0306342771.2011.8.26.0000, obrigando a Prefeítura Municipal, na forma esta-
belecida pelo artigó 40, §4°, do Estatuto da Cidade "No processo de elaboração .
do plano diretor e na fiscalização de sua implementação [;:.] a ptqmoção de au-
i
i
.1·
Tudo está interligado:• o n"~,, a comunidade e a Terra i127
. '\ - .
diências públicas e· debates com a participação da população" 40 como condição
obrigatória . · ·
·, Nessa paisagem, Boaventura de Sou.sa Santos apresenta, no conjunto de
suas obras sobre o tema - 1999, 2002 e 2007 ~ ql.le o processo dé construção,
execução e fiscalização do Orçamento Público é condição imprescindível para que
tenhamos umaAemocracia participativa e, por consequência, justiça social41 •
. ~ - .
40 · STJSP - Agravo de Instrumento' ~012. Ílisponível eni: http://www.úrbanismo.mppr.mp.br/
arquivos/File/TJSPVILASONIAAI_3063427 l 20 l l 8260000_SP_ l 33 7168275 876.pdf. Acesso
em: 10jun ..2020.
41 .SANTOS, Boaventura de Sousa. Democratiz~ a dem9cracia: os caminhos da democrada par-
-ticipa~iva, São Paulo: Civilização Brasileirà, i002. . .
_12sj Manza Rias.
/
CONSIDERAÇÕES FiNAI~
. lniciamÔs_o p~esénte. ensai'a CQ~b ·objetivo·d~ resp9nder aõ problema
1
a
· da po~sibilidade .de set histó ria recente do ·rio, Paraope~a e. da comunidade
1
·-.: -- ~--.' -. _.
•
r
1 Tudo está interligado: o rio, a comunidade e a Terra i 129
mas, ao mesmo tempo, serve de ponte fortalecedora de valores e direitos, ins-
trumentos. e mecanismos públicos .locais capa:res de proteger e promover ações
concretas no processo de criação, avaliação e fiScalização de uma polítiça pública
a.mbientalde qualijiade. A nosso ver, apresenta-se possível pelo fortalecimento ·
de incidências sociais nos mecanismos de avaliação e controle dos instrumentos
legislativo e executivo pelos mec,anismos do Orçamento Público e de Polítiéas
Públicas. ' ·
Em nossa opinião ist~ pod~ ser feito em, pelo menos, quatró frentes de
·participação: a) revisão da Lei Orgânica Municipal com a meta de incluir expres-
samen~e os direitos da natureza; b) revisão e Avaliação do Plano Diretor munici-
' pal para inclusão da política pública ambiental com foco 1na proteção do· rio Pa-
raopeba; c) incidir na construção e no controle do Orçamento Público; d) exigir
lugar de participação no conselho estadual do -Plano Diretor Regional da Bacfa
do Paraopeba .
. Por fim, como exigência diretora de todas as sugestões, necessário se faz a
qualificação da participação centrada na defesa dó valor da justiça e dos direitos·
da, natureza. Assim, podemos concluir qúe a presença incansável da cornunidade
indígena, em s'l1a convivência con\ a natureza, se apresenta de maneir~ fundamen-
tal para esta e para as geraçé)es futuras, mas a interligação dos valores e direitos
públi5os em sua exig.êi:icia de prbteçfo mostra que temos vazamentos e buracos na
ponte que ós interliga. .. · ·
o traQalho de traduçãô passa pela decisãopessoal de cada um e pela par-
. ticipaçãp efetiva nos espaços e também pela Lei Orgânica, Plano Diretor e por
Polític:as,Pt'.1.blicas, através dos conselhos ·municipais. É o desafio para a garantia d~
que tudo esteja interligado.
REFERÊNCIAS
.
BOFF, Leonardo. Ecologiaj Mundialização, Espiritqalidade. São Paulo: Re-
cord, 2008. '
BRASIL. Estatuto da Cidade. Lei nº 10.251, de 10 de julho de 2001. http://
www.planalto.gov.br/ ccivil_03lleis/leii_2001/11 (}-257_.htm. Acesso e.m: 15
jun.2020: ·
BUCCI, Maria Paula Dallari. O Conceito.de Política Pública em Dirdto. Dis-
ponível em:. https;/ / ediscipli~as.usp.br/ plugi~fily.php/41 ~2322/ mo~-;resour .
ce/content/ 1/BU CCI_Mana_,Paula_Dallan.:_ô_ conceíto_de~polmca_pu.
blic~:_em_direito.pdf ~cesso em,: 10 mar. 2020. . .
. GAM~OS, Mariana. Aldei(l indígena Naô Xohã rião ·pod.e mais pescar e tomar
banho em rio devastado por lania tóxica, após rompimento. da barragem da
Vale .. Greenpeace. 30 jan. 2019. Disponível em: https://www.greenpeace~
org/brasil/blog/a-terra-esta-vomità.ndo/. Acesso em: 1.'l maio 2020.
r 1301 Mariza Rio;
CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO ELOY FERREIRA DA/SILVA. Povos In-
dígenas em Minas Gerais. Disponível em: https://www.n;defos.org.br/po
vos-indígenas-destaque/. Acesso em: 16 maio 2020.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral, do Estado. São Paulo:
Saraiva, 2012.
