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Luiz Felipe Lacerda

(Organizador)

DIREITOS DA NATU.REZA
MARCOS PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA_TEORIA GERAL

1 {

I .

Casa Leiria
São Leopoldo/RS
2020

'.
, DIREITOS DA NATUREZA: l
MARCOS PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA TEORIA GERAL
ARTICULAÇÃO NACIONAL PELOS DIREITOS DA NATUREZA
GRUPO DETRABALHO JURÍDICO
Autores
Anna Maria Cárcamo
Carla Judith Cetina Castro ·Articulação
Chantelle da Silva Teixeira Brént Milikan
Felício Pontes Jr. Luiz Felipe Lacérda
Johny Fernandes Giffoni .
Lu:civaldo Vasconcelos Barros
Manoel Séverino Moraes de Almeida Organização
Mariza Rios Luiz Fel.ipe Lacerda
Monti Aguirre
Vanessa Hasson de Oliveira

OBSERVÀ!ÓRIO NACIONAL DE JUSTIÇA SOCIOAMBIENTAL


LUCIANO MENDES DE ALMEIDA~ OLMA
.· . • . j . ·..

Provincial da Província dos Jesuítas do Brasil i


Pe. Mieczyslaw Smyda, S, J. 1

. .
' Secretário para Promoção ·da Justiça Socioambiental
da Província: dos Jesui~as do Brasil e
··Coordenador Nacional do OLMA
Pe. José Ivo Follmann, S. J.
\
Secretário Executivo
I)r. Luiz Felipe B. Lacerda 1

CASA LEIRIA CONSELHO EDITORIAL


Anà Carolinà Einsfeld Mattos (UFRGS)
Gisele Palma (IFRS)
Haide .Maria Hupffer · (Feevale)
Isabel Cristina Arendt (Unisinos)
José Ivo'Follmaim (Unisinos)
.Luciana Paulo Gomes (Unisinos)
Lt.i.iz Felipe Barboia Lacerda (UNI CAP)
Márcia Cristina Furtado Ecoten. (l,Jnisinos)
B:os<J.ngela Fritsch · (Unisinos) ·
Tiago Luís Gil (UnB)'
DIREITOS DA NATUREZA:
·.MARCOS PARAACONSTRUÇÁODE
~ /
UNL\TEQRIAGERAL . . '

,, "·· Luiz Felipe Lacerda


·(Organiz~dor) \ '·

Os textós. são de tesporisabil~dade do~ autores .. ·


Qualquer parte destapublicàção po~e ser rept6duzida,
.desde que Citada afonte. .
Ediçãci: Casa Lei.ria. ;- )

Arte da capa: Matheus Ribs.


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Revisão: Eliana Rose Müller.
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0598 Direitos da Natureza: marcos para a .construção de uma teoria. ,


ger.alJ o:r~~ni~ção Lµiz Felipe L~cer9,a. - São Leopoldo: .·.
., 1
Casa .Lema, 2020. · , ' · · ·.. · ·
160 p, ..· ) ·, '< .d

r • ' • • • • , ..

ISBN .9'78-65-'991.675.:3~9
: . ' ·.' . '.• ··,.· .. i
'.1.: Direito ambieritáL 2. Justíça socióambíental. 3".
Direitos da Natureza e:: Teoria geral." J. Lacerda,, Luiz ·
FeUpe.··. (Or_g.).. .. / ·. _, ' ' , '., ' ·\'

. /" ,, cou349'.6
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~-----~------··~~··'.._,.·~----,--,-,----<;-~---'->-----' /
·.. 1. Catalogação ri.a publicação .· .·
Bibliotecária: Carlà InêsCóst~dos Sánros.~ CRB 10/973

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.· .~ .. - . )•

_,,. '·
SUMÁRIO

9 Prefácio
Ivo Poletto
11 Apresentação
· 'Luiz Felipe Lacerda
15 Paradigma dos Direitos da Natureza
johny Fernandes Giffoni
Manuel Severino Meraes de Almeida
MarizaRios
Vtinessa .Hasson de Oliveira
29 A defesa da natureza em juízo: atuação do Ministério Público
Federal em favor do Rio Xingu no caso da construção da
Usina Hidrelétrica Belo Monte
Felício Pontes ]r.
Lucivaldo Vasconcelo_s _Barros
47 O Rio Whanganut e o povo·Mao~i: reconhecimento e garantia . .
. dos Direitos. da Natureza
·Monti Aguirre
AnntÍ Maria Cárcatno
· 55 Povo Xll;kuru vs. Brasil: um paradigma da Corte
Interamericana de Direitos Humanos na construção· dos
direitos t~rritoriais col~tivos dos povos indígenas
' Chantelle da Silva Teixeira
69 . Amazônia ç=olombiana como sujeito de direitos: sentença da
Corre S~premâ de Justiçà da Colômbia
·Carla Judith Cetina Castro

r"',
81 , Caso do papagaio Verdinho e a transição de paradigma na
jurisprudência brasileira
Anna Maria Cárcamo
91 Protocolos de Consultà e Conse~timento Prévio, Livre e
Informado no estado d~ Pará ,
Johny Fernandes Giffoni
105 Resistência e. teffitório: os povostr3:dicionais e a Covid-19
ManoelSeverinoMor4çs (Íe Almeida
113 Tudo está interligado: o rio, a comunidade e a Terra
MarizaRios
· 131 Direitos da Natureza no Brasil: o caso de Bonito - PE
. l0nes5a Hasson de Oliveira
1,47 Cortsideràçôes finais
· 151 Anexo ~Carta pública pela defesa dos direitos da Mãe.Terra e 1

pela vid~ da Amazônia com seus povos


1)6 0s autores

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PREFÁCIO
.. .
As Órganizações, inoVimentos, e pàstorais que constituem o ·Fóním Mu~ ·..
dànças Climáticas e Justiça'Socioarríbiental 1 . FMCJS decidiram, no Seminário
.Nacional realizado etn novembro de 2019, q~e, sem deixar de lado as demais ati-
. vidades prêvistas no plâno áe trabalho, deviarn ser assumidas duas prioridades: á
defesa .00: vida da Amazõ,nia cc:un seus póvos'e o recori.heciinert~o dos .Direitos da
a
Natureza; Mãe Te~ra~ ' . . . . ,
. ~ ·As conclu~ões dà. recente Sínodo para a Amazônia, reconhecidas e reforça"
·das pelo papa Francisfo âtr\lvés da mensagem Querfc4 Am~ônia, ·lndicavani ser -
, indispensável defender os direitos daswessoas e dà nàtureza para salvar a vida da
Màzônia com seus povos. E, mesmo antes dó. Sínodo, a encíélica Lau.dato Si' - o '·'
Cuidado da Casa Comum havia motivado o FMCJS a avàrlçar nay.tlorização dós .
biornas criàdos pela 'forra ~m todas as.ações que visavam séu objetiyopermahep.te:
identificàr e combater as táus~s do aquecimento global,~<iandq especial atenÇão
aos afe~ados/as pelas mudanças climáticas, na perspectiv~ da construção de sode-
dad~s de Bem Viver. ,- ' ' :- ' - '
A Articulação pelos Qireitos .da Natureza:_, a Mã~ Terra, q~ ·organiz.a essa1
publicação;. foi c<:mstituída por organizações, movimentos e pastorais qu.e acófhe-
. ,,, ram o convité do FMC}S para partilháreki a .missão de implerrientaf anecessá~ia ·
"mobilizaÇão pará alcançar o-reconhecimento desses direit9~ em todas os âmbitos
· · -da vida nacional. .E; para isso, provoçar um amplo é profundo processo de· reed1i-
"caçãà., de• muclànç_a da cultura domín~te ass~ntada :sobre ~ separaçãó êntre hü:- .•.
.\ .. manidâde é natureza,. ácolhendo. as. cu1turas. dos po~o~ indígenasie .·comunidades .
· ttadfcionais. . ; ' .. . . .'
. ' • . r---,._ i " . " .. ··. .

. ... Os povos ancestrais n,ão acham necessário retonhe~er juridicamente ospi.: .


. ··reitos da~Naturezâ;' pót Çles v.qne'iadà cdmo Mãe Terra. l'ga sua visão-; a Terra.é de-~ , '".
. ·.fato a Mãe'Q.o tóc:los.9s·seresvivo~qpe habitam·nêla e; por isso,,,o·quedev~m?sfa~ ·
. zer é perg.untat-nos sobre o~ nossos dev!'!res~~m çelàção a ela; Ela,iJ:?.forma que c~d;t
diferente bi<)ma é espaço vivo e fonte de vida paràtó'dos os seres que vivem nela,_
. cabendp a:os hurµanos a missão' consciente de'cuid~r ·pa:rá,que isso se maf1.tenha.
'!vI:µs ~inda, seus filhos'~ filhas devem pr!íti.arpela iguafda,de de direitos entre tódas. '.
'as pessoas,: honrandó assfin a sua Mk E, isso: rom{>s parte da Terra; ~ só poderµos
viyene elacontip:u~ viva. • · I ( .·· . . ' . •.. . , '

· . A r~alida4e .nos mostra, çóritudo/ que não é assim que muitàs pesso;rs ~e re- ·.
)
)aciot:iam côm_a Térra. A ed~cação dominante díf\iridiu uma cultura ~tropocên~ , , .
.· trica, e mesmo andfocêntrica', ~e cohsiderar o $er humano como superior a todó,s ,
.. os demai~ seres, por ser ~acioná! e livre, inteligeµte e criativQ. d que se denomindu. r

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:io \.Ivo Poletto

"naturezÍ' foi sendo considerado algo ext~rfor e inferipr _e, a0s poucos; algo. a ser /
apropriado como espaço éxcl~sivó deu~ grupo ou_ de uma pessoá; ~dando 'uma· .
. divisãd nãoautorizada e suoscrita pela Mãe Terra. E nesse tipo de sociedade, êm . · .
. que há mercàdÓ de terras e'a propríedadefoi tomando ares de direito absoluto e
sem limites por força de leis criadas por instâncias coú~roladas pelos diversos tipos
de, grandes prÓprierarios, que se torna absofµtamente 'necessário colócàr êm deba~
te e lutar'pelo reconhecimento deis Direitos da NaturêÚ, a Mãe Terra. Afip.al, .a
própria Terra cotre o risco de gerder- sua vitàlidade e seu equilíbrio energético p~r <
causa da int~risidadê abs4rda da.sua exploração a serviço dos interesses dos poucos (.
grandes senhores de.terra, reforçados•pelos poucos senhores das.font~s fósseis de.· .
energia e dos poucos que~ atfavés dos processos\de endividamento e especulaçáP:,
se tornaram senhores da riqueza exP[eSsa em moeda e títulos de crédito financeiro.
Que este livro nos ajude a~~vançar na coriquista do reconhecimento _dos
pirei tos d;1NatureZai a. Mãe Terra, condição para a vigência r~al dos Direitos
Humano~;~ · ·· · · ·

. . . , lvo,Poletto
F6r~m Mudan'ç_as Clin:táticàs e Justiça Socioambiental-:---PMCJS.
Artichlàção :Nacional pelós Direitos da Natureza - aMãe:Térra'

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A~PRESENTAÇÃ() '.

~uiz Felipe La.cerda

. O riascimento do. coletivo deno~inado Articulação Nacional p~los Di-


•reitos da Natutez~:-- M.ãe Tetra ~ccme em
:22 de a:bril ·de 2020; quaqdo dezenas
('
de'instituixões, mobiliziida,s em prol da ne.cessidade efetiva de avànçarmos épolí- .
tica; social, jurídica e acádemicamente. no enfrentame'ntà ao imirierite desastre!
· sodôambiel):tJ n~ percµrsp dá humanidade, éomprorr\.-~f,em-"s!'! a tràbal.har imidas ·
em prol.da 'ferra e d,CJS se~ês que nela vivem,'alargaqdo rnncepções sobre o que é
a sujeito de dire~tos no. confexto geral de missa. sociedade eJambéw: n6- uiJ.ivetso,
,jµrídl.co; · ·. · · · . ·· ··
,· ·. ' Antanifestaçãodesta união encc;;ntra-se na C_arta Pública: pela defesa, do$
direitos da Mãe Tei:ra e pela v~da c;la Am<12õnia com se9s povos, anexa ~: est~ livro.
Derivados deS.tà 'ampla· aliança eÍn prol da· Casa Comum· origirtàtam:-se
· algu'ns grupos operati~os de. tràbalho. Coube· ao Observat6rfo Nadonal de Jus- <
ti? Sot:ioambiental Luciano Me~des de Almeida (OLMA)' e à I~te~àcional
Rivers con$tituírerrio,que se:Convencionou chamar deG'r Jurídico. Um grllpo
I de e~pecialista,s. do mundo do dirdtó~ de diferentes r~giões do país, qiie p,udesse ,
constrtiírptopostàs ef~tivas'no campó·•jurfdiéo,e acadêrriico,,pàra_o· avànço dbs '·
Direitos da 1Mãe.Tert:rnoJ~rasil~ -:: .· · . ' ·· . . , .
. Assim, buscamos, na, as.s~ssorja; }urídica dó Co~st!lh~ Indigenis~ Mis•
sionário. {CIMI), a ·sabeq'ória que const;ruírarri~ ao. longo· de ·déçadas ·no trabalho ...
.juntQ,_ aos. povos indígena.li· c;ld ,Bràsil. :Buscamo~ o apoio de· colegas• do MWstê~
__ rio P6.blico_ Federal ~}1). e da Defensoi;ia PúbÜc;:a ~D~ - PM :para g;imnrír-
. \IDOS a p(;tcepção jurídica a respeito de todás as populações sodoambientàlntente'
afetadas pelo sistema vigente; que protagoniza a mercaptilizaçíio da natureza e
da vida. Não diferente disto 'e prodÚzirido efetiva inte.rlocu~ãocomc o mundo
· <1-cadêinicó, cont$os com colegas da EscóíaAe'I)irdt;o Dom fleldeiCãmara
(EDHC-ftlG). e da Uriivéfsidade Católi~ de Pernaln.buco (UNI CAP), atra- , ..·
'· vés· de sua· Cá:iedra'de Direitos Humanos Dom Helder C~arà (CDHDHC:- .
. UNr~), qhe óperadonalizam rri.µito bem o conceitod~uníversfrÚ.des aberta8;
éo'rnunit~ria!): conectadas.com as.reais hecessídades d::is:populações, promovendo '·
efetivo diálogo~de sàberes. 'P6r fiíri, sÜmando-s~ a este,tiJne d{q;:specialistill!; usu- .
fruímos· d~ efetiiva. colaboração. dervozes de· organi~a5ões da sociedadç dvil com·
amplas trajetórias na defe~ac,{qs' Direitos, da Mãe Terra, éspecificamente da Inter-
, ' ---- --.cj '· '' . .-. . . .. . 1 • ' ~ ,

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121 Luiz Felipe Lacerda


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nacional Riveres,' da Plataforma. Harm0ny with Natut~_ da Organização das ' i

NaÇões Unidas e da OSCIP MAPÀS. .. :11

Desta fotma, aqueles e. aquelas que propõem os Marcos para construção a i


de uma Teoria Geral 'dos Direitos da Natur~za nas páginas que seguem são pessoas
. é h1stituições com legitimidade inques~iottáveHrénte a .este catnpo dçi Jlaber e cre-
dibilidade)trefutávçl eritre seus pares e frente a diferentes ator~ sociais, políticos,
, acadêmicos e jurídicos. Mesmo assim, compartilham com humildade a çerteza ~e
que esta não é uma obra acabada, senão/um pri:méiro passo, dado eom firmeza;
'estudo, práticae convicçãb, ~as apena~, um pritneito passu, qué convida colegas
de diferen1:e~ireasda Pto4ução d.o conhedmentp, dos ~enários jurídicos, dos con~
text,os políticos! çldos campos sociais a unirem-s.e conosco nesta construção que
deve, sem ter ou,tra opção, ser coletiva. . . .
·o GT Jurídic;o iniciou seus tra~alhos emabdl de 2020 e; r~unirido~sese-.
·. manalin:c:;n%p;i,raestudos e debat~s a respeito de,difej:emes casos naci9nais e in~
ternaciop.ais, em que ps direitos da nafureza lograram avanços, analisando SU~S Gl::
.. tactetísticas, contextos e estratégias, o coletivo perco.rreu de forma autogestjonad~ ·
um profündp percur~o analítico é proposirivp. . ,: ' \ •. ' . . ·,
· · G livro que se ~présehtà é o frQm,desta caminhada: de~té primeit~ passo 1 .
0

profundo e, q.so a caso, pretende'-Se apresentar algum~ .dos prindpiós eleménta-


. ·. ' \ . . '/ .
res para a refundação do marco jurídico no ·que ta11ge os direit?s da natu:eza no
Brasil..
Começamos este livro, ric) çapítulo l, apresentando as ~ifer~ntes perceptivas
entre os paradigmas hegemônicos 2 os paradigmas eniergentespo que tatÍgein os di- •
reitós da nai:ur~~· D~sta análise deriva a proposta d:iquild que.e pririci~iólógico na
fup.dação deste novo campo que almejámos consttQir. Ao final, justificamos o por-
quê é emé~gencial almejar esta ruptura e essa recopstrução .paradigmática. .· .
1 , Na seq11;ência, o segundo capítulo, escrito)>or Felíeio PontésJr, e Lucival-
do Va5c~nfefos Barros, ~nida ~ apres~n~a~ã~ ~e c~so~ estugqd9s pou!ste gru~
· de. espec1al1stas expondo a atuaçap do Mm1stetfo Publico Federal em favor do no ' . ··/

Xin,gu, no cas9 da construção da Usina Midreléttkà Belo Mon.te. ..


· No terceiro; capítulo, Mohtl ~l"~·e A.o.na Mari~ Cárcamo; da lnterna-
ti9nal Rlvers; JêV:ain-nos à Nova 2'elândia para'estudarnibs o caso dó RioWhan-
ganui e o pO.vo Maori, no reconhedmento ena garantia d.os direitós da 11.aturez~.:
~ .. Com ;Ghantelfo daSilvá Teixeirà, 4?
Conselho lndigenista Missionário ·. ·
(CIMI)', voltamos nossa an~lise novamente. ao BrasU, no qúarto càpítulp, apreséri~
· t~ndo e reHet~nd9 ~ çaso do~p6voXulJ,uru ~tp uma abord~em paraftigmátic~.dà
Cor~e InterallJerica!Ía d:e rnreitos Humanos naconsttução dos direito~ territoriai~
' coletivos dos povos indígenas; . I . '·.· '., . ·~
, ·• ··~. ~. ..'. . ' ' ' •

··. ·· . ,No quint? C'apítu!o, tunto com CarlaJudi~_Ç~tilta Castro, tambéill Ho .


. · Consd~o !~digerusta Miss~ohário (CIMI), debruç<J;mo~nos sobre, o emblemático /:
caso da Amazônia colombiàna como sujeito de direitos na sentença.da Co'fte Su~ .
pt~m~ de:Justiç_a da C9lÔ~hia. . · · . , _ · ·. . . · • · '
( Em segúida, nó se:l\lP c~pítulo; pq.dembs conip:reeríder um exemplo 1de r
/
..
mµdança paracligmática '1ª jurisprudênda btási.J:eÜ-.a com Arina Mariai,Cárcamo, ,
1 ' • ', ,· ,, -,< ' '·'

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Ap~esentação l l3 i
1

. da International Rivers, que apresenta o casÓ der papagaio Verdínho, ~ob .a ótica'
dos Direitos da Nati.ire~a. · · · · ·· ; ·\ ' ·
, !. Os capítulos sete e oito são apresentados; Tespedivamente, pmJ9hny Fer-
mµl:des Giffo'1.i, da Defensoria Púbiea do Ptiá, apordando os pro~9cólos de coq.~ .
sitlta e consentiniertto prévio, livre·e informado; epor ~an~elSeverino Moraes
de 1\lmeida, da Cát:edra de Direites Humanos do Helder Câmara/Uriiyérsii:l.ade -
. Católica de Pernambuco; tratando qa: resistência e dos territór~os do~ povos· ti-adi,
· cionaisfrente à pandemia da COVIli)~'l 9, · ·
. Mariia Rios, àa Escolii de Direito DomHelder Câmara; no capítulo sub-
sequenÚ,avança na.ieflexão sobre o~ Direitos da Natureza com relação às políti· ·
cas públicas, à democracia e aos·orçámentos municipais, demonstrando que tudci
... ~stá interligado. . . . ,
· ,Encerrando a·etapa de exposições e·estudos de casos, o décimo capítulo,
.escritci por Vanessa H~son de Oliveira,,~a:OSéIPE MAPJ\:S; ilumina11d.o-nos ·
e
;ma'vés' dos casos de Bonito (JJE) FlorianópoÜs (SC), .apresenta uma apurada
~náfise de textos legàis para aludir aos fi.mdainento~ de uma perceptiva: proiriissbra
,_\ 1'

aos Oireitos da Natureza·n9 Brasil. · ··. . . · . 1


. . Todos·os c;asos expôstô~ P3:~l~tip.amente reápre~ehtam .e e~emplificam 1 a
apµcabilidàde dos princípios que fündamenta,m o marco para a consfruçãó da: _
.Teorial Geral dos Direi~os da. Nah.ireza na medida efií. qu~ cada alj.tor e ca.da auto-
. ra, ao longo dos estudos indívidyais e c~l~Hvos promovidos no contexto·ÂoÇT
Jurídico da Mobilizaçãd N.acional dos Direitos da Nat\.lreza foi convidado (a} a
· promover este entrelaçamento teórico· e prático entre ps casos apreseq.tados e esi:a ·
· .. nova. construção a que ~e propõe e~t:a obra. . .···-. · _ . . · · ~· ,. .~ . ;' .. _
. Temos reãlme,nte a expectativa que ela·efetivamente ganhe espaço entre.as
. bibliografias obdgat:órias no universo da formação furíqkiJ., assim como tfereça
. ' subsídio argumentativo aos tomadores 'de decisões, em prnl dos Direitos da Natu~
reia; da Natureza e'nqu',l;lltci Sujéito Efetivo de Direitos e;. assim, ~m_prol de tudo'
. que v~ve. . . · , ' . . '-- -
· ' ·~creô.itamos que ao ler ~ste livro, refletir e debater as ídeia.S nel,e expostas;
\'.'~Cê possa.t~béni tOrnilr.:se u'm~gente~desfa t~ansformação paradigrnatica, por
isto lhe desejánios uma boáleitura! r ·
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1. PARADIGMA DOS DIREITOS DA NATUREZA

Johny Fernandes Giffoni


Manuel Severino Moraes de Almeida
Mariza Rios
Vanessa Hasson de Oliveira ·

INTRODUÇÃO
No presente cápítulo os autores buscam apresentar alguns dos pilaíes-sus- .
tent~culos do paradigma· 4os Direitos da Natureza.como. fundamen,to teórico/
científico capaz de direcionar ó módelo de raciÓnalidade utilizada na sistematiza-
• ção das experiências apresentadas nos capítulos seguintes da obra, racionalidade
pautada na construção comunitária do saber e do conhecer pela recuperação da
tradicionalidade cómo. força propulsora de uma nova interpretação das relações
sociais entre seres humanos ~ entre estes e os demais seres da Comunidade Plane-
tária e, por consequência, uma nova interpretação do Direito diante de uma mu-
dança ,do paradigma epistêmico com o giro ecocênt'rico.
Por essa razão, busca-se sistematizar uma linha :condutora de uma racio-
nalidade que seja capaz de albergar a pluralidade de saberes constituída pela nec
gação da exclusão dos membros da Natureza não humanos qlfô constiniern, em
inte'rdependência com os.humanos, em sua diversidade ~Ôciale ecológica, o pla-
neta Terra pela promoção da complementariedade que,ao v~r dos a4tóres, passa
pela compreensão de 'que a pioderhidade é umá realidadeinacahada e, nesta1 :a
trajetória do conheeimento regulação se .apresenta como a mesma face do colo-
nialism~ .e., na mesma medida, a'pós~modernidade se reconhece pela naturaliza~
.ção da exclusão globalmente pro4uzida pela própria· modernidade (SANTOS,
2000; BAUMÀN, 2000). ,
Por fim, é possívt::l .afirmar que a lógica da fücionalidade juddica· direto-
ra deste estudo tem por desafio avançar na c6tnpreeµsão e fortalecimento dos
princípios, a partir do giro biocêntrico e: de uma ética ecocêntrica e sob ,a ba~e
fundante do, paradigma da .harmonia com a Natureza, da interdependência, da
reciprocidade, da complernentariedade e do fazer comunitário em duas direções
compleme11tares. A primeira busca a construção formal, da Natureza com() sujeito
de direitos e a segunda tenciona o aperfeiçoamento do equilíbrio entre os pilares ·
da regulação e da emancipaçã() como alimento de uma pos$ível te'oria geral dos .
Direitos da Natureza.
l6 I Johny Fernandes Giffoni, Manoel S.everino Moraes de Almeida,. Mariza Rios e Vanessa Hasson de. Oliveira
1.1 PARADIGMA SUSTENTÁCULOS DA LÓGICA DOMINANTE DE SABER,
CONHECER E.PROMOVER·

A passagem de um modelo de conhecimento utilitário, baseado nil for~


mulação de leis que tem como pressuposto a ideia de ordem e de estabilidade
do ~undo, cuja centralidade está no privilégio do funcionamento das coisas em
detrimento de seus fw;idamentos, tem como objetivo dominar e transformar, em
detrimento da capacidade de compreensão dos fatose dos fenômenos. O produto
dessa lógica do corpo ao paradigma dominànte moderno de conhecimento é am- .
plamente estudado por Santos (1000) e, namesma medida, põr Bauman (2000).
Os autorés apresentam, entre as diversas contradições desse paradigma, a ideia de
que o conhecimento científico é apartado do conhecimento comum e, bem assim,·
a Natureza apàrtada da pessoa humana. ,
Bauman (2000), relendo os princípios de emancipação e regulação, pro-
messas da modernidade, ocupou-se da dimensão social e, nesse contexto, sus-
tentou que ô enfraquecimento da emancipaç;í() ficou evidente pelo processo de
liquidez da modernidade. Pot isso, para o.autor a modernidade é líquida porque
abandonou a emancipação nas mãos do. consumo e do mercado. .
~ Boaventura de Sousa.Santos, por ºsua vez, reconhece que o projeto da mo-
çlernidade não conseguiu cumprir suas próprias promessas de emancipação e re-
gulação. Assim, priorizou um tipo de racionalidade cuja ordem se constrói no es-
paço econômico e consumerista, o que exigiu o abandono do princípio do estado .
e da comunidade deixando o campo aberto para o mercado. Com isso; a regulaçãg
sucumbiu a emancipação e, dessa maneira, os pilares regulação e emancipação en-
traram em colapso, 'criando um cont~ngenté de exclusão sem precedente. A ciên-
. eia, por sua vez, embarcou nesse modelo de racionalidade (paradigma dominante) .
produiindo regulação mais regulação, sem a coµfir~ção da emancipação, espaço '
da é:idadania e da comunidade. · · · '
. Nesse paradigma, das .eiên~ias modernas, as lei,s são um tipo de cois~
formal com.privilégio no fu~cionamento das coisas totalmente separado de seu
fundamento. o que fica evidente é uma diferenéiação importante do conheci-
mento comum, ~m que a causa e a intenção convivem sem problemas porque a
centralidade está na unidade .e não. na sepàração. Assim, podemos afirmar que o
paradigma moderno e dominante ~onvive com a ideia de que oniundo é.uma
máquina cujos pilares são a ordem e o progresso econômico a qualquer tustÓ
e, por essa razão, temos como resultado dessa lógicaum processo· de exclusão
sem precedente. Isso é que .chamamos de crescimento utilirario e funcional, cuja
centralidade está em dominar e fransformar sem a mínima intenção de com-
preender (SANTOS, 2000).
, Os pilares dessa lógica são um modelo de desenvolvimento e conhecimenc
to aprisionados pela ideia de que o mundo somente tem uma chance de existir, a
- afirmação diária de que a sodedade somente se desenvolve péla lógica do mercado
e do co~sumo e, nesse contexto, desenvolver requer a aceitação de q~e a ordetn e~
o progresso econômico liberal estão acima de qualquer suspeita, O conhecimento
regulação, nesse contexto, acabou po'r integrar à sua lógica o conhecimento eman-
, . \
Paradigma dos Direitos da Natureza l 11

cipação e, assim, a 1emancipação modernase confunde com a própria regulação


(SANTOS, 2000).
· Contudo, essa lógica moderna se, por uin lado, pelo conhecimento re-
,. gul(lção, constituiu a ~xclusão social, por outro, do encontro com. suas próprias
contradições, trouxe à presença da possibilidade de Outra 16gica, 'o COf1hecimen-
tO emancipação compreendido pela negaçã:6 da exclusão e, portanto, peh inclu-
são de todos os seres hum~nos e não humanos, vivos e ap;,irentemente não vivos,
que praticam um natural relacionamento face à interconexão que operam como
componentes de um sistema ecológico e que ainda conver.sa com a dinâmica do
sistema social, que se fortalece por uma leitura compartilhada entre o~ princípios
da interdependência, solidariedade, da complementariedade, reciprocidàde e do
viver comunitárioJcom as diversas práticas sociais e dinâmicas naturàis d~s elec
mentas da Natureza, que apontam para o fortalecimento do direito, da cultura e.
da comunidade planetária. ·
• Essa racionaliqade traz eQ1 sua· essência duas compreensões principais. A
primeira é a falsa ideia de que a pÓs-modernidade é o avesso da modernidade. Pelo
conrrário, ela é a natUralização de unia sociedade humana excludente que sobre-
vive do aprofundamento da indiviqualiçlade de seus membros, da invisibilidade
do estranho, da alteridade, e da luta perversa contra o e~ercício da ciqadania co-
munitária. A segunda se alimenta da negação da exclusão social que se concretiza
pela necessária vinculação recíproca entre o conhecimento regulação e o conheci-
mento emancipação: . ..
Na mesma seara, a' referida racionalídade aponta para a -compreensão de
' que, ao contrário do que objetivava a modernidade, temos o ressurgimento de
uma lógica de, saber e conhecer pela experiência comunitária construída pelo
oposto da modernidade; o individualismo. O que se pretende é "questionar a ten-
tativa falida de impulsionar o desenvolv:imento êomo imperativo· gl6bal e cami~
. nho unilineàr, pr~curando não mais propor alt~rnativas de desenvolvimento, ma..s
alternativas ao desenvolvimento" (ACOSTA, 2016, p. 85).
Portanto, a dicotomia éntre sujeito e objeto, entre natureza e cultura, pre-
sente nas relações sociais, clama pela lógica da corQ.plementariedade, papdigma ..
que apresenta, na mesma mec;lida, o científico social, den6minando por Santos_ ~
· (2000) de um conhecimento firmado em dois princípiosdiretorés: ~ prudênciá
(conh~cimento científico prudente) e a decência (vida decerite)e, assim, um co-
nhe~imento prudente que obrigatoriamente tem que ser social para se chegar a
uma vida âecente. No mesmo sentido, Acosta ressalta a necessidade de se "aceitar
que o ser hu~ano, se realiza em comunidade, cqm e em funç~o de outros seres
humanos1 como parte integrante da Natureza, assumindo que os seres.hu~anos
somos Natureza, sem pretender dominá-la" (ACOSTA, 2016, p. 104) ..
. Esse modelo liberal éatropelado.poruma crise epistemológica e econômi-
co-social, uma crise civilizatória, que-temuma das maiores expressões na morte
da Natureza e, junto corn ela, porque dela faz parte como a mais ~ensível avenca,
a população mais pobre é colocada: no caixão da exclusão social, econômica e de
valores que damam pela unidade da humanidade com a Terra e com a Natureza,·
que sãoimpedidos de manifestação porque se assim ocorre tem~se um atropelo na
. 181 Johny Fernandes Giffoni, Manoel Severino Moraes de Almeida, Mariza Rio~ e Vanessa Ha~son de Oliveira .. J\
\

mdem global de desenvolvimento e, por consequência, no paradigma antropo-


cêntrico dominante que sua existência precisa da morte da lógica da integralidade
cuidada pela ideia de que tudo está interligado, a Terra, a humanidade e os demais
seres da Natureza. . . · . -
A, superação dessapise ecológica e civilizatória está na ampliação da pers-
pectiva antropocêntrica para incluí-la no paradigma .de uma ética ecocêntrica.
Gudynas (2015) re,conhece os valores. próprios dos ecossistemas que vão muito
além de seu valór mercadológico enquanto recursos naturais, ultrapassando sua
materialidade para incluir valores relacionais que pressupõem a_ interdependên-
eia fundante do sustentáculo da Vida e, ainda, a metafísica dos saberes ancestrais
guardados pela tradição, as cosmovisões dos povos originários. Assim sendo, cria~
-se uma consciência ambiental capaz de."corroborar para, a consolidação de nor-
mas centradas na satisfação da dignidade para além do ser humano" (MORATO
LEITE, 2015, p.181). .
Essa. paisagem é exemplificada p~r Rios (2008) em um estudo da expe-
riência de uma comunidade quilombola, em processo de recocliecin\ento do ter-
ritório, o qual aponta que a formalidade jurídica ocidental, quando utilizada pará
regularizar uma çornunidade que tem como paradigma o direito. comunitário ~ ,
compreensão de dono (proprietário) de sucessã.o e coletivo-'- se apresenta cqmple~
tamente diferepciada da lógica eurocêntrica e, dessa maneira, traz a oportunidade
de cqmpreender a contradição dessas dtiaslógicas, mas.que isso mostra. ser possí-
vel 'encontrar pontos d~ diálogo, chamado pela autora corno' dire.ito do juiz versus '1i
_direitos da cornunidadê na ~esolução de um conflito territorial.
Esse cenário, na prática, requer do "est~do juiz" a sensibilidade para,incor-
porar às suas compreensões a ideia de pluralidade jurídica e, na mesma medida, a
compreensão da comunidade de que o processo de escuta dás duas compressões, se.
torna fundamental na afirmação dessa pluralidade. O resultado do estudo confir-
ma a pos~ibilidade deequilíbrio entre regulação e. emancipaç;ío. É nesse contexto
que dedicamos o item seguinte, paradigma sustentáculo da racionalidade einer-
ge<1~e de saber~ conhecer e· promover.

. ' - ', ,

1.2 PARADIGMA SUSTENTÁtUL~S DA ~ÓGICA EMERGENTE DE SABER,


CONHECER E PROMOVER
Agarnben (2019, p. 41) chama atenção da existência de traços capazes ~e
definirem o paradigma. Consiste o paradigma em forma de conhecimento, não se
apresentando como um conhecimento '~nêm indutivo, nem dedutivo, mas analó~ .
/ gico", mo~endo~.se de singularidade para singularidade. Da mesma maneira, pps-
sibilita a neutralização da dicotomia estabelecida pela "racionalidade do- sistema
mundo moderno colonial" (MIGNOLO,' 2016), que oeorre entre o geral e opa/-
ticular, substituindo essa lógica dicotômica por um pensamento fundamentado
no modelo anal6gico bipolar. . " · ·
Paradigma dos Direitos da Natureza 119
Outro ttaço importante é que o caso paradigmático "se torna tal suspen-
dendo e, ao mesmo tempo, expondo seu pertencimento·ao conjunto, d.e forma
que nunca é possível separar nele exemplaridade e singularidade" (AGAMBEN,
2019; p. 41). Por consequência, a ciência moderna e as suas teorias ·críticas não .
ro'mperam ou. desconstruíram· os paradigmas que fundamentaram a imaginaÇão
moclernista da. "humanidade como totalidade construída com base num projeto
comum: clireitÔs humanos universais" (SANTOS, 2019b, p. 4:2).
Se os direitos são "humanos'' e "universais",. todos _são iguais, não pose
suindo "diferenças" e deyendo a "humanidade" proteger e garantir os "humanos''.
dentro dos paradigmas e das racionalidades que denominaremos de "coloniais".
Porta-se em suas faces econômica e instrumental como pilar do processo civili-
zatórfü moldando relações do corpo social corri a "naturezà'. Reproduz, a~sim,
a "racionalidade científica e tecnológica que busca incrementar a çapacida:de de
certez4, previsão e controle sobre a realidade, assegurando uma eficácia crescente
entre méios e flps" (LEFF, 2015, p.136), necessidade de um domínio da "nature-
. zà' e sua total "subjunção", · · 1
A lógica emergente de saber, conhecer e promover enquanto "paradigmà'
tem na ç'racionalidade ambiental" um de seus pilares, subdividindo-se, nas pala-
vras de. Leff (2015, p.137), em quatro esferas: Racionalidade substantiva; Ra-.
cionalidade teórica; Racionalidade instrumental e Radon;.:i.lidade cultural. Desse 1

modo, "d conjunto paradigmátiéonunça é pressuposto aos paradigmas, mas per-


manece imanente a eles" (AGAMBEN, 2019, p. 41). Essas racionalidades en-
quanto "paradigmas" são capa:ies de "desconstruir" (DERRI.ÓA, 2001, p. 48),
invertendo a lógica das necessidades e hiera:rq~ias construídas no bojC> da raciona-
lidade do sistema mtlndo moderno e colonial. .. ·
Descontruir essa racionalidade significa admitir os traços do paradigma
levantados até aqui por.Agamben,-reconhecendo que o rµodelo colonial ba~eia-se
na distinção entre as exclusões não abissais - ten.s6es e exclusões eni:re os indiví-
duos, porém não colocam;effi questão a equivalência e_reciprcicidades básicas ~; e
as abissais - tensões. e exclusões de alguém que não é humano, campo da inexis-
tência da equivalên~ia e da reciprocidade (SANl'OS: 2019b, p. 43). Indígenas, ....
quilombolas, povos tradicionais, ribeirinhos ;,ivem no mundo do "el,es" ep.ão pôs:
.. . ·... . . .·. . .
suem nenhuma relação éorri a "racionalidade", pois são. irracionais, bárbaros, sub-
desenvolvidos'e precisam abandçmar a "iiaturezà', pois lá é o local do "irraçional".
Se a "naturezà' é objeto na racionalidade do sistema mundo moderno e
·colonial e as pessoas lá es~ão, o estãü porque .são irracionais e assim déverr\. ser "as-
similadas" ·e "aculturadas'~. Ressalta-se que "os direitos humanos convencionais,
enqu~nfo.parte damodernid'.lde ociden~al, tê'11 como limiteontológi~oa impos- ·
sibilidade de reconhecer a plena human~dade dos sujeitos quese encontramabis-
salmente· excluídos" (SANTOS; MARTINS, 2019, p'. 22). Admitir que as "mo-
noculturas" não são capaz~s de resolver os problemas criados pela modernidade,
como o fim da pobreza e das de§igu~dades, significa, em primeiro)ugar reconhe-·
cera existência de "ph1ralidades" e diversidades do "ser humano'', não contempla~
das. pelos direitos humanos convencionais.
20 1 Johny Femand.es Giffoni, Manoel Seven'no floraes de Almeida, Man'za Rios e Vanessa Hasson de Oli~éira ..