DOM TOTAL. Liverealizada no dia 29 de maio de 2020 por ocasião da cele-
bração dos cinco anos da Laudaro Si' (2015 a 2020), Disponível em~ https://
www.paraopeba.mg. gov. brl detalhe-da-material info/historia/ 6 5 02. Acesso
em: 9 jun. 2020. .
FALABELLA,\Cida; GONÇALVES, Bella, Indígen~s em fiscona Feira Hippie.
O Tenipo. 30 out. 2019, Disponível em: https://www~otémpo.com.br/politi
ca/ga~inetona/indigenas-em-risco-na-feira-híppie-1,2244381. Acesso em:/17
ago. 202,0.
GRAU, Eros. A ordem econômiq1 da Constituição de 1988. 13. ed. São Paulo: ·
, Malheiros, 2010. /
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTIGA ..
2012. Notícias. Disponível em: https:/lcenso2010.ibge.gov.br/
noticias-c,ensô?busca= l&id=3&idnoticia="2 l 94&t=censo-2010-pobla
. cao-indigena-896-9-mil~tem-305-etnias-fala-274&view=noticia. Acesso em:
16 ago. 2020.
MAGALHÃES, José Luiz Quadros de; ROCHA., Carlos Alberto Vasconcelos. O
Município e a Construção da Dt:mocracia Participativa. Belo Horizonte:
Mandamentos, 2006. '
PATAXÓ. ·Institu,to Socioambiental. Disponível em:, https:// pib.sodoambiental. ·
i org/pt/POvo:Pat~ó. Acesso em: 16 maio 2020.
1
PATAXÓ HÃ-HÃ-HÁE. InstitutoSocioainbiental .. Disponível em: http(>://pib.
1' .socioambi~ntal.org/pt/Povo:Pataxó~Hã-Hã-Hãe. Acesso'erri: 16 maio l020.
·:\'
'·,\'
VATICANO. Cartâ Encíclica Laudato Si' do Santo Padre Francisco sobre o
•·\·
'. 1,
cuidado da casa comµm, 2015,Disponível em: https://wl.vatican.va/con
' '
· tent/ dam/francesco/pdf/ encyclicals/ documents/papa-francesco_20150524_
enciclica-laudato-si::_po.pdf. Acesso em: 10 maio 2020.
RIOS,Mariza. Produção de Direitos: a experiência da comunidade remanescen-
te de quilombo de Pi:eto Forro. Passo Fundo:IFIBE, 2008. .
SAN'fOS, Boavehtura de Sousa. Democratizar.a Democracia: os.caminhos da
democracia participativa. São Pa~lo: Civilização Brasileira.. 2002.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma Sociologia das ausências e uma.socio- ·
1 logia das·emergências. Revista Crítica de Ciências Sóciais, Coimbra, n. 63,
p. 237-280, out. 2002. . .
·;:
1
i'
1
i
1
1:
10. DIREITdS DA NATUREZA NO BRASIL:
O CASO DE BONITO - PE
INTROD~ÇÃO
Somos seres habitantes de uma mesma casa, o planeta Terra; fazémos parte
de um;i mesma comunidade que corppreende~ além dos seres humanos, todos os
demais seres animados e mesmo as coisas aparentemente sem vida, como a pr6-
pria Terra e a terra, aquela constituída de altci percentual de microrganismos vivos, ·
reconhecidamente dotad6s de vida (e até como parte da pr6pria vida humana, já
que estão presentes em similar proporção no corpo ~umano). A.vida humana é
interdependente da vida e existência dos demais seres acolhidos por esta que é a
Mãe das cosmovisões das comunidades ancestrais originárias, a Madre Tierra, a
Pachamama.
A Pachamama ressignífica a Terra e a recoloca em seu devido lugar; não
se trata apenas de um planeta. A Terra é a Mãe maior, a provedora maior. Assim
como as mães humanas, é aquela dotada da inigualável função material e espiri-
tual de prover e manter a teia da Vida, oferecendo territ6rio para o "caminhar",
alimento para nurrir, energia mantene:dora das relações e conexões que encadeiam
a rede interconectada de maneira naturalmente harmônica entre ~ càos e a ordem,
entre o viver e .o morrer, que transmuta e faz o céu permanecer em pé, gerando e
regenerando.
, Um modo de viver m~is plenamente humano se revela no ·viver ~ convi-
ver em comunidade 'c~m todos o,s demais seres, de forma integrada e relacional.
Assim, viver em plenitude é a resp~sta que o direito, desde as constituições pro-
a
. mulgadas sob perspectiva do novo constitucionalismo democrático latino-ame-
ricano, tem adotado. As novas legislações do Sul, especialmente Equador (2008)
e Bolíyia: (2010), pautaram a vida da sociedade sob o paradigma ancestral comu-
nitário, baseado na cultura da vida, que ensina a viver em. harmonia e equilíbrío
com o entorno, por eles nominada como o buen vivir ou vivir bien traduzido na
língua originária da Nação Quechua como "surriak kawsay'' ou "teko porâ'. para
a Nação Guarani. 1•
113~
..1321 Va11essa Hasson de Oliveira
dos povos originários. É n~ resgate da identidade que a vida em plenitude do. in-
divíduo ,se inicia e, assim, a identificàção com o território passa a ter fundamental,
· importância.
Neste sentido, a articulação que se inicia no Brasil, no âmbito do advocacy
da OS CIP MAPAS 1, sob a direção desta autora, prioriza a introdução do reconhe-
cimento dos direitos da Natureza em nível local. Respeitando a lógica ancestral da
identid.ade biocultural das comunidades em relação aos seus territórios, exercidos
por meio da convivialidade, a ação se dámediante a institucÍonalização2 desta for~
ma ancestral de dispor-se.diante e entre os demais membros da Natureza, fazendo
promulgar na Lei Orgânica dos municípios brasileiros, dispositivo normativo que
declare qúe naquela localidade referidos direitos são expressamente reconhecidos.
Este capítulo pretende oferecer, cp11J.o inspiração, a forma como foram traça-
dos os caminhos para o êxito desta empreitada,indusive no que se refere à escolha,
ou melhor, dizendo, à falta dela, do município de Bonito, no esta~o do Pernambu-
co, como primeiro município 3. reconhecer os direitos da Natureza no Brasil.
Objetivamos oferecer, ein cons6nância à plenitude da abundância da. Pa-
cha, elementos sutis que possam servir de iluminação aos mais dé .cirito mil ,muni-
cípios brasileirôs na elaboração e/oú reavaliação de sua constituição local. '
, Dessa thaí\eira, o presente texto apresenta, em primeiro lugar, os marcos
. que sustentaram essa inciativa e, P'ilulatinamente, estão se espalhando pelos con- .
textos de outros entes federativos, Paudalho/PE; Florianópoli.s/SC; São Paulo/SP;
Palmas/TO; Fortaleza/CE; Salvador/BA. 1.
A MAPAS foí fund~da em 2004 par; servir d; apoio às práticas ambientais e sociais .empresariais
e da s~ciedade civil em articulação .com o Poder Público. Reconhecid~ como OSCrP logo após
sua fundação, a partir de 2014, sob a direção desta autora inicia intensivamente açõe~ de advoca-
ry, realizando campanhas, coordenando e participando de fóruns de debates e articulando a pro-
mulgação de legislação em respeito aos direitos da Natureza. Para in.aiores informações consulte o
website da org~nização: http:lfwww.niapas.org.br.
2 _"Certamente, há que se destacar todas as contribuições e as fotas do mundo indígena, onde a Pa-
cha Mama é parte consubstancial da vida. Em seu mundo, reconhecimento legal de tais direitos
não é_necessário. Na civÚização ocidental, sim, para que se possa reorganizar a vida dos seres
humanos entre.si e com a Natureza." ACOSTA, Alberto. O bem viver: uma oportunidade para
imaginar outros mundos; tradução de Tade]l Brecla. São Paulo:Autonomia.Literária; Elrf!lnte;
'2016. p. 125.
''
1!'1
Direitos da Natureza no Brasil: o caso de Bonito - PE 1133.
caminho, a partir de um olhar multiversado, para o (re)estabelecimeríto· dà vida
em plenitude. .
3 FRANCISCO: Ci"1"1 Encíclica Laudato Si' - Sobre o .cuidado da casa c~mum. São Paulo:
Editora Paulin"\S. 2015, p. 52.
4 Documento disponível em: http://www.un.org/g4/search/view_doc.asp?symbol=NRES/67/214.
Acesso em: 04 set. 2020. Sobre as atividades da ONU no âmbito da agenda Harmony with Nature
confira-se o website: http://www.harmonywithnatureun.org. Os diálogos no âmbito da Harmony
1341 Vanessa Hasson de Oliveira
with Nature têm proporcionado importante consolidaçâo dos avanços da comunidade mundial,
a exemplo do be111 elaborado relatório preparatório para a Asse111bleia Geral, do qual tivemos a
oportunidade· de fazer parte.' Confira-se em: https:/ /~. un.org/ en/ ga/search/view_doc.asp?sym
boi=A/711266 .. Acesso e111 04 set. 2020.
5 Documentos disponíveis e111: http:/ /wivw.mapas.org.br. Acesso em 04 s~t.' 2020,
6 C( em: https://thefountain.earth/process/.
7 Sobre a de~rocada do ambientalisrno confirao Manifostn Harmonia publicado em agosto de
2020 em: https://www.chànge.org/ManifestoHarmonia: Acesso em: 04 set. 2020:
-- Direitos da Natureza no Brasil: o caso de Bonito - PE 1135
internacionais no México e na Bolívia (2016), entendemos por pura metafísica da
conexão com Q Universo e um pouco da racionalidade da análise crítica diante de
um cenário p~lítico caótico, que o Brasil estava pronto e precisava receber propos- 0
tas propositivas e positivas· e que isso deveria se dar num ambiente polítiço outro,
que não a ponta do iceberg do caos.
Decidimos atuar na base, onde a comunidade aconte~e, onde as Pessoas
desenvolvem' sua identidadé biocultural e são vistas mais diante de ·~uas pulsões
do que como números nos registros públicos de cadastramento; onde as Árvores
são percebidas em sua individualidade e não comq matéria-prima e os Rios, mais
·como umJrescor para os olhos e elemento natural e cultural do que como recur-
so hídrico. É no município que a Vida acontece e na qual a bioculturalidade se
desenvolve.