Por conseguinte, "a compreensão ocidental da .univ~rsalidade dos direitos


humanos não consegue conceber que existam princípios diferentes sobre dignida-
de humana e a )ustiça social" (SANTOS; MARTINS, 2019, p.12). A lúta pelo·
reconhe~imento.das "identi4ades"naAmÚic:a Làtina e pelo ''pluralismo" da expe-
riência jurídica, social, econõmica e cosmológica, além do "pluralismo" enquanto
possihilidade de reconhecimento das diferenças, pode ser notada em Constitui-
ções Latino Americanas a partir da década de 1980 ..
Destaca-se a luta dos n10vimentos sociais emergentes que "estão gestando ,
novos direitos~ ambientais, culturais, coletivos - em resposta a uma.problemática
ambiental que eme~ge como uma crise de civilização, efeito do ponto de saturação·
e do transbordamento da racionalidade ecoriõmica dominante" (LEFF, 2015, p.
346), edificando um novo espaço político e novas racionalidades sob suas identi-
dades étnicas e cosmologias. ·
Segúndo Leff (2015, p. 346), "o processo de modernização; guiado pelo
crescimento tecnológico, apoiou-s9 num regime jurídico fundado no "direito po-
sitivo, forjado na ideologia das liberdades individuàis, que Plivilegia o,s interesses
privados". Por outro lado, os movimentos sociais emergentes, Orientados pélades- ,
construção das ideologias de monoculturq.s, ergueram-se na institilcionàlizaç;ão de
leis e instrumentos\normativos,, reconhecendo, em um primeiro. momento, plu~
_ ralidades, e depois que pudessem reconhecer o pluralismo jurídico. Segundo Fa-
jardo (2009), nos últimos 25 anos a Amédca Latina vivencioµ três ciclos de refor-
.· mas' constitucionais, em que .se notá a garantia de direitos plurais e multiculturais.·
·O primeiro ciclo da "Reforma Constit~cional Multiculturalistà' teve iní-
cio nos anos oitenta do século XX, caracterizando-se pela "introdução do direito
- individual e coletivo - à identidade' cultural, junto com a inclusão de direitos
indígenas específicos" (FAJARDO, 2009; p. 25}. Evidencia-se que, no Íimiar do
primeiro para o segundo ciclo proposto por F;ijardo, temos <i criação, pela Organi-
zação Internacional do Trabalho, da Convençã~ ri. 169 que reconheceu àos povos
indígena~ e àos povós tribais "direitos a te!ra e território,e o aGesso aos r~cursos
naturais; reconheceo própdo direito consuetudinário, assim como direitos rela~.
tivos ao trabalho, saúde, comu~icações, o desenvolvimento das própriaUínguas,
educação bilíngue intercultural, eK" (FAJARDO, 2009, p.).l}. . .
Entre oprirrieiro e o segundo cicl9 está o Brasil, cuja reforma constitucio-
nal antécédeu em µm ano a adoção da Convenção 169 da OIT, reconhecendo
algumas das concepções positivadas na ordem internacion~l, como o direito à au-
todeterminação e da pluralidade de organização social, cultural e ecoriõmica dos
povos etnicamente diferenciados como indígenas e quilon:).bolas. No tocante à
Naturezá, a Constituição assD;miu uma posição pelo "antropocentrismo alargado"
ao considerar o ambiente ''como bem de.uso comum do povo, atribuindo-lhe ine-:
gável caráter de macróbem. O art. 225 estabelece uma ".isão ampla de ambiente;
não restringindo a realidade ambiental à mero conjunto de bensmateriai.s (flores-
. tas, lagos, rios)" (MO RATO LEITE, '2015, p. 169).
·O segundo ciclo ,ocorre durante os anos• noventa do. século XX, ·incor-
: porando direitos çontid6s na Convenção 169 da OIT. Par~ Fajardo, este citlo
"afirma o díreito. (individµal_e coletivo) à identidade e divers.idade cultural, já ·

\
Parad~gma dos Oireitos dg N~tur~za J 21 /

introduzido no prirpeirodeló". Enfretiuito, desenvolve tÍm conceitô mais amplo


de "n..ação·muJtiétnicf' e "estádo pluricultural" (2009, p. 26). Tais C9nstituições
passafam a qualificar a natureza do povo, avànçan,do rumo ao carátffr do EStado,
rec9nheceridd o "pluralismo ·juríâico, assim como novos ~ireitos indíger.as e de
afrbdescendentes" (FAJARDO, 2009,, p~ 26).r ·.. . · ·' .· ' ·
Devemos Iev.i.r em conta que ,'1a Constituição não é apenas o ·,documento
· jutídicó mais político. de •todos e 0 docum,e,O:to político mais )urídico·de tÔdos."
(ACOSTA,2016~ p.153) .. À vista i#sso; temos o terceiro ciclo de "Reforµia Consti~
tucional 1V1ulticuhurá,r' que ocorreu ~urante a primeirà -década do século.XXI. Sua
pr:in_cipal característica foi a institucionalização do "Estado Pfurinacion.al" da Bolívia
(2007/2008) e do Eqtiador (2008), fundamentado em um "modelod,e pluralism6
legal igualitário, baseada no diálbgo in:terc~t:ural!' (FAJARDO, 2009, P'. 27). .
· A luta eIJ.fre. a- racionalidade eric:i.mpa:da pelos movimentos. sodais emer:-,
gçntes e a "modernidade ocidental como um pâradigma fu_nclàdo na'í:énsão entt~.
regul:ição'e e~ancipação<sociàl" (SAN'.fOS; MARTINS,'2019, P• ~O), pa§sa'pelá-
desmercantilização dos Direitos. da Nâturçza, afasta11d9 qualquer consttução te'ó~
ric_a, negando sua existência_' em si, onde so.m~Ílte ~terá valor.qufodo inse~jda na
racionalidade ec.oriômica (..t\COSTA, 201(); p. 1'20)~ Assumem ,os povos. da fl,o-
. i. resra:; indíg~nas, quUombolas, ribeirinhos e outros trádicidnais o valoPcomunit4/
rio, sendo todos parte integrante da Natureza, não possuiqdo qualquer.~ntenção­
.de dominaçãó (ACQSTA, 2016, p. 104). Na mesma mei:lida,. a Constit'Uição do
Eq1:1ado.t ao rej:on:hec~r o Pireito da Natúreza:
' ' ' '· ' ' ' '. '\ ' ' '

~.3 consider;t-sepioneifd neste'd~mfnio·o.artigp 71 da ConstituiÇá~ do Equa-


' dor de 2008, U)Il aitigo vinculado à filosofia da natureza dos povos indígenas.
Pa.ra ~s povos andihos, a natureza, longe de sii
uni' recurso. natural ii;i.condi~ .- .....
cion;ilmente disponível e aproprjável, ~ a ter~ ~áe;(Pachamatna em q~échl.lâ),
qrigem e fundamento da vida e,· por isso mesmo, centro de tóda a étic~ de cuic.
tl~do (SANTO~;, 7019a, p~ 54). . . ' ..

. ·Senclo a "mãe teri:à' aquela que Aá a vida e a e}\istêncla; ,é "êón~ebida como .


serido.representada'por pessoas~1 comunidadc::s, povos e _náciori.~~dalies (ACOSTJ)..v·-
2016, p; 131). Ao contrário do que fota estabdeddo pela Constituição da Bolíviá,
os Direitos 'da Nature~a na~Constit9ição. Equatorianá · foran1 previstos ,explidtà~
,menté,' senc:lo·orientadós aresgµardaros "ciclos vitais e os diversos processos evo-
lutivos, não a11énas ;i.s espécies a.!Jleaçadas e as reservas naturais;' (ACOSTA, 20(6,
_p:. 132); A Cons,tit~ição Boliviana indui a chamada "sociologia das ausências"' ao
ip.cluir os conG:eito~ de Pachàmama ~:fazendo referêllda aos :conhecimentos e_à
organização social ip.dígenaSuma Qamafía (vivir bien) (SANTOS, 20119a, ,p.54). ··
. ·· .·. . 9s movimento~ sodai~ emerge11tes possuem urri car:Írer P?li~lass_is_ta, reco- ;
fl:h~ddqs pelo seu taiáter a:ssemblear e direci9naµos pela busca do reconhecimen- ·
· to de sua aúfoqomia. E~ta~lecem processos cie diálogo entre sabere~ e .disciplF ·
nas, por meio da tradução dos 'conhecimentos eláborados inaependentemerite c{os''
discm:sos.dominantes e dos disé4rsôs_dos ~specialistas. brie!itHe; na va1orização
dos saber-es locais, que t~Il} •sua fonte na relação de Indígenas, Ca:mpesinos,, Quí-
, ' - 1,,.. 1. \' ' ' '
··.·;,

.,
1 ·.../ \
-· -- - - ----~---------:---------'----'

22 l_J~hny Fernandes Giffom~ Manoel Severinq Moraes d~ Almeida, Mariza Rios e Vanessa Hasson de Oliveira
lonibolas, Raizeiros, Afrocolombianos, e outros grupos etnicamente diferenciados .
com o universo da Natureza e sua cosmologia enquanto ciência (SVAMPA, 2012,
p. 20).
Protocolos Autônomos ou Comunitários de Consulta e Consentimento de
Povos Indígei:ias e·Quilombolas, Planos de Vida, Reconhecime.n.to daPachamama
como sujeito de Direitos, Reconhecimento de Territórios e Territorialidades na
·.esfera judicial interna dos países Latino-amhicanos ou no âmbito da Corte ln-
• 1

tetamericana de Direitos. Humanos representam estratégias de desconstrução da


" modernidade ocidental e de seu paradigma regulação e emancipação social.
o conhecimento produzido naslutas e nos conflitos vivenciados pelos mo-
vimentos é capaz de il}duzir a racionalidade. ambiental enquanto paradigma da
hermenêutica jurídica emancipatõria. Santos entende ser possível construir essa
racionalidade p'ar meio das ecologias de saberes, que seriam form~ cognitivas de
cdnsq:uções coletivas que estariam orientadas por "princípios da horizontalidade
(diferentes saberes recon:hec.em as diferenças entre si de um modo não hiqárqui-
co) e da reciprócidade (diferentes saberes incompletos reforçam-se através do ~~ta-
' belecimento de relações de co~plementariedade entre si)" (2019b, p. 124) .
. Conclui-se que a racionalidade emancipatória traz em seu cerne o alarga-
' ' '

menta do Pluralismo Jurídico, reconhecimento de estatutos diversos, para b que


Santos (2019b) denominou de Pluralidade)urídka, cuja centralidade se adequa .
ao processo democrátieo de decisão que tem por conséquências não somenté o re-
conhecimento da diversidade cultural e modo de vida, mas também a possibilida-
de de diálogo ent,re essas diferenças, capaz de se obter r.esulúdo coletivo. ·E, mais
que isso, a pluralidade reconhece que todos são sujeitos de direitos a humanidade,
a natureza e a terra e,· assim, não se pode conceber a natureza comó propriedade
de quem quer que seja. . ·
Nesse contexto, récuperar os princípio~ nucle:ues dos direitos da natureza
torna-se Ímprescindível; assim, o item a seguir assume. a tarefa dess.a recuperação.

1.3 PRINCÍPIOS DOS D.IREITOS DA NATUREZA


.A formulação de uma teoria geral que pretende a co~strução dos Dir~itoS
da Natureza parte da desciição de princípios que se fundam na própria dinâmi_ca
da Natureza e se legitimam na conformação natural do sistema da Vida, Para .além
do comportameqto ecossistêmico, considera o sistema menor da vida soc:ial hu-
mana que inclui o elemento da interculturalidade e da territorialidade.
Nesse resgate principiológico, a dinâmica social é multiversada e inclui a
metafísica das manifestações .do enrnntro entre a materialidade da vida e a cultura,
a bioculturalidade, de forma que está vinculada no evoluir histórirn das comuni-
dades, na linha do tempo das civilizações e.se dá inter-relacionada.às cosmovisões
originárias nas quais a Terra não é um planeta, é a gral\de Mãe, assim conforman~ ·
do a "Pachamama'', a ''macropacha" e as interações biocu1turais que se dão nó seio
da co~uni~ade, a 'ínicropacha"(FERNÁNDEZ LLASAG, 2018).
Paradigma dos ólreitos da Natureza, 123
Assim corria as mães. humanas, Mãe Terra é aquela dotada da inigualável
- função materi4e espirit.tial de prover e manter a teia da Vida, oferecendo terrF •
tório;para ci caminhar, alimento para nütrir,, energiaunar}tenedora das relações e
conexões que encadeià.tÚ a teia daVida de lllaneira, naturalmente liarmôn'ica enfre
o d,los ~ a ordem, éntre o viver e o morrer,, que transmuta e faz o céu permanecer
em pé, gerando e regéherando. (OLIVEIRA, 2020): .
. Nesse universo, ~ harmonia com a Natureza,é o princípio dos princípios,
a amálgama de º!:1tr6s princípios que seguem em éstreita observação dá abundân- (
da· criadora 'ela "Pachamama", a cornplementatiedade(dé opostos e. do. terceiro .
incluído que, por sua vez, sãp desdobr~veis dó "priQcípio da relaciorialidàde ou re-
ciprocidade. O Paradigma da Harmonia com a Natureza, tecido>ª partir de uma
pércepção plural, multirrelacional e ~irnbiótica da vida, apolado nos princípios de
comunidade e de cqmplémentariedâde de opostos, integrado pela·coriscifocia da . ·
Vida (MORAES, 2018). ··• . . . \ . . . . ·.
. Disso decorre que há ufua irirerdeperidênciá visceral.no-sistema rriaiór da
· ·viçla, a "Pacham5ma",·que se desdobra d~sde as relações microscopicasentre sj e
destas Com. os demais seres da teiat sendo º· Coronavírus (SARS-'Cov~2) sua maior
~~pressão, até as relàções ifn:~entes das energias dos ele,inentosnaturais,fisicas e
telúricas e das cósmicas. . .. , ' •. ... . ,, '
. Ó resulí:adb da harm(;>Iiia naNaturéza, tendo em vista a condição de inter-
.dependência, depende da realização da reciprocidade rta medida da' cómplemen-
' tariedade em que se dão as relações, desde as interações biológicas até.o m~trimô- '
nio que se dá np nível cósmico que tudo gera (BOFF, f981). Na perspectiVa das
comunidades~ dps povos originários, os .complementa.res são o sústentácdfo da
vida, a partir do fe~inino da Mãe letra que é preenchido." rta comunhão cóm. o
masculino do Pai Sol. · · · 1. . . ·. ·. •

.·' Na'per~pectiva das pulSôes l]uman~s, a .complei;peri:tariedade não passa·des- .


percebida nacomunicaÇão do que é exterior-ao sistema, riías que. cm;n de faz uma
unidademaior. O se~ humário pós-Ji10dernovolta a perceber, da memória an- .
cestral universal, algo que o taça desde sua célula original. Oe que viver propria-
:mente não consiste simplesmente e.rn viver, mas em conviver com todas as o'Utr;is
coisa~ ~imadas e mesmo as supostamente inanimadas. De quê o que se opera n 0 ,
muhdo eX:i:eri_or se n#lete no s7u mundo individualizado interior., . ·. ·..
· "A rela~ionalidade, assim, operá de ·forma tendenciosa a complementar e .'·
. '
.a reciprocidade consis.te em ter intemalizada a consciência 'de que 'a. doa,ção será •·
• 'àferta.sJ.a ; a·. coh.trapartida que parte de sua a~ão i~dividual é certa, p,orque faz
parte natuEal ão coqiportamerito sistêmicoque, se não sofrer intervenções daquilo
que dta fora, se opera i;q fluxo natural · ·
\.

. E ~ no entor116 deste s,i;tema total, nó âfil:iito -mundial, plàhetirio, ~nde se si- .


tua a natureza, que se não tiver reconhecida: n:i, tótalidade db.s sistemas sociais
párciã.ís - isto é, do dir~ito, da: polltiéja,, da ecorton.iia, da educáção, da· r~ligião .
etc.,~ sua dignidade própri~, com os direitos daLdecori;e.ni:es, i:al como aqui
VaÚes~a Hasson. de Oliveira convincênténwnte postulá, vai ser sofapada;a base
inesri1a, de sustentação eni que se assenta o sistemá spcial total,' com stia subse-
quente derro~ada (GUERRA FiLHO apu,d OLIVEIRÁ, 2016). >· 1
. ,

:. "/
'\.
241 Johny Fernandes (;ijfoni, Manoel Severino Moraes de Almeida, Mariza Rios e Vanessa Hasson de Olivéra

Tocla essa relacionalidade, por sua vez, tem como-centro o paradigma co-
munitário, no qual as relações se dão em respeito à interculturalidade e corri orien-
tação horizontalizada. Parte-se. do dado re~l de· que· a comunidàde humana co-
munga de uma: mesma unidade, corri(un)idade, com os 1 demais membros da co-
munidade planetária, à .Casa Comum, como sublinhado por Francisco em sua
, Carta Encíclica Laudato Si' (FRANCISCO, 2015). Qser humano possui a capa-
cid~de de estar inserido na éomunidade maior, aquela planei:~ria, e é porque aí se
encont~a: com os outros de sua espécie humana e demais membros da coletividàde .
pl~netária, sendo com e entre eles, sendo, portanto, a própria unidade.
A condição de membro de uma comunidade pressupõe a condição de per-
da da individualidade. e paradoxalmente justifica a existência do indivíduo, 11a
medida em que.somente é se está entre e com os outros membros. Para tanto, o
. indivíduo precisa ser aberto com o outro "no es simplemente ni ante todo gene-
rosidad; amplitud en la hospitalidad y largueza en el don, sin'a en prihcipio da /
condición de coexistencia de singularidades finitas 'entre? las cuales - a lo largo; al
borde, en los limites, entre- <afuera> y <a~entro> circula indefinidaµiente la posi-
bilidad de sentido" (ESPOSITO apud OLIVEIRA, 2016). .
·ºque un.e os membros de um.a comunidade e, assim, a constitui, é uma
áusência, um dev:er de urria só via de indiyíduo para indivíduo; é o outro o que ca-
racteriza.o comum. Não é oque é próprio, mas o que é impróprio, o outro. Como.
conséquência, o indivíduo é desapropriado de sua subjetividade e forçado a sair de.
si mesmo e se deslocar flO outro.
Oparadigma comunitário, ainda na perspectiva das comunidades andinas,
é de estética circular e procura centrar sua lógica n.o princípio do bem víver (bien
vivir) ou viver'bem (vivir bien), o sumak kawsay ou suma qamana.. '
Foi com base nesse entendimento principiológico que, durante o perí~do
de confinamento social, pesquisadores dos direitos da Natureza publicaram o Ma-
.tüfesto Ha\monia, no qual se declara que: ' ·

[... ] a partir de perspectiva~ int~rculturais, transdisciplinare~, pluriversalistas,


rizomáticas, espirituais, contemplativas e estéticas e cantaremo~ Çom os cami-
nhos para a Harmonia e p Bem Viver e para u~a polítiéa comunitária-parti-
cipativa; os valores e princípios da ética ecológica e do DireitoEcocêntri~o; os
direitos da Mãe Terra,. de Pachamama e os Direitos da Natureza (AlTH et aL,
i 1

20t0, on-line).

Reconheciménto este que nós leva ao anúncio de uma possível teoria dos·
Direitos da Natureza. É dó que tratamos a seguir.

1.4 EMERGÊNCIAS DE UMA TEORIA GERAL DO$ DIREITOS DA


NATUREZA
A Teoria Geral dos Direitos da Natureza fundaménta~se no princípio da
Harmonia com a Natureza; dalnterdependência, da Reciprocidade, da Comple-

i
Paradigma dos Direitos da Natureza i 2s

mentariedade e do Fazer comunitário. O princípio da Harmonia com a Natureza


en5ontra-se ·previsto no artigo 312 da Constituição ~da Bolívia, que estabelece ..a . ·
nec;essidade de um modelo de éçonomia plural, e os processos de i~dustrialização
e t(xploração de recursos naturais deve por ele se orientar. O princípio da,recipto~
cidade.consiste na relação entre a natureza e os 'seres humanos, inclusive no sen-
tido de renúnciaa subjunção da n~tureza pelos seres humrnos, como sendo uma
mercadoria. .
A lei boliviana n. 71 de 201 O estabeleceu os Direitos da Mãe Terra, no art.
7. 0 previu o princípio,da interdependência e da complem.entariedade dos com-
ponentes da "Mãe Terrà', s~hdo neq:ssária sua observância para que .o equilíbrio
para a continuação dos ciclos de reprodução dos processos ;vitais seja respeitado.
Estabelece ainda a referida lei, no artigo 5º, a definição da "Mãe Terr.a'' como
sendo um sistema vivo.e dinâmico formado por uma comunidade indivisível de
todos os sistemas de vida e dos seres liurnanos, todos inter-relacionados, interde-
pendentes ecomplementares, compartilhando um destino comum.
A· jurisprudência da natureza pode ser identificada internacionalrnehte
c>im o aumento da c_idadania ambiental e uma cosmológica holística integrad~,-­
ra dos ecossistemas. Trata~se de uma virada na chave-de interpretação.dodireito
como pd.tica social e, portanto, capaz de responder e assegurar a dignidade _dos
componentes que fo~rnam a complexidade da vida e existência do ser humano na
terra. A epistemologia desse ramo do direito propõe uma metodologia própria e
um objeto jurídico autônomo por se tratar de um fenômeno identificado com
princípi~s gerais e teleológicos presentes hos diyersos sistemas jurídiços no mundo
contemporâneo, pelos países ou nas comunidades tràdicionais.
Estes povos tradiciónais defendem lima ideia de pessoa não associada a
·uma razão positiva, mas a uma: relação 'dialógica e constitutiva da identidade de
cada.sociedade. Logo, os tios contêm o espírito de seus apt~passados, é uma dádi-
va colher frutos e semear os campos. ' .
O novo constitucfonalismo.latino-americarto pOsitivou e permitiu deman-
das com decisões na Corte.- Interam~ricanade
- . Direitos Humanos-
• CIDH,• consoli-
·r .

dando teses que fundamentam uma teoria ou. teo,rias dos direitos da natureza. Esta
abertura {l.lm norté do pensamento destolonial e de superação antropocêntrica.
Em se tratando da prjmeita sentença não antropocêntrica da C{DH, esta
data de 6 de fever~iro de 2020 e rec~nheceti a proteção dos direiH:is dos povos in-
dígenas, no caso "Comunidade Indígena Memb~os da Associação Lhaka Honhat .·
(NOssa Terra) vs. Argéntinà'. Esta é a primeiravez que o tdbi.mal em'su.a jurisdi-
Ção e convencionalidade. criou um precedente _sobre os direitos à água? alimenta-
ção, meio. ambiente saudável e identidade cultural 1 •
. •Outro precedente importante ocorreu naAu~trália, a. Leida Proteção do Rio
Yarra (Wilip-gin Birrarung murron) promulgada é!Jl 1° de dezembro de 2017. O .
repositório reconhece legalmente os Yarra como uma entidade viva e indivisível. Re-
conheceu o direito tradicional da propriedade dos povos tradicionais do RioYarral. ·
.· .

ONU. Ha;mohia com a Natureza. Disponível em: http://www.harmonywithnatureun.org/rights


OfNature/. A~esso em: 21 ago. 2,020.; . . • · ·
••
1
261. Johny F~nandes Giffoni, ·Mànoél S~verino ~orae$ de Almeida, Mariza Rios e Vanessa Hasson ~e Olive.ira
Em 2016, o controle de consdtucionalidade da CoÍômbia, ~través de deci- · -
.~são doTribunaÍ Constitucional sobre a Bacia ~o Rio Atrato, ordenou que diver-
sos· órgãos governamentais ·nacionàis; n;gionais e municipais realizem programa~
sociais e ambientais ,de pesquisa toxicológica e epidemiológica, d~contaminação,
neutralização definiti:Va da ~itieração e- extrayáo ilegal de;; madeira ao lOrigo da ba- .'
· da do Rio Atràto; Es.te pre.cedent~ foi l&ado <J.Ó. conhedm~nto do Alto Comíssa-:
dado .das Nações Unidas para ós direitos humanos. ··· ·. . ;. -~
.A_ ONU' tem si~tematizado iP.úmeras decisões e precedentes. confqr9e de~ .
mostrado; cab_endo à pesquisa científica, no âmbito do direito; prop'or uma pros-·
pecção:qualificada e técnica qµe garanta o fort:llecimeqt9 daconsciêricia transge~_
racional da natureza como sujeito de direitos. ,
. • Nessa pajsagém é que apostamos na hip6rese de µma teori<J. dos direitos da
, n:itu:reza que eleva ser constmíd;i·fu11dada em uriía·ràcionalidade que reconheça:
etn primefro lugar, no. ordenam.enfo. pátrio aNawréz<l coin~ Sujeito de dfrei tos e, 1

assim, a Pluralidade Jurídica se apresenta como ce11ário de uma nova hermeriêúti-


1 ca'que seja capai de àlbergar as condições teóricas e prática; da_ racion,a1idade aqui
apresentada. . . · .. · · ·. \.

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. '

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! 1
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1
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2. A DEFESA DA NATUREZA EM JUÍZO: ATUAÇÃO
DÓ MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL EM FAVOR
. DO RIO XINGU NO CASO DA CONSTRUÇÃO
DA USINA HIDRELÉTRICA BELO MONTE

Felício Pontes Jr.


. Lucivaldo ·Vasç_oncelos Barros ,

INTRODUÇÃ~
. .
Este capífulo fáz uma análise sobre a discussão jurídico-filosófica do pro-
' cesso de reconhecimento da Natureza como sujeito de direito pelo Poder Judiciá-
rio e o papel do Ministério Público Federal na defesa do meio ambiente, .como
ator importante na condução de casos lt:;vados à arena judiciaL, O objetivo prin-
cipal do texto é apresentar um caso prático de violação do direito da Natureza na
Amazônia brasileira e seu impacto no pensamento acadêthico e jurídico, apre- ·
sentando a ação judicial do Rio Xingu durante a construção da Usina de Belo
Monte, no se.nddo de aprofündar as reflexões acerc~ da mudança de paradigma
de uma .vertente antropocêntrica utilitária para urha visão.ecocêntrica sistêmica,
bem como oferecer um viés teórico .com vistas,a fortalecer os princípios que dão
. susteí:náculo a uma possível teoria geral'dos direitos da Naturez\Í.
· Se olharmos o retrovisor da História, chegaremos à conclusão que guarda-
mos de qossos antepassados memórias desafiadoras em relação à proteção e à pre~
servação da Natureza, muita~ das quais nos remetem a tristes episódios sobre~ar­
te da fauna e flora já não mais existentes entre nós. Somós, assirh, guardiões dos
recursos-presentes e .temos à responsabilidade· de' deixar aos nossos descenâentes'
um saldo ambiental positivo, riecessáriü" à continuidade da vida na Terra. Os .erros
c\â passado devem servir de aprendizado para, a atual geração e nortear um futuro
melhor e mais limpo para as gerações vindouras. ·
Nesse l).ori:zonte histórico, a.Amazônia representa uma das últimas fronté-
ras.ambientais planetárias e, ao mesmo,tempo, um dos celeiros econômicos m'ais
cobiçados da humanidade, com sua biodiversidade vital para todos os seres,
Numa perspectiva espaço-temporal, atualmente o ritmo da ~xploração IJ.ª
Amazônia tem sido muito mais veloz que nos séculos passados. Apenas pira ilus;-
trar essa constatação e partindo de uma dimensão ecológica, Araújo ~ta!. .(2'017 1
. p. 15)lembram que a participação percentual.do desmatamento êm Unidades d~

j 29
.30 1 Felfcià Pàntes Jr. e i.ucivaldo Vasconcelos Barros
. . .

Conservação naAmazemia Legal "dqbrou de 6% parà; 12% entre 2008 e 2015".


Airida segundo a pesquisa, "entie 2012 e 2015, 237,3 rn!l hectares fotam'desma-
tado~ .em UCs na.Amazônia, destiufrtdo aproximadamente 136 milhões de ~tvo~
.res e_ causando a morte 011 o deslocamento de aproximadamente 4,2 milhões de
aves~ 137mil macacos"~ . .
. Longe de ser o únicó problema, o desmatamento naAmazônia é apenas
um dos d{'.safios contemporâneos a ser enfrentad6 pelos .diversos segmêntos da so-
ciedade. Somando-se
·. .
a . isto,
-
há .diferentes

causas de degradação
. ' '
da
. , .
Natúreia,
'
càda
} i
uma: delas com caracterísdcas próprias, ma5 toda-s com objetivos comuns:. a explo-
ração cp.,m.ercial e amàximização de lucros. . .. . . . . .
•.... · ' Outra participação de· igual importància nessa dinâmica é a mi utilização
. da5 águas dos. rios, cóm a construção de l:lidrelétrica~ par~ geração de enyrgia, re-
. presentàndo grande impacto ainl;>iental, c?in a desfiguração da Natureza; mudan-
Ça do clima, desaparedmento de espécies de pebtes,fuga de. aninkis para locais
secos, inuridação e transformação deJrvores em madeira podre, além dos impac:~
tossocie.is em que milhares de pessoas são obriga.das a deixar suas casas pap reco-
• meçar sua vidaem mitro.lugar. . . . \ .i .· · )
.. O Rio ?Gngu, no Estádó 40 Pará.,· foi -~ais um dos manahciais aquáti'cos ·
escolhid.8s par'a ser represado ,na construção dá psina Hidrelétri<;:a Belo Monte,
rerido como:co)lsequência imí'njeros impactos sodoambientais; principalmente à
.• , partir da licença de instalaçãô concedida em 2011. . . .
. . . . . A obra não' afetow apenas o rio, ma8 um conjúnto de ,bens ambientais as~
p.
soei~dos, Para Barreto eial (2011, 11), "o desmata~ehtó direto relacionado
\à UHE inclui a abertura de ~eas para a construção da infraesrrufüra do projeto
(estradas, c~teiro de obras, acampaftlentos, área para estoques de solo etc.) e para
o resêivatório de iguà'. , .
Curiosamente, gua8e JO_anos dieBois do início do empreeridiment()_, da-:
dos inqicam, que a tendência dê desmatamento nas Uh.idades de' Conservação na
Bacia dô Rio Xiti-gu continua crescendo, reforçaRdo~a alta na taXa de-desfloi:esta~
·men~<:> da Amaz:ônia·e aII].plfando as-pressões sobre ii)ll dos prindpais. cori~dores
ec()lógic()s: do bic,nna. . r, . . . · / . · .· · . , • ·. .· . . ·.
. . Nesse contexto, este capítulo busc~u re~pond.er às seguintes quesrí)es: a
~atureza é titular de direitos? O direito da Natureza, uma vez viohido, pode ser
· · reparado na· Jusriçà? Querri represehtará judídalmente a Nature~à'? No caso 'e_m
a
· éstudo foi ib'ordada:. atuação çlo :Ministério Viíblico Federal r\.o. licenciainerito
:µnbiental d.a ui::E de Belo )\.1ónte~ no qual à Procuradoria da República do Pá#
promoveu a defe$;l do Rio Xingu,_ argu.mentap:do que.a_Natureza_é.também de-·
~tentora de direitos!, instando o Poder Judiciáriô a se manifestar acerca da tese. ,
· A ação ajuizada pelo MPFno Pará exigiu a suspensão d~ obràs pàra evitar
a rêinoção dos povos indíg~na~ Atara e J;ururia. ~a Volta Grand~, ·e p~a assegurar
o respeito ~o direito da N'<í:tureza e das geràçõesfottiras.
,. . .- , . Ir\ · e · . . . . . • .·. .. \.

1 '· · Ação'Civil Públicrn: :2s9~4-98;201 l.4:q13900, àu~da mJustiça Federal de Bdém (;Á) em
17 de ~oséo dé 201 L _·. · ·
A defesa da natureza em juízo: atuação do.Ministério Público Fed<?ral em favor do Rio Xingu... 131
Como resultado, compreende-se ser possível vislumbrar o reconhecimen-
to e legitimação de um novo ~statuto ambiental, que considere a Natureza cofuo
ente liotado dtrtl.tularidade jurídica, acatando princípios e regras baseados na re-
e
ciprocidade na sociabilidade mais respbnsável em relação ao rnidado com a Casa
Comum. · ' ·

2.1 OS NOVOS SUJEITOS DE DIREITO

Cheganíos·ao século XXlcom.uma quantidade suficiente d.e informa-


ções comprov;mdo o esgotamento contínuo dos recursos ambientais planetários,
mas" para Beck (1996), vivemos em uma sociedade marcada por um modelo de
produção e consumo onde são visíveis e pérmanentes os riscos em escala global,
pelo uso ilimitado e irracioqal da Natureza, conduzindo o mundo para umà si-.
tuação de constante perigo.

A visão antr9pocêntrica resiste ao tempo e predómina entre nós, c;:om


pequenos avançosparadigmáticosao longo da história, Basta um olhar pelo re-
·trovisor para ver que, num passado não muito distante, diversos questionamentos
foram colocados em dúvida acerfa dçi direito, por exemplo, dos estrangeiros, das
crianças, das mulheres, dos negros, dos índios, dentre outros, como não titulares
de direitos:

. O peregrino, o escravo, o servo, o bastatdg, o cidadão, nenhum era e todos se


.tornaram sujei~b de direitos .. "a ·mulher se· emancipou e as crianças passaram a
· ser protegidas." Ela acredita que o direito não tardará a reconhecer que também
os animais devem merecer.este status legal (CARDOZO apudNOGUEIRA,
2010, p. 53).

Dias (2005) vai na mesma: esteira e vê avanço de mentalidade em relação à


proteção dos animaisicomo sujeito de direito, aos poucos sendo reconhecida p9r
grande parte dos doutrinad6res. Benja,min (2011, p. 94) completa: .''nos últimos
anos, vem ganhando força a tese de que u11l dos objetivos do Direito Ambiental é
a proteção.da biodiversidade (fauna, flora e ecossistelllas), sob uma diferente pers-
pectiva:. a nature.za como titular de valor jufidico per se ou próprio". ·
Embora 11ão seja um tema de aceitação consensual, defendemos a posição.
de que não são somente os seres humanos os únicos merecedores da proteção do
Estado, mas todas as formas de vida, prineipalmente a Narureza, pois a víolência
cometida contra' o meio ambiente toma próporções inaceitáveis e comprometefio-
ras pa~a -~- equilíbrio do Planeta. '
· Ldte e Ayala (2001, p. 67), a~desconstruir a impregnada visão antropo-
cêntrica arraigada em .nossa cultura, destacam: "Hoje a defesa do meio ambiente'
está relacionada: a um interesse interger~cional e com necess,idade de um desen-
.· volviménro su~tentável, p.estinado a preservar os recursos naturais para as gerações

f '
32 I F~lf~io Pontes Jr. e Lucivaldo Vasconcelos Barros
futuras, fazetido com que a proteção antropocêntrica do passado perca fôlego,
pois está em jogo não apenas o interesse da geração atual'1.
Nesta mesrqa linha de Orientação, Nash, Fox e Serres apud 1Diegues (1996,
p. 35) também advogam a tese de que tudo que há no mundo natural, indepen-
dentemente da utilidade dada pelo homem, eleve ter iguais direitos. De outro
lado, Furtado (2004, p. 151) expõe que a velha doutrina antropocêntríca, de
caráter e interesse utilitário, pode ser sintetizada como uma visão relacionaf do
homem com a natureza que "nega o valor intrínseco do meio ambiente e dosre: ·
cursos naturàis, resultando na criação de uma hierarquia na qual a humanidade
detém posição de superioridade, acima e separada dos demais membros da comu-
nidade natural".
No dizer de M.cCormick {1992), a compreensão sobre o ambiente natu-
ral emergiu de. pesquisas concebidas nos séculos XVIII e XIX,. afetando profun-
damente a visão do homem quanto a seu lugar na Natureza~ O domínio sobre·o
meio ambiente era visto como .essencial para o progresso e para sobrevivência da
raça humana. Mas uma "consciência biocêntrica'' ·foi sqrgiiido gr~duall1lente, ao .
reforçar o restabelecimento do sentido de inter-relação entre hom~m e natureza.
• - ' - ' ' ' ' ' \ 1

·Na visão de Serres (1990), o 1llúndo atual precisa de uma sociedade que
considere a Na~ureza como um mecanismo de garan_tia da sustentabilidade· da
vida. Ségundo o autor, é preciso não apenas um "ContratoSocial" na fçrma como
foi concebido por Rousseau (2000), mas também µm "Contrato Nat.Q.ral" qu~
resgate a solidariedade e a relação homem e Natúreza. Para o pensador e fil,ósofo
francês, a economia deve se preocupar com 6 meio âmbiente de forma sustentá-
vel; pois. é da Natureza que advém todos os insumos para sustentat o moderno
modo dê yida. ·
Também é esse o sentimento de Polany (1988), ao afirmar que a Terra e as
instituições humanas estão entrelaçadas. Para ele, do ponto de vista da economia
de mercad9, essa separação talvez até seja possível, mas a fu1:1ção econômica. é ape~
nas uma entre as muitas funções da Terra. A mesma rese defende Acosta (2010), . ,"'
ao afirmar que a: Narur~za .pod~ sim s.er sujeito de direito. .

2.2 O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA GARANTIA DOS DIREITOS


DA NATUREZA .
~.A defesa da Nature.za como sujeito de direito2 ainda é um ,tábu entre as
diversas classes da sociedade, mas, como já dissemos alhures, óu#os direitos já
foram e continuam .sendo fonte de polêmicas. Para Bosselmann apud Furtado
(2004, p: 151), "a visão àntropocêntrica utilitária.do direito ambiental subjuga to~
das as outras necessidades, interesses e valores da natureza em favor daqueles rela-
tivos à humanidade. AB vítimas da degradação, em última instância, serão sempre
os seres humanos/e não o meio ambiente".

2 Úiscu;imos a mesma questão em obras publicadas anteriot!Ilente: ·Pontes Jr. e Barros (2015;
2016). . '
A defesa da natureza em juízo: âtuação do Ministério Público Federal em favor do Rio Xingu... 133
Na opinião de Gudynas (2010, p. 51), a Carta Magna do Equador, apro-
vada em 28 de setembro de 2008, elevou a Natureza como sujeito de direito ao
nível de mandamento constitucional:

La nueva Constituci<?n íecônoció por primera vez l<?s derechos de la Natura-


leza, definidos como e! «derecho a que se respete integralmente su existencia y , ,
e! mantenimiento y. regeneración de sus ciclos. vi tales, estructura, funciones y
procesos evolutivos» (~rtículo 71). Es là primera vez que se incluye esta pers-
pectiva en un texto .constitudonal, ai menos en el hemisferio occidental.

Talvez a maior cbntribuição da ConstituiÇão equatoriana seja a incbrpo-


ração, em seu téxtQ, da visão biocêntrica/ecocêntrica, aointroduzir o conceito de
"direitos da natureza" e já em seu preâmbulo celebra a Pachamm;nqcomo parte da
nossa existência vital para todos os seres. Tal mandamento jurídico não deixa dú-
vida a contl~~posíção ao ~ntropocentrismo.
Como .se 'vê, com adesvinculação do ser humano da Natureza, o hoÍnem
. subjugoÜ. o direito dos demais seres do universo, como.se ele pudesse sobreviver
sozinho, sem a necessária relação ~imbiótíca de interdependência entre os orga-
nismos vivos e não vivos. E, nessa caminhada; ainda hoje seguimos com pergun-
! tas sepielhantes: a Natureza com seu conjunto de bens ambientais pode ser con-
siderada sujeito de direito? A água3 , os rios e as florestas podem ter seus direitos
-defendidos? . . · . ,
Para Schiocchet e Liedke (2012, p. 114), é
'
imprescindível apóntar para uma ~qva maneira de viver e pensar, deixando de
conceber a natureza unicàmente como recurso a ser explorado e o ser humano
como ser suprem() diante;de todos os outr~s seres vivos; adotar uma concepção
mais holísticà, que veja o ser humano como parte da natureza, participante de
uma comunidade .de seres. vivos·inter-relacionados. .

A impo~ição de limites para essa problemática só pode evofoir com "emer~


gência de novos sujeitos de direito, até entãd desprovidos de um estatuto de direi-
tos'', onde não se podem exigir deveres (SILVA-SANCHEZ, 2010, p. 25).
Com efeito, pode a~é pirécer uma. discussão n;ieramente teórica, mas·o fatõ
de cons~derar a Natureza como sujeito de direito já hão é uma possibilidade tão
distante diante da realidade ambiental dramática vivida pelo homem contempo·
râneo. Talvez esse seja o rn.omento mais oportuno para considerarmos a susten~
tabilidade à!Ilbiental um priricípio gerale sistêmico, ,no seu sentido mais amplq,
comobernjurídico a ser protegido, à medida que .o não cuidadó afeta e ~nfluen­
cia todas as d~mais atividades da vida humanft, inclusive a dimensão econômica.
É sabido que os movimentos é as ·políticas ambientais internacionais tive-
ram grande. inipulSo, sobretudo com a edição da Corfferência Mundial .do Meio
Ambiente
/
no ano de f972, em Estocolmo (Suécia). Muitos países estabeleceram
' ' - ' . .