Destaque-se que nos Estados Unidos da América as primeiras iniciativas
igualmente ocorreram no âmbito da legislação local. Especialmente o texto da
norma de Pittsburgh8 nos inspirou na concepção de uma norma aderente ao di- '
rei to brasileiro, dado o sistema fedérativo que permite a regúlação em nível muni-
cipal dos temas concernentes ao meio ambiente. '
Naquela ocasião houve a preparação de um evento que reuniria exatamen-
te as autoridades municipais de meio ambiente, para o qual fomos convidados a
participar, tendo sido esta aútora uma de suas· coorganizadoras - Fórum Brasil
de Gestão Ambiental (2017), gerenciando uma das salas temáticas que trataria,
durante .todo o dia, 'dos Direitos da Natureza e participando de outr"ªs salas 9e
atividades que reuniram autoridades pµblicas, tais como secretários municipais e
estaduais de meio ambiente, parlamentares, nas quais ministramos palestras sobre
o tema.
Naquele Fórum fomos apresentados ao vereador Gilberto Natalini, ent~o
Secretário Municipal de Meio Ambiente de São Paulo e a diversos outros agentes
1 - '
públicos que se interessaram pela proposta dos• Direitos da· Natureza. O vereador
Gilbe)."to Natalini, ~m 2018, foi o principaLparceirp do 2° Fórllm Internacional
pelos Direitos da Mãe Terra., 'realiz~do sob nossa coordenação, cujo resultado foi a
propositura do.PLO 7/2018,·que propõe o reconhecimento dos Direitos.da Na-
tureza no município de São Paulo; proposta já aprovada por todas as corpissões da _
Câmàra Municipal, encontranào-se em termo; para inclusão em pàuta. 9 • .,
Secretaria de Meio Ambiente do· município de Borrito contava com uma equipe
extremamente efiçiente, sendo uma de suas agentes posteriormente SecretátiaAd~
junta daquele órgão, pesquisadora do Bem Viver, tema.que caminha ao lado como
. um dos princípios dos Direitos da Natureza. . -
Fizemos uma primeira aptesef1:tação para estes gestores e gestoras de boa·
vontade que, convencidos da necessidade e oportunidade, organizaram uma ses-
são solene, convidando toda a comunidade local, autoridades e empresários.
No dia do evento a Çâmara de Vereadores estava lotada. A Sociedade Civil
participa,nd9 representativamente em peso, presentes, também, quase a totalidade
·dos vereaqores, além do prefeito. A proposta foi adamada pela unani~idade dos
presentes e foi um j6vem cidadão comum que levanto,u a mão para a fala defini- .
' tiva daquela manhã de novembro de 2017: ~ Não vamos apenar fazer, vamos fazer
agora! A alteração da lei Orgânica, após as duas sessões ordinárias obrigatórias,
foi, então, promulgada: no mês seguinte~ dezembro de 2017 e publicada em mar-
ço de 2018, , .
1
Seguimos em 2Ól8, já com o segundo município ·no MAPA dos municí-
pios que a9,eriram aqs Direitos da Natureza, Paudalho/PE e, que logo após, com
base na nova Lei Orgânica, fez,pro~:rrnlgar. o reconhecimento d 0 s direitos da Na-
tureza em um sítio natural sagrado, 11 tamb~m com reco_nhecimento de seµspró-
pdos direitos em lei12,
•13 O evento foi organizado peJo Grupo de Estudos Avançados em Meio Ambiente e Economia no
Direito Internacional (EMAE/UFSC), coordenado pela professoril Cristiane 'Derani, pró-reirora
da UFSC e que faz parte do grupo de pesquisadores que integr.a, junto com a autora, a plataforma
Harmony with.Nature/ONU.
1
14 Sobre os Sítios Naturais Sagrados confira-se: PINTO, Erih Fernandes. Sítios Naturais Sagrâdos
do Brasil: Inspirações para o Réencantarnento das Áreas Protegidas. {Doutorado em Psico.sso-
ciologia) Instituto de Psicologia, da Universidade Federal do ~iode Janeiro, Rio de Janeiro, 2017.
. .
138 lfanessa Hasson de Oliveira
\
·" 1$ í-DiárloOficíal dos ~~nicípios do.Estad~ de Per~ambuco~Ano IX 1n"2034; p. 6..
' ' \ --'"_
( \ .
''· '--;-.
)··
Direitos da Naturez~ no Brasil: o caso de Bonito - PE 1139
• : 1
vigdrar com ·a seguinte re.daç~o: ''Art 133 .. /\o Município compete promovei a di.-
·versidade e a: harmonia com ~ natureza e preservar, recuperar, restaurar eampli~-·
os processos ecossistêmicqs naturais, de modo á proporcionar a resiliência socfõe.-
cológica dos apibjentes uibanos e rurais, sendo que ~·planeJ-vnentq e a gestãó dos
.recursos natuiai~ deverão fomentar o manejo sustentável dos· recursos de uso co-
mum e a:s práticas agroecológicas,'de modo a garantir a qualidade devida das po-
pulações hunianaf e não humanas, respeitar os princípios do bem .viver .e confédr
à natureza titularidade-de direito. ' ·
Parágrafo único. O ·Poder Púbico promqverá políti~as públicas e instru:..
mentos de monitoramento ambiental pará que a natureza adq_uira titularidade d,e
direito; seja consiaerada-nos programas do orça,mento mu~icipal e .nos projetqs ~
.
1
;
• / 1
'
/ 1 ', l
. .'