,3 Dá Declaração Universal dos Direitos da Águ.a, da ONU, de 1992, é.possível extrair os fu~da­
mentos que' embasam a tese da possibilidade das águas .como sujeitos de direitos (DE CARL!,
2017, p. 96).
------------' -- ______ _____
, ----------------------~

3 41 Felício Pontes Jr. duci~aldo Vasconcelos Barros


a sua legislação para proteger a Natureza e assim garanti; uma qualidade de vida
' mais equilibrada. A partir da década de 1980, o Brasil passou a adotar algumas
diretrizes na área, com destaque para a publicação da Lei da Política Nacional do ,
Meio Ambiente - Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981.
Ainda nesse período; oMinistério Público ganhou novo status na garantia
dos' direitos difusós, firmando-se como ator processual estratégico na defesa dos·
interessesde dimensão ambiental. Com a edição da Lei Federal n. 7.347, de 24 de
julho de 1985, a chamada Lei da Ação Civil Pública, o órgão ministerial passou a
contar c:om importante instrumento na defesa da Natureza, assumindo legitimi-
dade para atuar como cuqdot do meio arµbiente.
Na Constituição brasileira, promulgada no dia 5 de outubro de 19.88, uin
capítulo inteiro foi destinado à proti;;ção jurídica do meio ambiente, residindo aí
uma garantia, embora implícita para alguns, a um direito intergeracional de defe-
sa da Natureza. Nessa linha de orientação, Silva e Dal Medico (2016, p .. 1,41) le-
cionam: "A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 225, prevê o direito não
.só das presentes como dás futuras gerações cóm relação ào meio al1lbiçnte, aludin~
do que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de
uso comum do povo e essencial i sadia qualidade de vida, imponq~-se a todos o
·- dever de défel\dê-lo e preservá-lo para as presep~es e futuras gerações". .
Nogueira (2010, p. 55) argumenta "se é dever do Poder Público e da cole-
tividade defender e preservar o meio ambiente equilibrado, é necessáriO que haja
a intervenção d~ urr1sujeito estatal para a sua implementação. Após à Constitui-
o
ção Federal de 1988, Ministério Público ª§sumiu quase gue co~ exclusividade
este papel". Em algumasfrentes de atuação, a entidade tem capitàneado muito
bem essa ídeia. ·
·Certamente essa inovação conferiu ao Ministério Público o P,rotagonismo
na defesa dos direitos ambientais, dispondo de duas gràndes frentes de atuação
-na esfera da proteção da Natureza, uma de caráter extrajudicial, com foco numa
abordagem mais preventiva e conscientizadora, e outra em nível judicial,di;; or-
del11 executiva e obrigatória. / ' ' ' '
'Como se percebe, o reconhecimento da Natureza como Jitular da proteção
jurídica vem avançando na Américà Latina. Segundo Tolentino e Oliveira' (2015,,
p. 313}, "as Constituições do Equador e da Bolívia são instrumentos que viabili:
zam a sustentabilidade plliral, que reconhecem a natmeza como sujeito de direi.e
to, o mUlticuhuralismo, o plurinacionalismo, conferindo-lhes direitos até então
'!
~ i:· relegados". ·. ,. .' ,
1''
!!., "a próprio judiciário brasileiro dá ,sinais positivos ao acolher uma com-
preensão mais sistêmka na abordagem e julgamento dasdeinandas ambientais.
Cunha e Silva (2QI6; p. 175) citam uma decisão,do Pleno do Supremo Tribunal
Federal reconhecendo o direito à preservação do meio ambiente como um. dos
, mais signincativos direitos fundamentais, por se traduzir em "bem de uso mm um
{ da generalidade das pessoas, a .'ser resguardado em favor das presentes e ,futu-
I,.,,
ras gerações (STF, Tribunal Pleno, ADI-MC 3540/DF, ReL Min. Celso de Mel- ,
i
lo, DJ 03.01.2006, p. 14}" (ADI-MC 3540/DF, ReL Min. Celso de Mello, DJ
l !i_''
03.0l.2006, p. 14)". Nesse sentido, é impor~ante constatar certa proatividade 'dos
1 '
·A defesa -da natureza em juízo' atuaçãO do Ministéno P4blicó Federatem favor do Rio Xingu. .. 1 ~5
magistrados, inclusive no espaço latino-americano, assútnindo po~icfonamentcis
favoráveis .ao desenvolvimento sustentáveL ·

2~:iA DEFESA DO RIO XINGU EM JUÍZO


. Parece i1ovidade, mas a discussão em torno da possibilidadé d~ outros. Slf-~
jeitos pleitearem ~eus direitos ha ]tistiça já dura quas,e mdo século. Desd~ então,
fotensificaranHé debates entre Juristas; teólogos, filósofos; SOCÍÓfogos no sentidó
de admitir a titularid~dé jurídica da Nature.za. Segundo ,Oliveira. (2015, p.101):
") 1 ' •

Depois do. debaté. fomentad9 pel(Y caso Siem1 Cfob v.. Morto ri,· julgado .pela
~uprema~Coàe dos Estados Unidos, em 1972,..especialmente capii:anead~ pefq /
artigo Should tree.S have standingf Towa~dlegal rights for naturaf. objects; de Chris-
tópher Stone (1972), P~ofessor da Uni.versity qf Southerh palifornia School
of Law,f5onde sustentou à natureza como titular de direitos e; asshn, o seu
direlto de postular ~!11 juíw, •perspedlv; que não vence.u na SU:p~enià C:orté,
• mas que1tecebe4. três votos favoráveís ,contra quatro contr,ários, ,oJeading- case
' . . no mul!do, admitindq .anatureza em jtíízo, ocorreu no Equador, em ·março
._. ,_. d~ 2011. A Çorte Provincial. de Justiça de Loja reconheceu o Rio \("ilcabam-
. 'ba corno détentor <;le valor próprio, _sujeito de direito, que estava tendo o seu
e<:;ossistepi~ prejudicado por detrito~ d~spejado~ em função ela construção.de· ·
uma•carretera."
·.' , ..

.·. . . Ainda parnOliveira (2015, p. 101); a sente~ça ~tribuÍ~ aos juízes o eom-
promisso de "conferir efedvidade aos direitos da nàtúteza, nada' mais normal em
função do dever.dé cumpri.rp.ento da Constituição". . . ,
~No Brasil, o- Ministério Público Federal se encarregou de levar a juízo a
tése/dà Natµre7a como sujeito d~dir:eito4, d1;1.rante a ~onstrução da Usina de Bel-o
Mo~te, bride problema.$ de toda ordem "Ocorreram; desde corrupçã95; com ~esvios
çl:e alta nion~a, até Óperigo iminente de prejuízo' a ur'ri dos hlanànci<li.s màtinhós
· mais belos e impomrntes da região ~ o Rio Xingu6: · ·
.. ·' ·. . .·

. ,No campo jurisprud~rtGi:tl b~asileir~,. ª.tese dos direit6~ próprios. da Narureµ.··,


\ 11 · vell} sen.do u:'tilii;ada: 5omp arguménto em petições' de. óigã,os. co:ino ,º Minisc ·
tério P.úblico dq Pará, como, foi b; caso da Ação,,Civil Pública .Ai:hbiental refe-
rénte ào'Inqité.ritó Civil público: n. l.23.000.002~31/;2008-21, sobre a usina •
· Hidrelétrica de Belo Mont~, em cónsttÍl<jáo naqÚele estado da fed5ração (VIA~
~A, 2013, p. 258). · ·: . . .. . , , .
. '

:Enrret~to, para m~lhor compreens.ã.o é importante. traçai- um.a b;eve cro-


nologia do processo de construçãO e lice~cfamento ambiental do empfeendimen- ·
/

4 · ' ··· Es~a eas demais ações podem se~ vis~as ~ acorp.panh~das no Ii~k http://bit.ly/acoeshidreleuicas.
· .• ~, 5 • o esquema de corrup.ção e lavagem de dinheiro foi encoberto p~Ía propagand~ da g~raçáo de erier-
,. . , gia para evltarum novo "apagão" (;~~o o, ócor~ido em.2001 no•pa:Ís (MEDEil~.05;201-7; p.158)'. .
6. Ver--vídeo no linkhttps:l{Www.y'durube.tbm/watch?v-:fWDEilY8WBY. .
-~- - . " . i ;, ,./' .

''-·.
.3 61 falido Pd~tes Jr.' eLucivaldÔ Vasconcelos Bar;os
to sqb análise. b projeto de B~l~ Monte remonta à década de 1970 e ateridi:i a ..
Uma neéessidade de o PóderExecutivo fed~ral promover o projeto desenvolvi~
mentlstabra5ileirq no que tangeaó aproveitamento-energéticodo piís, num pe:.
:ríodb em que não havia \nn mçircoJegal 'claro acerça qaproteÇão ambiental. ·
· Os primeiros Esmdos de Inventário l;Iidrel.étrico da Bacia Hidrográfica do
. Rio:Xingu datam da.década de 19'70, Mais tarde, nos anos 1980;.i Eletronorte
começa a fazer estudos de vfabiÍidade téciiiéa.e econô"mica do chamado Complexo
1 Hidrelétrico de A,ltaríiira,Jorma4o pelas usinas de Bab;tqúatáe Kararaô.
-.., . No ano de 1989, ~ur:µJte o 1º Encontro dos Povbs Indígenas do Xingu; · ·
realizado na cidade deiAltaniira (PA), .:i líder indígena Tuíra, ém sinitl de protes:..
to, leva."nta-se da plateia e ericosta a l~míha de seu facão' h~, ros!o deJosé Antônio
Mu~iz, ·dirétor da Eletronü"rte. à .época, qúandef este'fal~va sobre a construção ej.a·
USina ~araô, mais tarde batizada de Usina Befo Monte'diante dos protestos dos
'd-
povo~ ih ígenas.
/ ' .
J
• · ,
1

·' .· Em síntese, Ormendpnacio ,fatQ acenli,UOU as dispufalsociàis e deu visibili-


dade mund~al a() confüto, seguido nosanos-c.seguihtes dê diversas i,rregularidades,
quando a arena de. lutas fo) trans(erida para o. Po4er Judiçiár~o e, -erií 200J, ·o 1'(1i-
nistéfio PúbliçÕ Federal,'por meio da Proéuradoria da.Repú,blica do.Pará, prop10~ ·
veµa prinieiraÀção Civil PúblícaAmbiennal (riº 2001.39~00:005867-6), q.~est_i6-
hanHp a incompetência do órgão parà conduzir o lkençfamento do projeto'. bem
coni9 ausência de licitaÇão para contratação de Estudo de Imp~ctoAmbiental e ' ,'
1 Relatório.de Inipacto Ambiental (EWiliMA). · .. : .· ·, · · .
· . .· · Dep1.)Ís da guerrajudisial áe q{iase uma década, en;i jiilh~ de 2.010 co- \.
· me-çbu il ser construída a Usiha Hidrelétrica de Belo Monte, prevista para ser' a
terceira' maior hidrelétrica do mundo, com J?Otênc;ia para gerar Hi33 .MW O . '
empreendimento ambiental.abritngia as çidades de Alramir,a, Vitória do Xingue ·.
Senador José Por(Írlo, nó Ésta,do dg Pará, Amazônia br.ii.Siieir,a, e representava u.rn ·
dos· pilares do modelo desen'yolvimentista 'do Programa de Acelei:açã.ó dq Cres~
·· . cime_nto (PAC).. Muitos atores soci~s s~ ~obÜizaram; despertando a at~~ção .é a .
_, preocupaÇão 'de "vh'ios segmentós .de poder da sociedade,· c;oni umà trajetódà co,ri~
flituosa ât:e hoje (FLEURY; AlMEIDA, 2013). · · . ·.· . · .. . .,
'. / Assi~, pérceb~-se q~e,\ d~sde. ~. cóncepçãb originàl de Belo Monte, hou~e
grande movimentaçãO ~e diversos ~ujeitos para tentar irripedlr ou pelo menos. mY-
tigar' os efeitos. socioatríbientais deletérios decorrentes de sua construção, ganhan-
. do destaque a atÜ:ação dp Ministériolúblico Fed~ral por t<;:r sido fundamental rio ·'
cÍirecionamento~dó confli,to: · . · . · . .

Mediante 18 ações civis públic~ e duas ações por iniprob_idade adriiinistràtivà


àjuizadas contra o. proc~ssp(de implementaçáQ,da óbr,a, participações dos prof
· curadores em eveµtds, e seminário~, e também um blog na.internet explicando
~. <,ie n4,neira. did~tica ó•coqteúdo ifas ações, 9 MPF tem atuapb como um~.gen~e
. de fiscalização e pressão sobre ~o.e_mpreendi'niento, contrilSuindo ainda cçrríó
fornecimento de materiais para o ,debate p\Íblico do processo (FLEURY; AI,.-·
M~IDA; 2013, p./150). · ., ' 1
. · · . ·· '. . ·. ·
·,,(••• ' ' 1, • . .. •

-\
' '
'- (

·-!'/
/ A defesá.da natureza em jufzo: ãtuaÇão do Ministério Público Federal ~m favor do Rio Xingu... 13 7
A ~tuação do' 6rgão" ininis,terial no caso da construção do ,complexo am- '
biental na Bacia do Rio Xingu foi cansativa, mas de grande relevância, 1;1m pa-
.' ~'. .
ndigrná em termos qe
;i.rivismo judicial, 'defer:idendo'a necessidade' pqr parte de
tod9s os àtotes sociais ~ em especial do .Póder Judiciário como o último frontde
,apelo social. Par": Cunha e_Silv;a (2016, p. 175), a adoção de m~a· posiçâQ políti-
~ cá mais proativa e "ação mais engajada politicàmente, dd pr_6piio judiciário seria
positiva para a 'cçmstrução ·de uma otqem jurídico~ambiental,. ou de Estàdo' De~
mocráfü;o Ambiental", erri prol.da conservaç~o dos recursos naturais para impedir /
exàgero.s ou próces~os de degradação dàNatureza. , .. .
.) Finalmente, rio dia 17 de agosto de 2011, (conforme assevera Férrei.ra
"(2013, p. 417), a !'defes:i dos diréitós da Natureza foi apresentada pela primeira ·
· ve~ ao Judiciarío, na Ação Civil Pública; interposta pelo Ministério Phl.blico Fe- ,
dera). 'dó Pará (MP'f/PA)/ com'pedido de paralisação das obras daHidrelétrica de'. 1
. Belo Monte, no Rio Xingu". · · . '

· .'2,4 REPERCUSSÕESDA AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM DEFESA DO RIO


. · XINGU NA COMUNIDÀDE 1\CADÊMICA, .·
' . , ' . ..\ ~,

/ Segundo Cunha e Silva (20i6, p.181), o MPF ajtiizou ''.diversas, ações


· questionando mat~r~as relacionadas com a obra, com destaque para os requisitos
.que asseguram o de,sénvolvimen~p sustentável e a proteção da Natureza é povos ..
·. tradicionais". > · · ·· · ' . , ~ 1 , • • .• '. •

. -- Apenas para exemplificar e sem a_pretemão de esgotar :a totalidade de es-


tudos m.encionando a atuação do Parqui:t .tio licenciament_o da Usina Hidr~létríca
de Belo.Monte, ilustra-se, a. seguir, cronologicamente; alg1,1ns trabalhos ac;,i.dêpii~
cos (ai-figos, livros,·ànais, monografia8 e outros textos) publicados eDJ, r~visias .ou
base de dados on-line a partir d~ 20B1 encontrados emr'êposítórios disponíveis.
na redêmun,dial internet/a partir de buscas réalizadas,no período de janeiro a se-.
tembro de 2020.. .os textos levantados na pesqu'isa refereri-se aqueles' qu~.dtam
··ilAção Civil.l?_ública·A,mhientaJ dó MPF-PAn; 28944-9s.io11~4.0L3900.~omo ,
p_eçâ jurídi~a provbcadorà do9eba:teem tqrrto.da Natureza ~q,Uo 'sujçito df; di::>
re'i~o eµiJuízo. · · · · · > · ' /

FONTE DE
'i TITULO ÀUT,Ó:iUA· ANO .INFolll\1AçAo .
ARTIGQ "Bel~-Moiue: riscd ou pregresso?" ' Luciàna Rodrigues 2011 · ~evistá'Latitude, v. 5,
' .' n2, p.111,139, 4.,011
(on-line): · '
PISSERTj\ÇÂO "Direito fundaiilental ao C~res FirQ.~dà 20.12' · -Base on-lín~ da
des~nvçilviq:ientci '.e .condições para a realiza,ção ..Corrêá " UniBrasÍL
dos direitos fundamentais rto setor ene~g~tic9:
o ca5o _da Usiria Hidr~elétric~ B~lo Monte". ',

DISSERTAÇÃO 'fO Estudo de AnPjéiá. Ponciàno 2012 . Repositório on-lih.e &, · '
Iinpacto Ambientá! e ~üà complexidade .. 'de,Mdraes ÜFPB. .·
.(
·jurídk.o-admiiíisrtativà'. '·
/
381 Felício Pontes Jr. e Lucivaldo Vasconcelos Barros

ARTIGO "ATerra como sujeito de direitos" .. Mateus Gomes 2013 Revista da Faculdade
Viana de Direito (on-line).
TCC, "Desenvolvime;,to econômico e os André Demetrio 2013 Repositório on'line de
c,lireitos das populações indígenas: ~mação Alexandre TCC da Unesc.
do parquet no detrimento da aplicação
dos direitos humanos na construção do
Aproveitamento Hidrelétrico (AHE) Belo
1

Mollte, Rio Xingu, Estado do P~rá''. -


ARTIGO ''A construção da Usina Lorena Cândido 2013 Ambiente &
Hidrelétrica de Be!Ó Monte: conflito Fléury e Jalcione Sociedade (Base
ambiental e o dilema do desenvolvimertto". _Almeida Scielo).
ARTIGO "Pacha Mania: os direitos da Marcilene· 2013 Base On'line da Revista
natureza e o novo Constitucionalismo na Aparecida Ferreira de Direito Brasileira.
Améfica Latini',. ' ,·

DISSERTAÇÃO "Direito à participação Maria Cristina 2013 Repositóriq on-lipe d~


· pública indígena no aproveitame'nto, Martins· de UFMT.
hidrelétrico de Belo Monte". Figueir_édo Bacovis
'

DISSERTAÇÃO "Ciência no Trib{,nal: Lúciana Rosa. 2013 Repositório onc!ii;Ie da


as expertises mobilizadas no caso de 'l3e!o R?drigues - . UFSM. \

Monte"; .-

TESE "Conf!itÓ- ambiental e cosmopolítieas Lorena Cândido lül~ Repositório on:line da


na Amazônia. brasíletra: a construção da Usina Fleury UFRS.
Hidrelétrica de Belo Monte em perspectivas". ';
MONOGRAFIA "Belo Monte, mobilização Marilia Mayumi 2013 Repositório on-line .·

por direitos indígenas e Judiciiírio: narrativas K R. Lessa · Sociedade Brasileira ·


de um poder em disputa". de Direito Público
-SBDP. ·
DISSERTAÇÃO "Trabalhad~res' nos Tânia Sena 2014 Repositório on-line da
-canteiros de obras da UHE Belo Monte Conceição UFPA- PPGDSTU.
-Altamira: condições de saúde e política
pública". '
'
CAPÍTULO DE ANAIS ''A Violência em Sabrina Mesquita 2015 Anais do 39°
Belo Monte:. u_m espaçc vazio de direito". do Nascimento, ÉncontroAnual da
Edna Maria Ramos Anpoés Caxarnbu-
de Castro e Simy · MG-2015 e GT07
de Almeida Corrêa - Con,Biros ambientais,
estado e ideologia
-
do desenvolvimenw:
mediação e lura por
' ' 1 direitos (Site Anpocs):
'
CAPÍTULO DE ANAIS ''A baralha jurídica Alfredo de J. 2015 Anais do 1° Encontro
de Belo Monte: os argumentos elaborados no Flores e Gustavo de Internaçionalização
\
c'à:mpo jurídico do direito constitucional pelas C"5tagna Machado do CONPEDI-
posições favoráveis e contrárias à construção . Barcelona~ Esi>a.nha
da Usina Í-\idrelérricade Belo Monte". ' (Site CONPEDI).
TCC_ "Tutela de urgência na Ação Civil kia Borges Coêlho 20l5 Repositó,rio on:line_ do
Pública na proteção dos direitos coletivos Santos Uniceub.
e difusos e a (in)adequação do pedido
de suspensão de [\minares: o caso das
hidrelétriças da Região Norte". .;
.
r'
A defesa da natureza em juízo: atuação do Ministério Público Federal em favor do Rio Xingu... 139

DISSERTAÇAO "Direitos humanos e Flávia do Amaral 2015 Repositório


desenvolvimento na Amazônia: Belo Monte Vieira Institucional de Teses
na Comissão Interamericana de Direitos e Dissertações on line
r.l,. Humanos". da UFSC
1
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sujeito de direitos: prot~ção do Rio Xingu em J r. e Lucivaldo conflito: movimentos
face da construção da UH_E de Belci Monte".
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Monte: movi~eiltos sodais e o .Mi.nlstério daANDHEP (Site da
,_
Público cruzando fropteiras'.'. 1 ANDHEP).
ARTIGO "Políticas públicas ambientais: Belinda Pereira 2016 . Revista de Di~eito e
juclicializaçfo e ativismo judici~rio para o Cunha e Irivaldo Sustentabilidade (Base
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CAPÍTULO DE LIVRO "A Natureza como Felício Pontes 2016. Livro "Descolonizar
sujeito de .dire'itos: proteção .do Rio Xingll em Jr. e Lucivaldo o imagin.ário:',
face da construção da l}HE de Belo Monte'» Vasconcelos Barros disponível on-line no
site da Fundação .Rosa
Luxemburgo.
CAPÍTULO DE LIVRO "EStado de exceção Sabrina Mesquita 2017 Livro "Saberes,
como paradigma do desenvolvimento: _uma do Nascimento e rup"turas e _re_siStências
análise sobre a Hidrelétrica de. Belo Monte". Edna Ramos de e territórios em
Castro transformação na
' Amazôniâ' on-line no
Site da CPJAL.
TCC "A competência do Tribunal Penal Elizabeth Cristina 2017 Repositório
In.ternacional em crimes ambientais que Vasconcelos de Institucional on-line
violam direitos humanos: análíse da Menezes da Unea.
possibilidade (ou não) de admissibilidade do
caso Belo Monte".

.
TCC "O licenciamento ambiental da Usina - Prisdla Lima 2017 Base on-line de TCC
Hidrelétrica de Belo Monte". Medeiros ·. da UniRio: .
TESE "Violência e_ estado de exceção na .Sabrina Mesquita 2017 Repositório on~line da
:-
· Amazônia brasileira: um estudo sobre a do Nascimento ÚFPA- PPGDSTU . 1'.
implantação da hidrelétrica debelo m9nte 'no "_1------

Rio Xingu (PA)". '.

ARTIGO ''LosDerechos de la Naturalez~ Esperanza - 2017 Revista Direito


como puerta de entrada a otro mundo Martínez & Práxis (Site da
posible". ' Revüta).
:
ARTIGO "O bem viver como uma Fernanda 2017 Revista .Latino-
alternativa de reconfiguração de cidades Rodrigues Lagares, Americana de .
brasileiras". -. CassyoLima Estudos em Cultura
Santos e Katiúcia e Sociedade -
1 da Silva Nardes > RELACult (Site da

Revista). J
'
40 1 Felício Pontes Jr. e Lucivaldo Vasconcelos Barros

ARTIG0 "As gerações futuras como súJeito Felício 'Pontes 2018, Revista do Tribunal
de direito ao meio ambiente ecologicamente Jr. e Lucivaldo Regional Federal da 1"
equilibradó: o acessei à informação C:Omo base Vasconcelos Barros Região.
para ilrna consciência intergeracional".
ARTIGO "Inovação na Construção da Mariane Mórato 2018 R~vista Fronteiras:
Jurisprudên~ia Intérnacional Ambiental: O Stival e Marcelo Journal of Soçial, .
caso da Usina de Belo Monte no sistema Dias Varella Technological and -
interamericano de direitos hum.anos e os . 1
/
Environmental
reflexos no Brasil". Science, v. 6, n.4,
p. 1S1-203. Edição·
Especial 20.17.
ARTIGO "Ministério Público e ~ Wi!Slmara Almeida 2018 Revista de Dir~ito
judicialização da_ polítka: uma anális~ a partir Barreto Camacho, - Viçosa (Site da
da implantação da Usina Hidrelétrica de _Belo MariliseAna Revista)_.
Monte no Parâ'. Deon l?eterlini, /

Rose Kelly dos


Santos Martínez '
Fernandez
/TESE "Qual de~envolvi~ento? o deles ou Roberta Arríanajás 2018 R~positório on-line
o nosso?": a UHE de Belo Monte e seus Monteiro da'UnB.
\
impactos nos direitos humanos dos povos
indígenas". '
DISSERTAÇAO "O ca'rtel de Belo Mont~ e Karla Eliza _Corrêa 2018 Repositório on-line do
sells impactos_ na AinaZônià'. Barros K~taoka Centro Universitário
,, do Estado do Pará -
CESUPA- Programa
de Pós-Graduação Em
Direito.
ARTIGO "Considerações sob_re resoluÇão de Cleiton Lixieski 2019' Revista de Direitos .
conflitos: a (im)possibilidade de aplicação da Sell Sociais e Políticas
mediação ambiental em sua gestão". Públicas (Site
1 • •
UNIFAFIBE).
CAPÍTULO DE ANAIS "Justiça ambiental Roberta Fortunato 2019 l\nais do XXVIII
como instrumento de· promoção dos 'direitos Silva Congresso Nacional
·-~a· náturezà'-~ \
do Conpedi- Bel~m -
PA: "Direito ambiental
' e socioambieritalismü
\
Il(site Conpedi).
'
CAPÍTULO DE LIVRO "O' dÚ~ito à João Alfredo Telles 2019 Livro "Crise, '#
água e o direi to da água n:o Brasil, na Melo •,
complàidade
Bolívia e, nb Équador: uma análise crítica ambiental e o.papel
de nossa legislação hídrica à lu~ ·do. novo do-direi~o na gestão
constitucionalismo latin_o-americano". - hídrica do Norde~te", .·
on-line no Site da
~

-
EDUEPB.
.· /
TCC "Contextos rurais e conservação francisca Shelley_ 2019 Repositório on-line da
ambientá! ~o Brasil: uma experiência - onde Dilger UFRGS.
está a· Psicologia?" ' ' ....
A defesa da natureza emjuízo: atuação do Ministério Público Federal em favor do Rio Xingu... 141
DISSERTAçAO Direitos da Natureza: a Andiata Cristine 2Ql9 Repositório on-line
ecologia jurídica e política do giro bíocêntrico Me'rcini Fausto da Universidade
como paradigma para a restauração do Rio Federal de Quro
Dote". Preto - Programa de
Pós-Graduação Stricto
'
' Sensu em Direito -
J Novos Direitos, Novos
Sujeitos.
tIVRO "Pensamento crítico latino-americano Edna Castro (Org.) 2019 Disponível on-line na
reflexões sobre 1políticas e fronteiras Belém''. íntegra no R~positório
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Digital deCLACSO.
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perspectivas contemporâneas". Neder M~yer na íntegra no site da
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' 978-65-81512-55-2).

CON$IDERAÇÕES FINAIS
A efetiva defosa da Natureza exige uma mudança dé postura e o abandono
da visão antropocêntrica predominante em nossa Sóc,iedade para dar lugar a no-
vas interpretações, em que a proteção de ,outros ser~s vivos seja considerada em
,_ contraposição aos acontecime~tos, nocivos e quase irreversíveis provocados pela
sociedade pós~industrial. - ' ' · · , , ·
. Em última análise, o que se pretendé proteger é a vitalidade e afuncionali-
dade dos e~ossistemas; sem o comprometimento das suas funções, evitando a ex-
tinção de espécies. Desse modo, assegurar úma vida ambientalmente equilibrada
para o homem requer também garantir a sobrevivência dos demais seres vivos e
isso diz ~espeito a uma questão necessária, real e urgente. .
Não se trata apena~ de uma discu~são teórica ou doutrinátia, como defen-
. dem alguns operadores do Direito, pois os direitos fundamentais são produtos de
conquist.i.s históricas. Um exemplo bem atual foi a;decisã9 paradigm#ica_tomada
pelo Comitê de Direitos Humaros das Nações Unidas, segundo a qual os refu~
giados dos efeitos das mudanças climáticas não devem ser devolvidos a. seu paí~
de origem, se ao retornarem 1seus dir~itos humanos básicos estiverem em risco7:'
' Observa-se que no percurso da lJ,u~anidade pouc9 se, evofoiu em termos
''1
de inclusão de novos sujeitos- como detentores de direitos. As consequências da
. falta de proteção da Natureza são muitas das vezes 'invisíveis, difíceis de mensurar -
e o tempo acába sendo -0 único senhodmplacável. .
Mais do que ~ma proteção baseáda rio for,mali§mo jurídico, faz-se necessá-
rio formar unia cÓnsciência ética ambiental como alternativa para garantir apre-
. servação do Planeta. A tutela da qúalidade do meio ambiente corri os seus múl-
tiplos recursos visa, em última instância, a,garà~ti~ de.·vida como bem maior da
exis,têneia e sobrevivência de t<?dos os seres que compõem a grande teia.

7 Notícia Yeiculada no site das Nações Unida~. Disponível em: https://nacoesunidas.org/rema/


odsl3/. Acesso em: 24 jan. 2020.
4~ l felído Pontes jr. -~ Lud:aldo Vasconcelos Efarros ..
. Assegurar um dit~ito aos seres que dependem da Nan.ireza, não importa .
que seja: a flora, a fàuna, 6s rios, o homem, confere ~m grau 6ltiin0 de maturi~
dacl.e da civilizaçãO qu<; chega aÓ século XXI e1m permanente dilema., Trata-~e de
uma mudança sjstêmica e profun:dá, com a quebra de paradigmas sociais, éticos e.
jurídicos, tei:J.dehies a.construir um comportamento voltado para a·pn:;servas;ão e
. ·. para a imstentabilidaae, e não Jmais um mo~elo baseado~na exp~oraçãó irr~cional
.dos recursos naturais. \
. Cont4do, o alcance de um futuro viável e'stá na in~orporaçãó de uma êops-
dênda que permita aos membro.s de uma comunidade se identificar com a busca
de um propósit9 de mudança, aprendendo c;om seus próprios erros e desenvol-
vendo suas capacidades de organização, integração e solídar1edade para enfrentar ·
os obst~culos en~ontrados. . . . . : ... . . . . .· . . . .. ·.
. Portanto, á atuação do MPF do .Pará, no caso do licenciàmento ambien-
tal de Belo·Mort~e;• mostra-se como um exemplo paradigmático dessa p~rcep­
.ção, s~tvindo de base para um diálogo com a academia e a: con:s'equente reper-
' ctissão na 'toinunídade ·jurLdica, com. b propósito de. instigai e c~ntribuir pàr<J.
as discussões em ,torno <lá possível construção de uma teÓria ghal do.s dirdfos
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.~:
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• 1
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r
3. O RIO WHANGNNUI E O· POVO
MAORI: RECONHECIMENTO E GARANTIA
DOS DIREITOS DA NATUREZA•

Monti Aguirre
Anna Man"a Cárcamo

INTRODUÇÃO
. Q objetivo dq texto é compartilhar a luta histórica dos Maori na Nova Zec
lândia pelo Rio Whanganui que resultou em decisão de tribunal e no pbsterior
acordo entre o Estado e tribos Maori, em 2014, que foi ratificada pelo Padamen~ .
to Neozelandês e se tornou uma lei em 2017, qlle reconheceu o Rio Whanganui
çomo sujeito de direítos. De r1osso ponto de vista, o caso pode servir como su~
porte para a experiê11e:ia brasileira no reconhecitnento dos Direitos da Natureza.
·· A hipótese que permeia a leitura é de que o reconhecimento formal· dos
• Direitos da Natureza constitui uma etapa importante .na garantia de realização ,
çlos Direitos da Natureza e, nesse campo, traz uma particularidade muito impor-
tante que é o pwtagonismo das populações tradicionais. Dessa maneira, optou-
-se, em primeirolugar; por contar, mesmo que resumidamente, a história çlo povo
Maori na defesa do Rio Whanganui, .considerando as especificidades do cirdena-
mento,jurídicodaquele país e, em s~guida, reler a lei de. 2017, no intuito·de apre-
sentar o caso de forma a fortalecer a luta social a partir da premissa diretora da· ·
qual a natureza, a ten~ e a hhmanidàde estaocoríectadas a ponto de nos permltfr
. afirnur que unia depende. da outra para a garantia de sua sobrevivência.

3.1 ÀSPECTÓS HISTÓRICOS QUE IMPACTARAM NA DECISÃO


1 1

· . O acordo do Rio Whanganui se deu em 2014 e tornou-se lei em 2017; na


Nova Zelâ11dia, resolvendo o litígio mais fongo do pafa. O Rio Wh~nganui é .con~
\ ~
siderado sagrado pata os Maori,_e se ºtrata do rio mais longo e navegáyel daNova
Zelândia, conhecida como Aotearoa pelos Mao ris. Te Awa Tupue,é o nome m~ori · .
do rio, e significa "o rio sobrenatural", é considerado um ancestrar dos Maori, e ·.
inclui ci rio e a área de montanhas, até o mar. A relação dos Maori çom o rio, não
se baseia-no conceito d.e propried~de,rnas sim, de união, "eu sou o.rio, o rio sou
, '
i.·

481 Monti Agu!rre e Anno Maria Cârcamo ..


. 'eu"; diz o pro;vérbio que co~~ta ~o te:tto da lei, Te Awa Tupue Ad: (NÓVA zf,:::
LÂNDIA, 2017). . . . . . . . r_ •

·Cabe _destacar qtie arelação entreosMaóri e·a, Çotoa Britânica é ~uitó ·


· dis):inta da relação entre os go~ernos e os pov,os indígenas naAméricaLatina. Na ·
colonização que ocorreu de forma tardia na Nova- Zelândia, nó séçulo XIX, os B~i- / . ,
'tânicos perceberam que os _Maori praticavam a agricultura de· forma similar a eles
(BANNER, 1999). P.ortanto, os entenderam é'omo:ma'is "civilizados" que outros ·
povc;>s indígenas que haviam encontrado em outras regiões do mundo, e qu,e'po-
.deriamser "mais facilmente assimi~aqos nos·~eios de vida britânicos'' (BANNER,
~999). Dessa forma, isso impactou o processo: de colonização e, apesar·de também.
· nãçrter sido livre de violações de direitos, eles respeitavàm màis esses povos, que 1 ..

ainda viam çomo,inferiores. · · ·


~- Sendo assim, os brltânicos reconheceram os direitos dos Maorià terra des-
de'o início da co~onização, 'at~àvés 1º Trat~dó .de Waitangi ·d~ ~840 (B-1NNER;.
1999), o qual dividiu às terras ent're a Coroa Britâniça e _os_Maori, que di~punha,m .....
só~e a t:~rra d7.ayor~o COJI?. s~u próprto regime juríd;ico. ::As terras ~o.s 1:1ªº.ri !}e-.
ralmente' eram wlenvas e. geridas de· forma compart1lh;ida entre os twt (tnbos),·
haupu (subtribos) ou whanuo (famíli~1sestendida:s) (BANNER, 1999). ·
A.pesar desse· iµiportante .· reconhecirilertto, os ·britânicos. iriterpretavam/ a / ·.,-

propiiédade_da terra de forma,dist~nta,'comprando de forma pred:;ii:ória ou to-


mando posse' de terr~ dos Maóri que não estav.àm se_ndo cultivad~s. Não Çon-
seguiam :Compreender a relação distinta dos Mao ri cdm a terra, muito m~nosra .
relação coni suas cos!vovisões, e entendiam que a terra cultivada'não estava-sen-
do "utilizadà', portal'\tOJ não deverian;i ser consideradas ,i:omopósse dos' Maori
· (BANNER, '199Q2. Além disso, o tratado foí e_scrito em inglês, traduzido para o
maoí:i pelos 'bri~ânicos, e elaborado de acordo com cpnceitos da. l~i britâni~:i.; ·tra- ·
zertdo tlireiio_s e obrigações que não eram necessariamente compreendidos. pêlos ·
~Maori {ÇHJfRPLEIX; 2of7). · ·: · •. . . ' . . ' . , . ·e . •;-e· . 1, •

.· Etri relaçãÓ aó Rià Whanganui; três tribos Maori~residiam em suas mar-


gens l)istoriqunente~ os Inengãkáu na parte superfor, Tama Üpóko no meió e.'os
Thpoho na pàrte inferior do do,. reconhecendo~se colédy;mente e.o.mo Te.Atihau- ..
nui-a-Papai:angi (CHARPLEÍX, 2017). Portan,to, esses póvos tinham uiná relação
pr9funda com ,o rio'.e f9i descrita como :"a artéria principal, a maior fonte sanguí~
nea do coração dos Atihàunui" (CHAR,PLEIX; 2017, tr~dução li~re); Enfretanto,'
instauiou~se um confüto quando a CÓmp'!-nhia da Nova Zelândia comprnu terras·
.~o i-io e ouqós britânicos passaram a g~adualmevte t~mar posse e a comprar ter- >·
ias nas.margens do rio, ein 1840. Grande parte do côrtflfro ocorreu por cont:i. das>
distintas 1 çoncepçôe~ entre&s Maori e os b_ritânicos (CHf\.EJJLEIX, 2~~ 7). / ·
. . .· Po~teriormentei .as,s~ntaméntos foram: ébnstruídos e1ertas foramA~sapro~ ·,
priadaspelogovetno.corp_,basenaLeide G>brlls Públicas', para projetos de.Jnfraes~,
trutura, incluindo barragens po rio. e estradas ~e]e'rro (W.,;\RN~, 2019; GOEC-
KERITz1· 2020); Grande .parte. dá águâ do rio foi desviàda para a agricultura e' ...
. . 1' .. ' • . . • . .. . . ·.·. . '.. .·
' para ·à energiahidrélétrica. O tu.rísmo também sé torno(! atividade i:mportá.nte .
. ? n'o rio; na époéà feito por nieióde barco' a vapor; -e as atividades-.se P,eram,sem

' consciêJ:lcia aml:>'ierÍ.tal. Es~asatividades, somadas à poluJção :advinda de c~ritros ,


. .\

1.
O Rià Whanganui e oJiJJVO Mao ri: reconhei:imento e garantia dos Dir~itos da Natureza· \ 19

urbanos, trouxera~ ~nia degrádação clq rio e das matas. Ciliares; levando à ero-
são do mesmo (WARNE, 2019; GOECKERITZ, 2020). Em 1903, a situação·.
se deieéiormí, devido a umalei'i:J.ue Çstàbelecéu a propriedad~ de tod~s {s águas
naVJ!gáveis ao governo, em.contraqição ªºTratado de Waitangi (W.ARNE, 2019).
Aii;ida os Mao ris ,perderam o acesso às suas terràs t,radidonais e áreas de pesca, in-
clusive pela erÍilção de parques nacionais; e passaram· a viver na pobrezi (GOEC
KERITZ, 2020). ' ".
Os Maori hunca desistiram de lutafpor sçu rio, foram inú~eras vezes ao
Congr'ésso e ingressaram com litígios fim múltiplàs"eórtes a. respeito. da titulari-
dade dó rio. ESpecificaménte, desde 1?73; J!leiteavam seus direitos C\Om .base no ·
Tratado de Waitangi,; q1'Je reéonhecia os direitos dos Màori sob.re as suas terras
·. {O'DONNEL; TALBOT-JONES, 2018). U;Il desses litígios, Wái 167, foi levado·
ao 'Trihuna! Waitangi, que em 1999. reconhe~eu a propriedad~ do í."io por parte.
dos Maori (WAITANGI TRIBUNAL, 1999), que desencadeou 1.ún processo de "··
I,· negociaÇões. ·: · . . ..· . . · , · ·· . .· '.
. A.penas após· 140. anos de litígib's e negocfa.ções ent:re os Maori e o Estado,
· este :reconheceµ o rfo:corno e~tidac,i.e vi.va que deve ser protegida de 111.odo a preí
servar a ceíntinuidade de sua existênda·~m.p~enitti*: O Ministro da NovaZe~.'
lândia, !espqnsávd pelfS l!egocfações e pd0Tratad9 .de Waitangi, reconheleu que.
para se chegar ao entendimento foi ·necessário o afastamento ·de conceitos ociden-
tais e a abertura à conipreensã.o decomo os Maori viam o rio -(Christopher~ Fin-
layson, entrevisd.em Goeckerip;; 2020). · . · · · · . · . ·
. ' . ' . ' . -/ '-

3.2 SISTEMA JURÍDICO DA NOVA. ZELÂNDIJ;\


J?ira melh,oi ·compreensão do caso, é importante des~acat que ~.sistema
juJ:Ídico neozelandês ,é muit<i'dessemelhante do brasileiro, além de teoricamente
existir uma relação d,e maic;>t paridade entre os/Mao ri e Ó governp, por conta de
um processo de i;,ol.onizaçáb. .dife.rerite e mai; tardio que () brasileiro. Devido ~b
.. ti"at.ado Waitar'igi de-1840; realizado com a Coroa, os Maori obtiv~tam o recoD:he~ 1
. cimento da. sobérania sobre su;is. terras.·.Q tràiado, eµi seu artigo 4°, .reconhef:'.el!...'.~
· aos p<lvo!> Ma9d a "inteirá, exêlysiva e 1mpérturba'.da posse.de suas terras; florest~~; .·
áreas de pes~~,e olltràs propriedades que possuem. de forma individÜal é coletivâ'
:(~_rciduçáo'1iVreJ. ,_.,. , ., i ,·
1
. • _ -~ .•. • • 1 ;· •

. Assirn, .desde a colonização, os M:aori,diÇpunham de direitos sobre a terra


e recot1hedmento ,de seu próprio regime jiliídico,· Entrétanto, a implementação .•.
d() Tratado trouxe consigo .violações de direitos, ~uma vez que~ rtoçã.o de posse de .
t~fr~ .era.distinta;enfre ós Ma:qril.e os britânicos; pais os britânicos:·viam a terr~ . ·
corno fonte 'de commodities e luc;ro;1 enqua~to os Mào~i a viiuh como um ser com
e
q uém tinham. urri' ~'vínruld tr~~cendental?',; a interpretaÇã6 britânica preponde-
tav~ (BANNER; l999). .. . .· . . . \
'·· Na Nova Zelândia, além d'0_.direifo Mao:i:Lpredomiriaum·Sistemad.e Com-
monLaw; decorrente ,~e sua col?riização pela C~roa Iriglesa. Nesse direito ~#ste
·· urna cprte ambiental específica; ,"Env~ronment Coµrt", que pàUtà suàs decisões

(•
50 1 Monti Aguirre e A.nna_ Maria Cárçamo
' .

especialmente na Lei de Gestão de Recursos Ambientais .(Resource Management


Act, 1991), que unifica todas as disposições sobre O· meio ambiente, sendo uma
lei similarà Política Nacional de Meio Ambiente brasileira, de 1981, qtie também
exige a consideração ao Tratado de Waitangi. Além do que; existe o Tribunal Wai~
tangi para sanar disputas entre os Maori e a Coroa, com base no Tratado de Wai~
tangi,. e111bOra este ainda seja pautado em ideais europeus 1• Sendo assim, vigora na
Nova Zelándia o pluralismo jurídico, . '
Apesar do referido phiralismo jurídico, os británicos continuavam ase en-.
tender como superiores e muitos apenas reconheciam a Coroa como soberana
(CHARPLEIX, 2017; BANNER, 1999). Assim, na prática, havia uma hierar-
quia2 entre os direitos, e,º direito británico tinha preponderáncia sobre o Mao~
·ri (CHARPLEIX, 2017) 3• Além disso, as próprias leis da Coroa se· opunham ao ·
Tratado de Waitahgi e aos direitos dos Maori, por exemplo, ao estabelecer que as
"águas navegáveis" er~rh de propriedade do governo. O Tribunal de Waitangi e
outros tribunais, como a Corte Maori, portanto, funcionam como:importantes
veículos p_ara que os Maori continuem a reafirmar seus direitos.. ,
No;caso em análise, os Maori buscaram 11ma série de tribunais para garan"
tir seus direitos: a -Corte de Terras Nativas, a Corte de Apelações Nativas, a CO'rte
Suprema, uma ~omissão real, a Corte de Apek1ções duas vezes, a Çorte Mao ri de
Apelações, o Tr,ibunal de Planejamento·e, enfi:m, em1990, o Tribunal de Waitangi
(CHARPLEI)(, 2017). Por fim, o Tribunal de Waltangi,. no caso Wái 167, reco-
nheceu que o Estado e as leis que facilitaràm a tomada do rio e. portanto, violaram
o Tra~ado de Waitangi, 'decidindo em favor dos direitos dos Maori (WAITANGI
·TRIBUNAL, 1999). A decisão determinou que o 'governo deveria chegar áum
acordo com os Mao ri e, em 2011, chegaram a lfm entendimento (R'.ecord of Un-
derstanding), que.se tornou um acordo.em 2012, assi~ado em 2014 (Whanganui
River ClaimsSettlement, 2014). Posteriormente o Parlamento Neozelandês adotou
o acord~ comp ·~ lei, o Te Awa Tupua Act (2017) que será abor~ado a seguir.