'
1
16 Diáiio Oficial Eletrônico do Município de Florianópolis. Édição 2570. P• 10. Disponível em: htt'p://
.mapas.org.brlwp-<;c>Í:Ítent/ uploacls/2020/04/Lei- Direítb~-da-ratuteia~ Florianópolis-20-.11e2Q 19. ·
_pdf. Acesso ein: 04 set. 2020. ·
'·
1
''··' ,, - 1
'·
140 1 V~nessa Hasson de Q'.iveira
e ações governamentais, se.ndo que as tomadas de decisões deverão ter respaldo
· na Ciência, utilizar do$ princípios e práticas de·conservaÇão da natureza, observar
o. pri;ndpio da precaução, e buscarenvolver c;>s ·poderes Legislativo e Judi.ciário, o •
Estado e a Vnião, os demais municípios da·Região M_etropolifana e as .organiza-
ções da sociedade civil." (NR). .. · .
. Art. 2° Esta Emenda à Lei Orgânica entra em vigor na datà de sua publ~ca~
ção~ Câmara Municipal de Flo~ianópoli11, em 12 de novembro de 2019.
Em Floria:nópolis, a proposta oferecida a partir d<i- àrticulação qudizemos
s,erviu. apenás cte ·inspiração. Estudiosos do tema, o gabinet~ (!o vereador, que to-
,rnou ;i iniciativa, ampliou a perspectiva priricipiológica para deixar expressos os
principais éixo~ de atuação necessários a garantir o respeito aos direitos.da Natu~
reza, considerando as caract~rístiéas do mtifücípio. Assim introduziu os temas dos
processos de recuperaçãq.e restà~raçãó' de ecossisteriías; resiliência dos. ambientais
\ ruràis e urb_anos; planejamento, manejo e gestão. Neste último ponto, contudo,
~.f~-se neces~ária gma observaçãó quanto à semântica das expressões utilizadas,
"recur~os naturais" e ~'uso' comum" que não conversílffi adequadame'n~e com opa-
raqigma ec9cêntrico sobre o qual seassentà .ánorma. , ·. \.
·· . . Por outro lado, a Íl?-iciati'va foi bastante vanguardista áo deixar consigna- , ·
do.que o Podei: E~ecutivo deverá contetnplaro tema no orçamento _niuriicipaL
Ressalta-se a introdução da ccfnversa entre a ciência e os saberes ancestrais, con-
siderad~s no u~iverso das práticas. Por fim, cabe ~àmen:tar a· vontade do legis~
'laCl.or em deixai: ex'.presso·que a Naturéza em Florianópolis passa a ser sujeito.de
1 direitos, instituto jurídico que podf'!d ser. con,siderado na construção,jurispr~
,d:encial, ,douttinária e das esferas da legislação hieràrquicamen,tç superfor, a n.is-:
peito da legitimidade' agfr, visto 'que o direito material reconhecido está autori-
zado e.m função do princ;ípio da federação, ir\.l)erto .no artigo 30 da Constituiçfo
Federal Brasileir<t.
Bonito, Paudalho e Flo~ianópolis segí:iem adiante, ago:ra refotmiilmdo
' suas políticas públicas para regulamentar as práticas correlatas à adoção de tais''
··~ireitos; pensan,do na vida da comunidade, induincló o~seres não . hu,manos, em
1.
harmonia com a Natureza.
' . . '
· J
1 ' . \:
. . .
. 10.5. DE BONITO PARA O BRASIL· / -,
' ( /
Direitos da Natureza no Brasil: o caso de Bonito - PE 1141
A lei da Fonte São Severino dos Ram9s intentou éonfe.çir maior proteção
ao elemento natural e futura regulação de seu acesso. Estamos, neste momento,
articul~ndo com a coµmnidade e a vereança de Paudalho, uma proposta mais
detalhada desta norma que efetivamente alcance o sentido d~ interdependência
bfocultural da fonte e, ao mesmo tempo, ofereça elementos de regulação para a
prática da fé, enquanto destino mais procurado de romeiros no Nordeste.
Bonito, por sua vez, apesar de carregar defipitivamente a qualidade de pri-
meira cidade no Brasil a reconhecer os direitos da Natureza, não inovou em ne-
nhumà regulação 'posterior. A comunidade, entretanto, continua lutando por for-
talecer o ecoturismo e as práticas da agricultura familiar para as quais os subsídios
do governo local, direta e indiretamente, são fundamentais.
Florianópolis, a primeira capital, já era reconhecida como um dos municí-
pios brasileiros de maior excelência em projetos e atividades relacionados ao bem
viver. A medicina integrativa, ·a agricultura orgânica, a permacultura e a economia
solidár.ia são i:tma realidade. Trata-se, por e~emplo, do primeiro município a se es-
tabelecer como Zona Livre·de Agrotóxicos 17 e a instituir uma política de fomento
à economia solidária18 , políticas inteira.mente relacionadas aos prindpios da har~
monia da Natureza em respeito aos direitos da Natureza.
· Em todos os casos, incluindo as localidades onde estão fràmitando as pro-
postas de alteração dalegislação para ver--incluídos os direitos da Natureza como
norma maior de regulaÇão do bem viver da comunidade, é certo que o desdobra-
mento maior da ampliação da consciência da comunidade está em cúrso. Seja por
considerarmos a verdade contida nos saberes ancestrais que nos apoiam; de que a
micropacha19 abraça o elemento material em interdependência ao espiritual, seja
pelo fato de que a lei é um símbolo cultural coro poder criado de transformação
da sociedade".