. 3.3 TEOR DO ACORD.O DO RIO WHANGANOI. E DO TE AWATUPUA ACT


O acordo do Rio Whanganui ·de 2014 (Whanganui River Claims Setde-
n;ient) incluiu u!n docume~to~quadro que estabeleceu a.nova forma legal que rege-
ria o rio; que, conforme referido, posteriormente s~ tornou lei denominada Te Awa

Liz Charpleix nota que, apesar de ser' importante veículo para o reconhec.iment0 de di~eitos dos
Maori, o tribunal airida é fruto do .Tratado que reflétiu principalmente visÓes dos britãnicos e,
portanto, ainda não chega a ser verdadeiramente pluralístiéo (2017). Para que haja um sistema
pluralístico, sâo necessá~ios um diálogo, conhecimentos e uma ruptura de dualidades, o que Boa-.
venrura de· Souza Santos s;onsidera uma sociologia das "ausências e emergências" ho campo jurídi-
co (SANTOS, 2002). ~ .
2 . Conforme Boaventura de Souza Santos, a exclusão de outras possibilidades e oposiÇóes entre cul- ,
turas se dá pqr conta do dualismo do pensamento ocidental, o que denomina como "pens,amento
metonímico"
. (SANTOS, 2002). .
3 o Neoz~landês não Mao ri é denomin.ado comó Direito Pãkehã, em maori (CHARPLEIX, 2017).
ORio Whanganui e o povo Maori: reconhecimento e garantia dos Direitos da Natureza i s1
Tupua Act ao set referendada pelo parlamento. A lei aéolhe os Direitos da Natureza
ao garantir ao rio a sua personalidade jurídica, incluídos os lago.~, tributários, riachos
e deryiais ecossistemas aquáticos naturais,assoeiados ao rio. Portanto, 0 sitr;passou a
ser sujeito de direitos e deveres, podendo ser representado frente ao judiciário. Ade-
màis, a'lei compreende a sua indivisibilidade, incluindo a sua "dimen~ão física e me-
tafísicà', de forma mais holística. Reconhece, ainda, o Rio Whanganui corrí:o ~asa,
fonte de'alimentos e transporte, bem como sua importância so~ial e cultural para os
iwi e hapu. Sendo assim o Te Awa Tupua Act observa o pluralismo jurídico e a rela-
ção intrínseca entre o rio e os habitantes maori da região, e compreende que existe
uma relação de benefício mútuo entre o rio e essas comunidades.
. O Te Awi. Tupua Act também possuiu caráter reparatório, ao reconhecer
as injustiÇas cometidas durante a colonização e incluiu um pedido de desculpas
oficial aos iwi. Estabeleceu uma indenizaçãode oitenta milhões de dólares neoze-
landeses aos Mao ri, pelo dàno. feito ao· rio, .e um milhão para o estabelecimento
de quadtolegal do rio, gerido por urrí corpo ju~ídico denominado Te Pou Tupua,
os "guardiões do rio". . .
A criação do Te Pou Tupua foi essencial paraqµe se efetivasse a proteção do
rio. O órgão foi criaqo com a capacidade de agir e representar o rio, sendo dotado
.de "todos os poderes n.eéessários para atingir seu propósito" e tem o dever de pro-
mover a "saúde e o bemcestar do rio". Segundo a lei, deve. pr~téger não apenas o
rio em si, mas também todos os elementos do seu ecossistema. Cabe ressaltar que, ·
por conta de sua personalidade jurídica, os representantes do rio tàmbém podem 1
ser responsabilizados pelos tribunais (RODGERS, 2017). '
O Te Pou TupU:a foi estruturado de forma a não reproduzir um viés pre-
servacionista que gerisse o rio' de maneira pautada apenas no 1conhecimento cien~
tífico ocidental. Assim, trata-se de um corpo que incorpora as cosmovisões Mao-
ri é seu conhecimento tradicional. Ü'corpo jurídico inclui em sua composição
apenas dois representantes, um deles nomeado pelos iwi e outro nomeado pelo
Estado, após consulta ao Ministro do Desenvolvimento Maori e de Conserva~ .
ção. Assim, estabelece um equilíbrio de interesses entre os povos maori e os povos
neozelandeses. ' '
A leitambém criou outros co~pos de góvernaoça, o Te Karewa,o, um grupo
consultivo formado por três pé'ssoas, apoiador do Te Pou Tuptia, que inclui reprê:
sentantes nomeados pelos iwi, pelo Te Pou Tupua e pelas autoridades .locais, além de
1 estabelecer o Te Kopuka, um grupo mais amplo, composto por dezessete memb.ros
que'lida com questões mais estratégicas a nível distrital, Para o planejamento da pro-
teção h{drica, criou o Te Heke Ngahuru e, para a gestão das margens, o Kia Matara
Ràwa. Por fim, a lejcriou um fundo para manter e gerir a conservação do rio,
Apesar de criar amplo re;conhecimento .inovador ereparador em relação
, ao Rio Whanganui, existe unia crítica uma vez que a lei não restringe os direitos
de propriedade privada no entorno do rio ou estabeiece diretrizes de como o.rio
deve ser gerido (CYRUS R. VAN CE CENTER FOR INTERNATIONAL JUS-
TICE; INTERNATIONAL RIVERS; EARTHLAW CENTER, 2020). Inclusi-
ve, o· grupo de dezessete representantes de stakeholders para lidar com estratégica.
do rio (Te Kopuka) inclui representantes da empresa Genesis Eq:ergy Limited que·
521, Monti Agi1irre e A;na Maria Cárçamo
0

' .
.• < utiliza 82% da água d~ n,as'centes do rio para energia· hidrelétrica (O'DONNEL; ·
'TALBOT"]ONES, 2018). . .
Por outro lado, a lei transferet9daterra de propriedade pública na bacia do
rio para a gestão Te Avra Tupua, e estabelece que a géstão devé ocorrer de mod.o
a retratar "os valores que repre~entem a es_sência do Te Awa Tupua". Portanto,.º·
rio' deve ser getido ,de modo a manter a suâ i,ntegridade; o seu valor espiritual e
os seus serviços ecossistêinicos aos Mao ri e outras comunidadés locais de maneira
~ustentável. Entreranto;ipor ser rntí.itÓ recente, aiqaa hão é pó~sível avaliar se a su;'
imp,let,nentação est~ ocorrendo de forma a cumprir os valore~ e objetivos delin!!a-
do.s na lei de maq.eira efetiya. " ·

. .. .
3.4 _RECOMENDA,ÇÕES PARA O CONTEXTO' BRASILEIR.O
.i. :'
1
, " :Como m(!nci~madó, o ·àmtextÓ neózelan:dê's se .difere~da muito d~ brasi-
leiro. O reconh~d,ment-0 da pluralidade JtJ.-rídica e~ dos direitos do~ !Maori sobre
suas _terras, com fundamento noTiatadq de Waitangi(e a exfsi:ênda de Tribunal
Waitangi fora\n. fundamentais p51-Ta permitir que oS: Maori garantissem esse d1rel-
to e o reêonheciQiéntÓ do~ Djreitos da :ijatureza em sCEsses· direitos inexisti~·
n'ó B~asil até 1988, que também não p~ssui t~ibun'al ~utq~omo ,sobre a temitica.
''Por.sua vez; o.Brasil, arualmerite ga:raÍite o rnconhecimerito, dodireito od:-
ginário dos povos irifügenàs ;is terras· (âit. :23 l d~ CRFB) e dos quilombolas (art.
68 ADCT),bem çorrio de suas cultu~as (art. 231,' 215 e 216 da CRFB), conquis-
tas desses'povos que fi~ram àpenas consolidadas át~avés da Constituiçãb de 1988_. ··
A mesma tamb~m estabelece o direito de todos ao meio ambiente ~calogicamen~e ·
équilibràdó, e prevê o d_yv'ei; de todos, especialmente do Estado~ à preservá-lo para
presentes e fi~.turas gerações (ari. 225 da CRFB). Ainda,_o oi;denaménto.jurídi-
co brasileiro hmta corr:i a Polítie>a Nacional(4o MefoAml:liente (PN;Mi\.); :Leí"n.º;
6.938 de,1981, qué esemelhante à legislação'ambientai que existe náN9vaZelân;'
dia. Tal legislação,' é um ·Il1arco por tratar do meio ~biente 'ccirri.Ô um todo, mas.·
n~o incluhisã(j ~spiritual e·-cul'tura:l da natureza e do yalor intríµ~ecó da niesm'!c. _
· ,OBiasiJrambém,ratifico1,1 a Çonyenção.169 daQigan;izaÇãólnternacional··
do T~áhalho (0IT), que. rstabelece a autodetçr~inaçãb dos pÓvq; indígenas ~ tri- .
-'\ b;:i:is .<;; portanto, vigor;í~oilio l~i no país. Ainda, é Estado-membro da 'Organiza:..
;
çãó'Cfo·sEstad.osÀÍnerid.nos.(OEA)
\.. . ' ' . . . .
eda OrganízaÇão. da.SNações UQidas
. ... '
(ONU),
' ..
que possuem a'Dedaração Ameiicàna dos Direitoslndí~enas da OEA e da ONU~.
réspectivamente~ bem como da Comissão e Corte Interamenicana de DJreJi:os Hu.:. .
-~anos (CIDfl), cuj9 prec~dente é v~n~u!~nte ~tnnp~o país. A.Jürisprudênciada1 "
ClDH ~ ineguívocà.ao es~*-belecer os ~iteit.os dóspbvos indígenas em rela?o às
~u~ terras e-ambiente, -n6 ~entido' de vincuiàr a propriedade coletiva indígena aos
direjlos soberanqs '~bte(bs recursos 'a.aturais nele contidosJ(MOREI~~ 2()17). ·
DessafornÚ, exíste no or~enainento jur(dico_bra8ileirÓ e íntérnacional amparo. le-, .
. ga1 para possível desenvolvimento ha interpretaçãã no senti.do de subsidiar os Di-' · /;
re.itos da N;iturezaa-partir qos direitos e das cu).turas1indígénas e-de demais póvos·
tradici9nâi,s, e de suas cbm;:epções ~ nàtu~eza: ,, · _ ' • - ·.; . ' .,

)··----:
ORiirWhanganui e o povo Maori: recônhedmento e garantia dos Direitos da Natureza 153
Além de~ser insp!ração em relaç~o aos Direitos. da Natureza, o Te Awa Tupua
Act revela a importância do reconhedmeni:o da pluralidade jur~dica e de conside-
r rár e ,centràliw os valores, as culturas e cosmovisões indíge~as nácorhpreensão da

naturey:ir: e também na criação de estrutura$ de góvemánça de'ptóteção da natureza.


.s'éb_do.assím, o estudo desse precedente pqderá fomentar a coµstrilção de doutrina e
jurisprndência relati'.va aos Direitos da Natureza, qµe·enciontra àmpái:o em casos de
, direito comparaclo,_como·o,caso em ~ela, e nos 'princípios do.direito internacional
1
! ambiental. e dos çlireitos humanos, b~m como nas demandas dos movimentos dos\
~ 1 ,.

povos indÍgenas, podendo vir a subsidiar uina leitur<l inovadora à.a Çonstituição.

., .. CONSIDERAÇÕES FINAIS
.·. '· 1 . '

, :.O .caso dó Rio Wharig~uli, ou Te .A~aTupua; traz u~a grande;-cqntri-


. buição .ao movimento dos Dir~itos da N~tureza ao clemonsfrar Úmà const~ução ~
bem-sucedida do re:C<?nhecitnento dos Direitos db Rio derivada do plttralism9 ju-
' rídico, a partir das demandas, c~smovisõeS, culturas e m~~fos de ';'.ida de povos in-
dígenas. Esse reconhecimento é conqu;sta de povos M;wti após longa bat<Jlha para·
fa~reIJl seus direitos ser~m efetiv~dos, apes;u de terem seus direitos,refonhecidos
de.sde a constituiç~o f?rnÍal da.coloriizaÇão dà Nbv~ Zefãndia. .. /· .· ·.· ·
A Nova Zelândia rarhbem foi carhpo de outr.as' inbvaçõ.es de,Direitos da
_~atureza, por mao do anterior.Te prewera Act de 2014 e posterior acordo so.-' ·
·· bre o Monte Taranaki, que similarmente reconhecem 16s Dfreitos da Natureza a
partir direitos d~s povos Mao'ri, e da relaÇão sím:biótica entre ~les. Esses três ca8os
derrtonstram uma jurispí:udênda.e desenvolvimento Íegislativó que;tendem a am- r
_pliar cada vezmais.'õs Direitos daNatureza no país. ' .
. Por fim, o :At() de Te AwaTupu,a vai além da contribuição para o niovilli!en< .
to dos Direitos da Natureza como também réconhece 6 rio corho casa dos poyos
Maori e reconhece as-violações de ~iréitos que ocorreram no passa<;lo, 'com natu~
reza repar~tóri;i. Possw. também utjla facetà preventiva através. d<t construção A~ í
uma gover9ança repr~sentatiy;i, que servt; ide gua;-diã do rio, para~ garantir que se
respeitem·os seusKlirdtos.Sendo assim, estabelece uma estrutura para resguardar
. , os~direitos dos pov~s:Maori e~ Pr?ti:ção cul.turale ecológká_do tio, que;. sengJl··'
' ~em-'s,ucedida em smi)mpleme~taçã(),pode servír de pi.odeio pa~a efe!ivar:os Di~ .
: ,\' reit6s da Natureza em outras partes<lo mundo. / ' ...,.

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.) /' . . ' (

l .
/

4. POVO X,UKURU ,VS. BRASIL: UM PARADIGMADÂ


1
,.f ,CORTE INTERÁMERICANA DE DIREITOS HUMANOS
- .
!! ' _; :. . .
, NA CONSTRUÇAO DO,S DIREITOS TERRITORIAIS
.

f:
1,
. 'COLETIVOS· DOS PONQS.INDÍGENAS

Chantelle da Silva Teixéira

INTRODUÇÃO 1 )

l Ó Caso do Povo Xukurnr,vs. Bra:sil da Corte I~teramericana deDfrdsos


I:Iumanos2 ·rendeu ao· Estado biasilei_Fo sua· primeira• condenação em relação à
violaÇão. dos direitos dos) povos indígenas .no 'âmbito do. SisterÓ.a lntetaméricano
de Direitos Humano~ (SIDH), dacfo que motiva este estudoqúe pretende ~refle­
tir, so.bre' a relaçã,o ~est~- casp_ c~m a cónstrução, dos ~keitos da natur~za. E; mais
que.isso, apresçntá-lo como um precedente importante para a luta do re~onheci­
mento, garantia e realização dos''direitos dos povos indígenas n,o B,rasiL Destarte,
se aposta na ideia de quç, 'para além de uma h~ta pelo reconl;ieci~ento territÕd.al
rnletivp, esse caso fortal'"ece o·debate s~bre a)nterdepe11d~ncia entre os, direitos da
natureza do tertitófio e da htúnanidade. ·· · .··.. . .·. ·.
' Em urh primefro moi;rientÓ,' apresen't:a~se a história ·de protagonismo, de
1um·povo 'que :veiice os limites esn;ílturais impos~os_ pelo estado que c;oncretiiada·

CÍ."povo ~U:iu habita a regi~o da Serra ~o ~r1>i;:ibá, em Pe;q~éira (PE), 9'1unicípio inJ:egrante._9_p.c. . ' ·
Vale .do Ip9jpca..A ~rra db-OroruQá é mritpostà por uma c::1deia ,de montanhas mni Uma_ altiú1dé
de cerca: de3, 000 metros. É uma régÍã,o que dispõe de. uma hidrografià-ptivilegiadamm a presenÇ:i
.,de U:in grande açúde .e. rios~como Ipanem:i'e Ipojuca que cortam a Terra Indígena Xukúru e são ri!s:.'
';.1
• ponsávei,s. pela feftilidade de parte d!> te[{itO-riO. Os Xúkuru estão situados rrã mesorregião do agreste.
· pernámjJucàno que tem càractetísticas propíd'1tl â agr\culruta, cqnsiderando a existência,de água e de
um clima àmeno. A região támbém .\'OSSUÍ uma área semiárida; lo.calizada e!ltre o Agréste e o Se_rtãÜ.
Disp,onível em) https~//pib:sodoaro.biental.org/pt/Povo:Xúkuru. Acesso Ón: ,ü4 set. 2020..
2 ' À Corte lntetamericana.de Díreitos If!umanos;~ ~- órgãô judicial autô;mno e. tem co.mo pro-
. pósito a aplicaÇão e interpretaçãq da ConveíÍÇão AniericatJ.a de Direitos Ruinarias e outros
'tri1tados de-Urréitos Humanos, no chamado Sistema Interamericano de Proteção aos Píreitos
l,IUJ1iatios.A Corte IDH po~sui cpln.petêncialitig!Ósa .entre o,s Est!\clos 'signatários, abarcando
\ l.
r todos_ os casos em que se alegue· que um dos I_lstados-membro,s teil~a violado um direito 0u
liberdadéprotegidópela Convenção. O Brasil é Estado Parte na Convenção AmericálÍa, desde
25 de setembro de1992; e reconhecéi.t a competência contenciosa da Corte em 10 de dezemc
bro.de 1998. Disponível em: htrps://www.cidh.oas:org/basicos/portugÚes/y.Estatµto.Coite,h~m.
b-cesso em: 04 sêt. 2020. · · · ·

· iss
\.
/
. 561 Ch~ntelle da Silva Te~eira
. . ( . .

pela dificuldade pública no reconhedménto dos direitos'e1 por outro, a inteJ:).cib- .


· nal derhora eomissão do Estado no cuniprimento.de su~s funções çon~tituÇio­
pais. Em seguida, o texto se ocupa dos aspectps da Sf;ll~ença que,. do nosso ponto
de vista, .deixam clara uma nova e emancipatória compressão S!Jbre os direitüs ter-
a
rit:or~ais indígenas; sua maneim de se relacionar.com terra baseada _na coexistên~
eia e respeitÓ mútuos e na interdependência desses sujeitos que são a. natureza, a/
·Pachamàma (mãe tefra em quéchua), e .a espécie humana. Por·firrt,rbusca~se com ·
o estudo. realçàr as construi;:ões que essa lura ppde trazer ao,'empoclerament~ do ·
·debate sobre os direitos da natureza. ·
Assim, apostamos na hipótese de estarmos' diante de uÍna das principais
jurisprudênêias que, para além de servir corrio guia na fiscalização da relação dos.
1 direitos, serve cómÓ fonte aclaradora da compreensão de que 'a' J;latureza, aterra e

? ,humanidade são interdependentes e, 1llais que isso; a sobrev;ivência de uma está


condicionada à sobrevivência da outra~

4.~ MARCAS DÉ UM PROTAGOtHSMO HISTÓRICO


. O Povo lndígeni, {Cukuru é. .cc;>nstituído por aproximadamente 2.300. fa-
t
mílias e 700 indígenas1 ,distribuídos em 24 comunidades dentro do territóíh
indígena Xukuru, que possui 27555hectares de dtensãb,. no município qe Pes-
. q1,1eira, .estado 1de Pernambuco:Tambéin são chapràdos de ''Xukurti de Ororubá";
~m referência aô conjunto de mo~tanha~, cqrí~eeido como Serra;do Ororubá, nó ·
·.estado de Pernambuco, que compõe seti território. . • . ···.· ..
Os regíst~os inais antigos sobre os Xukuru dàtafu: do sééulo XVI e, desde
éntão, indicavam que a sua ocupilção 'nessa 'regÍão já sofria 'transformações devi~ .
1do aos violen.tó~ processos de expr6priaçã0 de sua~ terras. Os povos in'aígenas. da ,

• região nordestina foram os priP1e!ros a entrarem em contato com b colonizador,


~ :Í.Ss.iín cQmoforam:os g-rimeiros a sofrerem·o processo de espoliaçãd de su~ ter-
·ras. Aldeia.5 ·extintas deram lugáa ·fi1zep.das deviciamente registradas, que Jor;im
algun~ dos resultados. das invasões frÍstêmáticasdos c1lonizadores. , . .
' · Nesse confo.xto, os Xuküru tiveram sua identidade étnica dissolvida,junto à
'população local .. Durante muito tempo foram c;:i:n.{siderauos como remanescéntés,
·. desóertderttes de fo.dios, ou çhama:dos simpl!í!smente de. "caboclos da serra", nurha
'• ·. · irien.ção a' Serrá çló Ororüb~, onde habitam. Essa situàção trouxe q{iest,ionamentos
sobre sua identidade.étnica. ..
Cçmtudp, os Xuku~uireafirmaram sua identidade étnica perante a soçi~dà'­
d( e, .como g~upo cultur~meme diy~rso,_ ela,b9rararn. um~ ua'éliÇão pró.p~i~,, q9e
gànhou notoriedade atrayes.da mob1h*ªº pela d~marcaçap de seu terntono.
11·:. A organiz~ção polú:iêa e social.ck,sXúkuru é rdult~do não ap~nas das re.la.~
ç9es que s.ão estabeledd~s eritre.el~s e a r't;de dé pessoas c9m a:s quais conviv~ram,
acilongo de suahistÓria, mas ta.mbem doseu·l1niverso simbólico_.A crenç~ ~a na- .·
tureza: sagrada é·uma característica importántedo povo Xukuru. É nos terreiros
d.istribuídqs em seu ~eriitório 1 q(J,e os rituais religiosos são realtzados e cbnsdtuem
o espaçÓ de contato com os caboclos e encantados. O tor,é se destaca nesse càntex- •.
• • 1 .- • • ') "< / ' : ,· ' ,. • ' l .
f.'
Povo Xukuru vs. Brasil: um paradigma da Corte Interamericana de Direitos Humanos na construção... i s7
to como a principal manifestação do sistema cosmológico XiÍkur\l. É justamente ·
essa visão,.rdação e interação que os povos indígenas possuem com seus territórios ·
ancestrais que ·os tornam entidades vivas e indissociáveis à sobrevivência, física e
cultural, destes povos (NEVES, 2005).

4.2 TERRITÓRIO DE OCUPAÇÃO TRADICIONAL E A LUTA DOS ){UKURU


PO~ SUA GARANTIA

·Presentes na memória oral Xukuru, histórias demonstram ser antiga a dis-


puta pelo controle de suas terras, como a história sobre a participação dos Xukuru
na Guerra do Paraguai (1864-1870), ocasião em que estrategicamente aliaram-se
ao Poder Público em troca de· receber a titulação de suas terras.
O processo de reconhecimento e demarcação do.território Xukuru foi ini~
ciado em 1989, com a criação do Grupo Técnico da Fundação Nacional do Ín-
. dio (FUNAI), responsável pela eláboraçfo do Relatório de Identificação e Deli-
mitação da Terra Indígena que demonstrou a ocupação tradicion~l do território
Xukuru. O Relatório foi aprovado pelo Presidente da FUNAI no mesmo an9 e o
Ministro da Justiça concedeu a posse permanente da terra ao Povo Xukuru, quas~
três anos após a aprovação do relatório, em maio de 1992. ·
Aproximadamente 270 contestaçõt;s contra o processo demarcatório qo
território.Xukuru forá.m interpostas por pessoas interessadas, na ocasiã0 em que
foram introduzida~ m,udanças no processo .administrativo de demarcação,· em
1996, que r.econheceu o direito de terceiros interessados no território de impug-
nar o processo de demarcação. Os pedidos, em sua totalidade, foram considerados
improcedentes.
Em março de 1998, a FUNAI informou que não poderia promover a de-
sintrusão de terceiros de boa-fé do território· Xukuru em virtude de insuficiência de
recursos 'financeiros para o pagamento das irtdenizações; Neste mesmo ano, após
denun_ciar seguidas ameaças sofridas indicand~ que figuras degr51nde poder político
e econômico queriam sua morte, em 20 de maio, o cacique Xicão 3 foi assassinado.
O decreto presidencial qué homolog9u a demarcação do território Xukl!:
rufoi expedido.em 2001. N~ entanto, somente no finardé 2:005 foi executad~ a
titulação do. território, ante o 1° Registtq de Imóveis deYesqueira,como proprie-
dade da União para' posse permanente do Povo IndígenaXukuru. Foi uma ação
judicial interposta pelo Oficial de Registro de Imóveis de Pesqueira que retardou o
avanço do processo, assim como outras demandas judiciais pleiteando o reconhe-
cimento de imóveis de terceiros e.até mesmo a nulid;:i.de de.todo o procedimento
administrativo demarcatório. · ·
Passados mais de dez anos da demarcação física do território, iniciou-se
· o proçesso de indenização dos terceiros de boa-fé. ocupantes do território'. 'Até a

3 Xicáo Xukuru, além de t~r sido peça fundamental n'o fortalecimento da organização sociopolítica
e na criação das estratégias de retomada, é personagem histórico na luta pelos direitos indígenas
. ' 110 Brasil, especialmente no processo Constltuiritede 1987/SS,
, ss \ Chantelle da Silva Teixeira .
\·:

data-de emissão da sentença pelaCorte, ainda hayÍa 45 não i~dígenas ex-ocupan-


tes do território ésperarido receber ip.denização do Estado em virtude das ben-
feitorias de boa-fé, além -de s~is ocupantes não indígen<lf permanecem dentro do
ter~itório indíg~na Xukilru. . . ,
.· Em paralelo 'ao.procedirr:i.erito fun.diário que se arrastava in'.justificadamen-
te, como forma de pressionar o órgão indigenísta responsável pelo p;ocesso, bem'
como forçar Ó próprio gpverno a liberar recursos paraindenização edesintrusão
dos não indígenas da Terra Indígena;- os Xukuru tealiza:tàm ~"retomadas~' das
:_,áreas consideradas prforitárias. Nesse contexto, foram ~etomados locars sagradps
·corri9 a aldeia Pedra D' água, por exemplo, ondé se laéaliia o· terreiro de roré da
Pedra Ó'Águà, espaço sagrado; onde rituais de pajelànça e festas tradicionais_sãó
realizados pelos Xukuru. As retomadasforàm fundamentais no prot;esso de recu~
peração do território -Xukuru, contudo desencâdeàram ações de criminalização, r -,i

perseguição e atentados que culminârám no assassinato de importantes lideraÍtças;


' O pi:ocesso de demarcação do território Xukurufoi tumdtuadoe marcàdo.' ..
pela omiss'ão estatal nas medidas de retiraaa dos terceiros ocúparite~ d~ território,. -
. muitos recursos. administrativos e ações judidaisforaill interpostos, ~uçstionando
.', r

aspectosfo.rmafsé materiais~dó próêedimento, n~ busca de anµlá-lo totalmente ali·


em partes cpm o+ecorihecimento de propriedades rurais incrustadas 1:º s_eu inte~·
rior. Isso se som_ou ao processo de perseguição, ameaças aSSassinatos.' e .

4.3 SENTENÇA EMBLEMÁTICA: BRASIL É CONDENADO PELO SISTEMA


. INTERAMERICANO D~ DIREITOS HUMANOS.
, Eni lr6 de ourubro _de 2po2, organizações da sociedade civil que atu~m ..
para á prote<rão de direitos - o1'.f.ovimentocN<J.donal de Direitos Humano~/Regio- -·
nal Nordeste, o Gabinete de NsessoriaJurídica ]Is Organizações ]?opulares (GA- 1
JOP) eo Constlho lndigel\ista Missionário (CIMI}-,- apresentaram uma denún-,
eia ante a Comissão lnteramericana de Direitos Huinanos4 'em virtude da vio1açã,o .__
, do dil"e'ito à propriedade coletiva e das garantias de proteção judioiàl, consagrados
na CoíivertÇão Americana.de Direitos Húma~os, em prejuízo do pbvo indígena
Xukur\i-e·seus inembtos. · ' ·
· Apos nzais de 15 ano~ de tramitação nô sistema interamedcáno de direitos
, humanos, em 28 de fevereiro de 2018, a Corte Intetamericana de Direitos Hu-
. m~nos proferiu a decisão db .caso. A.segui;'déstacamàs os' dispositivos q~e _corisi~ · 0

. d.eram9s 1µiais importantes'..para o. es~udo~ referentes ;10 dlreito à; propriedade cole~


·tiva ~os povos indígenas e seus reflexo.s. Assim; a·Corte declara por ünanimidade:
' '. . -
i

4 ' A_ CIDH é um órgád prin~ipal aut~~?mil Orga~iza~áo


e da dos Estados Áni.ericahós_(OEA)e~-
. carregado. da prómo/;:áo e proteção dçs direit()S huníanós no continente ameífoino: E integrada . ~ _i
por sete (llembrós irtdep7ndentes _que. atuam cÍe forma pessoal e tem sua sede em Washingt9n, ·
I).C. Foi criada pel~ OEA em 1959 e, )untámente com.ª Cdrte Interamerican11 de Direitos Hu~
manos (CorteIDH),:instalada em.1979, é uma instituição do SisteÍ:na"lnteramericano de proteção
dos direitos.~uÍnanos (SIDH)'. '
Povo Xukuru vs. Brasil: um paradigma da Corte Interamericana de Direitos Humanos na construção... 159
[... ] 3. O Estado é responsável pela violação do direito à ga~<:ntia judicial de
prazo razoável, previsto no artigo 8.1 ·da Convenção Americana sobre Direitos
Humanos, em relação ao artigo 1. l do l:nesmo instrum~nt9, emdérrimento
do Povo Indígena Xukuru, no$ termos dos parágrafos 130 a)49 da presente
Sentença. [... ] 4. O Estado é responsável pela violação do direito à proteção
judicial, bem como. do direito à propriedade coletiva, previsto nos artigos 25
e 21 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em relação ao ardgo
1.1 do. ·mesmo instrum~nto, em detrimento do Po".o Indígena Xukuru, nos
, termos dos parágrafos 150 a 162 da presente Sent~nça. [... ] 5. O E.stado não
é responsável pela violação do dever de adotar disposições de direito interno,
previsto no artigo 2º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em
relação ao artigo 21 do mesmo instrumento, em detrimento do Povo Indígena
Xukuru, nos termos dos parágrafos 163 a 166 da presente Sentença (CORTE
INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2018).

O Tribunal considerou que havia suficientes elementos para concluir que


a d.emora do processo administrativo foi excessiva. Do mesmo modo, o tempo
transcorrido para que o Estado' realizasse a desintrusão do território titulado foi ·
injustificável. Ness.é sentido, a Corte considerou que o Estado violou o direito à
garantia judicial de prazo razoável, a respeito da alegada falta de cumprimento das
obrigaçõt.:s positivas para garantir o direito à propriedade, e à falta de segurança
jurídica sobre o uso e gozo pacífico dos territórios tradicionais do povo Xukuru
de~ivad~s da falta de sua desintrusão. ·
O direito à propriedade coletiva dos povos indígenas reveste caracterís-
ticas particulares pela especial relação desses povos. com suas terras e territódos
tradicionais. O território indígena é uma forma de propriedade que não se fun-
damenta no reconhecimento oficial do. Estado, mas no tradic~onal uso e posse
das terras· e recursos. Para a Corte IDH, o Brasil possui este reconhecimento
J em seu sistema normativo interno; contudo, em atenção ao princípio de segu-
ranÇa' jurídica, é necessário materializar os direitos territoriais dos póvos indíge-
nas mediante a adoção de medidas legislativas e administrativas pa.ra criar um
mt,':canisrrio efetivo de delimitação, demarcação e titulação que reconheça esses
direitos na prátil::a. '

4.4 RECONHECIMENTO, GARANTIA 'E PROTEÇÃO DOS TERRITÓRIOS


. INDÍGENAS NO BRASIL
A Constit~ição Federál de 1988 inaugurou uma nova relação do Estado
brasileiro com os povos indígen~s, ro~pendo com a perspectiva integiacionista
para reconhecer a autonomia e o direito à diferença destes povos: além de ter re-
conhecido como originários os direitos que possuem em relação a seus territórios
tradicionais. '· , . .
O crit.ério funda~ental para o recm1hecimento dos direitos dos povos in-
dígenas sobre seus territórios é a demonstração de sua ocupação tradicional deste
esp~ço, que será conferida por um gru20 técnic9 de especialistas devidamente de-
. . <
60 1 Chantelle d~ Silva .Teixeira

signados pelapresÍdênci~ da agência indigenista oficial na primeira etap_a do pro-


cedimento de demarcação, como veremos a seguir.

§ 1° São terras tradicionalmentê ocupadas pelos íncÍios, por eles habitadas em •y


caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as. impresc
cindíveis à 'preservação '.dos recursos ambientais necessários a Sel! bem~estar e
as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo sêus usos, costumes e
tradições (BRASIL, 1988). .

O proces~o de demarcação das terras indígenas constitl).i-se em àto adriüc


nistrativo cfedarg.tório, e não constitutivo de direito, pelo qual são explicitados os
limites do território tradicionalmente ocupado pelos. indígenas. Trata-se de um
d-ever da União previsto no art. 231, caput, da CF/88, que, além de demarcá-las,
deve protegê-las e fazer respeitar todós os seus bens, ressaltando que esses atos es-
tão vinculados ao texto constitucional e poressa razão não podem deixar de s~r
promÓviçlos.Impendemencionat que o art. 67 do Ato das Disposições Constit~~
cionais Transitórias (ADCT) fixou o ,prazo· de cjnco anos para que 'a União con~
cluísse a demarcaÇão das terras indígenas. Novamente esse prazo foi desrespeitado.
.. .O pro~esso de identificação e delimitação, demarcação. física, homologa,-
ção e registro de terras ihdígenas está instituído no Decreto n. 0 1.775, de 8 de
janeiro de 1996, que dispõe sobre o procedimento administrativo de demarcação
das terps indígenas, firmando a competência do órgão federal, a Fundação Na~
cional do Índio (FUNAI), para iniciativa e orientaÇão do procedimento. O marco
inicial do,procedimento é a identificação e delimitação da terra indígena, cujos
critérios estão previstos na Portaria 14 da FUNAI.
Dessa forma, é designado um grupo técnico especializado pelo órg~o in-
digenísta federalcom o ~scopo de realizar,estµdos de natureza etno-histórica,
soci~lógica; jurídica, cartográfica, ambienta\ e o levantamento fondiárÍO neces~
sário à delimitação e identificação do territ~rio reivindicado. E, com base na
cultura e forma própria de.concepção como povo ou indígena que é confirmada
a ocupação tradicional da terra; ou seja, não são critérios ocidep.tais, advindos
do direito privado e dos conceitos. de posse e propriedade que. caracterizam o
domínio do território pelos grupo,s indígenas; mas sim sua forma particular de
· relacionar-se com.ele trad.uzidd na Constituição Federal na expressão "usos,cos-
tu~es e tradições". . - . . · . . ,
Encontramos como o Estado brasileiro foi criando um c~rpo normativo
forte referente aos direitos dos povos indígenas, isto como resposta à situação em
que surgiu o Estado NacionaÍ. Como Boaventura ressalta, oplu~allsmo jurídico
. surge a partir da coloniza,çãõ, que é o caso d<?s. Estados da Alnérica Latina, e em
países onde tlecidem adeqµar o sistema jurídico kuropeu como uma forma ae rrio-
d~rnizar suas regulamentaçpes das relações sociais. Exemplo de países que atraves-
saramum~ revolução e continuaram praticando o di~eifotradicional; é o casÓ dos
1 povos indíg~nas que.foramdominados por uma metrópole, mas· tiveram aquência
expllcita do Rstado para manter seus direitos tradicionais .em determinados terri~
tcirios (SANTOS, i988, p. 73). . -
Povo )(_ukuru vs. Brasil:· um p~radigma da Corte Interamericana de Direitos. Humanos na 'construção... \ 61

Fi~ra 1: ProcedimentoDemarca:ção de Terras (Deçreto 1775/96 F0NAI).


').