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao objetivarmos trazer à luz o fato de que, diante da plenitude da abun-
dância da Mãe Terra, o reconhecimento dos direitos da Natureza na lei local soma
ao desenvolvimeQto de outros campos da ciência, ihcluindo a jurídica,.desvelamos
os elementos sutis que servem aos mais de cinco mil municípios brasileiros na ela-
boração e/ou reavaliação de sua constituição local. .
.Em apresentação realiz~da por esta autora em 2018 no país do Equador,
por ocasião da com~moração dos 1O anos da promulgação da Constitui~ão Fede-
ral. daquele país, ..um dos xamãs presentes, Alberto Ruz Coyote20 , vislumbrou no'
MAPA dos municípios que, àquela altura estavam sendo articulados, p que deno-
minou de pontos de acupuntura no Brasil. , ' -
Nossa inieiatiya pretende, precisamente, fazer inspir~r_ uma articulação en-
tre os municípios brasileiros para que possam paulatinamente fortalecer a teia
das comunidades loc~is que adotaram o reconhecimento dos direitos da Nature-
za.: como forma tie dar resposta ao novo modo de viver que clamam junto com a
Terra. '
' ' '
Bonito/PE; Paudalho/PE; Florianópolis/SC; São Paulo/SP; ,Palmas/TO;
Fortalezái'CE; Salvador/BA seguem trilhando seus próprios caminhos na teia e
: apontando os desafios futuros para aqueles municípios que seguem e seguirão
suas trilhas. '
'Certamente o desafio é gigante, tal qual o tamanho do Brasil, muito maior
ainda nos tempos presentes em que toda a arquitet'Úra institucional de defesa da
Natureza está rompida em fünção da ausência de políticas no âmbito do Governo
Central, isso para dizer o mínimo. .. .·
Mas é exatamente neste ponto qúe os mais de 3.000 municípios podem fa~
zera diferença'. Não apenas porgue são muit:Q,s, porque som~s muitos, mas.porque
somos a base, àmínima partícula quântica, .onde pulsa a vida. · .. ·
20 Alberto Ruz Coyote é um xamã radicado no México, idealizador e promotor do Primeiro Fórum .
Internacional pelos Direitos da Mãe Terra (Primer-Foro por Los Derechos de la Madre Tierra),
cuja realização culminou com à aprovação dos Direitos da.Natureza na Çidade do México. Docu-
mento disponível erh: http://files.harmonfwithnaturei,m.org/uploads/upload687.pd( Acesso. em:
05 set. 2020.
Dlreitos da Natureza no Brasil: o caso de Bonito - PE 1143
11: ·, retora da OSCIP 'MAPAS - Vanessa Hasson; Doutora em polítü:as de Bem Viver e Se-
'i' cretária Adjunta da Secretarfa de Meio Ambiente de Bonito/PE - Marcela Peixoto. '
:1
'i•
1
11
ili
i!i
/il'
1
- ---- ---- ---------
1
1-
' 146. 1 Vanessa Hasson de Oliveira
1147
' \
/ )
' '·
Cor1_sider~ções ftáais 1149
.\
vezes a qualidade:'de vida dos indivíduos diminui pela deterioração do :meio ambien-
te, pela baixa qualidade dos produtos alimentares ou pelo e~gotamentó de alguns re-
cursos-dentro a:esse conteXtQ de crescimento econômico. Sendo .assim; diante dessa
realidade, surge(á necessidade de os seres humanos cÓmeçarem a buscar maneiras qe.
recriar Q ámbiente da'Vida em Harmonia naNatureza, reconlí.ecendo sua condição
de interdependência aps. demais seres com que habit:l o planeta Terra.
O desmvolvimento sustentável é aquele que busca esta,belecer um equilí-
brio entre o progresso econômico-social, o honiem·e a consentação ambi.ental. A
sua définição mais famosa advém, de um estudo realizado pela O~lU em 1987,
~hamado,"Nosso Futúro Comum,'' que conceitú.ou.esse modelo de desenvolvi-·
menta, como aquele qu~ "satisfaz. as necessidades presentes; sem comprometer
a possibilidade de as gerações· futuras ate_nderem a süas próprias necessidades"
(CMMAD, 1991, p. 46). .. . ' .
, Contudo, apenas essé coÍiteito não é) capaz de abranger por completo to- ·
das as dimep.sões ·que envolvem um· desenvolvimento efetivafuente sustentável,
! ~ou seja, prósperp e igualitário, posto que fundado numa-visão antropocêntrica, ~a
q1;1al apenas as .cyecessidades dos seres huma,Úos estão em perspectiva, necessitando,··
assim, do reconhecimento. formal dos Direitos da Natureza e de um estudo coin
yistas à cqnstrução de uma tepria geral que seja càpaz de deslocar a centralid~de~.. ·
. interpelativa da norma, até ·então ocupada pelo o mercadb econômico, para a am'~
plitude 4orirontal e holística que a Naturezá oferece, como ponto aglutinador dos.
direitos iguais .de existir, evoluir e prosperar a todos indistintamente, humanos e
não humanos. ·
Fran,cisco defen'de ess~ possibilidade compreendendo qué,~parà se alcançar
um modelo de progresso P,entro dessa vertente interpretativa - a garáqtia do direi-
. to dos.cidadãos ecológicos de·vivereni h~monia n~ Nª-i:ureza na Casa Comum,
é preciso, em primeiro lugar, converter o modelo contemporâneo _de desenvolvi-,
niento glob'.11. ·
·· l _ ºAqcl t~~parece OUl!rO mod!J de ser-no-1;.mrido, não mais .sobre as coisas, mas jW:Co COnl elas,
,e
como irmã~s e irmãS G!Sa." BOFF, Leonardo. São Franciscb de A,ssis. Petrópolis: Editora Vozes. ·
1-991, P• '51. ··. e ) .· ' '
. 150 1 Consideraçõ~s ftn~is
· Para ele, não é suficiente conciliar, a meio termo, o cuidado com a Natu- ·
reza com Q .modelo atual que sustenta,a evolução das sociedades. O que cham~u
de meio termo é stirpreendente: "os meios-termos sã~ apenas um pequeno adian~
tamento do colapso"' uma vez que não é realista esperar que quem ~stá obcecado :
pela maximização. dos lucros se disponha a considerar os éfeitos ambientais que
· dei:x:árá para as próximas geraçqes (PAPA FRANCISCO, 20'15, p. 148).
Assim, reconhece Francisco que se deve, portanto; b~scar manéiras de re~
definir o progresso a partir da própria reClefinição daquilo que;! semantlcap:iente
mais se aproxime da vidaem harmonia que todos almejamos, visto qu~, dentro
do esquema do ganho capitalista, hão hálugar para uma sociedadé.que .pretende
se revelar sustentável. ' " . ' · . · . 1
. Quando. se:! refere àos estudos do Patriarca Ecumênico. Bartolomeu, o Papa
lembra que as soluções para à crise ecológica não seriam encontradas apenas no
conhecimento científico-tecnológico, mas que não poderfa. ser alcànçada sem uma
profunda revisão dos padrões humanos que pressupõe a passagem "do cbnsumo '(:
' '
\ 1
!
.\ ,\._,.
r ,
CARTA PÚBLICA
PELA DEFESA DOS DIREITOS DA MÃE TERRA E PELA
VIDA DAAMAZÔNIA COM SEUS POVOS
22 l>EABRIL
Agora, no ano 2020, a celebração do Dia da Mãe Terra está sendo realizada com a humanidade
vivenciando uma dura experiência de globalização: em r;neses, um denominado "nova'·
coronavírus" está afetando todos os povos do Planeta. Levado pelos diversos caminhos do
mercado, desde o do turismo até o de mercadorias, sua rápida capacidade de contágio só
encontrou a estratégia de isolamento de todas as pessoas co~o medida capaz de diminuir a·
sua velocidade e evitar_o colapso dos serviços públicos e priv~dos de saúde.
1
O orgulhoso mercado globalizado experimentou seus limites e contradições, e hoje a economia "
capitalista, cultu.ada como um ídolo todo-poderoso, revira-se no esforço de prever o tamanho
da sua queda.
Esses projetos desenvolvi mentistas, que avançam sobre os benÍ públicos e comuns Corn a
conivência e apoio do Estado, são responsáveis pelo agravamento das mudanças climáticas e
pelo fracasso. do controle das emissões de gases de efeito estufa. As consequências presentes
são os desastres causados por secas, e11chentes, ventahias, intrusão salin-0, rebaixamehto
dos lençóis freáticos, elevação do nível dos rnares e outros eventos extremos, que rio futuro
tendem a se multiplicar e agravar na medida que o planeta aquece.
A natureza ou Pacha Mama, on.de sé reproduz e realiza a vida, tem' direito a que se respeite
integralmente sua existência e a' manutenção e rege'neração de seus ciclos vitais, estrutu,a,
funções e processos ev~/utivos. (Capítulo Vil, Art. 7i)
Da mesm,a forma, a Bolívia reconheceu estes direitos nci' Plebiscito de 2012 que aprovou.a Lei
da Mãe Terra. E, com certeza,, há busca.de novas práticas e novas relações com a natureza nas
economiás indígenas, quilombolas e de comu.nidades tradicionais, no crescimento dos plantios
agroecológicos e agroflorestais, nas práticas de convivência com o Semi árido brasileiro e com
os demais.biamas, na economia popular solidária e em muitas outras iniciativas populares.
É por isso que assumimos a defesa do direito da Mãe Terra à florestá e à sociobiodiversidade
da Amazônia, bem como dos demais biornas, para ter condições de gar~ntir equilíbrio hídrico·
em todo o território brasileiro e da América do Sul. o·efendemos igualmente a obrig_ação dos
seres humanos e do Estado brasileiro de parar definitivamente o d'esmatamento e os i~cêndios
criminosos, assumindo a obrigação de restaurar a biodiversidade destruída, na Amazônia e
em todos os biamas, para que a Térra possa garantir a geraÇ'ão de umidade e chuvas, como ela
desenvolveu em seu processo evolutivo.
A crise humanitária gerada pelo Coronavírus prova ~ue podemos viver,-Oe outra forma. Toda
o
crise tem lições a nos ensinar, isolamento social forçado nos obrigou a desacelerar o ritmo
de vida. O ,desenvolvimentismo desenfreado, como se o planeta ,não tivesse limites.. está
em cheque. Esse é o momento para. m,udar o rumo da caminha.da humana, reconhecendo,
defendendo e cuidando dos direitos da Mãé Terra, para que a espécie humana seja de fato
expressão consciente e amorosa da Mãe de todos os seres vivos.