Esta (é~)existên~ia d.e ,sistemas jurídicos, que m~ita.S vezes;rião é harin9~


nica,~teve como resultado/ql!.e o Estado Brasileiro reconhecesse n?- Constituição
. Federal (1988), depois de rÍmit~ luta do movimentos indígep.as organizados, mo-
' , · vimenfos Soci~is 1 ~q1dêmicos e' aIµbieritalistas. a exis.tên~ia e re~peitô. dpspovos in"
dígenas com' SU~ prqprias organizações sodais, é portanto, seus gróprios slstell).aS.
··jurídicos e econômicos•qtfe pr'etededi à própri:~ irilp~~çáb do Estado dem,ocrático ·
de direito brasileiro. , . · ·"'
, , Sóbre. este .remnhecimen~~' BdaveniÜra afirma que nãó é -determinailt~J-
. \ ,parásu~ existência (SANTOS, 19i88, p. 77~'78): "Ó·réconheciµiento jurídkôd~F
. te'pór parte do clireitÓ doininan:te não é determinante para a ·conceptuálizàçãoda ·
situáção como de pluralismo· jurídico; é-o, no entanto, para a cogfigur~ão con~:
ereta desta, razão por que deve çle próprio ser objeto, nesta q~ali~aàe,de análiscr.
sociolc)gicà'~ .-.~··. '. , .. . . .
. Ao recónhecér constittlcionalmente os própdos sisteriias sociop.Ólíticós e
'juríditos dos.pow~ indígenas, o.Est~do brasileiio .abre.~spaço para nÔvílS_ formas
relação e concepçã()ida: relação: com a,terra e do. Í:erritórlo; cpmoa que ~uia are~
i ( lação dos povos indígen~s c0 m ·~eu território e que não se encaixa a.S' concepçõ~s
· ~ clássicas de propriedade.Todavia, percebemos, com a decisão da Corte IDH, que
o reconheciment() formal 'dessas garantias não .é suficiente parà sua re.;,iização, o
Estado deve criarmecariismos efetivos para a r~álizaçá~ plena dos direitós garan- .
· ·tidos çm sua législaçâb interna.·. · ·

.... :
621 Chantelle _/ª Silva Teixeira
4.4 GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DE UMA PROPRIEDADE COMUNAL
Os povos indígenas possuem formas de vida e sua cosmovisão se baseia na
estreita relação com a terra. As terras tradicionalmente ocupadas e utilizadas por
esses povos são um fator primordial ,para sua vitalidade física, cultural e espiritual.
Esta relação úuica, que engloba uma tradição e uma identificação cultural desses
povos com a terra, pode expressar-se de distintas maneiras, dependendo do povo
ind'ígena particular de que se trate e de suas circunstâncias específicas. Na Consti-
tuição Federal brasileira essa possibilidàde está assegurada quando o constituinte
utilizou a expressão "de acordo com seus usçis, costumes e tradições" para a defi-
nição de terras tradicionalmente ocupadas por povos indígenas. Assim determina
o texto copstitucional em seu anigo 231:

São reconhecidos aos índios sua organ'ização social, costumes, línguas, cren-.
ças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicional-
,mente oc:upam, competindo à União .demarcá-las, proteger e fazer respeitar
rodos os seus bens. § 1° São terras tradicionalmente ocupad~ pelos índios
as por eles habitadas e!Il caráter permanenter as utilizadas par~ suas ativida;:
des produtivas, as imprescind_íveis à preservação dos recursos ambientais .ne-
'1
cessários a seu bem-estar e as necessárias a sua teprddução física e cultural,
seguhdo seus usos, costumes e tradições. § 2° As terras tradicionalmente
., ' ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o
.usufruto exclusivo das riquezas do solo, tlos rios e, dos lagos nelas existentes §
3º o aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéti-
( cos, _a pesquisa e'a lavra das riguezas minerais em terras indígenas só podem
·ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comuni-
dades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, 1

. na forma da lei. § 4 ° As terras de que trata este artigo são inàlienáveis e in-
disponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis. § 5° É vedada a remoç'ão
dos grupos indígena~ de suas. tenas, salvo, "ad referendum'' do. Congresso
·Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que pohha em risco sua popu-
lação; o.u no interesse da soberania do País, após delib'eração do ·congresso
Nacional, garantido, em qualqu~r hipótese, o retorno imediato logo que ces~
se o risco. (BRASIL, l988).

O .direito à propriedade é uma dos direitos fundamentais reconhecidos na


Constituição Federal brasileíra; contudo, os direitos indígenas sobre seus territó7
rios possuem uma característica específica, são originários. Termo sinônimo de
primevo, traduz uma situação jurídico subjetiva mais antiga que/qualquer outra,
. de forma a preponderar sobre escrituras públicas ou títulos de legitimação de pos-
. se em favor de não indígenas.
Nesse sentido, o parágrafo 6° do mesmo texto legal reforça o moddo ·de
propriedade comunal/ coletiva afirmando que o seu não reconhecimento tem
como resultado a nulid~de dos atos jurídicos, Senão vejamos:

§ 6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham
por objeto a ocupação, o 4omínio e a posse das terras a que se. refere este artigo,
ou a exploração das riqueza~ naturais do solo, dos rios.e dos lagos nelas existen-
Povo Xukwu vs. Brasil: um paradigma daCorté Interamericana de Direitos Humanos na construção... 163
tes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei
complementar, não gerando a nulidade e a extinçãü direito a indenização ou a
ações contra a União, salvo, naforma da lei, quanto às benfeitorias derivadas
da ocuração de boa-fé. § 7° Não se aplica às terras indígenas o disposto no art ..
174, § 3° e § 4°. (BRASIL, 1988)

Cabe ressaltar aqui à complementação do artigo 20, inc;iso XI, da Cons-


tituição Federal, de que as terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas são
bens da União. Desse modo, grande parte da doutrina reconhece que a outorga
constitucional das terras indígenas ad domínio da União objetiva preservá-las, ou
seja, cria-se uma propriedade vin~ulada ou reservada que visa à garantia dos direi-
tos deis povos indígenas s.obre ela~.
Sobre a posse das terras , indígenas. Souza Filho faz importantes
considerações:.

Utilizando institutos jurídicos existentes e. complexos, como a diferença entre


posse e propriedade, a lei brasileira logrou criar uma situação especial para os .
povos indígenas e seus territórios, fizendo-os de propriedade pública, estatal,
e posse privada, mas éoletiva, não identificável individualmente. O conceito
jurídicà de terra indígena, portanto, foi construído a partir da realidade, a ocu-
pação da área pelo povo indígena, mas caracterizou-a como um atributo jurídi-
co; a posse. No sistema jurídico brasileiro atual, a terra indígena é propriedade'
da União Federal, mas c;!esdnada à posse permanente dos índios, a quem cabe
o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos'rios e dos lagos nelas.existentes
(SOUZA FILHO, 2005, p. 121).

As terras in4ígenas são bens da União vinculados ao cumprimento dos


direitos indígenas sopre elas previstos constitucionalmente como direitos originá-
rios nos termos do artigo_ 231, caput, CF/88. Enteqde-se que·o Poder Constituin-
te Originário objetivou, ao utilizar o vocábulo originários, elucidar qu.e o direito
dos povos e comunidades illdígel}as sobre as terras.que ocupam anteeedequàlquei
.ato administrativo do ,governo que objetive seu reconhecimento, logo, esse direito
seria natl).ral/congênito, 'postq que antecede ao Direito Positivo, evocando, parª'····
tanto, o instituto do Indigenato. . ·
Nesse sentido, é direitó primeiro e congênito dos povqs originários sobre
os territórios por eles ocupados, independçnte de .títulos ou reconhecimento for-
mal, assim expresso por José Afonso da Silva:

O INDIGENATO. Os dispositivos constitucionais sobre a relação dos índios


com suas terras e o teconhecimentq de se~s direitos originários sobre elas nadá
mais fizeram do ·que consagrar ,e consolidar o. indigenaro, velha e tradicional
instituiç~o jurídica luso brasileira' que dita suas raízes já nos primeiros tempos
.Jda Colônia, quando· o Alvará de 1. 0 de abril de 1680, confirmado pela Ler de
·06 de junho de 1755, firmara o princípio de que, nas terras outorgadas a parti-
culares, seria sempre reservado o direito dos índios, primários e naturais senho-
res delas (SILVA, 2000, p. 831).
l
' li
_1 641 Chantelle da Silva Teixeira •'

~.

Na esfera internacional temos os_, tratados sobre os direitos dos povos in~
dígenas que reçonhçcem esses direitos e aqui podemos mencionar, não .de forma. y,.
eX:àustiva, a Convenção 169 da·· Organização lnternàciónal dq Trabalho -· Off
(1989/2002), Declaração das NaçõesUnidas sobre os Dir~itosâosPovos Indígenas
. (2007) e aDec:faração Americana sobre os. D~reítos dos Povos Indígenas (2Ql ~): ·
. . : AC~mvenção 169 da·OITestabeléce, no seu.artigo 13, o relativo ao direito
.ao território dos povos indígenas, como os Estados devem respeitar a r~lação que .
os povos t~m com seus territórios, baseados em aspectos culturais. e valores espi-
rituais, assim como a relação coletiva-que os~ovos guardam com os territórios.
) No déc;.orrer deste instrurn~nto ~orpiativo, •Vai se desenvolvendo um am~
pio marco regulatório parà qué os Estados criem, dentro dos seus sistemas~urídi­
cos_, mecanismos que permfram que <:)S direitós· ao território se vejam efetivados~ r •
!.
·Entre estes mecanismc:}s pode.mos mencionru-;procedimenros; de demarcação qú~
oµtprgam cert~zajurídica à posse tradicional dos povos indígenas sobre seus terri~ •
tórios ç. que os trasladas d9s povos sejam sotneni:e de caráter eicepciona:l e outor,-;
gandoter~a'S com as mesmas caractdtístkas (OIT, 1989). ·. · ' , ' · _ ·.
. Já ã Deçlaração das Nações Unidas sobre ós ·Direitos· dos Povhs Indígenas
vai desenvolvende uma .série de princípios que pétín'.iterh entender o direitó ao\
1
te,rritóri9do·s poyos in:dí~enas t9nio um direito h~:Il}ano,fundarnerital pataaso-
brevivência e desenvolvimento
' '.1 .
destes
. ,
povos. • 1'·
.

'!
• •

_ .. No seu artigo 26 1 a,DeclaraÇãO reconhece que os povos indígenas têm di~. / · ..;
rei to às .ter.tas, territórios e recursos naturais qu~ tê!ll sido oc,up1<,tda~ de forma tra-
dicionàl ou que rêm sido 11dlizadas Ou adq.uiridas de outra forma} Assi]ll mesmo
a Declaração reconhece-~ 'formas 'dê proprieda9.e tradicional que os poyos ,indí-
genas e_xer2em sobre· seus ~ei-ritórios: afirma que ds Estados devem assegurar o re-
• 1
conhecimento e pmteção jurídica destas terras seguindo os costumes e tradiçõ_es é
regimes de.posse dé terra dos povos indígenas (ONU, 2007).
·
1

S0brç p-s st4ndards do Sistemfl lnteràfl?.~ricano de Direitos· Bumanos, a


·- Li
Cor:te lntera_mericana.de·Direitos Humanos tein 9esenv0lvido. já 1,1ma. â.fuplaju-
·•· ri$prudênda sobre o difeito ao terdtório dos,,povos lndígen.as. A partir do caso • 1

"GqnmnidadeMáyágna, (Sumo) Awa$ Tingni vs.,NiC~i:águâ' óo ano ~e 2011, se j

inicia a 1nterpretação e erit~ndimento comunal sobre a' propriedaâe"coletiva. Nes- ' ,' I
.re sentido, na sentenÇa a Córte lnteram~riçarí:a de Direitos Humanos det~rmin:eu .
(OEA, 2001; parágrafu 149): ' ' ·· . . . · . ·. , · ~ '
• ' • • 1 •

Entre os indígena5 ex'iste uma tradição co~unitá~Íá sobre uma forro~ ó:imu>
nàl.da·própriedad.e cciktiva dá terra,'·no sentido que-a pertençacdtista não está
centrada no indivíduo, mas no grupq ~.a· ~ua comunidade, o~ Íridígena5 pelo -
Íàto d_à sua própria eXistêP:ci1írem ~ dirdto a ')iver liv~einente ~os seus próprios
tetritóricis; a estreita relação que ÓS indígénás têrri' COID à terra deve Sef reco-
n.hecida e compreencj.ida como .li base fundamental de suas -culturas; sua Vida
.- " espiritual,.'sua integddade ~.sua sobrevivência•econôniica. Paraa~ comunidades
. indígepas a relação com a terra não é ~ma questã9 de possessão e prodúçã~.
· mas uÍti eleme.nto mate.ri.ai e espiritual do qual se deve ter plenarriente desfru- . . '.,

te, indusive pata preserv:a~ o legado. cultu~al e tran~mitir' este a'geràçóes. futi.miS
(OEA,2001, tradução da autora). ' · ·

·. \
. , . ..,_·. ' /

.t"'

,·,-~:·.:
-----------e---- ---
r
Povo Xukuru. vs. Brasil: um paradigma da Corte Int~ramericana de Direitos Humanos na,construção ... - 165
·Já, ha sentença do caso "Coniunidad Indígena Xákmok Kásek vs. Para-
guay'', a CIDH (0EA, 2010) consolida alguns critérios sobre a terra comun~l que
serviram na fundamentação em casos posteriores:

O Tribunal relembra sua jurisprudência relacioµada à própriedade comunitária


das terras indígenas segundó á qual: 1) a possessão tradicional dos indígena.S so,_
brê suas terras tem efeitos equivalentes ao título de pleno domínio que outorga
o Estado; 2) a possessão tradicional outorga aos indígenas o direito a exigir o
' reconhecimento oficial da: propriedade e seu registro; 3) ó Estâdo deve delimi-
tar, _demarcar e outorgar título colçtivo das terras aos membros das comunida-
des indígenas; 4) os membros dos povos indígenas que, por causas alheias a sua
vontade, tem saído ou perdido a posição das suas terras tradicionais mantêm o
direito de propriedade sobre as mesmas, ainda que sem título legal, salvo quan-
do_ as t~rras tenhàm sido legitünament~ transmitidas a terceiros de boa-fé; e
5) os membros dos povos indíg.enas que invohp::Ítariarhente tenham perdido a
possessão das suas terras, e tellham sido transmÚ:idas legitimamente a terceiros
inocentes, tem direito a recuperá-las ou a receber outras terràs de igual extensão
e qualidáde (tradução da autora) (OEA, 2010).

Na sen,tença do Caso Xukuru em estudo, a Corte reafirmou o entendi-


mento consolidado- em sentenças anteriores, com fundamento no artigo 21 _da
Convenção Americana sobre Direi~os Humanos 5, o qual se aplica também para a
ga~antia é proteção de territórios indígenas, ,ainda que divergentes da c~ncepção
cÍássica de propriedade privada que inspirôu a elaboração do dispositivo. Neste
sentido, a Corte afirmou que: ·

[... )A Corte recorda 'que o artigo 21 da Convenção Americana protege o es_-


treito vínçulo que os povos indígenas mantêm com suas terras bem como com
seus recursos naturais e corri os elementos incorporais que neles se originam.
Entre os'povos indígenas e tribais existe uma _tradição comunitária sobre uma
forma comunal da' propriedade coletiva da terra, rio sentido de que a posse
desta' não se centra em um indivíduo, mas no grupo e suá comunidade. 106_
Essas noc;:ões do domínio e da posse spl:ire as terras não necessariamente corres-
pondem à concepção clássica de propriedade, mas a Corte estabeleceu que me-'
recem igual protéç~o do artigo 21 da Çonvençfo Americana. Desconhecer as -
versões específicas do direito ao uso e gozo dos bens, dadas pela cultura, usos,
costunlies e creriças de cada povo, equivaleria a afirnpr que só existe uma forma
de usar os bens,_ e deles dispor, o q11e, por su;i vez_,_ significaria tornar ilu~ória
a proteção desses coletivos. por meio dessa disposição. 107 Ao se desc~nhecer
o direito ançe:stral dos membros das comunidades indígenas sobre seus ter_ric -
tórios,, se poderia afetar outros direitos bisicos, cómo o direito à identidade
cultural e à própria sobrevivência das comunidades i9dígeqas e seus membros
.(OEA, 2018)_, -

,5 Artigo 21: Direito à Propriedade Privada. L Toch pessoa tem direito ao uso e gozo dos seus behs.
A lei pode subordinar esse uso e gozo ao interesse social; 2. Nenhun:ia pessoa pode ser privada de
seus bens, salvo mediante o pagamento de indenização justa, por motiv~ de utilidade pública ou
de interesse social e nos casos e riá forma estabelecidos pela lfi; 3. T'anto a usura como qualquer ou-
tra forma de exploração do homem pelo homem devem ser feprimidas pela lei (BRASIL, 1992).
• ' • ' 1 ~
4.5 A RELAÇÃO DO CASO .COM OS DIREITOS DA NATUREZA
Em função de seu entorno, sua integração com a natureza e sua·his~ória, as.
comunidades indígenas transmitem, de geração em geração, este patrimônio cul-
tural imaterial, que é recriado cortstarttemehte. O território, local de moradia dos
encantados e dos caboclos da mata, local que abriga a.Pedra do Rei e.tantos outros
símbolos sagrados para os Xukuru é aspecto primordial de sua identidade étnica
e, pórtanto, de sua s~brevivência como povo. ''
. · . Na legislação nacional, bem como na jurisprudência consolidada do
· SIDH, os povos iridígenas têm direito ao reconhecimento e proteção de suas ver~
sões específicas do direito ao uso e ao gozo dos elementos da natureza, dados pela
cultura, usos, costumes, crerças e ti-adições de cada povo indígena. .
.Nesse sentido, os povos indígenas e outras sociedades culturalmente di-
, versas da sociedade majoritária organizada em Estado de Direito, cujas normas
· jurídicas se baseiam em uma racionalidade antropocêntrica, apresentam um novo
paradigma para a relação dos seres humanos com espaço viva que habitàm.
A Constituição brasileira 1de 1988 ªS» finalmente, recon,hecer nossa .socie-
dade como pluriétnica e multicultural, ampa,rou as cosmovisões, as culturas, os
usos, costumes, crenças e tradições dos povos indígenas: sobretudo reconheceu
que 9s modos distintos e profundos de se relacionar com a terra e a natureza são
quesitos fundamentais para o recónhedment<i oficial de seu território através de.
processo de d,emarcação. No Caso dos Xukuru vs. Brasil, a Corte IDH afirmou e
aprofundou esse entendimento, reconhectmdo, inclusive, .que? sistema júrídico
interno brasileiro ampàra as perspectivas indígenas réconhecendo seus modos de
vida e sua relação c9m a terr.a e a natureza. . . '
Podemos considerar que há, nestes casos, o pluralism~ jurídico,.reconheci-
do na exi~tência de uma rrultiplicidade de fornias de jurisdicidades heterogêneas
que não se reduzem eritre si· e in,iplic,am a aceitação de uni Direito paralelo. ao
oficial; que surge das. práticas comunitárias; e que tem sua legitimidade· assentada
não no caráter estatal de sua fonte ou nos procedimentos formais preestabelecidos
para sua validade; mas no reconhecimento e eficácia social que possui para asco-
munidades indígenas.
Para Maliska (2000), um pluralismo jurídico factível reconhece a legiti-
midade 'das conquistas já asseguradas no plano jurídico estatal, como é o caso do·
artigo 231 da Constituição Federal e da contribuição que a atqaÇão de operaciores

l."i
Povo Xukuru vs. Brasil: um pamdigma da Cort;~ Interamericana de Direitos Humanos na construção... 16 7
e operadoras jurídicas na estrutura jurisdicional pode oferecer 'pai-a 'a construçãO
de um projeto social emancipatório.
Assim, a racionqlidade em que se baseia o reconhecimento dos direitos ter-
rit<?riais dos povos indígenas no .Brasil e considera os usos, costumes etr~dições
e as características comunitária e transgeracional que possuem esses povos em re"
lação à terra e à natureza ap~esenta,-se como uma alternativa orientadora para a
construçãb dos direitos da natureza.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
. .
O caso do Povo Xukuru apresenta-se como marco histórico da luta indí-
gena pelo exercício pacífico do direito à propriedade coletiva sobre seu território,
cuja titulação acorreu em 2005, mas, ai:é a dara da sentença da Corte IDH, não
estava totalmente na pos~e, controle, uso e gozo dos indígenas .
A decisão da Corte IDH sobre o caso reafirmou a rel~ção particular que os
povos indígenas pos~uem com· seus territórios, afirmada na Constituição Federal,
em tratados internacionais .e na jurisprudência do SIDH, inspiradâ em uma racio-
nalidade baseada 'na inter~ependência com a terra e a natureza, em uma perspecti-
va de coexistência harmônica,já que não se tratam de bens mai:ériais comercializá-
veis, mas elementos fundamentais para a reprodução física e cultural desses povos.
O ·reconhecimento desta relàção entre os· ~eres humanos e o território/ a
natureza, por consequência, trolixe refl~xos na interpretação e realização de direi-
tos, reconhecendo outros conceitos e preceitos jurídicos, como o reconhecimento
. dos territórios de ocupação trad.ic:ional dos povos indígenas no Brasil.Estas ex-
. periências constroem o que podemos chamar· de um tímido pluralismo jurídico
nacional. . .
Nesta linha condutora, s~ constroem ria.rrativas e racionalidades jurídicas ,\
que convergell\ para. o fortalecimento dos paradigmas da Harmonia com a/Na-
'tureza, 'da interdependência, da reciprocidade,· dacomplementariedade e do fazer
~omunitá~io na construção 4os direiros da natureza. · ...

REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de
1988, Brasília, DF: Senado Fed~ral, 1988. ' · · . '
' ' ' . . .

BRASIL. Decreto, n. 678, de 6 de novembro de 1.992. P'romulga a Convenção


Americana sobre Direitos Humanos (Pact~ de São José da Costa.Rica), de 22
de lilQvembm de 1969. Presidência da República, Brasília, 1992. .
BRASr'L. Decreto, n. L775, de 8 de janeiro de 1996. Dispõe sobre o procedi~
mento. administrativo ,de demarcação das terrâs indígenas e dá outras. provi-
dências; Presidência da República, Brasília,· 1996.
681 Chantelle da Silva Teixeira

NEVES, Rita de Cássia Maria. Dramas e Performánces: o processo de reelabora-


ção étnica Xykl!-ru nos rituais, festas e conflitos. Florianópolis,2005, página
114.. . . . .
· OEA; Corte Ínt.eramericana de Direitos Humanos. Caso Mayagna (Sumo) Awas
Tingni vs. Nicaragua. Fondo, Reparacioties y Costas.· Sentencia del 31 de
agosto del 2001, Serie C No.)9, párr. 149. . . .
OEA, Cohe Interarrier!tána de Direitos Humanos,.Caso Comunidad Indígena
Xákmok Kásek vs. Paraguay, Fondo, Reparacjones y Costas. Sentei,icia del
24 de agosto de 2010. Serie C, No. 214, párr. 109.
1. . '

OEA. Corte Interamericana deDireitos Humanos. Caso do Pov~ lndígenaXtJk.u~


ru e se1;1-s membros'vs. Brasil. Sentença de 05 de fevereiro de 2018, Disp~nível
em: http:/ /ww\v.corteidh.or.cr/ dots/ casos/articulas/seriec_346_por. pdf.
OIT, Órganização Internacio!1al do Trabaiho. Corivenção 169 da OIT, sobre
. povos indígenas e tribais em países independentes. 1989 .. Disponível em:.
h ttp://www.m pf. m p. bt / àtuacao-tematica/ ccr6/ docurµentos-e-publicacoes/le
gislaqw/legislacao-docs/convencoes-interriacioíí:ais/convecao 169. pdf. Acesso.·.
. em: 20 jul. 2020: · · · '
. . . \ . . .
ONl], Organização das Nações Unidas. Declaração das Nações Unidas sobre·
os Direitos dos Povos Indígenas. 2007. Disponível em: https://www.acnur..·
org/ fileadínin/Documeri tos/portugues/B D L/Declaracao~das~N acoes_Uni-
das_so bre_ os_Direitos""dos_Povos_Indigenasydf. Acesso em: 21jul.2020 ...
OSUNA, KarlaL Quintaná; MAAS, Juan Jesús G6ngora. Los derechos de los.
pueblos indígenas y tribales en lo~ sistemas de derechos humanos. Uni-
versidad Nacional Aµtonoma de México. Instituto De lrivestigaciones Jurídi-
cas Comisión Naciona:t De Los Derechos Humanos: México, 2017.
SANTOS.· Boaventura de Sousa. O discurso e o Pod~r: ensaio sobre á sociolo~
gia da ret6rica jµrídica. Porto Alegre: Fabril, 1988. 73 p;
SILVA, José Afonso da. Curso de Direit:oConstitucional PosiÍivo~ 18. ed. São
Paulo: Malheiros, 2000. 831 p. · · .. ·
SOUZA FILBO, Carlos Frederico Marés. O renascer dos povos indígenas para
o direito. Curitiba: Juruá, 2005.

. \
'!

5. AMAZÔNIA COLOMBIANA COMO SUJEITO DE DIREITOS:~


~ENTENÇA DA' CORTE SUPREMA .DE JWSTIÇA DA COLÔMBIA

Carla Judith Cetina Castro


/

INTRODUÇÃO .
J' ':. '. ·• ··:· /. ' . ··.. ,. '.' . ..
O prdsentç artigô tem por objetivq realizar uma'anáfise sobre a: decisão
·. judicialda Corté Suprerµa 'de Justiça daC~lômbia, na qual toi dec!arada ~.Ama- ·
zônia como suj~ito ,de direi~o~\e poder delinear estrátégias..-a: partir dá experiência
1

de§te caso, par:i.' que1 possam contribuir ao debate feito pelos niovinientos sót!ais
no Brasil no reconhecimento dos DíreitÓs da Natureza. Esta sentença vem como
resposta à adequação do. sistenÍ.ajudi~iário às novas concepçõe,s de direito ambieri~
:'to/ ,e às reiviry.dicações dos m<Niment'os sociais, e do fenômeni:i' do nov() constiúi~ 1. '

cionalismofadno-am:ericano;. qúe,-embota'nã() tenha se consolidado na Colôm;·


no
. bia, âmbito do sistema judiciário deste país, tem conseguido váiias conquistas ..
Colômbia é uin país ql1~ Compartilha v~rias semelhanças com o Brasil..
Forma paii:e dos nove paí5es que .constituem aArnazôniaLegal, um dos sistema{ ·
ambientais. mais importantes do mundo~ que. alberga divetsic;l.ades socioaµibien~
tais ~ biológkas, C'uja conservação .e proteçãO encontram~se na agendá políti~a: .
\ \ '
\mundial. ·· · •· > · · .. / ' ·. • ·' .·. · ·., .· · ,. ·
·, · .·Importantes' ins~r1;1.men:tos· inter:Ilacionaí' foram criados nas líl~lmas~d~ca-·
das, que buscam· deteios_Jstragos que ~ni trazido às mudanças climáticas. Apro-,
teção do ambRflte tehi1 se mosj.Tado· um dos, mais importantes. avanços que têl!l-"·~' .
sido teconheddos nas ~onstituiÇões ao redor do mundo. No' entanto; o dii:efto- .. ''·
· ;io mi;:io, arn:biente ecolpgr~aniente sacidáyel ,representa uma nipt~~a nos ~is(emas
.jvrídiCos trad.idcmais qu<:\ainda P-ossuem o, en~enêlfrneiitoantropocêntrico do im"
. bknte e que o novo éonsi:itucionalismo ·procura deixar atrás, a~sent:rndo-r:ios · ·
novàS.formas de enrender crmundo. ' ,.· ' ,' _\ ' . '> •.. · / . )
· · . .. Conceitos~ fundame!J.tados nos. conhecimeilt_os e cosmoyisões indígénas ex",
· ptessam as -relaç,ões que ·e~tes povÓs o~iginarios. guárdam com ojatll.bidnt~. :Es~ ' ..

tas cosmovisões dó. befn_ viver (vidarem plenitude} ~mak f<4wsay (erri Quechua),
· • Suma .Qamdfta, oJi a· proteç~o dá· Pacham_amft, rec;onhecidos qas Constituições
do Equaaor. (2008)>, Bolívia (2009), Venezuel:ir (1999) nos perinitein entender
forinas: difé(entes em: quê as. pessoas ,se. relacionam. 'COill. o ambiente. E. iínpor~
· tante re~sal~âr .éJu,ê; embora estes técorthecimento~,sejam relativamente novos· nas
, colistinilções, estas· qmcepções são praticadas, desenvólvidas e vividílS de, forma,,·-,\ .
•::: J • • ' • ' ' ' •

' 169
) .
· - - · - · .· -----

70.1 Carla Judith 'cetina Castro ;-

mii~nar pelos povos indígep.as· ªº ~edor'd<!,Amética.Latina. Unidos a estes·novos ·


recon}iecimentos no_âmbito legislativo, eilcontrainós que o. poder Judiciário, ao

1
redor da Ámérica Latim, também; tenta. ficar ao lado destas mudànças sociais que
têm ~ido fruto da luta dÓs movimentos: sociais (campesino, indígena, sind~cais e
de ml1lheres). : , .· . . : . . . .. . . · • ·. .
- . Nesi:e contexto, encontramos·~ sentenÇa STC4360-2018, daÇorte Supre-
ma de Justiça, emitida em 2018; onde se dedara que a Arnazônja.·colombiana·é ·
Sujeito de Direitos, seguindo e se fundamentando assim, mi int,erpret_açãó quea
·· Corte Constit{Jcional.fez em 2016, ·em que declarou _que o Rio Àfrato, sua bacia
'. e afluentes, é uma entidade Sujeito de Direitos; . . . . ...

1 . ,' - ' . ·. ' . . . ,. " • -


. 5~1 CONSTITUIÇAO COLOMBIANA-DE 1991: NA COLOMBIA SAO
. .· RECONHECIDOS DIRE.ITOS DA NATUR.EZA? · ·.. . . · .·
A Constituição colomb.iana, promulgada em 1991, represe~ta um ponto 1

de partida para o novo constitucionalismq da América Latina. Embora não rt-


.. conheç~ exl?ress~e~t~ direitos ~._17atu~e.za como. ~as çónstitü.içõ~s.da\Bolívia ou
Equador, .a Constttmçao colomfnana e reconhecida por. mmtos', confo o. ponto
de partida dç novo oon~tituct?nalismd latino~aniericano, já que traz importantes .
forqias de participação. cidadã. Est,e novo C0)1Stituciona)ism'o se, caraçteriza por ter
• nascido' através d~ reivindic;açÕes dos movimeritos-soci~is e {Ião pelo rÓ,mpimento
constitucional que viriha serido·um denominador con;uirn nos países. , _ .
_ . É-impossível négar que, na iuã m:!iória, os sistemas. Jurídicos da América
:Latina tiveram éomo fundamento o sistema·colonizador, racista, discriminatório,
.' considerando a s~ciedade corrio hórnogêi:iea, sendo necessário. iinpor nos teiritó-
- rios, constituições elaboradas e defendidas po~ oligarquias.'que muitas vezes não.
_· , êxpressav_àni a realidâci\. . . .. ' •. · .· . ·
· ·. : .Embora o direito estatal se en~ontr.e tão'desfasado da realidade, os povos
e
origínáfío~, cornufíi.da,dçs tra:didonais quilombolas no B:rasil pqssu~m sistemas .• _.!.
.• 1

j
jqrídicos própi:ios que estão vivos no· cotidiano, e que ytvem em: paralelo. cóm o
sistema juddicO do Esta.do nacional. . · . · . . . .·
Esta convivência de sistemas Juríd~cos; m'úitas v:ezes até contrários uns dos
o.utiós., é inevitáve.l. iuima· região com \./'.ma div(!rsidàde tão rica· como é Amética
'Latina.. b novo ·constittieio'nalismo vei;n~ tentando. aproxirhar 1e harmonizar estas. ,_'
divergêndas;:·reco.nhecep.do nas sµa,s constit~çÕes estéplm:al~smo jurídico.. r ••.
·' Por sua Parté, a Consj:it(lição colornbi~na/ denominada de ':~onstituição
_ecológicà'? tra,z ~cdncepçõ1es do tradicional direito arµbiental, desenvàlyidas na~
' ·maioria. d.ৠConstituições da América Lati9;i: em l ~91, onde, os tratados e con-
. ;. _venções ai~da. tonse~avam a, ideia de.que o affib'iertte'-deve ser coiiservado é p~,o-~·
· .• tegido para servir às gerações futuras: anatureza ao serviço d 0 .ser humano, · ·• .·
No ep.tanto, a C,onstiruiÇão colombiana,, já em 1991, coloca elementos
. importantes qµe hoje pb:demos inter~relacioIJ.ar com os Direitós a Natureza. No
seu texto coristitucio.nal desenvolvem~se de forma inais1detalhada os. direitos fun-
), · / ,d;mentais, .em relaÇã~ ·aconstitÚição a.nterior, e os rrteca~ismos pàraJazei efeii-
- ,/ ··-. / . ( . .

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Amazônia Colombiana co'mo sujeito de direitos: sentença da Coite Suprema de Justiça da Colômbia i11
vos. esses direitos como ação p~pular e ação de tutela. Assim, também introduz
no sistema jurídico colombiano procedimentos 'participativos, derµocratizando o ·
Estado e sociedade, como,. po.r exemplá, plebiscitos, referendos, consultas populares,
cabildo abierto, iniciativa legislativa, revocación de! mandato, etc. (FERNANDEZ,
DIEGO, 20} 1). .
No que se refere à proteção do ambiente, estabelece no seu artigo 79 que
todas as pessoas têm direito a um ambiente sadio, reconhecendo que a lei deve
garantir a participação das comu,nidades nas decisões que possam afetar este (CO-
LÔMBIA, 1991). Assim também reconhece que é fundamental a proteção de
.áreas .de importância ecológica e da d.iversidade.
a
No artigo 80 observamos como a ideia de que Natureza pode ser explorada
e sua pres~rvação e conservação estfrelacionada ~um benefício para o ser humano,
e não por ter um valor em si mesma, quando se afirma que "o Estado deve planejar
o manejo e aproveitamento dos' recursos naturais, para garantir o desenvolvimento
sustentável, conservação, restauração e substituição" ~COLÔMBIA, Í991).
Por sua parte o artigo 79 da Constituição colombiana estabelece o relativo
'<!O direito ao ambiente sadio, que reconhece a participação da comu,nidade quan-

do est~ seja afetado: ·

Todas as pessoas têm dire~to 3: desfrutar de um ambiente sadio. A lei garanti"


rá a participação da comunidad.e nas decisões que possam afetá-la. É dever do
Estado proteger a diversidade e integridade do ~nibiente, conservar ::S áreas de
especial importância ecológica e f~mentar a educação para o logro destes fins
(COLÔMBIA, 1991-"tradução dá autora).

Este preceito constitucional guarda muita relação coni .o artigo 225 d.a ·
Cónstituição Federal de 1988, e pensamos que pode servir de referência para en-
tender como o poder Judiciário, embora a constituição colombiana não reconheça
os direitos da natureza de forma expressa, corho o fazem,as Constituições da Bolí-
via e Equador, conseguiu fundamentar uma decisão tão imp0ítante como é c,leda-
rar sujeito de direitos a uma entidade da natureza, suscetível. de especial protéção.
É importante prestar muita atenção nesta semelhança já que, como será
· analisado posteriorment\:, emliora a Constituição colombiana não tenha um pre: ....
ceito específico que reconheça a natureza como sujeito de direitos, este reco.nhe-
cimento partiu de uma interpretação, num primeiro momento-pela C?rte Cons:;:
titucional e depois pela Corte Suprema de Justiça, do .direito ao meio ambiente·
ecologicamente sustentável.. Ou seja, foi através da interp~etâ:ção de leis "antropo-
. c.êntricas" que se conseguiu reconhecer que a Natureza tem valor e,i;n si mesma, e
.como. tal deve ser respeitada e protegida. .
É fundafuental aclarar que com isto não se desconhece o valor das cons-
tituições .como a do Equador ou Bolíyia, que trazem no seu texto uin 'reconheci-
mento express~ do direito da Pachamama. O que se pretende ressaltar é que éxis~
tem várias frentes de luta, não somente no reconhecimento legislativo os Direitos .
da Natureza podem se ver materializados, mas também nó' judiciário esta luta
pode e deve ·ser Hbrada. . .

(
IÍÍ'!"' ..

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12 'Carla Judith Cetina Castro
l
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' 1'
5.2 SENTENÇA STC4360-2018 DA CORTE SUPREMA DE JUSTIÇA DE 1

COLÔMBIA: AMAZÔNIA COLOMBIANA COMO SUJEITO DE DIREITOS

1. A ação de tutela que pernütiu que o Rio Atrato, sua bacia e afluentes
fossem declaràdos como sujeito· de direitos foi peticionada pelo Cen-
tro de Estúdiós. para la Justida Social "Tierra Dignà'; em represen-
tação do Cc;msejo Comunitario Mayor de la Organízación Popular
Campesina deÍ Alto Atrato "Coc;omopôca~, el Consejo Comunifatio
Mayor de la Asodación Campesina Integral del Atrato -Cocomacia-,
a Asociación de Consejos Comunitarios del' Bajo Atrato -Asocoba-, o
Foro lntercétnico Solidaridad Chocó (FISCH).
)
Amazônia Colom.biana como sujeito de direitos: sentença da Corte Suprema cfe Justiça da Colômbia 173
2. a
A ação de tutela foi contra Presidência'daRepública, o Ministe_rio de
Ambiente y Desarrollo Sostenible. .
3. Os fatos que motivaram a ação consistem em que constantémente o
Rio Atrato, sua bacia e afluentes, se vê afetado..:-pela éxph5ração míne-
ral ·e o desmatamento.· A exploração. mineral especificamente tem fei-
to com que ó rio esteja sendo poluído por mercúrio, cianeto e outras
substâncias químicas altamente tóxicas, trazendo grandes impacto~ à~
comunidades. _. .
4. Dentro do processo iria, se julgar se em virtude da exploração mineral,
e posterior poluiçã6 .do Rio Arrato, estavam se vulneqndo os direitos
fundamentais da vida, saúde, água, segurança alimentar, meio am-
biente sadio, à cultura e o território dos povos peticionários. Dentro
do processo iria' se julgar, em virtude qa expioração mineral, 'e poste-'
rior poluição do Rio Atrat6, caso estivessem se vulnerando os direitos
fundamentais da vida, saúdé, ·água, segurança alimentar, meio am-
biente sadio, a .cultura e o território dos povos peticionários. .
5 .. A Corte Constitucional faz, dentro da decisão, a análise de vários pofü
·tos import<1ntes p<1ra fundamentar a especial proteção que deve rece-
ber o Rio: Atrato, sua bacia e afluentes: Estas análises são sobre: a) <1
riqueza natural e cultural da nação; b) a Constituição ecológica e bio-
diversidade; ~) o conceito e abrangência dos direitos bÍocultura:is; d) a
especial proteção dos rios, bosques, fontes de alimento, rfie.iO ambien~
te e biodiversidade, o direito fundamental da água; proteção· da natu-
reza e segurança alimentar.
6. Os direitos bic:iculturais, afirma a Corte Constitucional, são, na sua
definição mais simples, os direitos que têm as comunidades étnicai; de
ac\ministrar e exercei a tutela de forma autônoma sob~e seus territó-
tios, em conformidade com suas pr~prias leis e costumes, assim como
d.os recursos naturais que formam o território, onde se desenvolve sua ·
cultura, tradições e forma de viver, com base ná especial relação que
. tem com o aplbiente e a biodiversidade; Estes direitos bioçulturais não .·
correspondem a novos direitos, pois, segundo autores da rnatét:ia,. são
a convergência dos. direitos aos recurs~s naturais e a cultura d,os povos.
indígen~s e tribais, q1:1e na Constituição.colÓmb~ana se encontrarv dis-
persos: E assim que os direitos bioculturais reafirmam o vínculo entre
as comunidades indígenas e tribais, e outras coletividades cornos re-
curso~ que compreendem seu territóÚo (CC, 2016).
' -. 1 . ' '
7. _A Corte Constitucional se fundamenta· no princípio da precaução em
matéria ainbieni:al para pr~téger o direito à saúde das· pessoas, uma
yez que existiu evidência, embora não certeza científica, de que ó Rio
A.trato estava sendo contaminado pela exploração mineira ilegal; a
qualvem provocando afetações na saúde das pessoa~ das comunidades
que consomem a água deste rio, pelos químicos tóxicos como mercú~
rio e ciane~o.
41
7 Carla Judith Cetina Castro

8, Em consequência, a aplicação do princípio de precaução neste caso


tem por objetivo: a) proibir que no futuro se usem substâncias tóxicas
o
'' como mercúrio nas atividades de exploração mineral, sejam estas le-
gais ou ilegais; b) ·declarar o Rio Atrato como sujeito de direitos que
impljcarri a sua proteção, conservação, manutenção· e, no caso concre~
to, restauração.
9. A Corte Constitucional se fundamentou na decisão para declarar ao.
Rio Atrato como Sujeito de Direitos,· que a justiça com a na~uteza
deve ser apl\cada além do cenário humano; pelo que é necessário dar
um passo além. na jurisprudência na proteção constitucional de uma
das fontes de biodiversidade mais importantes, como é o Rio Atrato .
. Assim mesmo, fundamenta esta interpretação no interesse superior do
meio ambiente que tem sido desenvolvido amplamente pel<i jurispru-
dência ·constituçionàl, pelos diversos preceitos· constitucionais conti-
.dos na "Constituição ecológicà' ou "Constituição verde", que tratam
sobre a transc;endência que t:em o meio ambiente sadio e 9 vinculo de
interdependência com os seres humanos e o Estado.' ' 1

1o, Na decisão a Corte Constitucional decidiu declarar,vulneração aos di~


reitos fundamentais da vida, 5aúde, água, segurança aliméntar, meio.
ambiente sadio, cult:ura e território das comunidades étnic;iS que ha-
bitam a bacia do Rio At~ato ·e seus afluentes, sendo esta vulneração
imputávelpor sua omissão aos órgãos do Estado éàlombiano que fo-
. ram demandados: "Presiderzcia de la República, Ministerio de Interior,
Ministerio de Ambiente y Desarrollo Sostenible, Ministerio de Mznas y
Energia, Ministerio de Defensa Nacional MinisteriO de Salud y Protec-
ción Social Ministerio de Agricultura; Departamento para la Prosperi-
dad Social Depcutamento Nacional de Planeación, Agencia Nacional de
Minería, Agencià Nacional de Licencias Ambientales, ·Institut~ Nacional · ·
de Salud, Departamentos de ChrJCÓ y Antioquia, Corporación Autónoma
Regional para el Desarrollo Sostenible dei Chocó ;yodichocó-, Corpora-
ción para el Des'1rrollo SOstenible dei -Urabá -Co'rpour.abá~, Poliçía f!à- ' -~
. cional ~ Unidad contraJa Minería Ilegal, y los municípios de Acandí,
Bojayá, Lloró, Medio Atrato, Riosucio, Quibdo, Río Quito, UngztÍa, Car-
men delDarién, Bagadó, Carmen de Atrato y ·Yuto -Chocó-, y Murindó,
Vigía de! Fuerte y Turbo -Antioquia-.. " · · ·
11. A Corte Con.stitucional r.econheceu o Rio Atrato, sua bacia e afluentes
como SUJEITO DE DIREITOS, ordenando para sua proteção u!lla
série de medidas para recuperar e proteger o Rio Atr.rtu, elaboração de
planos para combater a mineração ilegal, a contaminação do rio, cria~
ção de comissão de guardiões do Rio Atratq, entre outras.