Assinado,
e
Ação Franciscana de Ecologia Solidariedade (AFES)
A~~o Social Diocesana de Patos/PB
Ágora das/dos Habitantes da .T~rra Brasil (AHT-BR)
Arquidiocese de Manaus
. ,. CARTA PÚBLICA
PHJ\ oms~ DGS rn~mos DA MÃl llRHA EPE!.li vm; DA J\MAZÔNl.I COM SEUS POVOS
1
Anexo - Corta pública pela defesa dos direitos da Mãe Terra e pela vida da Amazônia com seus povos 1153
, CARTA PÚBLICA
P[[;\ Dtf[S~ DDS m~m!ls DA Mit TrnRA EPflA :mADA AM~ZÕNIA rnM sws POl(!S 1
t
154 Anexo - Carta pública pela defesa do_s direitos da ~ãe Terra e pela vida da Amazônia com seus povos
.· . CARTAPÚBLICA
PELA DEFES.A OOS DiREITOS DA M.\E TEllRA EPELA VIDA DA AMAZÔNIA CÓM SEUS POVOS
1
Anexo - Carta pública pela defesa dos direitos da Mãe Terra .e pela vida da Amazônia com seus povos 1155
Sinttel MG
Sociedade Amigos por ltaúnas (SAPI)
Sociedade de Apoio Sócio - Ambientalista e Cultural (SASAC)
TEIA de Educação Ambiental e Interação em Agroflores'ta (Parintins/AM)
União Estadual por Moradia Popular (UEMP-RO)
Via Campesina Brasil
ADESÕES
' '
A adesão a esta Carta Pública continua aberta às entidades através do e-maií fclimaticas@
gmail.com
Para divulgar use estas palavras-chave
#cj ire itosd anatureza
#pelavid anaa mazon ia ··~
#salveaamazonia
#amazonia
#r:Jireitosdamaeterra
CARTA ~ÚBLICA
PELA DEFESA DOS DIREITOS OA MÃETERRA EPELA~!OA DA AMAZÔNiA COM SEU) POVOS
1
OS AUTORES
MarizaRios
Dout9ra em Díreito pela Universidade Complutense de
Madrid - Espanha (2017). Mestra em Direito pela Uni-
versidade Nacional de Brasília - UnB (2005); com pes-
quisa na Universidade de Coimbra sob a oriehtaÇão de
Boaventura de Sousa Santos. Professora e Coordenadora
daTrai:isversalidade em Direitos Humanos'e Políticas Pú-
blicas d._a Escola Superior Dom Helder Câmara. Advoga-
. da e Pesqµisadora no .campo dos Direitos Humanos Fundamentais e da Jurisdição
e Adoção de Políticas Públicas de Desenvolvimento'Socioeconômico Sustentável.
Associada ao grupo "Global Law comparative group: Economics, Biocentrism
' innovation and Govern.ance jn the Anthropocene Wórld". Membr.o do grupo de'
pesquisa "PPG CS - UNISINOS: Transdiscipllnaridade; Ecologia Integral e Jus-
tiça Socioambiental". Lattes: qttp://lattes.cnpq.br/391303820504.8493. Orcid:
https://orcid.org/0000-0003-4586-981 O. E-mail: riosmariza@yahoo.com.br.
. Os autores 1159
Monti Aguirre
Tràbalha como parte d~ programa da lnternation.al· Ri-
vers para a América Latina para apoiar os movimentos lo.-
cais para a proteção dos rios e para desenvolver estratégias
para proteger legalmente os rios de forma permanente.
Ela também apoiou incansavelmente as pessoas afetadas
pela barragem de C_hixoy na Guatemala na próéura de
reparações por os danos causados pela construção da barragem,. Monti e co-dire-
tora/ produtor~ do filme ''.Arnazonia: Voces da. Floresta." Ela é bacharel em antro-
pologia e mestra pela New York University em. educação ambiental e conservação.
E-mail: monti@internationalrivers.org. '
/ \., ' /.
/
APOIA DORES
!!1.êpas
para a Paz
,~RiVERS
Pórum .. ·
Mudanças Climáticas
. e Justiça Socioambiental
m.11.m
IJll~ . r
DomHelder. 1
ESCOLA DE OIREITO · CONSEUIO INDIGENISTA lllSSIONÁllO .
1
1
1
O Grupo de Trabalho Jurídico
(GT Jurídico) é um grupo opera-
tivo, de estudos e de incidências
concretas, no campo dos Direitos
da Natureza - Mãe Terra, com -
posto por juristas e demais profis-
sionais que encontram-se envolvi-
dos em diferentes frentes de
atuação como a universidade, a
assessoria aos movimentos
sociais, organizações sem fins
lucrativos que assessoram entes
federativos, assim como atores
políticos, jurídicos e eclesiais no
avanço e implementação destes
direitos. O GT Jurídico é um
coletivo autogestionado derivati-
vo da Articulação Nacional Pelos
Direitos da Natureza - Mãe Terra
que iniciou seus trabalhos em 22
de abril de 2020, a partir da união
cooperativa entre dezenas de
instituições e movimentos sociais
que, no âmbito do Fórum
Socioambiental de Mudanças
Climáticas, compactuam sobre a
urgência em enfrentarmos de
maneira efetiva os crimes e desas-
tres socioambientais em curso e
previstos em nossa sociedade.