Já em 2018, a Corte Supremade Jtisl:iça, seguindo f jtuisprudência assen-


tada pela Corte, Constitucional, e se fundamentando na decisãoahteriorinente
analisada, declarou a Amazônia colombiana como su)eho de dirfoós.
Amazônia Colombiana como sujeito de di~eitos: sentença da Corte ~uprenia de ~ustiça d// Colômbia \ 1s

A ação foi peticionada por .Andrea Lozano Barragán, Victo.ria: Alexàndra:


Arenas Sanchçz, José Dani~Le Félix Jeffry Rodríguez' Pena, entre outros. Os peti-
cion.ários se identificam -çomo um grupo de 25~crianças e jovens aciultos/ entre 7 ,
'e l5anos de idade, que vivemnàs ddades que pertencem as que têni'Í-naior risco
provocado pel~ .niudariças climátieas. _ · · · .
O objeto ,da petição é que·-a Corte Suprema -de Justiça condene os ór-
gãos do Estado pelo aumento do desmatamento na ~azônia colõmbiana, já que
este contribui nas mudanças climáticas, ~endo os peticionários afetados nos- seus
direitos. - \
. Os órgãos acionadost'foram a Pn:sidência da J).epública, os Ministerios de
· Ambiente y Desarrollo Sostenible y de Agricultura y I)esarrollo_ Rurál, a Unidad
J\dministrativa Esp~cial de Parques Nacionales Naturales ,e as Gobernadones de
, Amaz.onas, Caquetá,_Guainía, Guaviare,'Putumayo e Vaupés". · ·
Um dos elem,eritos que merecem especial menção cieste caso é a estraiégia ··
queos órgãos cbntra'.-aos quais recai a açãotomárám, que foi a.Colhidà peló judiciá-
, rio no primeiro grau ê tem a ver1 com a procedência da ação de rutela para amparar
o direito aci meio ambíente sadio. ·. ·. .· . , . ·.
'· : No julgamento em pr.imeir~ grau, foiseguido o entendimento que por se
tratar a petição s0bre direitos coletivôs, a~ão adequ_ada: seria a aÇão popular: não
acolhendo ~ petição e não determinando a vulneração ao direito ao meio ambien-. ,
tesadio; -. · ·. . ·. .
. Os petici~nários impugnaram a dêcisã~ da Sala Civd ESpecializada en Res-
!Itución de Tiérras delTribun~ Superiôr del Distrito Judicial' de ~ogotá,' umá.vez
que ó enrendíment9 deste. órgão não foi a ação adequaga para· amparar o direito
coletivo aci meio ambiente sa:udávef , .· .· ,
,, Esta;liferenÇa é impbrtarite porque, ao de,clarar a natureza como Sujeiti;> _de ,
Direitos, Hormacom que sé trata de amparar o direito. é diferente ..Ao reconh!'lcer ·
/ . que ;{Amazônia colombiàna tell} diteitós fundamentais a ação adi;quada é a aÇão
·.. de tuteÍa, qu<: pode sef_in,.icfada 'por q~alguer _pesso'a.e, cóm proteção imediata;; a ... 1
- diferença de se apresentar uma açãp popular que corresponde à proteçãO _<).e diréi-
-.tQs ou.imeresses coletivos. . .· .. ·· · · · · .· , · · ~ ., ·
.Acontinuação segue a1gu~as cáí-acrerísticas-da açãopop1,1l~r e aç㺠de tu.-
.-~·.- tela, çuja procedênci~ foi objefo-ck análíse ho cà.foque_está ~endo tratado:. -

1.·

1 ~
1.
\
·' . ,. /'

',,

( ,

·'
7 61. Carla Judith Cetina Castro ·
Ação popular Aç!W de tutela
rRrocede quando ~se vulner:i.m direitos ou' Espedfica para a proteçáo_de d.ireitos .fundameni:áis.
)~teresses écíl~tivos . .
" Pe>de s~ âpresentada por; Meêahisip.o de defesa~udicial qüe 9.1,1alquer p~s;e>a pode
• Qualquer pessoa sendo ésta fí~ica ou acudir para ~obter a proteção imediata; dos· seus direitos
jurídica. . fundamentais quandosejam vulnçi;áveis ou. ameaÇados por
• ONG's. uma.entidade pública ou privada: ''
• Entidades p,úblicas ·de controle e
vigilância. .
• Procurador Ge~al da Naçáo.
• · [)efensoria Pública.
•. Personeros distritais e munidpais.
'• Prefeitos e funcionários que. renham
• o dever de proteger estes direitos .
. Tem por fü;1alidade: Tem por finalidade: · ..
• . Evitar, um .dano cónringente. .; Evitai ã·violaçáo ·de direitos fundamentá.is.
i Cessar o petig<;>, ameaça, vulneÍ:ação • Rep~rar os drui~s ocru:ionados pela viol~çáo.-de di(ei-
,ou agravio · 1·• · • ·• ·' tos fundamentais. e •
• ,R~stituir as coi.sas ao estado ap.i:erior.. r-.. . -

'JurisdH;~o: · Jurisdição: , . .. . .• . .
• Contencioso ~tlministrarívo con- Ó ~tigdJ7 do Decreto Lei2S91 de 1991 pre~(:reve qué'.
tra eri(jdades· pública:S ou. perso- a compei:ênoia'para con,hecer a ação de tutela priineira .•. em
'nas que desempenham · funções )ristância é dos_juízes e tribunais com jurisdiçáo no luga'Ç
-"--- adin.inistratiVa.S. , onde Qéorteu à vióláçáo ou ameaÇa em relaçáo a tun direi-
• ' Ordin~ia d;il. · . ..J:o ~ndamenial. ' · ·
. ·: . /• ''(

Quadro J: ·diferern;:a§_~n!re ação de tu~elà e a9ão popular.


. ' .
Neste.caso, foi acolhida pela Corte Suprema de Justiça, seguindo o enten-
dimento da Corte de Q>nstituciónalidade em 'sen~enças antt:rióres, a procedên- ·
eia excepcional d~ ~ção de wtel'a; porque co~ a vµlneração do dir~ito ·áo meio .
ambiente •sádio existe afetação de dire.itos indi'viduais fondamentajs corria .a. vjda~ )
saúde e dignidade huma.tia,\ p~Jo qual pro~ed~;sirri. amparar ~ d,ireit0 ao meio am~
bienÚ sadio àtravés da ação de tuÍ:ela. - · · · ·
. Esiaintedigaçãq de direitos individuai(e ~oletivos é fundarheni:aLpara en-
tendecque, quando se trata de proteger o ambiente, entendendo este com9 um~
sisnmiaambie11tal; suafuri.damentaç;~o nãb está.delimitada somente-aúmdemen-

to desse sistçrtra; ào cóntrá~fo, é' a proteção sistt';tna eni si que permjtir~ t;un-
hém a ptóteçá'O de ca~a uiri dos elementos que o compõe.. . • \ ' -
Na mesnia linha, ab_ Í:i:ata_r sobre direitos humano~, evitar a viol,ação d.e um
:direit? humano individual !lão somente 'é imp~tante para a p~ssoá que está s9tten~ ·
do a â.ita violação, mas pàra to'dos com.o sociedade,· cóletiviclade, cómp humanidad~. ·
·.· : Outrà questão importante a s~rre.Ssaltada des\à decisão da Corte Supr~"
má de Jüstiça.'i:em a ver.corµ afrmdamentação e ligação que faz sobre o _direito~ao
i;rteiÓ ambiente s;mcÍá~el 'ê 6 valor intrínsecq da natureza com os direitos àrribfetl~
tai~ das geraçóe$ futuras; . . ., -- , . . ·
A petiÇão foi realizada por uÍl;l grúpo de crianças e-jovenúritrç 7 -~ 25 anps
de' idade, aleg~d~ que eles fornia~am parte das gefaÇões futU'ras: qnia vp, q!-1-e, ;
\ .
.. , . .

/) /,,-'
.\
"· \

_\_ ._.
Amazônia Colombiana como sujeito de direitos: sentença dq Çorte Suprema de Justiça da Colômbia 177
nas previsões dos piores efeitos da~ mudanças climáticas, eles teriam uma média
de 78 anos de idade. · . ·
Neste sentido, a Corte a:firma:

Ós direitos ambientais das futuras gerações se fundamentam no (i) dever ético


da solidariedade da espécie e (ii) no valor intrínseco da natureza. O fundamento
da obrigação da solidariedade direta com a natureza se constrói num valor, em
si inesmo, desta, por afinidade com o sujeito cognoscente ou "objeto" externo
pelo que se define, por quanto o ser humano "forina parte da natureza "sendo"
ao mesmo tempo, natureza''. Esta conceiÇão é a essência principal sobre a que sç
fundamenta o conceito de valor intdnseoo. do. ambiente: o respeito a si mesmo ·
implica, do seu, ".o respeito à parte de si mesmo que está conformado pela nâtu-
• reza, e da que formarão parte, .na sua vez, as ger~çóes futuras". O princípio da so-
. lidariedade, para o caso concreto, se determina pelo dever e corresporisabilidade
. do Estado colombiano em det~r as câusas que provocam a emissão de GEÉs (ga-
ses de efeito estufa) provocado pela abrupta redução dos bosqµes da Amazônia,
sendo imperante adotar medidas de rhiti.gação imediatas protegendo o direito ao
bem estar ambi(':ntal, tendo dos1 tuteiantes como• das demais'pessoas que habitam
e compartem o território amazônico, não somente o nacional, mas também es-
trangeiro, junto com as populações do gl.obo terráqueo, incluído o~ demais ecós-
sistemas e seres vivos. (CSJ, 2018, tradução da autora), ·

Como pode~os observar no trecho anterior, a Corte Suprema de Justiça


desenvolve Úma .fun:damentação muito interessante do direito ao meio ambiente
sadio dos peticionários, tendo estes como gerações futuras e a relaçãó qu'e guar-
dam com a natureza. A premissa de que para permitir que as futuras gerações
possam ter seu direito ao meio ambie1lte sadio assegurado, faz necessária que a na-
tureza tenha valor intrínseco, permita uma análise muito mais completa e ligada
à proteção dos direitos à saúde, vida, segurança alimentar, 'ou princípios como a.
dignidade da pessoa humana, etc.
Não se pódepen~ar na proteção de [)ireitos da Natureza, direitos ao meio
ambietite sadio, direitos culturais, sem pensar na interligação que estes têm com
· outrosdir~iros, como vida, seguránça,aljll-ientar, saúde, dignidade da pessoa hu-
mana, considerando que todós estes traspassam as esferas do tempo. É dizer, a
proteção destes direitos devê ser entendida como atemporal, cujos efeitos tefilÕ
ressonârlcia no presente e futuro, e cuja tit~laridade não se limita a uma pessoa,
mas a todoséomo humanidade.
Um exemplo similar .desta premissa pode ser obs'ervado n.o Brasil quando
.se trata da proteção· do direito ao territ6rio ·e recursos naturais, a qual está inter-
' ligada com. a proteção do direito à cultura dos povos indígenas: para proteger os
povos illdígenas e permitir que .estes. preservem sua cultura é· necessário proteger
seus territórios, numa ideia de cqntinuidade, geraçõ~sfoturas de povos indígenas.
Éimportati.te também ressaltar a ligaçãóque a Corte realiza entre todos os
seres vivos do planeta, já que faz uma fondimentação reconhecendo a importân- .
eia da proteção dq di~eito ,ao meio ambiente sadio das comunidades, mas sempre
_observàndo estes como partes interdependentes umas das outras, é' dizer, a prote-
çã() dos direitos ao território, ao meio ambiente saudável, a cultura, a vida, saúde,'
781 Carla Judith Cetina Castro .

segurança alimentar, que não se dão de forma isolada. Para poder permitir uma
proteÇão integral deve-se entender tudo interconectado. · _ -
E
assim que, ao defender o rio, a Horésta, os animais, os territórios comtL-
hais, os povos, a cultura, todos estão s~ndo defendidos em sua: coletividade. As-
sim como afirma a Corte Constitucional (CC, 2016), a constituição colombiana
rernnhece eSta cosmovisão indígena:

Na ve.rdade, a tianifeza e o nieio ambiente são um elemento transversal ao or-


denamento constitucional colombiano. Sua importância ·reside nos seres hu-
manos que ~habitam e na necessidade de contar com um ambiente sadio para
levar uma vida digna e em condições de bem-estar, mas também em relação
aos outros seres vivos com querri se compartilha o planeta, entendidas como 1
1
existências merecedoras de pr,oteção em si mesmas. Trata~se de ser conscientes
da independência que nos conecta a todos os ,seres vivos da terra; isro é; nos re- 1

- conhecer como partes 1iritegràrites doecossistema global-'-biosféra-, antes que, a


partir de_ categorias norm;;tti:vas de.dominação, simples exploração ou utilidade.
Postura, que cobra especial relevância no constinidonalismo cokimbiano, ten-
/ do em rnnsideração opluralismq cultural e étnico que o fundam'enta, ao igual
que os saberes, uso e costumes ancestrais legados pelospovos indígen,is e tribais\
(CORTE CONSTITUCIONAL, 2016, tradução da autora).
\

Para· finalizar, a Corte S~prema de Justiça, p.a parte da fu~damentação,


afirma que com o objetivo de proteger um ecossistema tão importante e funda- -
'mental para o fúturo global, assim como a Cor.te Constitucional declarou ao Rio
Àtrato, esta reconhece à Amazônia Colo,mbiana como entidade "sujeito de direi-.:
tos", titular da proteção, conser-\ração, manutenção e restauração a cargo do Estac
do e as entidades territüriais que a integram. - .
Para isto a Corte mdenou à Presidência de la. Republica, o Ministerio de
1
Ambiente y Desarrollo Sost'enible, e à Cartera de Agricultura y Desarróllo Rural
·para que,; .em coordenação coní os setores cio Sistema Nacional Ambiental, e a
participação dos que apresentaram a ação, as comunidades afetadas e a população
in.teressada em geral, dentro dos meses que seguiram da notific~ção dasentença,
a elaboração de um plàno de ação de curto, médio e lor;.go prazo que diminua a
taxa de desmatamento na Amazônia, fazendo frente aos efeitós d~s mudanças cli-
máticas. A Corte Suprema de Justiça
~ .
na, sentença
. . ordenou o seguinte:
• À Presidência da República, Ministério de Ambiente e Desenvolvimen~
to Sustentável, Ministério de Agricultura<; Desenyolvimento, Rural, for- 1

mular em' 05 meses seguintes da notificação da sentença; com a partici- 1


1
pação dos tutela'ntes, as comunidades afetadas, organizações .cientistas ou
grupos de investigação ambientais,! e a população interes;ada, a constru--
.-ç~o dé um pacto intergeracional pela vida do amazonas colombiano -PI-
VAC-, onde serão adotadas m~didas encaminhadas a reduzir o desrríata- ·
menta e ymiss(les de gases do efeito estufa, o qual deve ter estratégià_s de
execução nacio~al, regional e local; do tipo preventivo, obrigatório, cor-
retivo e pedagógico, direcionadas à adequação das mudanças climáticas.
Amazônia Colombiana como sujeito de direitos: sentença dd Corte Suprema de Justiça da Colômbia 179
• Aos munícípios da Amazônia colombiana realizar num prazo de 05
meses de notificada a decisão, ~tualizar e implementar os Planos de
Ordenamento Territorial, que devem conter um plano d~ação na re:
dução zero do desmaqmento no seu territorio, que devêm conter es"
. tratégias preventivas, obrigató1rias, corretivas e pedagógicas, direciona-
das à adequação das mudanças climáticas.
• À Corporación para el Desarrollo S.ostenible del Sur de la Amazonia -
Corpoamazonia, a Corporación para elDesarrollo Sostenible del Nor-
te y el Oriente Amazonico - CDA, ea Corporadón para el Desarrollo
Sostenible del Área de Manejo Especial La Macarena ~ Cormacarena,
realizar num prazo de 05 meses, contados a partir da notifü;ação da
decisão; a elaboração de um plano de ação que comb;,ita, mediante
medidas policiais, judiciais ou administrativas, os problemas de des-
matamento informados .Pelo IDEAM. · .
' ' ' \ '

Um aspecto importante a ser ressaltado consiste na forma em que a Ama--


zônia colombiana é reconhecida como Sujeito de Direitos. A éorte Suprema de
Justiça, na decisão proferida na sua parte de fundamentação, e não resolutiva; ei-
plica q!Je seguindo o entendimento .da Corte Constitucional que reconheceu ao
Rio Atrato como Sujeito de Direitos, assim ·considera necessário, para sua prote-
ção e preservação, reconhecer à Amazônia colombiapa também .como Sujeito de
Direitós.:É dizer; o reconhecimento dós Direitos da Natureza aconteceu na sen-
tença da Corte Constitucional, a partir de um caso específico que foi do Rio Atri-
to, que como máximo órgão do c~ntrole e interpretação constitucional, permite
' '

que esteentendimento seja uti.lizado pelos órgãos jurisdicionais inferiores, neste


caso a Corte Suprema deJustiça. ·

' '

CONSIDERAÇÕES FINAIS.
· A Constituição Colombiana de 1991 tnmxev~rios reconhecimentos im- .
portantes· enquarito ·mecanistnos de participação cidadã. O direito ao meio atfi:::
bi~nte sadio se reconhece ainda seguindo uma lógkaantropocêntrica, o ambien-
te nãô possui valor intrínseco, e considera-~e sua importância em função do ser
humano. ·
A· Corte·· Constitucional ~em 2016 ·realizando. uma interpretação extensi-
va e funcÍamentaÇão em teorias científicas que defendem o valor da natureza em
si mesma, a imp9rtância do reconhecimento da relação que os povos indígenas
guardam com seus territórios e seu ambiente, e a relação entre todos como ele~
'mentas intercónectados declarou. ao B-.io Atrato, sua bac:;ia-e afluentes como uma
entidade sujeito de direitos.
Este reconhec~mento marcou o ponto. de partida para uma nova interpre-
tação das leis colombianas em matéria de proteção ao meio ambiente, porque, ao
declarar o Rio Atrato como Sujeito deI?ireitos, reconheceu os Direitos da Natu"


1 '
. 80 1 Carla Judith Cetina Cast~~
i'.eza, permitindo que este ént~ndimeni:o seja ~tilizado ·por órgãos jurisdicionais
inferiores. · .. . , . ·. . ··. . ·
Posteriormente,· este reconhecimento é u~ilizado para fundamentar a espe;..
cial proteção que a Amazônia colombiana deve tet' para evitar as, mudanç~ climá-
ticas que $Uporiam ~itos devastadores para as comunidades .que se encontram
habitando este ecossistema. .·. . ..
. A senteÚça da Corte Suprema de Justiça representou um passo Ímportan-
. te. no sistema juqidáriocolombiano, e na-consolid:i,ção dos Direitos da Natureza.
Embora a Constituição colombi~a .não reÇonheça os. pireitos da Natureza dé
forma expressa; esta possui preceitos legais que perr;iitem realizar upiafot~Jpreta- .
ção ,mais. adequada com aS ríecessidad(jS que Sf'! apresentam nà sociedaqe. . ·.
1
Ó caso da Colômbia é um claro exemplo das. diferentes frentes de luta qu,e .!
podem ser libradas pará o ·reconhecimento dos Direitos .da Natµreza, ·no j~diciá­
rio; e·nãb uo legislatiyo .como acmntecéu na Bolívia e no Equadpr. . • ..
)'
Q judiciário co1ombiano já'c;onsolidou a necessicl.ade de: abandonar a ideià
. antropocêntriCa, ereconhecer a nível estatal i cosmovisão dos povos ip.dígenas de.
1 .,, •

) entender a realidade e a forili.a em qµe estes se rdacionam e cmnectam'icom o ~m­


biente. Estes avanços; que representam um }:íenéfício,/não sortiente para· as cmmu- \
·· nid,ades, mas p~~ toda aliumanidade, são ~omenl:e possíveis:atràvés das reivindi- '
C,ilÇÓeS d0 respeito ~OS dfr~ltos' dos povos indígenas; as COrrlUnidades tradiciohaiS,
tribais e afi;odescendentes. . ·

.1
.REFERÊNCIAS. ·.~

, CC, Corte Constituci~nal. Sala Sexta ·de RevisiÓn( Sentencia T-622 de 2016,
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. · actos-legi:slativ9s a 2qI6. Edicion~especiial preparada por la Çor~e Co_nstitu-
cion,al Çonsejo Sl;l:peJ."jor
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de, -là]udiéamra,
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Centro de .Oocumentación
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Judicial
·. r
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. CSJ', Cqite Suprema de Justici:i- Sentencia STC4~60..:20]8. Ràdicación nº


1
t
I I 001-:22-03-000-20 I 8-0."°3 I 9:.() .Mà.gistrado Ponente Luis Armando Jó .
losa Vil1aboria. ·B~gotá, 05 de abril de 20 IS.· . ./
~ERNÁNDEZ, Albert Noguera; DIEqO, Marcos C~iado de. La ·Constitución c~­
-lombi~a de 199 I comopunto deinido ddnnevo constitucionalismo en Amé- ·
j ' - .ric:fJ;,atina:Revista~tudios
' ' -.
Socio-j'Qrídicosi C~lombiã,p.'í5~49, 20I I.
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.\
(
1
,. ,.· NÁRDIZ, AlfredoRamírez. Nrievo ~onstitµcional~sÓJ.o latinoanieric~o·y de- i
1
mocraéi~ participativa: ~Prog~so o regoceso delll.octátito? Bogptá~ UniVer~
sifas,.2016. .
• '1
\ f

·r.'

' ,~ :. ,.1
------ -----

· 6. CASO DO PAPAGAIO VERDINHO E A TRANSIÇÃO


DE PARADIGMA NA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA

Anna Maria Cárcamo

INTRODUÇÃO

O Recurso Especial- L797.175 - SP (2018 /.0031230~00), caso do papa-


gaio Verdinho, julgado em 2012, trouxe uma decisão judieial, inovadora do Supe-
rior Tribunal de Justiça (STJ), que abarcou um paradigma biocêntrico e ampliou·
o conceito cfe dignidade aos animai~,- incluindo os não hurnanos. Apesar de não
ser uma decisão vinculante a outros casos, implica em uma si.iperação do paradig-
ma ~ntropocêntrico por parte de STJ e consideramos que pode traze_r importantes
argumentos e fundamentos ao movimento dos direitos dá natureza (CYRUS K .
VANCE CENTER FOR INTERNATIONAL JUSTICE; INTERNATIONAL
RIVERS; EARTHLAW CENTER, 2020). - ' .
O ·caso em análise versava sobre o apreendimento de papagaio selvagem,
Verdinho, pelo ·Instituto Brasileiro· do Meio• Ambiente e· dos. Recursos Naturais
Renováveis (IBAMA), qtie buscava eventual soltura do animal em virtude de su-
postaqompra ilícita e maus tratos por parte datecorrente, Mariâ.Angélica.Caldas
Uliana. Apesar de ter sido comptadode·forma ilícita,. o papagai9 vivia com Mari~- ..•.·
Àngélka hi 23 anos na época da decisão do STJ. Dessa forma, o STJ entendêu
,pela manutenção de Verdinho com a recorrente, compreendendo. que existia uma
relaçã~ de afeto mútuo, e quéô seu áfastamento poderia afetar a '\J.iménsão W)c
' lógica da1dignidade humana"(STJ, 2019). Nesse sentido, o Tribunal buscou fun-
damento ~m leituríl ampla do princípio dedignidad~ humana e inovou a9 con-
siderar, não apenas a dignidade humana de Maria Angélica Caldas Uliana,coino
também os direitos de seres não humanos, os direitos çlo papagaio Verdinho. ·
Sendo assim, a-análise em tela se inicia com um breve histórico, seguido
da leituta do. voro do Ministro Relat_or do acordão objeto deste capítufo; Minis-
tro Og Fernandes, de /Ilaneira centrada nos argumentos que ressaltam os direitos·
da natureza e, postêriorment<;:, ah9rda a base te6rica para a _revisão do paradigma .
dominante e, pÓr fün, conclui com O aporte que se tr<Ha de um precedente im-
portantep\lra'o movimento dos direitos da natureza no Brasil.

1~1
.. --. -~~-··~---'---------~-.--.

8~ 1 Anna·Maria Cárcamó ..

6.i DECISÃO PELO MELHOR INTERESSE E DIGNIDADE DO VÉRDINHO


. Como referido na. introdução, o caso tratava de um papagaio selvagem,
Verdinho, capturado e criado em cativeiro ao longo de mais de vinte anos; Verdi-
nho foi àpreendido pelo IBAMA, por conta de sua compra ilegal e possíveis maus
tratos, que buscava multa e apreénsão .para evçntual soltura do animal e; conse-
quentemente, retorná~lo para a natureza. Maria Angélica Caldas Uliana, guardiã
de Verdinho, por sua vez, negou os maus· tratos e ingressou em juízo para manter
o animal em sua guarda. · · . ·
O papagaio Verdinho, ou Verducho, como é chamado carinhosamente p.<;>r
Maria Angélica Caldas Uliana, fá tinha com a mesma uma relação de reciproci- .
dade e era considerado um membro da família. Em entrevista, ela se r;:mocionou
e afirmou que hoje não o tiraria mai~ da natureza, mas que, na década de 1990,
. quando ele lhe foi entregue, não tinha essa cons\\iência. Segundo a mesma, quan-
do o IBAMA o apreendeu, ·ela sentiu a mesma dor qu~ sua mãe deve ter sentido
quando ele foi tirado do ninho (ULIANA, 2019).
Em decisã.o .rta instância inferior, o Tribunal de Justiça de :São Paulo já·
havia ·concc;dido a per.manência provi.sória do papagaio junto à Maria Angélic~
até que o IB.AMA "c'omprovasse a viabilidade da destinação prevista em lei e qüe ,
•\
' dispõ~ d.os aparatos necessários a assegurar o bem-estar. do animal" (STJ, 2019).
Inclusive, a recorrente, Sra. Maria Angélica, juntou laudos veterinários ale-
gando que Verducho teria sofrido maus tratos ao ser mantido sob a guarda do
IBAMA (STJ, 2019) e alegou que "aodeterminarque a guarda provisória tem
data par;i acabar; ou seja quando o IBAMA comprovar, que tem condições de in~
serir o animal em seu habitat ou entregá-lo a criadores autorizados, a decisão está a
gerar expectativa e ansiedade q)le transcendem. a necessária estabilidade emocional
e física à recorrente, Isso sem falar do risco.de vida que o Verdinho passará a sofrer,
caso se afaste pa Recorrente" (STJ, 2019). . .
. ... ·Sanando.a disputa, em marçó de2019, a referida decisão da 2ª Turrná do
STJ entendeu que a possibilidade de de".Plver a ave à natureza depois de tantos
i '
1
~. ;
' anos., e a incerteza de seu paraddro final, além de ser irrazoável não seria em seu
r,
i
melhor ihteresse e violaria sua dignidade. Em relação ao~ "maus tratos" por parte
da recorrente, o acórdão r~conhçceu que eram menores que o risco e sofrimen-
L
.!'i' to que a ave teriá como IBAMA, e determinou medidas como visitação semes-
tral a ve~erinários e fiscalização anual (STJ, 2019). Dessa forma, a sua decisão f~i ·
1 aléni da estrita análise da lei, pautando-se em interpretação ampfiativa dos princÍ-
pios constitucionais, aqui reconhecidos como. O melhor Íritsresse do animal e sua.
1
dig?idade. .

I•

1
6.2 DIREITOS DA NATUREZA NO.TEOR DA DECÍSÃO DO STJ
j:

O Acórdão em análise é pioneiro e paradigmático por ser o primeiro caso·


brasileiro do STJ qµe aborda explicitamente os Direitos da Natureza, bem como
1
· Caso do papagaio Verd(nho. e a transir;,ão deparadigma naju",;sprudêndá brasileira J s3

a: ampliação .dó princípio de dignidade, art. '1°, IJI, da.Constit,uiçãoFede,ral da


Repiíblica de 1988, a:os anim,ais. úesi:aca-se a fundamentação emvbto elab,orado
p~lo Relator, Ministro Og Fernandes, que, amparado _tio dire~tÓ ~omp;u:ádo e ria
· relação de afeto entre hunianOs:e não humanos, trouxe essa ihterprétação esten-
dida da Constituiçãó. COin· ba,s~ no seu voto/a corte rejeitou a interpretaçãó me-.
ramente antropocêntricà' da Omstituição em favor de uni paradigma biocêntrico .
'
ou·- até mesmo
' .
ecocêntrico.
\ ' .
· :,'"'
· · . .
" ' ~
·
Além dissó; o voto do Ministro rela:tor Ç)g Fernal).des se apoiou no D,ir~ii:o
comparado e citou corno ~eferência as Constitujções do Equador (2008) e da Bo-.
,lívia (2009), que tratam dos direitos da natureza e o conceji:o _de Pachdmama, ou
· Mãe Terra. Portanto, se refere expressamente ao movíménto jurídico dos direitos
)
·da na:tureza, por exemplo; nos trechós abaixo: ' .
. ·'
' 1-,

ós paísés 1atino;~er1canos têm sido pioneiros em um tipo de constituciona- .


lism~ qtie preza pela'~ccinsciêricia ei::ólógica;. únindo o cOriceitô milenar' Pan;
1 ·- /
chamarnq. dos povos andihOs; que representa a Terra como titular de direitos,
pois é a expressão' ÍuáximJl da ~ida e. ~e mdos os seres '(hu)Ilanos ~u não) e a
teoria andina contempo~ea; ql!e_c6nsidel'..a Gaíá (Terra) como um ser vivo
. que se aµtàm!gula pela convivêntia harmoniosa de seus seres".
. .J

Doí~ "marcos import<QJ.tes dessa.inovação no modo de pensar j proteção am.-


bjentaJ são as atU.ais Consti~iÇÇJes do Eqhador e.da Bolívia[... ]" (STJ, 20l9). :

. 'Essa visão. da natureza como ,expressão da v_ída na sua totalidade possibili~


· ) fa que o "Direito Constitucional e as demais áreas do direito reconheçam o meio
ambiente. e os animais- nãó .humanos como seres,de valor próprio, rrierecend(),
poqarito, rçspeito:e cuidado, desôrte que;pode._o ordenarriehto jurídico atribu,ir-
-lhes tfrularidade de ciireitos e de dignidade"-(BOFF; 2003; FODOR, 2016 apud
STJ, lQ19). . . . . . .. ..
· . Para ~ém disso, o ~oto citou.ájurisprudência da Colômbia, queatrib,uiu ,,
-~ a per~onalidade jurídica áo Rio Atr~to; acres~cidà'ppr refle:X:õ~s import~ntes, 9,il~
.pi tidamente transcendemo viés antropocêntrico dominante: o fator mais.'impor~ ·\
tante desta: feRexão,. po!S, assen'tHe ~m u.rn redimê11sionámeritt> do sei:' hmnan<.f'.'.-
com •à •'natureza. a partir de um enfoqqe. dó direito ~iocêntriá? e. não, somente an-
)trop()C:ê,11trieo, 9s_ quais: se traduzem 'em uma profunda unidad,e e. interdependê:n~
j .
eia: éntre anarurezae a esp~tie ~umai;a(CÂMARA;.FERN{\,NDES, 2~16; TO~
.. LENTINO; oqVEJRA,]015 aimd S1J, 2019). Dando s~quência a uma V:is;io.
.• \.. que,pr~oriza/â ~acion;iJidade_pluralista,dos.cilreitps, r~foi:w o s:rJ: ' :f:
na:tureza.nãó.
· .é il1go apartado da :dipécie humana e1ós, derp.ais ~eres ,-da coletividade p~ane,tári,a, .
aSsim Çomó os seres humanos são â pró_pria natureza em sua urti\i-ei:salidade e,di~-
~versidade'' (OLIVEIRA, 2016 apud STJ;•20l9). · .. • '··· · · · ' , .
, o que nos leya.a concluir que essa relação de interdependência entre o hu-
. mano é a natureza n:itnpe com a visão ptilitafista d3: natureza; uma das p~inc:;ipa:is
cara:ct~rísticas do pensamento l~berál mode,tnQ:eantropócêntric:;o, de d()minação
da riatur~?-ª· ·. Assjm, as citadas )inovaÇões ..çlo direito -latino-aínetica:no chamam.·
';

<'
!, i

841 Anna Maria Cárcamq .·~ .

. : :itenção para. um rtecessário cáminho que nosso~róprio -0rdertarp.e~tojJrídico ,


se
. ·'
'-, ·). •' .
mostra propício a assumir. . \
·.·. Ó STJ, nesse cas6, chama atenção pelo cuidado com a fundamentação ju-
rídica do . .caso~
. amparando-se em' titnaséried.e precedentes do Egrégio Tdbu,rial 1
- no intui~o .de corroborar e alicerçar a·decisã,o ein teJa co,ru presentes alirlh;idores j

do mesmo sentido jurídico, de que o, dir(!ito à apreensão de qualquer animal não ..


pode seguir ei.cclusivamente a: ótica da estrita legalidade, tendp por argumento
centr~ o princípio darazoabllidade da administração pública (STJ,·2019).
· No entanto, comparada com as. referidas <lefisóe$ anteriores do~STJ no
. mespi:o sentido, inclusiye de relatória ,elo mesmo Ministro Og Femaiides, o caso
Verdinho vai além,· uma vez 9.ue Os de.mais acórdãos deeidiani de forma favorável
/
a manutenção do animal COR1 seu proprietário, por~m, pauravam~se no prindpfo
) / ~~ razóabilidacke da proporcionalidade. Tais casos já tratavam de forma super- 1

. ficial do vínculo emre animal e dono, contudo, não se aprofundavam ou mesmÓ .


. CÍtav:d. O Il).OViffientO Ô.e direitos cla natú~eza, SU:J, iffiportâflcià .teÓÍ;icà e à juris~ .·
prudência oriundas ae-outros países;, .' . . '
·, ;·. ,Aluz. .
dps casos Citados
·.
e na"trànsição
' ,
paradigmáti~a,
' .
0 Ivíini~ho Og Fer- i'.
. . \·f
qandes ençendeu que o~ direit:Qs fundamentais contidos_ém.n,ossa Constituição •·
estariain lfrríÍtadÓ\ªº sererri tratados'àpenas com<;> direitos humanos, e que deve'-
riam .ser· ampliados) a o,utr~s formâs. de vida. Dessa'illaneira, coirto embasamen-
to,,o voto citou trechos de Ame Naess, proponente da do~itrina dé D(ep Ecology,
9
sobr~ a necessidade de reformula,r princ!pio da dignidade para incluir os seres,
não humanos:."[.-.] principalmente e.tu rela:çãoaosal)imais não humanos~ d:eve-se
'reformular o conceit<? de dignidade, ol?jetivando o reconhecimeni:óíde um ti~' em \ '
.'.y

si mesmo, ou seja; de um valor intrínseco .conferido aos seres sensitivôs não h.uma- ./ .
nos, que passariattiater reconhecid~o status moral.e dividir com o ser humano
:1 ','' amesma comunidade moral" (NJ\ESS apudSARLET; FENSTERSEIFBR, 2017
'apudSTJ, 20i9). > · , . 1 • .. , · . · •. • ··

, Com fundamento ria interpretaÇão allÍpla do .conceito·de dignidade huma~ ·


na e em outras linh~de arg;unÚ!rl~, éomo. o; princípio da razoabiliqade1 o Minis- ..
~to concluiu que, àlérp 'da violaçãb aos direitos de Maria Angélica~ ~om base'-no ·
seu víi:tculo, o apr~endimeµto ~.possível rétorno d~ Verdiriho à nàtjireza,, einclu~
sive a'fricerteza de seu final paradeiro, violaiia~s seus próprios direitos e, àss1ml.
: confirma' o 'texÍ:? do ac?rdã~ qué "[ ...] vióla(a dimensão' ecol6git;t da:
dignidade
~

' htu;i~ana; .Pois as múltiplas mudanças de ,ambiente perpetuam .º estressé do. .;;inb .
1

mal; pondo ein dúvida a viabilidade dé- uma readaptação uiri, novo amb.iente"a
(STJ,'2019). .. .. .'·.... · .. . ··.
V : '•; ·. .

. Temosaqui1 fl!ais uma vez, a ~onfirmàça9de uma racionalidad~·albergado­ \1


I

fa ·da pluralidade jurídiêa reconhecida por Boav~ntilra~de Sousa Sa.ptos (2002) e'
(

1' .Vid~: sTJ, AgRg nó AREsp 333105/PB, Relatorà Mínisi:~; ASSUSETE MAGAhFÍAEs:sE- .
'.'Ç1JNDkTURMÀ, DJe 01/09/2014;.AgRg no Nllip 345926/SC, Rei.Ministro HERMAN.
J3ENJAMiN, SEGUNDATURMA, DJe 15/04/2014; REsp 1085045/RS, }lei. Ministro HÉR-
MAN BENJAl\1:IN,\SEGUNDA TURMA, DJe 04/05/2011; e R.Esp 1.084.347/RS, Rei. Minis-
,,
.mi HE~ BENJAMIN, SEGUN:i)A TURMA, ·DJe 3il/~/2010. AgRg no REsp l.483.969/ -·
(.
CE, ReL Miriisiro·HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMf\,julgi!do em,25/l 1/2014.
'1

/ .. <.._
'\:.
Caso do papagaio Verdinho e a transição de paradigma na jurisprudência brasile.ira iss
Antônio C;irlos Wolkmer (201 O) c~mo possibilidade teórica do paradigma emer-
gente que transporta a centralidade, a interpretação jurídica para os princípios
constfrucionais. Para além di"sso, essa interpretação an_ipla da dignidade humana
é aryiparada; segundo à decisão, pelo àrt. 225, parágrafo 1°, VII da Con~tituição
Federal quetraz, de forma expressa, que Ó Estado deve "pi:oteger a fauna e a flora,
vedadas,· na forma da lei, prátícas que coloquem em risco a função ecológica, pro-
voquem a extinção de espécies ou su.bmetam os animais a crueldade".
Assim, o retorno do animal ao seu estado de natureza colocaria em dúvi-
da a viabilidade. de uma: readaptação e violaria sua digniçlade/conforme o con-
ceito amplo pautado na interpretação conjunta do art. 25S, parágrafo 1º,VII e o
princípio di dignidade humana. O voto do Ministro foi mantido e referendado·
pelo restante da 2ª Turma do STJ, composta pelos Ministros Mauro Campbell
Marques, Assusete Magalhães, Fl'.ancisco Falcão e Herman Benjan;iil1. Emboi;a a
ementa não entre no mérito dos direitos d:;i natureza, reflete que houve violação
da"dim,ensão ecológica d~ princípio da dignidade humanà'. .

6.3 MUDANÇA DE INTERPRETAÇÃO PARADIGMÁTICA


O paradigma ;:i.ntropoc~ntrico que predomi'nou ao longo da era ~ader­
na capitalista ocidental, era pautado numa visão utilitarista, em que a natureza
al1imada e inanimada est,aria ao sérvir dos humanos. O .movimento pelos Direi-
tos da Natureza, por sua vez, é amparado nas cosm~visões de muitas südedades .
indígenas e outras sociedades tradicionais, que, em suas culturas próprias, têm
uma visão de. mundo que se aproxima mais de outro paradigma, biocêntrico ou
1 • ' __ / /-1

mesmo ecocêntrico.
Segundo Daniel Braga Lourençó.(2019), o paradigma biocêntrico a,barca
apenas os seres vivbs, incluindo planta~ e aaim!tis, enquanto-o paradigma ecoe
cêntrico abarca a totalidade dos eçossisterrias, incluindo 'seres inanimados é· os
processos ecossistêmicos naturais os quais são inclusive necessários para toda a
vida (LOURENÇO, 2019). Sendo assim, os Direitos daNatureza albergariam
arribas .as vertentes 2 • Ainda, conforme Lourenço, o par<!.digma que abarca ape.::
nas animais sencientes seria considerado um paradigma biocêntrico mitigado
(LcJURENÇO, 2019).
Nessa paisagem, temos o artigo 225, caput, da Co~stituiçãà Federalque
estabelece o direito ao meio ambiente ecologicamente· equilibrado como um di-
. reito-devet de todos, reservando o direito das futuras gerações, e trazta111béÍn
um dever do poder público e da coletividàde paraproteger esse. direito. Sendo
assim, a doutrina e a jurisprudência majoritária compreendem que a constitui-
ção àbarca um.paradigma antropocêµtrico alargado.Esse paradigma seria mais
ampló, pois vai além de Uma 1visão meramente antropocêntrica e. utilitarista à

2, Udliza~emos esses COJ:\.c~itos apesar de não haver consenso, uma vez que outros iturores, tomo
Wolkmer, Augustin e Wolkmer (2012) e Acàsta (2016) tratam dos Direitos da Natureza como
direitos bioc~nfriCos (ACOSTA,2016; WOLKMER;_AUGUSTIN~ WOLKMER, 2012)~
,
.-,_·...·•·
--1·.·
_861 ~nnà Morio Cárcamo
.nàmreza, entendendo sua. irriportânciá para a vida de presentes e futur;s gera~ ,
çpes, _inclusivei sendo considerado· um direito hu~ano (SARLET; FENSTÉR-
SEIFER, 2017). 1-Jo e.ntanto, ai'rida não abarca explici!amente os direitos dos
animais e da natureza pot si, e sini os benefícios que oferecem aos humano.s.
- .- . ·. Entrerantd, em seus·parágrafos1 o :u:tigo225 impõe ao Estado o dever de .
proteger -a natureza~ a fauna e os processos ecológicos. Assim -MfnistróºHerman,,
Benjamin do .STJ compreende, ~m pa~te, que a Constituição-jrampara uma visão
· que vai alé:ní do olhar antropocêntrico; no parágrafo 1°, inciso 1, para abarcar uma
visãobiocênrricn.em partes ecocêntrica, "ao propor-se a: a:rnpar11r a totalidade da
vida e suáshases" (BENJAMIN 1~098). · - ·' · . 1 _
· · Assim,. a ConstituiÇão estaria preparada para receber uma evolução db de-
bate filosófico ácerc;a _de uma rransi,Ção paradigmática pa~a uma visão biocêntri~
·_ca., ecocêntrica. A decisão. em análise abarca ,essa transição· e indusiv~ afüma que ..
é "nece.ssário repensaç a c6ncepção kantiana individualista e antropocêµrtica' da'.
1

. .digni4adé e de avançar rumÓ auma c~mpreensão ecológica,da dignidade da p:e_s- .


. · soa: e da. vida em geral" (STJ, 2019), Nesse sentid?, o relator chega a:o'ponto de
~considerar o. atual artigo 82 do Có~igo ÇivJl, ·que trita 9.e ànimais Como ".bem de
, categ9ria móvel",• corilo objetificação incongruente corri· o.. conteúdÓ da Consii~
.tu~_ção:.F~del:~lJde- i9·88,. . , . ... . F·~~
.· .. , ) 1_ .. __ _

·· - Observá-~ que, ar;iteri9~m~fii:e, os votos da Ministra RosáWeher e do


.· Ministro Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Feder<tl (STF), na aÇão direta
: de incon,stitucionalidàde ,da;vaquejada (AJ?I 4983, 2016), também tratar~de
. rránsição. paradigmática, defi?.ons'trando a abertura. da Corte Súprema à umà in-
terpretação biocên_trica. Segúndo o voto da Ministra Weber, a '~Constituição con-
fere valor intrínseco ,ta~bém às fbrmàs de vidas ~ã~ humanàs, no caso, os seres .
sendentes" (STF, 2016). - _. . 1- .. . . . .

·. Na mesma Ünha, no caso do papagai.o Verdinho; apesar d~ ser inovad~ra, a:


deci~ão tt;I? coffto ~aior eiifoque o hern:~estar do animal; à afeto e os sentimentos '
~mútuo~ ergre ànimal'como tnaior_~s;pressupostospàra a sua irí'terpret~ção~ampla
· do princípio d~ digrüdade. Send.o ass!m, elapermite interpretaçãpmais alinhada:_ · : ~I
. ao que Braga Loµrenço considera uma visão bioçênt~ica midgadà, ·límitad.vaos · ·
seres send~ntes 3 • . . .. . .. ' ., • - . - ·. -

_ Por outro lado, ao


~irar o" neoco1istitucionali~m6 sul~i\méricano, em es::
pedal a Ccmstituiçá~-da Bólí~ia (~009) e do Equador (200S), oAc\)rdãb ($TJ,
2019) se referê á um cohstirucionalismà que rompe não apenas com paradigma o
·- antropócêntric(), mas tm.ib~m com ó paradigma rrtqnista e,pÓ~itivista, advindo
.da racionalidade iluminista. Ttata:,,se .cfe' um direito· que traZ um- paradigma eco~.
·.,:
cêntrico. de madeira intdnsecarm:nte ligada: ao ph,iialistrío jt,trídico; ideia de que, -
_existe~ o_iú:ros sistemas juríâico~, outras fontes 1?-?tmativas, incluindops direitos
-·i
_dos po-ifos indígénas e tradicionais que 'enteridem a natlil~eza como ente autônomo
e sagi~do,1 a "Pacharnam< (ACOSTA, fo 16). Aii:ida, .é-um. direito que resgata.
1

ess~s fontes normativas e as insere tarpbérp no direito formal, qqe ,passa.a: refletfr ·:
,.. I , ' '

\
.,.
-3 Segundo Lourenço, o1paràrl,igm.a qu~ ;iparca apéb~ animais1 sencientes setià um•paracÍigma bioc
têfitrkomltigado (LOURENÇO; ;Wl9). '

' ',. '~

.( .

: <:. -·~' .
.....
Caso do ·papagaio .Verdinho e a tfánsição de paradigmo'lla jurisprudência brasileira .1 si

. nã~ apenas um· direito com valores oçidentais modernos, mas valores plUrais con~
1tidos na sociedadê4. · · , '. · ' ' ·. r · . · · .· · • .. . ·
··. , Assim, a "coqsciência ecológicâ' e a visão ampla dos direitçs hup:i:á~os tr.a- ·
tados na d~cisãó embasam uma leitura de diréitos humanos que cofii'emplem os
.. ' \
dir~itos da natureza:, a partir de1mudaO:ça de consc;iência de visão di:; mundo, que
9s
. reconhece a "conexãp simbiótica entre ·seres humanos .e a Natureza.e de~orre da
indi~§odabilidade.entre eles" (MORAES, 2019):
Dessa forma, é possível faier u:rna leitura ainda miJ.is. ampla e instrumental·
. do caso em análise pautadanas suas referências explléitâs aos Direitos da Natureza,.
ao pluralismo jurídico e ao récoriheeimento da importância do movimento glo-
\ bal ne~te sentido, sustentandp, assim, a trans,ição para o P,aradigma eco.cêntr:icO. 1

6~4 REPERCUSSÕES E IMPUCAÇÕES PARA.·OUTROs·:cAsos·


• • ' -. 1 , '

. O caso <lo . pàpagaio .Vérdinh~; Recurso Especial l.797.J 75,SP


· (2018f0031230-00}, julgado. em 20(L~. pelo Superior Tribunal.de Justiça, é um·
precedente que frm grande potendal de provocai significativo impacto no diÍeic
to brasiléfro'. Com base .na argumentâ.Ção JUSter\tada pela corte de ampliaÇão de
direitos fund~mentais' para além da vida humana e da sua importanté référênda à
doutrina e à legislação e cas()S de outros puÍses i:J}.ais receptivos aos direitos da na-
tureza, a decisão tém grande potencial para ir além do caso em:tela e ser .citada e
. utilizada na fundamentação de ourras aÇões. · . . .·
. . COrtforme st;.prarreferido, apesar de não ter caráter de \rincuiar outras r

'ações, o precedente mostra uma abertura do STJ a uma tí:~sição paradigmá~ica; · ·


.TratHe do segundo tribunal de maiâr .relevância do país; e que faz o controle de
legaJidade em última lnstância e, portanto, te.m forte poder persuasivo has cortes
' ihteriores de todo o país. · ' 1 ' · • . . • , · ·· ·

. 'Além disso, embo~a o caso derive de um vínculo tie ptopriedàde ou posse


en_!re a-O animal e sua dona, o acórdão superaa demapda estrita e traz, indusive,
11ma visão tle 1s11peração da proprfeda.de e compreensão de unia relaçãô de re<Ú-
procidade. Co'm:9 exp~sto, hou7e no acórdão l\mà interpretação ,ampla,e além de~·"·
pedido, chegando .inclusive ao ponto de consíderar o papagaio como q.ét:entor de
direito's e de dignidade, . ·. , . . ' · . . · ..· · . . .... . .
· \Sendo a.Ssim, o caso é div'isor âe águas e pode subsidiar fut11ras àções e co:..
rrtun:idades eII1 suàs~llltas pelo Direíto da Naturezá no Brasil. .O 1econhedme1?Jo
de direitos, inclusive de c;ri.açãÓ de .tese de "âimensão ecológica da dignidade", fraz _
consigó úrria superkção do pa~adigma antrppocêl).ttico e pode ser' instrumentai.
não apenas em relação .a: direil:Ôs de :Cri,imais, como támbéqi da fauna, da flora: e do
1

eé~ssistema de maryeir,a ainpla. Name~ida em .9ue forem àjuizadas hóvas ações,

A éonstruÇão desi:.e novo· constituciorialismo s~ alinha ao que Boaventura de Sousa..S;mto~ se re~ ·~ ·


fere coqw ."sgclologià das a~sên.cia5 ~· das einergênciãs", que tr:i,ria)ll a superação de dualidades ~
rotÚ.ptri'1lll com à hiêrarquia çiô dirdtO e di;, todo o é~nhecÍin~nfo ·oci<lentàl co~... o tr~dici;,nal ··
eSÇ.abelei:iâa desde o co~onialismo (SANTOS, 2002); · ·
.J
iiii"tr1.···'
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'11.·

8~ 1 An.ng Maria CárC/Jfl!O . .

o judidárià pode eventualmente trazer teses consolidad;s ~m prol do reconheci-


mento jurídic9 aos .Direftos da Natur,eza. Pa~a além, do judiciário, a discussão tra- '
zida por esse precedênte aindâ: tem, o potencial' de dev<!i o' conhecimento sóbre a· .
temática; fomentan'êlo a produçfode 'conteúdo acasf.êmico;provoc:i.n.do o maior
..· éntendiment() da população e um diálogo..multicultural emno~sa sociedade.

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1
' ~
7. PROTOCOLOS DE CONSULTA E CONSENTIMENTO .
PRÉVIO, LIVRE E'INFORMADO NO ESTADO DO PARÁ

Johny Fernandes Giffoni

INTRODUÇÃO
D.lante do modelo de desenvolvimento de cunho extrativo implementado
p
ria Região Amazônica, mais especificamente no:estado do Pará, ps 0 vos Ind.í-
.genas,. comunidades Quilombolas e. comunidades Tradicionais vêm criando seus
Protocolos Autônomos de Consulta e Consentimento Prévio, Livre e)nformado
·como instrumento jurídico e político de defesa territorial. Tais instrumentos jurí-
dicos e políticos estabelecem as diretrízes como esses povos desejam ser J:Onsulta-
dos pelos governos em .razão de decisões administrativas, tendo como objeto polí-
ticas de deseriv:olvimento e exploração de recursos naturais na. região Amazônica,.
Como os povos Indígenas, comunidades Quilorµbolas e comunidades Tra-
dicionaiS-vêm defendendo juridicamente a Natureza, seu direito enquaI).to detento~
ra de personalidade jurídica, através dos Protocolos Autônomos ou Comunitári0s
de Consulta e Consentimento Prévio, Livre e Informado será o nosso objetivo no
presénte artigo. Pretendemos, ao conceituar os Protocolos Autônomos ou Comu-
nitário~, relaciô'rtá-los com a teoria geral do Direito à Natureza e de seus princípios.
Inicialmente, definiremós os "Protocolos Autônomos ou Comunitáries de
e
Consulta e Co11sentimento Prévio, Livre Informado" traçando sua diferença
·com outros dois protocolos constfüídos antes dos primeiros protocolos identifi 0
cados. O.Direito ~Natureza precisa ser compreendido a pàrtir da relação cosrnô- ···
lógica existente entre Indígenas, Quilombolas e c~munid,ades Tradicionais e seus ·
territórios. A Teoria do Bem Viver constitui~se em um d0 s marcos fundamentai~
da teoria do Direito da Natureza, que se op&e as teorias econômicas denominada
de "economia . verd" .e . . . . . .
Em seguida, serão fix~dos os objetos jurídicos. protegidos pelos Protoco-
los. Entendendo o sentido das "necessidades" identific;idas pelos povos Indígenas,
comunidades Quilombolas e comunidades Tradicionais a partir de suas cosmo-
logias e da sua relição com a Natureza; buscaremos compreender a identidade da
Natureza como titular de direitos fundameritais;cónsubstanciadas nos Protocolos
como normas jurídicas de caráter vinculante. Através da raciônalidade ambiental .
propomos uma nova forma de entender as relações jurídicas, entre os ,bens jurídi-
cos e a Natureza. .
,
.921 Johny Fernaníies Giffoni
1
No último item, serão ~presentados os sujeitos coktivos que se apresentam
nos protocolos autônomos de consulta e consentimento, bem como esses sujeitos '1
se reladonam e produzem seus protocolos, como eles se relacionam com o Direito [
da Natureza e com o Bem Viver. 1

i
1

7.1 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE OS PROTOCOLOS AUTÔNOMOS OU


COMUNITÁRIOS DE CON,SULTA ECONSENTIMENTO PRÉVIO, LIVRE E
INFORMADO.
Um dos primeiros protocolos autônomos de consulta e consentimentê> foi
criado no ano de 20l4, pelo povo indígena Wajâpi. Ressalta-se que, antes dos
"protocolos autônomos de consulta e consentimeiÍto1', outros dois tipos de proto-
colbs foram formulados para garantir o direito a "consulta e consentimento pré-
e
vio livre e esdarecido" das quebradeiras de coco babaçu das.i:aizeiras do certado.
O primeiro foi 6 "Protocolo de São Luís" .no ano 2012. Surge a partir dos
debates dás quebradeiras de coco babaçu 1 sobre seus direitos em' processos de,
consentimento prévio; livre e esclarecido. Refere-se ao acesso de terceiros. ao c~c
nhecimento dos fecursos genéticos da natureza, frµto do conhecimento ancestral
daquele grupo social e, além disso, tem-se com0 objetivo estabelecer um regra-
mento às metodologias econômicas da chamada "economia verde" ou "bioecono~
mià', no tocante à repartição justa .e equitativa dos benefícios que derivem de sua
utilização, .
Os protocolos autônomos de consult~ e consentimento; mesmo que pro-
1

duzidos no interior da economia capitalista, 4e~envolverri diretrizes em busca de


uma economia do Bem,Viver e para a proteção e concretÍZação da Natureza en-.
',:'!
quanto sujeito de áíreitos. Pod.em constituir uma oposição_à ''economia vertle",
quç fora gerad~ enquanto alternativa para superar as falhas apresentadas pela ~co- ·
1"
homia Clássica, referindo-se "às mudanças climáticas e à perda de diversidade bio-
lógica atribuindo à natureza um :valor monetário e inserindo serviços·ambientais
no sistema do ~er~ado" (UNMÜBIG; FUHR; FATHEUER, 2016, p'. 60). Esse
modelo econômico pretende

incorporar os·bens naturais à.economia a partir de
seus cálculos e dos sistemas de preços econôni.icos. _· . 1 !

1 Quanto' às qúebradeiras de coco de ha!>açu: enquanto categoria cap_az de denominar um deter-


minado grupo social, a ideia de identidáde étnica não sé' aplicaria diretamente a este coletivo "que
não têm exatamente os t!aços distintivo.s para corresponder a uma. "etnia', embora seja possível
identificar elementos político-organizativos, de autodefinição, de gênero e de consciência ecológi-
ca ·que peqnitem aproximaçõe( (SHIRAISHI NETO, 2013, p, 29-30)c A Constituição F~deral
de 1988 silencioucse a respeito da garantia de direitos d:is quebradeiras de coco, enquanto. grupo • 1

social "igualmente distintÓ qu~ regularmente vem desenvolvendo uma .Uividade extrativa secular
- 1

nas áreas de ocorrência de bahaçu" (SHIRA!SHI NETO, 2013, p. 24). O Movimento Interesta- -
dual das Quebraddras de Coco Babaçu (MIQCB) vem lutando pelo reconhecimento dos direitos
das mulheres que ~ompõem ~s~es grupos que existem de forma distinta, não se assemelhando ao~
grupos de trabalhadoras ~urais, ao acesso e uso comum das p~lmeiras de babaçu, btiscando atravé~
" das legislações infraconstinicion~is esse tratamento diferenciado (SHIRAISHI NETO, 2013, p.
25):. . .
· Protocolos de Consulta e Consentimento Prévio, Livre 1e.Informado no estado do Pará 193
O fundamento. conéeitual clisso é uma reconfiguração do conceito. de natu-
reza.-, e· nã~ uma transformação do nosso método econômico. "Repensar a
economià' é associado, acima de tudo, com· "rede~nir a naturezà'. l§SO impõe.
forçosamente a tarefa de desenvolver \hétodos, técnicas e procedimentos de
mensuração com os quais a natureza pdssa ser économicame~t~ avaliada e cal-
. cuhda. Se até então a causa da d~struição d~ natureza er;t a sua não valorização
econômica, agora as soluções e abordagens de ação dessa lógica se concentram
na ecónomização de serviços ambientais e da natureza (UNMÜBIG; FUHR;
FATHEUER, 2016, p. 60).

O segundo protocolo que antecede os protocolos de consulta e consen-


timento é o "Protocolo Comunitário Biocultural das Raizeiras do Cerrado" 2 de
2014, cujo objetivo principal foi "positivar" o direito c9nsuetudinário de prati-
car a meçl.icina tradicional estabelecendo os objetivo do protocolo, identificando
·as características do Bioma em que se inserem, bem como sua identidade social .'e
·as relaç~es sociais que as "raizeiras" possúe~ c~m o Cerrado, com esse Bioma que
identifica seu modo de vida e a sua própria existência.
Ao analisarmos a experiência dos "protocolos autônomos ou comunitários
·'· de consulta e consendmento prévio, liyre e informado", devemos refletir sobre á
possibilidade desses "instrumc:ntos n,ormativos culturalmente adequados" serem
capazes dé exprimir a "Teoria do Bem.Viver" enquanto possibilid_ade de provocar
a reflexão para o "direito da Natureza" na perspeétiva do ''pluralismo jurídico co-
munitário participativo". Trata-sé, o Bem Viver, de "um procé~so proveniente da
matriz comunitária de povos que vivem em harmonia com a Naturezà'. (ACOS-
TA, 2016, p. 24). .
Tudo está interligado: eêonomia, sistema político, sistema jurídico, políti-
cas gúblicas, natureza e. sociedade.portanto, a "teoria do bem viver" nos auxilia a
compreender que superar ''o tradicional,éonceito de desenvolvitnentoe seus múl-
tiplos si'nônimos, introduzindo uma visão muito mais diversificada e, certamente,_
cÓmplexa. Pê)r is;o mesmo, as discussões sobre o Bem Viver, termo em constru- . ·
ção, são extremàmente enriquecedoras" (ACOSTA, 2016, p. 24). Çonsiste, porc
.tanto, () Bem Viver uma proposta da f>eriferia, assim: ·

O BeÍn Viver prcipÔe úma cosmovisão diferente ela ocidental, posto que sl!r~
ge de ràí'zes comµnitárias' nãó. capitalistas. Rompe igualmente com as lógicas
antropocêntricas do capitalismo enquanto civilização dominante e com os dic ·
· versos socialismos reais que existiram até agora - que deverão ser repen~ados a

2 Segundo o Protocolo Comunitário BiÔc~tural das Raizeiras do Cerrado: "À identidade de 'raizeic
ti foi escolhida para esta representaçãq, sen,do o 'dos .da cura através das plàntas medicinais' o se.u
principal elemento de expressão. O conceito de 'dom' elab~r~do coletivamente assim foi definic
do: 'a pessoa nasce com o dom de cura, é algo espiritual, é uma hera'nça de sabedÓria trazida peia
ancestralidade. O dom é como sentir facilidade, ter vontade e amor para trabalhar com a medici-
na tradicional. Porém, o doni tem que ser despertado, a pessoa1tem que busçar conhecimentos e
ter coragem para exercer o seu poder de cura, senão não aproveita o dom que tem'. As priricÍpais
características de pertencimento ·à identidade/social das raizeiras, e que reforçam o dom da cura, ·
foram definidas coletivamein/com o objetivo d~ Ull1 reconhecimentómútuo e consclentização de
princípios, valon;s 'e ações do seu ofício" (DIAS; LAUREANO, 20~4, P; 11).
9.41 Johny Femqndes Giffoni

e
partir ·de posturas sociobiocêntricas qu~ não serão atualizados simplesmente,
mudando seus sÓbrenomes. Não esqueçamos que socialistas e capitalistas dê
todos o,s tipos se enfréntaram e ainda se enfrentam no quadrilátero do desen-
volvimento e do progresso (ACOSTA, 2016, p. 72). . .

/P~r este ângulo, diversos sã.o o~ instrumentos jurídicos intefaacionais que


podem ser utilizados como fundamento jurídico dos protocolos de consulta e
consentimento, bem como de sua jurisdicionalidade enquanto consectários do
Bem Viver e do Direito à Natureza.·Podemos citar: Convenção 169 daOIT;Conc
venção da Diversidade Biológica (CDB); Convenção de Promoção e Proteção da
Diversidade das Expressões Culturais (2005); Declaração da ONU sobre povo~
indígenas (2017); Declaração Interamêricana dos Direitos dos Povos Indígenas,
dentte outras. · '
Os instrumentos normativos descritos acima determinam que o diálogo in~
tercultural deve ocorrer a partir de "instrumentos ou metodolbgias non:nativas cul-
turalmente adequadas". Os "povos" convencionaram a denominar essas experiências
de '.'.protocolos''.. Dessa mai;ieira, o próprio nonie Protocolo cQnsiste em.,uma decisão
comunitária dis comunidades Tradicionai's, podendo ser definido como: · ,

·[ ... ]instrumentos que contêm acordos el~borados.por comunidades locais, so-


bre telnas relevantes· aos seus modos de vida, visando à garantia de seus direitos
consuetudinários. Os direitos consuetudinários são fundamentados na tradi-
e
ção, são expressos por val_Qres, princípios, regras, cosmovisões e práticas que
são passad~s de geração em geração, num movimento vivo e contínuo (DIAS;
LAUREANO, 2014,,p. S): ..

Para Liana Amin ()S protocolos comunitários são:

[... ] instrumentos que constituem juridicidade ao estabelecer coÍno deve ser


conduzida,.a consulta prévia e suas etàpas, çomo os povos e comunidades se
organizan; e com~ são os processos de decisão c~letiva daqueles determinados .
..
· povos é comunidades. Nos protocolos .é possível encontrar os princípios, dire-
trizes, critéiios· e regras mínimas que deverão ser respeitados peloEstado para
que urri .processo de cons~lta prévia sej'a culturalmente adequado, respeitanâçl-
. Cse as éspecificidádes e o direito próprio dos povos' em questão (2019, P· 102)'.

; Neste semtidó, ao garantir aos povos Indígenas, com?niâades Quilombo-


las, comunidades Afros, e demais comunidades Tradiczionais o direito à autode-
terminação, tendo como uma de suas 'referências o direito a escolher o modo de.
seu desertvolvimento construído pela própri;:i organização social, política, culfü-
ral, jurídica e eqmômica que, sem. sombra d~ dúvidas, encontra.ressonância/res" 1

paldo no ordenamento illternacional que reconhece como legítimas as categorias 1

1
· adotadas por esses pov.os. ' · . 1

,]

. A validade jÚrídica dos protocolos encontra-se na interpretação da <Gons-


tituiçÍo, nos ar~igos 5°, §2";,216° e 231° bem assim,nas Legislâçõesinternacio- \
nais pelos "óculos" da Teoria do Pluralismo Jurídico ComunitáriocParticipativo. 1
Pór essa teoria, o direito pode s.er produzido por riieio d~ práticas de. alteridade
1

J
Protocolos de Consulta e Consentimento Prévio, Livre e _Informado no. estado do Pará 195
e· emancipação, qué se desenvolyem em espaços multiculturais, diversificados e
participativos, onde o exercído da democracià deve expressar os "valüres coleti-
vos niaterializados na dimeJ!SãO cultural de cada grupo e de cada comufiidàde"
(WOLKMER, 2013, p. 41). É nesse contextó que.tenciona o estudotrátar os di-
reitos da Natureza.
A Natureza na perspectiva ''.ocidental" é vista como um bem, que deve ser
controlado, "domesticado" e. submetido à vontade dos "homens civilizados", que
são aqueles desenvolvid9s, que dão uma destinação à natureza, para que ela se trans-
forme em um "objeto" economicamente aproveitável. Esse modelo vem gerando
um conflito com outros modelos, como aqueles defendidos .e vivenciados por indí-
genas, quilcimbolas, Afro-colombia,noi, palenqueiros, raizeiros, pescadoras e pesca-
dores artesanais, dentre tantos outros povos tradicionais. Segundo Acosta:
. . .
Isso nos lev4 a aceitar que a Natureza - enquanto construção social, ou seja~
enquanto conceito. elaborado pelos seres humanos - deve ser reinterpret~da e
revisada totalmente se üão quisermos colocar em. risco a existência do próprio
-ser humano. Para·começar qualquer reflexão, devemos aceitar que a Humani-
dade não está fora da Naturéza e que a Natureza tem limites biofísicos (AÇOS-
TA, 2016, p. to4r - " .

Ao todo, no Brasil temos 46 protocolos de consulta e consentimento éla-


borados por povos Indígenas, povos Indígenas ém situação de refúgio, Quilom-
bolas, comunidades Tradicionais, povo Cigano, protocolos que reúnem territórios
-Quilombolas em um só protocolo, protocolos frutos de al,ianças e_ntre povos e
protocolos de comunidades e de povos da mesma etnia. Por isso, pensar os direitos'
- da Natureza -desconectados dessa experiência, que deu origem aos protocolos de
consulta, se torna fondam"ental porque, além de recon~ecer os sujeitos de direito
como portador de conhecimento capaz de constituir suas próprias normas, cuJas
bases estão intrinsecamente cohe~tadas com a natureza, seria um grande.equívoco
e, mais do que isso, reforçaria a ideia· da constituição dos direitos "pelos de forà-'..
Nessa paisagem necessário se faz trazer ao debate o objeto jurídico protegido pe-
los. ptótocolos. .
- /

7~·2 OBJETO(S) JURÍDICO(S) PROTEGIDO(S) PELO(S) 'PROTOCOLO(S)


Os protocolos buscam proteger bens jurídieos identificados como sendo
essenciais para a reprodui;:ão da identidade dos povos Indígenas, Quilombolas e
comunidàdes Tradicionais e sua relação com á Natureza. Tais bens são entendidos
como sendo "necessidades" dos grupos sociais, que adquirem importância-por es-
tarem.vinculados ao mdo de vida, desenvolvimento de sua cultura e organizaçãb
social. Neste-sentido, as "necessidades humanas" podem assumir os sentidos de
"necessidade naturai~ e sótialmente determinadas, m;cessidades pess~ais e sociais,
necessidades existenciais e propriamente humanas, _necessidades alienadas, não
alienadas e radicais" (WOLKMER, 2001, p. 244). .
961 Johny Fernandes Giffoni

As "necessidades" nos protocolos se apresentam diante de um conflito so-


cioambiental, ou seja, diante de uma "dicotomià' que consiste na disput; pelo ter-
ritório e a natureza enquanto bem comum e vinculado à existência de um modo
de vida cultural e harmônico, e de outró lado o uso da natureza enquanto merca-·
doria objeto passível de s~r subjugado e monetiz~do. Asqecessidades expressas nos
protocolos representam as emergências capitaneadas pelos novos sujeítüs coleti-
vos, que, corP.o veremos,, se apõen: ao conceito de sujeito individual, buscando a
satisfação denecessidades humanas fundamentais impulsionando "as. lutas desses.
movimentos, envolvendo uma série de privaçõe~ e necessidades básicas insatisfei-
tas" (CARVALHO, 2013, p. 28). . ,
Neste sentido, podemos dencar três bens como "be~ jurídicos" alberga~
dos pelos respectivos protocolos. O primeiro são os Territórios Tradicionais com-
preendidos c_omo espaços necessários· à reprodução cultural, social e ecqnômica
dos povos e co!l"lu'nidades tradicionais, sejam eles utiiizados de forma p~rmanente
ou temporária, observado, no que diz !espeito aos povos Indígenas e Quilom-
bolas; respectivamente, o ,que dispõem os àrts. 231 da ConÚituição e 68 do Aro
das Disposições Constitucionais Transitóriás e demais r.egulamentaÇõ~s (Decre~o
6040/07). . .
Diversos são os ataques aos territórios tradicionalmente ocupados. Essas
ameaças atingem' o bem maior das -'Comunidades, a Comul}.idade-· Quilombola
de Abacatal nó Pará entende ser "aterra que nos dá moradia e alimento é nos~ ,
sa mãe. Os igarapés, a florest~ e todos os animais com os quais compartilhamos
nossa história, não são mercadorias, para nós/são parte que não podem ser sepa-
radas" (AMPQUA, 2017, p. 2). Aqui estamos diante de uma conceituação, pela
Comunidade Quilombola, por meio de seus saberes ancestrais, rompendo com a
·· monocultura dos conhecimentos, exemplificando o princípio da Harmonia com
a NatU:reza. Assim,

. Se~pre dependemos de n,ossas terras, Igarapé~, Ri.o e Baia que rodeia nosso
território, porém, tais modos de stibsistêncif! estão cada vez mais difíceis, iss~
porque a poluição do rio, da baia e do ar, (oriundos princip~lmente das fábri-
cas de Vila do Conde/Baicarena) estão afetando dé forma notória a-pesca e a
produção de açaí em nossa comunidade, como se isso não fosse suficiente, nos
últimos anos o proj~to de construção de dois portos, um da empresa america-
na CARGILL e outro, em Ponta de Pedra, da empresa francesa Louis Dreyfus
Company (LDC), amba.s envolvidas com negócios de soja e agrotóxico (AR- '
QUIA; 2020, p. 6-7): 1
• •

O segundo é o Modó de Vida Tradicional que se dedica a formalizar o


modofpelo qual às comunidades, os povos exercem seus direitos, bem como o seu
direito à autódetermin:açã.o 'e a sadia quàlidade de vida. A Comunid;ide Agroex-
trativista do Pirocaba, localizada no Município de Abaetetuba/PA, declara em seu .
Protocolo ser "formada por uma população de aproximadamente 241 fa111íflas, e
vivemos principalmente da pesca,, da agricultura, do artesanato e do àgrdext~a­
tivismo" (ASA~AP, 2018, p. 5). Ex.põe ainda que, desde 1890, existem registros
. orais e escritos que a comunidade ocupa a'quele territórfo, onde "os nossos modos
Protocolos de Consulta e Consentimento Préviq, Liv.re e Informado no estado do Pará ·197

çlé vida, as' nossas práticas tradicionais de produção e as práticas culn1rais nos são
ensinados de geração em. geração" (ASAPAP, 2018, p. 5). .
;

Podemos afirmar também que, além de toda a destruição causad~ em nosso


te.rritório e interferência na nossa forinade vid~, mudando parte da cultura, o
tal projeto de desenvolvimento industrial interferiu sobremaneira na nossa for-
ma de subsistência que mmcamais vottou a ser a mesma, pois a poluição dos
rios de nossa região, principalmente o Murucupi, modificou nossa maneira de
pescar e de cultivar áreas próximas ao mesmo, e para utilizar a águapredsamos
mudar a fonte de água para consumo, e pescar em rios e mares distantc:;s (ACO-
QUIGSAL, 2017, p. 15/16).

Embora aparent,emente possam~s dizer serem os pro-toc~los um instru-


mento de d,efesa de uma comunidade, des ac:abam assumindo o papel de def<::sa
doDireito da Natureza. Opõem~se oi Protocolos,.por exemplo, a situações como
o "Plano Diretor Participativo de Abaetetuba estabeleceu nas regiões das ·ilhas a
·, ·possibilidade de .serem áreas relacionadas às atividades pmtuárias'; (GIFFONI,
2018, p. 131). Não podemos conceber a Natureza enquanto sujeifo de direitos
apartada da Humanidade. No caso do Município de Abaetetuba:
-, ' 1

[... ] o' plano direfor do município transforrnou áreas tradicionalmel!te ocupac


das por povos e populações tradicionais, grupos de pescadores artesanais, e;xtra-
tivistas, áreas de assentamentos d:trathrisras e rura,is, ein áreas passíveis de ~bri­
garem projetos de desenvolvimento tais' como indústrias, portos, terminais de
usos privativos, termillais de carga, dentre outros necessários para construção e
desenvolvimento de um pol6 industrial (GIFFONI, 2018, p. 131).

Aqui não defendemos a subjugação.da Natureza, sua dominação ou mo~


netarização, defendemos o respeito da cosmologia e da.categorização da Natureza
· . pelas comunidades ln,dígenas: Quilombolas e Tradicionais, que, a partir de seu
saber ance~tral, estabelecem um sentido de "vidà', de "existêncià' material a Na"
tureza, no ~entido de "mãe", de "humanidade" não pessoa. /
Na rr;i.esina linha, o terceiro bem jurídico protegido é o Direito de Partiei-
pação e de Autodeterminação/ O Protocolo. da Comunidade Quilombola de Gi,: •.'
briédle São Lourenç9 ~st'ahelece que, pelo fato de se preocuparem com seu "bem-
-estar, cultura, identidade e com as g_erações futuras, pois um povo sem cultura '
e hist6ria não tem identidade" (ACOQUIGSAL, 2018,,p. 19). Ao organizarem
seus Protocolos, dizem as ~omu-nidades:

A partir de agora exigimos dos governo~ n:i,uniGipal, estadual ou federal, que.


sejamos consultados de forma a considerar o respeito ao nosso tempo; a nossa:.
forma de organização, nos fornecendo todas as)nformaçõês que precisarmos
com linguagem acessível, de acordo com onosso PROTOCOLO DE CQN-
SULTA, para que possamos decidir (ASAPAP, 2018, p. 10):

Ent~nde a Convenção 169 da OIT, .dentre outros instrumentos jurídicos,


que o direito à Consulta e Consentimento nã9 se confunde com o "Direito de
pi-r~,~------:: ~-.~··

~/ . 981 Johny Fernandes Giffoni


Partic"ipação .e Autodeterminação", sendo a Consulta uma das formas de efetiva-
ção do direito de participação que poderá ser exercido por meio de outros ins-
titutos jurídicos, O Direito à Consulta e Consentimento d~s Povos Indígenas,.
Quilombolas e Comunidades Tràdicionais deverá ser regúlamentado no âmbito
de cada comunidade ou povo pelos ~eus pr9tocolos:
Por fim; mas de igual importância, temos o êlirçito à vida saudável, ao Bem
Viver e a Natureza no sentido que, ~o protegerem seus direitos fundamentais, ao
protegerem sua identidade; ao protegerem sua vida, protegem o "Direito à Naru-
rezà', pois somente podemos estabelecer uma categoria da "Natureza" enquanto
bem jurídico protegível e ao mesmo tempo enquan~o "sujeito coletivo" se ela for
interpretada e categorizada por uma outra ."epistemologia juiídícà' que leve em
conta a definição das categorias através dos "signos" e "paradigmas" (AGAMBEN,
2019), dos povos ~rigináriós e tradicionais. E os protocolos vêm fazendo isso.
O que 9.rienta a concepção dos protocolos no sentido da proteção dos bens
'jurídicos, ora expostos, é "racionalidade ambiental". Segundo Leff, ela se propõe
a promover uma crítica radical ao conceito de racionalidade histórica, uma ra-
cionalidade em que a "realidade social aparece como expressão 'de leis naturais,
imanente e necessárias da história, manifestas·na evolução do ser hu~ano, no 1de-
sen~olvimento das forças produtivas, no consumo exponencial de energia, razão
tecnológica, na centralização do poder e no triunfo da racionalidade econômicà'
' \· ~
(LEFF,.2015, p. 166). · . . .
Reafirmando essa compreensão-aponta LEFF;

.O .conceíto de racionalidade ambiental é uma colàca,ção teórica pàra analisar


a transformaçãO dos paradigmas de conhecimento e a transição para novas
formas de organização social. Estas mudanças de racionalidade não implicam
a apr,opriação dos próprios meios (de conhecimento, de prodúção) por outra
cla~se, ou uma melhor distribuição econômica, ecológica ou espacial das pró-
prias forças produtiva~. A transformação do conhecimento e das formas de
gestão dos recursos produtivos não' se conseguê pela tomada do poder do apa-
relho E:stado nem por um golpe de Estado às Ciências.e a<?. saber (LEFF, 2015,
p. 166).

Os bens jurídicos ora elencados, cujo entendimento se relaciona .com os "


novós sujeitos coletivos, ~e organizam à partir da racionalidade ambiental e do
Bem Viver. AS nécessldades somente se apresentam ganhando um determinado
sentido quando conjugadas com os suJeiros coletivos, pois, se tomados como refe-
rencial o sujeito individual, tais necessidades possivelmente não serão orientadas
pelo Direito da Natureza como um titular de direitos. /

7 .3 ÓS "SUJEITOS COLETIVOS" DO~ PROTOCOtOS


i _ O direito se constitui a partir da proteção de "bensjurídicos", estabélecen~.
1

J. do os 'sujeitos que podem disputar ou desej::tr a proteção desses bens. Todavia essa ·
construção é feita a partir de uma racionalidade de matriz iluminista, que descon-
Protocolos de Consulta e Consentimento Prévio, Livre e Informado no est;àdo do Pará · 199
sidera outras culturas que não as produzidas na matriz europeia e liberal. Neste
sentido, a ideia de universalidade acaba exduindÓ grupos sociais que apresentam
' "individualidades e coletividades'~ construídas_pela "diversidade" e pela "aiferen-
ça''..Dessamaneira, José Geraldo ch,àtna atenç~o: .· ·

A análise da experiência da ação coletiva dos novos sujeitos sociàis, que se ex-
prime no exercício da cidadania ativa; designa uma prática social que autoriza
estabele~er, em perspectiva jurídica, estas novas configurações, tais como a de-
terminação de espaços sociais a partir dos quais se enunciam direitos.novos, a
constituição de novos processos sociais e de novos direitos e a afirmação teórica
do sujeito coletivo de direito (SOUSA JUNIOR, 2002, p. 63).

Os "novos sujeitos" possuem v~ores, direitos e demandas que orientam a


construção de uma racionalidade ambiental, que rompe com a racionalidade de-
senvolvimentista, Esses "novos sujeitos" no processo de Consulta e Consentimen-
to aparecem fOmo, por exemplo, a "Coordenação Comunitária da CPLP, consti-
tuída por representantes das entidades representativas dos moradores e moradoras
eleitos em Assembleia Cerál da Comunidade do Pirocaba'' (ASAPAP, 2018, p.
13). Ou, segundo a Comunidade Quilombola do Ahacatal, as "mulheres, ho-
mens, crianças, adolescentes, jovens, idosos, agricultores, universitá~ios, pessoas
com deficiência, grupos .culturais, grupos religiosos, famílias do sítio Bom Jeslls
e ribeirinhos do igarapé Uriboqiiinha e .que .estejam dentro do território tradicio-
nal" (AMPQUA, 2017, P' 5).
·A forma como cada i:novimeri.to, como cada coletividade ou grupo irá se
apresentar, e manifestar suas estratégias de con~trução e externalização dess~ ra-
cionalidade, será feita em razão do "contexto geográfico, cultural, econômico e
político, das forças soêiais e dos potenciais ecológicos sustentados por estràtégias
teóricas e produtivas diferenciadas. Neste sentido, não pode haver um discurso
nem uma prática ambiental unificadós" (LEFF, 2015, p. 96).
Os suje~tos coletivos, portanto, determinam-::se por sua organização social,
política e cultural, ou seja, pela prática e pelas denominações de-seu cotidiano. In-
dígenas são pescadoras, pajés, extrativistas, estudantes universitários, artesãs. Qui- .
lombolas são agriculrores,_advogados, médicos, barqueiros, mateiros, extrativistas,_
rezadeiras,· afrocatólicos, fazedores de tambor. Os sujeitos têm suas identidad~s
marcadas,pelo território e principalmente pelo reconhecillJ-ento da "natureza'' enc
quanto sujeitosco1lloeles. -

Em sua força insurgente, o póder da instância societária proporciona, para


o espaço institucional, válores culturais diferenciados, procedimentos distin• -
tos de prática política e de acesso à justiça, "novas definições de direitos, de
identidades e autcmomiâ', projetando a força de sujeitos sociais como fonte
de leg\timação do locus sociopolítico e da cons~ituição constante de direitos
que se pautam pela dignidade humana e pelo reconhecimento à diferença
(WOLKMER, 2013, p. 37-38). -

3 CPLI: Consulta Prévia,_ Livre e Informada:


e100 j {ohny fernand~s Giffoni ,

. Assim, ,reconhecendo a natureza sujeito .de direlros p~de~os êntehder que


· somente com a sua permissão .torna-se possível ter boa colheita, podem realizar
sua reza, pois é da natureza que o ''.caminho das pedras" os remete ao seupâssa-
do, ou é das grandes cachoeira.S que suas histórias remetem a sua cosmologia, ou
aind~, é por causa.do rio qu~ sua vlda tem sentido, e se o riq está morto, ou se sua
· án'ore ~agrada foi arrancacla, sua conexfo com suas cosmologias 'deixa: de existir;
É sujeito e não bem, poi~. existe µm diálogo, existe uína "racionalidade" própria
' quê confere a elacUm sen5ído. ' ' '' , ' '. '
'Em sua maioria, os pré;>tócolos foram criados enqlllanto instruméntos-de
autorregulamentação do procedimento de éonsulta prévia, livre e informada, pre- .
visto pela Convenç~o 169 da bIT. Á Convep.ção determina que, toda vez que
UID ato administrativo OU uma lei venha a causar interferên:cia·rtO modo de vida
e
dos povos tndígel}.aS dos pov~s tribais (qtiilombolas, comunidad~s ttadkionais:,.
no füasil}; deve ser garantido a eles o direito de serem consuTi:ados, de forma pr~­
via; ljvre e'inforrriada)'por meio dos procedirrtentos adequados: de.acordo coÍn
sua id~ntidade culttir~, social, político' e jurídica. '
\,'

Os protó~ol~s próprios. (autônemos) .de consulta, portanto, revelam-se\ .


como, iniittumentos legítimos de autodeterminação, vinculantés ao~. &ta~
do~ ria observância <; implementação da ,consµ}ta· prévia, livre e informada,
i pÓr conter~. as dir~frizes q~e n~m~arão as.etapas dõ processo de consulta,,
a\isim com~ as formas de represeritatividide, 'participação, organização so-
cial própria e deliberação coletiva e tra~icional que deverão ser respeitàdas
no prócesso de consulta e' consentimento livre,· prévio e informado (LIMA, ')
2019, P.• 107). , '

• . Passam a se constituir n~ instru~nentó ju~ídico esçritb, positivado, das


tradiÇões orais des~es po\rps. l;ssa tradiçãa" ôr~l reflete ti.ma ,~'radonalidade. am~
biental" 'qu,e, mesmo sofr_e1;1do influência da !'racionalidade.mod<::~.n~ coloni~"
.de Ínattiz europeia; pretende romper. cqtn: a .dic.otorriia naturezà'. ênquànto oh~
jeto p~sível de Ínonetarização, separada da ideia de "nece~sidad~ básicâ' ·e de
·-~ '.'desenv~lvi~ehto". · · < ·

' ' - \ ' .' '' - ' ' .· ' .


,· .· '
'

Se o desenvoivfme~to trata de '~ocidéll;talizar",a vida ·no planeta, o BeJnVi-


o
.;ver res~ta <J,S div~rsiqades, valoriza e respeita "outro". O Befn Viver emerge
comopahe de um processo que permitiu eíripreénder e fortalecer a luta..pel<t
reivindicação dos povos e 'nacionalidades, em s~ntoniá com as ações de rec
sistêricia e construção de amplos segmentos depopulações margin~izádas e~
periPericas. ,Em cqnclusãO, o Bc;m Vi~er é emi~e1itemen~ subver~iv~, propõe
,cSaídas de~coloni:i:adofas em toqos os. âmbitos da vida hµ!nana. 0 1Bem V~v.er ,
não é ~m simples conceíto. É urna vivência (ACOST~, 2016,; p. 82).' .. -.
(. -· ' ' ' \ '·
/ ' '

'.' " Os protocol~~' ads diSporem pelas formas•com que as eoinunidades que~
. rem ser consultadas, queremser ouvidás quant~ ·~um projeto "desenvolvimeq:- ..
tista" ,qu~ se fundaJI1enta nas teori~ bxtra.tivistas e que podein 1interferir no seu
- 1 _( j_

- ,\

' !.
Protocolos. de Consulta e Consentimento Prévio, Livre e Informado· no estado do Pará i 101
modo de vida, possibilitam que eles "representem a naturezà' e seu entendimento
de "vida e. dignidade". Retirar da invisibilidade jurídica do "poder decisório" no
tocante as prioridades e do modelo d~ desenvolvimento dignifica pos~ibilítar aos
· povos marginalizados; determinar defender o seu modo de vida, que significa de-
fender/representar
. .
o sujeito de "Direit.o Naturezà'.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Direito da Natureza não pode ser vist,o de forma isolada, não pode ser
·concebido por m;na religiosidade eurqcêntrica ou antropocêntrica,. capaz de se-
parar o ser natureza; como sendo um ser mítico. A Natureza', e aqui. com 1etra
maiúscula, é um ser dotado de personalidade, dotado de uma raci~nalidade que
rrão a racionalidade colonial construida pelo sistema mundo moderno e colonial ..
A Natureza enquanto sujeito de direitos é construída pela cosmologia e juridici-
dade Indígenas, Quilombólas e .das comunidades Tradicionais.
· Essa juridicidade manifesta-se através de um direito consuetudinário, an-
cestral,. existente antes- da invasão europeia nas terras dos povos originários, por
nós chamados d~ Indígenas, e dos povos que habitavam o continente Africano.
Os povos se relacionam coin a Natureza c9mo mãe, como sua fonte de existência,
como elemento, de sua iden~idade. Por eles foi categorizada, por eles. 'gera seus re-
médios, seus alimentos, mantendo o ciclo da vida, ~om uma racionalidade conce-
bida sem despe.rdícios ou agressões. Essa raCionalidade, dehominada por Leff de
ambiental, é conceituada por Acosta de Bem Viver, e pelos povos simplesmente
de "respeito" ao seu modo de vida. '
Os protocolos são instrumentos construídos por uma imposição da racio-
. nalidade jurídica liberal que, embora reconheça as organizações sociais, culturais,
ecorn;miicás e até a pluralidade jurídica, exige dessas comunidade~. que o "verbo"
oral, "se faça carne", para somente .assim "habitar ·entre nós". Af.ista Oxum que
habita nos m,os, Xangô que (habita
/ .
na Pedreira, Ossanhã, o senhor
. de tódas a; er-•....
·
vas, ou Obaluae, q senhor da térra e das doenças. Mas Oxalá ab~nçoa e com Jesus
nos perdoa pela ignorância de não compreender o verdadeiro sentido que Tupã e
Nhanderu nos colocaram.
Os protocolos resgatam a força de Gaia, pela forÇa daquelas e daqueles que
d~scendem de Qrumilá, de Javé, de Obatalá, de Ananse e, a~ redor 'das festas dos
p~droeiros é das padroeiras, agradecem a "mãe" que dos rios ofereceu 6s peixes
(que antes dos. portos lá viviam), que deu~ frutas e os irmãos animais (que antes
das queimadas e dos sojefros lá viviam), que deu o sustento e a vida (qu~ antes dos
distrito.s industriais e da mineração lá viviám). Que a Teoria Geral do Direito da
Naturez.a, que se fez ~!carne e habit~u entre nós" hos Protocolos Comunitários de
. Consulta e Consentimento, possa orientar cada operadora e operador do direito
para uma nova hermenêutica capaz de conjur;ir )â vida e a continuidade de nossa
sobrevivência. .
~1 1 111 1 t!/
1:, l

i,f i . , 1.02 i Johny Fernandes Giffqni


REFERÊNCIAS
. \ ! -

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renço_; Protocolo dé' Consttlta Qullombolas de Gibrié de São LoU:renço:
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2Q16.'
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, ·dade Quilombolado Abacatal. Prot~eolo de Cori,sulta Prévia, Livre e Infor-
1 mada. Ananindeua: [s.n.], 2017.

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- - .. • -~ •• \ ', 1 \ ••

. .·Coordenação Comunitáti:}. de Con'sulta Prévia, Livre e Informada.· Prótoco1o '


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bol~ e outros·poVfc!S ~adic!orraís,. Curitiba:CEPEDIS, 2q19. p. 125~146. 1
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'

Livre e Informádo (CCPIJ). /n:.FILHO;.Carlos Frederico. Marés de;.SILVA,


Liana Amin-Lima da; OLIVEI~, E.()drigo; MOTQ1'):, CaroHna; GLASS'°;
VerenaJorgs1 Pr,õt<!,colos de crinsulta prévia e o 'direito à: liv:te deterritlµa-
çao:
Sã~·,Paulo:FundaçãoRosaLll?':ç:ingurgo;CEP,ED1S, 2019 ....· -' . -
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'
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Protocolos de Consulta e Consentimento Prévi~, tivre e Informado no estado do Pará 1103
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verde. Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Bõll, 2016.
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construção de direitos humanos. ln: WOLKMER, Antonio Carlos; NETO,
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1 Francisco Q. Veras; LIXA,)vone M. (orgs.). Pluralismo Jurídico: Os novos
caminhos da contemporaneidade. 2. ed. São Paulo: Saraiva, .2013.
8. RESISTÊNCIA ETERRITÓRIO: OS POVOS
TRADICIONAIS E A COVID-'19

Manoel Severino Moraes de Almeida

INTRODUÇÃO
'
O presente ensilio aborda o processo de resistência dos povos indígenas em
Pernambuco durante a pandemia da Covid-19 1, conforme registros sistematiza"
dos de doze povo~ indígenas .(ISA, 2020), e uma migração; recente dos índios ve~
nezueldnos Waraos. OSistema lnteramericano de Direitos Human'Üs possui uma
série de julgados que asseguram os direitos originários dos povos indígenas. Uma.
das decisões mais· recen,tes da Corte lnteramericana, em pftrticular, tratou do Bra-
sil vs. Xukúru, ern um território demarcado: no estado de Pernarnbucó.

8.1 POVOS TRADÍCIONAIS E covm.,.19 EM PERNAMBUCO


' '

. Em 14 de março de 2020, através do De~reto nº 48.809, o estado de Per~


narnbuco,. tomou as primeiras medidas para o enfrentamento da emergência de
saúde pública'de importância internacional decorrente do. coronavírus, conforme
previsto na Lei Federal nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020 (PERNAMBUCO,
2020).
Ern 20.de março dé 2020 entrou em vigor o Decreto Legislativo nº 06, que,
reconheceu o estado de calamidade pública 1).0 Brasil e autorizou a ampliação de
gastos com saúJ,e,: dispensando o Govetno Federal de cumprir a meta fiscal pre-
vista para este ano (SENADO, 2020). Da mesmaforma,Estados e Mun:icíp1os ti-
veram a situação de calamidade pública reconhecida efr!. atos normativos próprios.
A REMDIPf - Rede de Monitoramento. de Dir,eitos Indígenas, ,em Per-
nambuco, formada por organizações da sociedade civil, grupos vincula.dos às uni-
versida.des e movimentos. indígenas, juntos na defesa dos direitos humanos, com
• o objetivo de ac0rnpanhar a efetivação de direitos e de pólíticas públicas voltadas
para os pov?s indígenas, diante do desafio da.pandemia, desenvolveu,uma página·

1: Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial de Sa~de (OMS) declarou estàdo de pandemia


da infecção pelo coronavírus, tendo em vista.o crescimento exponencial de casos dé conta(Ilinaçáo
em um curto espaço de tempo, espalhados, à época, por Í 14 p;(ses.

1 '
i1os.
106,1 Manoel Severino Moraes de Almeida
na internet denominada "Povos Indígenas e a Covid-19 em Pernambuco'', com o
apoio da Comissão de Professores/as· Indígenas em Pernambuco (COPIPE), Co-
missão de Juventµde Indígena em Pernambuco (COJIPE) e Articulação dos'Povos
e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOIN-
ME), Cátedra UNESCO/UNICAP Dom Helder Câmara de Direitos Humanos
e a Rede Solidária em Defesa da Vida - PE, deime outras entidades (REMDIPE,
2020).

8.2 CRIAÇÃO DE BARREIRAS SANITÁRIAS

Barreiras sanitárias foram criadas pelos indígenas antes mesmo dos primei-
ros casos confirmados da Covid-19 no estado, protegendo, nas aldeias, os indi~
víduos suscetíveis à infecção. Trata-se de uma iniciativa complexa porque exigiu,
para sua manutenção, a necessidade de cobertura de um elevado n4mero de vias
de acesso aos territórios e a proximidade dos centros urbanos, be~ como a falt:a
de iteas de higiene pessoal (álcool em gel, álcool 70° e sabãoJ e de Equipamentos
de Proteção Individual PI's).(f , .
· Em notª técnica conjunta (AATR et a!., 2020) assinada por várias institui-
ções sobre a legalidade das barreiras territoriais como uma estratégia de isolamen-
to ~ocial comunitário, esta iniciativa, somada ao isolamento familiar realizado es-
pecialmente na zona urbana, considerou as relações sociais que organizam: o modo
de viver dos povos tradicionais, salvaramyidas. As lideranças indígenas agiram nos
termos dos arts. 215, 216 e 231 da Constituição Federal. Somada as garantias da
1

' Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que passou


,ªvigorar np orden~mento pátrio por meio do Decreto Executivo n°. 5.Ó5 l, de 19 .
de abril de 2004, estabelece que: · ·

Artigo 2° 1 Os governos deverão assumir a respo~sabilidade.de desenvolver,


com a participação dos povosinteressados, uma ação coor.denada e'sistemática
com vistas a. proteger os direitos desses povos e a garantir l'.l respeito pela súa
integridade (BRASIL, 2004).

No dia 23 de abril de 20l0, uma indígena da etnia Fulni-:.ô faleceu, mas


~ó foi confirmada que a causa mortis era Covid-19 no dia J de maio, .segundo a
Secretaria de Saúde de Águas Belas. Diante desse caso, ficou evidente que o vírus
saiu da capital e seguiu para o interior, tendo como p,rincipal rota a BR-232, que
dá acesso às cidàdes de médio porte no nosso estado. Daí seguiu para os municí-
pios menores.
Até junho totalizamos doze mortes registradas por Covid-19; felizmente
nos meses seguintes mais nenhum óbito foi cont~bilizado. Em números absolutos
temos: 43 infectados ativos e 239 curados, num total de 294 casos de indígenas já
contagiados no estado. de Pernambuco.

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Resistência e território: os povos tradicionais e a Covid-19 1107
8.3 A REMDIPE INTENSIFICA SUA ATUAÇÃO NA SISTEMATIZAÇÃO DOS
MD~ ' .

Diante do desafio de sistematizar as informações sobre a pandemia da Co-


vid~l9 e dar visibilidade aos povos indígenas, a REMDIPE passou a publicar bo-
letins semanais. O segundo boletim lamentou a morte de uma criança de apenas -
três dias de nascida, do povo Pippã. O falecimento ocorreu no sábado; dia 2 de
. maio, e a confirmação da morte por Covid-19 só foi efetuada,' pelo LACEM, na
segunda-feira, dia 4 de maio, pela Secretaria de Saúde do Município de Floresta.
Este óbito, somado.ao falecimento do artesão Naxiá Fulni-ô, de 42 anos, naquela
altura, registrou a morte do segundo indígena em Pernambuco.
Este informe trouJÇe também a 'boa notícia da primeira recuperação de um
. indígena em Pernambuco, membro da etnia Atikum. Outro registro que constou
no segundo boletim foi a informação do falecimento de um indígena venezuelano
do povo Warao, que migrou para o Recife em agosto de 2019. O caso é acompa-
nhado pelo Comitê lnteiinstitucional de Promoção dos Direitos das Pessoas em
Situação de Migração; Refúgio e Apatridia.
Conforme os dados foram sendo sistematizados e geoprocessados é possí~
vel acessar pelo mapa que destaca as informações semanalmente, conforme ilus~
tração a ~egu'ir, que foi divulgado no segundo bol~tim nº 11 da REMDIPE de 7
de agosto de 2011. ·

- }
1081 Manoel Severino Moraes de Almeida -

O 2$ SOkm·

1El!RAS INDIGtNAS !TISl . RODOVIAS fEOEllAIS


TIS SEM MEDIDAS PI OUTRAS VIAS
ó.81TO$ CONFtRMADOS:'
MUmtÍMMttltll'fti: ,
• 1'20 • O.O· s,o
• 1~50
e ao-so • 5;0•10.0
• Ml·ltll)
8 Sll-100 .lOP·lS,O
, , . 1tll)·1SO • roo-ttll)
• too-•~
.11SlMOll
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'
• r.:..""'
• ~J''"'

~ ,-==·
~r.
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FoQ.tes: Secretaria Especial d~ Saúde IrÍdigena (SESAI) eSecretarfa de Saúde de Per-


nambuco (SES) - 05.08; Secuetarias Municipais de Saúde e Instituto para Re- ...
dução de Riscos e Desastres (IRRD); Organizações indígemis - 06.üS, .

. • 1'

No dia 27 de maio de 2020, publicou-se pela REMDIPE o boletim espe-


cial 01, que abordou o quadro enfrentado na Região Metropolitana do Recife,
e
.diante da)nvisibilização ausência de políticas específicas para os indígenas que
moram nas cidades f:Om maior população no Estado. Entre as situações apontadas
estão o caso dos indígenas Waraos e de outros indiví.duos dos povos com território
em Pernambuco, mas que estão,fora de suas aldeias (CIMI, 2020). .
Dados obtidos do censo (IBGE, 2010) informam qu'e há mais de 6 mil
1
indígenas que vivem nas principais cidades da Régião Metropolitana do Re.cife :'.J

l!
(RMR): a ,capital conta .com uma população declàrada de 3.665 indígenas; em
Olinda, autoéieclararam indígenas '941;. Paulista, 83; e Jaboatão rdos Guararapes,
1.513. Diferente dos índios que estio alde~dos ou quevivemnos territóriosind(
genas já demarcados, os indivíduos .que se autodeclararam indígehas ria RMR não
tem acesso aos serviços da Secretaria Esp~dal de Saú9,e Indígena (SESAI). J; como
de resto, ao dar entrada em seryiços de educação, saúde ou assistência social, não

i:
:~ i 1
í
1
Resistência e território: os povos tradicionais e a Covid-19 i 109
são régistrados como illdígenas, caracterizando Ull\a violação grave à identidade
desses indivíd~os. ·
. ,Em 15 de jt.mho de 2020, no boletim nº 8, podemos identificar:, no gráfi-
co abaixo, o processo deinteriorização da .infecção e sua incidência nos territórios
inclígenas, que conseguiu, até o momento, bons resultados com as barreiras sani~
-tárias organizadas pelos próprios povos indígenas. ,

O IS SOkm
L_.J.___J

fERRAS INDIDENAS (1'111)

...........
TIS SEM MEDIDAS PE CmtfltMÃDOS.
MRdPIOS~tt\

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.......
• 100-150

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AODOV1A$ FEDERAIS
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lrnlipnas 1:1a RMR
OllTRAS VIAS ~~l.~

J . .

Fontes: Secretaria Especial de Saúdélndigena (SESAI) - lS.06; Polos Base Panka-


raru - 14.06; Secretariás Municipais de Saúde e Instituto pará Redução de Ris-.
cose Desastres ÔRRD); Coletivo Karµuwanasu (da RMR) - 12.06.

Em 'relação aos ín:dios Waraos, o caso foi judicializado n~. processo nº ·


0804566..:11.2020.4.05.83005 deautoí-ia da Defensoria Pública da União contra
o público municipal do Recife naJustiça Federal em Pernambuco. Q processo ter-
. minou com úm acordo judicial que determinou que a prefeitura do Recife forneça
abrigo adequado para rodas-as famílias que ryaquele momei;to estavam morando
em casas sem· a menor dignidade e salubridade (BRASIL DE FATO, 2020). A
petiçãqinicial ainda demandou a necessidade de distribuição de água potável e
' '
110 1 Manoel Severino Moraes de Almeida

Equipamentos de Proteção Individual (EPis) aos Warao, para sua higienização, de


modo a evitar a proliferação da Co~id-19 e outras doenças. Ainda que atendida
. a determinação, a nova residência passou por um início de incêndio e os índios
voltaram a morar em uma situação-precária no Recife. No primeiro documento
da Rede Solidária em Defesa da Vida-PE, destacou-se ainda ;t garantia do direito
à consulta, como povo tradicional que é, direito à alimentação adequada, aos seus
costumes, direito à comunicação pela via linguística dós mesmos, direito de rece-
ber esclarecimentos e informações adequádas sobre o quadro de saúde pública e as,
medidas de prevenção gerais e específicas, em língua que lhes seja compreensível,
ainda que para isso seja necessária a contratação de intérprete tREDE SOLIDÁ-
RIA, 2020).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
. ,
A experiênci~ da REMDIPE e da Rede Solidária em Defesa da Vida -PE
potencializaram uma agenda indígena em Pernambuco, ainda mais diante do de-,
·safio que 'a pandeÍnia da Covid-19 representou .para os povos originários a possi-
bilidade de rompe~ a invisibilidade da mídia oficial e mesmo do p;ocesso de cri- ,
minalização c01;itra'. suas lideranças. ·
Uma mà~ca importante de auto proteção tem sido ação no território de
a
inciativas proativas e de uma estratégia focada em valores como a solidariedade, a
·cultura de o vínculo social.- Mas os desafios ainda são enormes e a falta de recur-
sos financeiros podem fragilizar o ganho em saúde pública, diante da pandemia.
É importante frisar que a gandemia acrescentou nqvos elementos de 'amea-
ça ,à vida e à memória dos povps indígenas, mas nãó significou o maiorproble:ma
quando analisamos a criminalização de suas organizações e as recentes a,meaças de
morte aos índios da etnia Pankararú em Pernambuco.
··A terra e sua efetiva demarcação é uma agenda ainda não superada, e·como
!')Uas identidades tradicionais dependem de seu vínculo com o território, infeliz-
mente o vírus do preconceito e da intolerância contra os povos indígenas em Per-
nambuco continua sua curva de medo é injustíç~s.

REFERÊNCIAS

ASSOCIAÇÃO DE ADVOGADOS DE TRA.BALHADORES RURAIS NÓ


ESf'ADO DA BAHIA-.AATR et al. Nota Técnica Gonjunta 001/2020.
Disponível em: · http://WWjw.uriiCap.br/ catedradomhelder/wp-content/
uploads/2020/07/Barreiras-l.pdf.Acesso em: 03,set. 2020.
BRASIL. 'Senado Feder.ai. Entra em vigor estado de calamidade pública no
Brasil. Disponível em: https://www.gov.br/ planalto/ pt-br/ acompanhe-o~pla-.
nal to/ noticias/ 202 O/ O3 /entra-em~vigor-~stado-de-calami dade-publica-no-
-brasil. Acesso em: 03 set. 2020.
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BRASIL. Presidência da República. Decreto N° 10.088, de 5 de novembr~ de


2019. Consolida atos noqnatiyos editados pelo Poder Executivo Federal que
dispõem Sübre. a promulgação de convenções e recomendações daQrganiza-
ção Internacional do Trabalho - O IT ratificadas pela República Federativa
do Brasi\. Disponível em: http://www.planafto.gov.br/ ccivil_03/_Ato2019-
2022/2019/Decreto/D 10088.htm. Acesso em: 5 set.2020b.
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fome no Recife (PE). Disponível em: https://www;brasildefato.com.
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-no-reçife-pe. Acesso em: 02 jun. 2020.
CIMI. Indígena W~ao morre de covid-19, em Recife; MPF informa que 40 tes-
taram positivo em João Pessoa. Disponível em: https://cimi.org,br/2020/05/
indigena-warao-morre-de-covid-19-em -recife-mpf-info rma-q ue-40-testa
ram-positivo-em-joao-pessoa/. Acesso em: 02 jun. 2020.
INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL (ISA). Povos Indígenas no Brasil. Dispo-
nível em: https://pib.socioambiental.org/pt/Categoria:Povos_indígenas_em_
Pernambuco.Acesso em: 03 set. 2020,, ·
PERNAMBUCO. Governo do Estado. Deereto N° 48.809, de 14 de março de
2020. Regulamenta meqidas temporárias para enfrenta1llento da emergên-
cia de saude pública de importância internacional decorrente do coronaví-
rus, conforme previsto na Lei Federal.n° 13;979; de 6 de fevereiro de 2020.
Disponível em: https:/ /Ieg;is.alepe.pe.gov.br/texto.aspx?id=49417 &tipo=TEX
TOORIGINAL. Acesso em: 9 set. 2020.
REDE SOLIDÁRIA. Documento nº 1. Disponível em: http://www.unicap.br/
catedradomhelder/wp-content/ uploads/2020/ 04/Doc- l-Rede-em- Defes~­
-da-Vida-PE- Lpdf. Acesso em:. 02 jun. 2020.
REMDIPE. Povos indígenas e a Covid-19 em Pernambuco. Disponível em:
https://www.indigenascontracovidpe.com. Acesso em: .03 .set. 2020.
9. TUDO ESTÁ INTERLIGADO: O RIO,
. A COMUNIDADE EA TERRA
Monza Rios

INTRODUÇÃO
Nosso propósito, neste ensaio; é descobrir se é possível afirmar que ahis~
tória re~ente do rio Paraopeba em Minas Gerais e da comurüdade indígena Naô
rXohã pode servir como alimento para o reconhecimento de que aquela comu-
nidade ea natureza se complÚam e~ sua essêp.cia de vida e, mais que isso, essa .
co/mpletude serve como ponte que, se for interligada aos valoi;es públicos locais,
os direitos da natureza poderão se.r reconhecidos e protegidos pela política pública
municipal. E, nesse ponto, registramos com entusiasmo a participação d(; Rafae-
. la Carvalho Coutinho de Oliveira\ nossa assistente de pesquisíl, porque sem sua
íl)~da não teríamos tido acesso à l;iistória da comunidade Naô Xo~ã.
As premissas que dirigem nosso ensaio .são três. A primeira é a de que é
possível considerar que se trata de uma única histót'ia; cujos sujeitos de direitos
-,- o rio e a comunidade - em urna luta que até pode parecer isolada, se consolida
de forma interligada. A segunda ~ a de que estamos diante da concretização de
um pressuposto importan.te para a reafirmação dos valores comuns/públicos que
podem ser recuperados reforçando pontes fortal~cedoras da democracia ecológi-
co-social2 nas quais os direitos da natuteza são adubos para à qualidade da vida
dos membros de todo munieípio e,que, portanto, o desafio atual é escutar, com:
partilhar e abraçar valores comuns na diferença de cada sujeito de direito - o rio e
a comunidade i~dígena. Por fim, a terceíra é ade que rec;uperâr as forças de par':'
~ticipação, na esfera local; m avaliàÇão dos instruJllentos jurídicos, Lei Orgânica
Municipal, Plano Di~etor municipal e regional, poderá impactar positivamente a
Democracia Participativa local, onde o ente· federativo - ,o Município - tem úm
papel fundamental no reçonhecimento.e na defesa dos direitüs da natureza.

Rafada Carvalho Coutinho de 'oliveira é estudante da Escola Superior Dom Helder Câmara
Diréito Integral. Memb~~.do Grupo)de Iniciação Cién#fica "Instrumentos para Efetivação dos
Direitos Humanos no Estado Elenrocrático de Direito'', sob a coqrdenação da professora Mariza
Rios. Arualmente sua pesquisa é sobre "O impacto na aldeia Naô Xohá na defesa ; proteção do
Rio Paraopeba em Minas Gerais".
2 O termo democracia ecológico-social' aqui utilizildo é o ele que trata Leonardo Boff êujo conceito
se fµnda na· ideia de que "o ser humano é' parte da natureza e da biosfera. El~ não é o centro do
universo" (BOFF, Leon~do. Ecologia Mundializafáo, Espiritualidade. Rio. de Janeiro: Record, .
2008, p. 108. [p. 12]). .

' i 113 ,
1141 Mariza Rios
Nesse sentido, o primeiro reconhecimento é de que estamos diante de uma
única história porque o rio, em seu percurso geográfico, tem como braço direito de
proteção um povo que é capaz de compreender e interligar a sua pr6pria história
a historia da natureza. Assim, rio ·e natureza são parte de úm mesmo patrimônio
ligado por pontes de solidariedade, reconhecimento de direitos e participação-por
dentro dos instrumentos públicos de proteção da democracia local.
Para iniciar, lembramos a convocação do papa Francisco 3 dando voz, credi-
bilidade e oportunidade para o desenvolvimento da 'virtude do amor que, a nosso
. ver, não cabem.ais explicação e sim deixar/permitir que aflore o sentimento de per-
'tença um do outro, o homen:i e a natuteza, e mais, a certeza de que a sobrevivência
de um está conectada diretamente à sobrevivência do auto. Essa lição nos foi re-
lembrada por frei Silvanildo, em 29 de maio de 2020, quando ensinou: "nós temos
.que amar a natureza'' 4 porque somente assim·vamos conseguir compreender que
tudo está interligado.
. . , Por tudo. isso, decidimos, em primeiro lugar, resumir a história do rio Paraope-
, ba e da comunidade Naô Xohã procurando pontes que possam eluçidar uiva parte
do presel}te, marcado pela retomada da comunidade ao seu territórib (2018) e pelo.
rompimento da barragem de Bruinàdinho (2019) que, acreditamos, ser capaz de Aos
levar a.compreender que tudo está interligado e que a chave .do sentir e da renovação
de compromisso ~stáno espaço, local pronto para anunciar ao Universo que podemos
ser diferentes, que podemos amar a natureza a ponto de mudar a direção do coração
para o cuidado da Casa Comum, aqui representada pelo espaço municipal;
E, dessa maneira, passo agora .a ocupar o lugar de testemunha ,protagonista
de vozes locais que gritam pelo reconhecimento de valores' comuns, mas, ao mesmo
tempo, anunciam que é possível cohstrufr pontes fortalecedoras da democracia lo-
cal e, quiçá, apol,ltar limites e sugestões para o fortalecimento dessas pontes.
Ocorre'que essa compreensão exige pelo menos três providências práticas: a)
conhecer os membros desta rede de relações, aqui compree!Jdidos todos qiie fazem
parte do ente federativo município; b) conhecer e ocupar os instrumentos locais
garantidores do vaiar cornuU:itário; c) repactuar gestos e compromissos que possam
fortalecer a justiça social. ' \ -

9.1 PONTES QUE SE INTERLIGAM: O RIO PARAOPEBA E A'COMUNI.DADE


NAÔ XOHÃ.
·O rio Paraopeba5 está localizadd em Minas .Gerais e o seu nome tem como
significado originário a própria história indígena da região: do Tupi pard (rio gran-

3 VATICANO. Carta Endclica Laudato Si' dc;i Santo Padte Francisco sobre o c1ddado da casa
comum, 201 ~· Qisponível em: https://w2. vatican. va/ content/ dam/francesco/pdf/ encyclicals/ doeu
mems/papa-francesco~20150524_enciclica-laudato-si_po.pdf. Acesso em: 10 maio 4oio.
4 DOM TOTAL. Live realiz~da no dia 2Q de maio de 2020 por ocasião da celebração dos cinco anos
daLaudato Si' (2015 a 2020).
•5 Di~ponível em: https://www.paraopeba.mg.gov. bt/ detalhe-da-materia/info/historia/6502. Acesso .
em: 9 jun. 2020.
1
li

Tudo está interligado: o rio, a comunidade e a Terra i115


de, mar) e peba (aquilo que é plano e chato) e daí a expressão mar plano. Sua nas-
cente está localizada no município de Cristfano Otoni, região central do estado de
Minas Gerais e sua foz fica na represa de Três Marias, município de Felixlâtídia. O
Úo Paraopeba•possui uma extensão'de 546,5 km e sua bacia cobre 12.Ó90quilô-
metros quadrados e .35 municípios. Seus principais afluentes são o rio Macaúbas,
o rio Betim, o rio Camapuã e o. rio Manso. Por outro lado; o rio Paraopeba é um
dos principais afluentes do rio São Francisco. Aqui já podemos evidenciar as pri-
meiras pontes que se interligam: rios men~res, assumindo a missão consolidadora
do Paraopeba que, por sua vez, se fortalece nutria nova ponte que o interliga ao
grande rio São Francisco. ·
A formação da região de Paraopeba teve. como s_eus primeiros habitantes
os índios K:axixós 6 que, segundo d,ados históricos, foram encontrados peJos ban-
deirantes ,em meados do século XVII, durante as expedições em busca do ouro.
A partir de então, começaram a ser extintos pela hita d6 branco na ocupação das
terras, em urrí processá de escravização sem precedentes; tend0 como resultado a
extinção de muitas nações indígenas. ,
A região denominada "Tabuleiro -Grande", durante 45 anos pertenceu ao
Município de Sete Lagoas, até desmembrar-se, elevando-se à categoria de municí-
pio, por meio da Lei nº 556, de 30 de agost~ de 191 L Sua instalação solene deu-
-se. em 1° de junho de 19121 passando a denominar-se Vila Paraopeba. A partir de
1931 recebeu o nome definitivo de Paraopeba que teve como razão principal o rio
que, _naquela é~oca, se encontrava liv~e de qualquer poluição, era fonte d,e maim-
tençao dos habitantes, que se beneficiavam da pesca e da lavoura.
O segundo município que nos ajuda a compreender o que es.tamos cha- ·
mando de ponte integradora da natureza com a terra e comunidade é São Joa-
quim de Bicas, elevado _à categoria de município na.década de 1990, cuja eman-
cipação política se deu em 10 de fevereiro de 1995, transformado em cidade pela,
Lei estadual nº 12.030 em 12 de dezembro de 1995. Contudo, ficou sob adminis-
tràção do ·mµnicípío de Igarapé até 1° 9-e janeiro de 1997, com a posse do poder
Executivo e Legislativo e tendo sua primeira Lei Orgânic~ promulgada no dia 18
de setembro de 1998. 7 -
· Até aqui podemos afirmar que a históri_a do rio Paraopeba se conecta âi-
'retamente com.a história das ~omunidades indígenas. Dessa maneira: dando um .
salto para frente, temos uma ponte importante que marca a continuidade dessa
interligação que é a presença da comunidade Naô Xoh;i, que na língua maxacali
significa "espírito guerreiro~'. Trata-se de uma nação composta pela etriia Pataxó e.
Pataxó Hã Hã Hãe. Conforme relatado no T~rmo de Ajuste Preliminar Extraju- .
dicial PataxÓ 8 ; ó local et3; habitado por.153 indígenas que formavarri 46 núcleos
1 familiares. ·

6 Disponível e~: https://wWw:paraopeba.mg.gDv. br/ detalhe-da-materi.a/info/historia/6502. Aces-


so em: 9 jun ..2020. , , ..
7 Disponível· •em: https:/ /www.saojoaqtiimdebicas.mg.gov. br/ detalhe-da-materia/info/historia/
6495. Ac~sso em: 15 jun. 2020.
··8 MP!'.'- TERMO OE AJUSTE PRELIMINAR cujas principais demandas econômicas emergen-
ciais para a comunidade Naô Xóhã ficaram aj11stadas como um salário rnfrlimo por pess,oa adulta;
1 ~61 Mariza Rias
. ; ,.
A comunfdacle encont;a-se ~resénteno.mtinicípio de São Joaquim deBi~ ·'

-. cas, fixa:dà às margens ·do,;rio Paraopeba, .ondeJ_uta pela construção do seu, pcróprio /
modo de vid~ desd.e 2017. Entretanto, apesar do monitoramento do território :1
(
ocorrer desde 2013, as migraçõesdes~és povos.nãb são rece!).tes. Os,Pataxós vivem
./em diversas aldeias espalhadas pelo estado da Bahia e de Mí,na:s Gerais e o primei- · i
1

ro contatei com os não índios remonta ao século XVI. . '


·I
1

· Segundo· o C~ntro de Documentação Eloy. Ferreiia da· Silv~9 ,. ii. predo,rrii- 1 i

nânda dos Pataxós no município de São Joaquim de Bicas 10 fol fi1.otivadà 'pelas di- 1.

ficuldades ehfrentada8 na éapifal. A_ história narra que a cl;i.egad<C&1. c.õmunidade


à 1çapital,rriineira se deu em 2011 e se dedicav:arri·a trabalhos em escolas, constru-
ções éivis; bares e att;esanato. Sua sobrevivência.foi fortement.e abalada em 201,7,
registrada pelo jornal O Temp(/1, totp a exigência, pela Admini~tração Munici- · .
. pal, d~ cfocumeii~o RANI (Registro Admilllstradvo deNa.Scimento de I11dígena),
·comprometendo sua conrinuidacie na região 12;Tais dificuldades de sobrevivência·
forarri rbconhecidas pelo MPF, .no Inquérito CivjL nº L22.000.'001453/2014-
.44/2016. E~ses aconiecimentos levarám a comuniclade a retornar. ao \int~ricir, ·n;s
... proXiITi:idades do ~fo Paraopeba, ym São Joaquim de Bicas.... 1 '. .· ··
· Acomunidade Naô' X'oh'ã retorna ao território de seus ancestrais em São
Joaq1;1im de Bic~·'t!m 2017, s~nd6 acolhida'pelf> acampameµtoTerra Li~re? do ··-.!

. MST, ein u:ma área que fica a cerca de 22 km da barragem de Brumadinho, uma
área· ver<:l.e de 327 hectares,, que àté aquele momento era otupad'!- pela· emprefa
n:iinetad.óra FertottS: Resources dó ~rasil, cuja· propriedade, ,~egundo o jornal Hoje
em.Dia, pertencia à MMX, empresa de Eike Batist:J:. ·..•. . , / ' , . .
, " Ojornal 9 Tenfé,,veiculado ein:l9 de abril de 2oi9; fal~tído 8obr~ a vida
da comunidade, nesse momento erp seu território, traz ª(ºz do cacique Hayó:
"aqui nós .temos paz porqüe D!!us esrá presente no rio Pa:raopeba e â. C!?munidade
esta~a destiq:adaa vivei em harmonia [.:.], peFmanecer no local'para recuppar ~,
• i ' : - ' 1 \, - .\ , ' ,· -

mci~ salário, mírti~opor adoiestente; um quarto de .salário mfrilmo por criahça; val0 r corresp6n-
dente a umá ces~a básica para. cada·núcleo familiar. Disponível em: l;ittp://~.mpf.nip.br/mg/
., s~a-de-impren~a/docs{acordo.:.vale~pa'taxos .. Acesso em: 1.5 jun. 2Q20. , . · .·;
9 · 'cENTR~ bE Docú'MENTÀÇÃ:ó EtdY FERREIRA DA SILVÀ-CEDEFES~.Dispori1vd
etÍi.: https://www-.cedefes.org.b'r/. Aces;o e\n; 15 jun. 2020~ · ·
' 1 J . ' ' •·.. • . ..:_ ,·

10 São Joaquim de Bicas é um peqúeno Município Cl0 Es.tado que sàstenQ.e pot7l,6 e, se- ktn2
'
I~ .
.· gundo o senso de 2010, já cól)tava corri 3 L.578 habitantes. A densidade demográfica. é de 441.~3
(habitantes por kni2 no ·territórk( do município. TrataCse de utii municípi~ vizinho :de Brumadi- .
;nho, região que se en~tra b,runtlmente afetada pelo rompimentó da Barragem cie Brumadinho.
Disponível em: 'https:/ !w\vw.dcLlde~br~siLcom:br/municipio-saocjoaquim-de-bicas.h,thil. Acess 0 ·
. em: 1·5 jun. 2Ó20. https://wwW'.cedefes.org:br/. Acesso em: 15 jiln. 2020 .. - . .
>. · ', · . . ···'
' • -. '·.'· • • .'. • • : ' • 1 "- • , •

.H . O Tempo. Disponível em: https://www.oterripo.tom.br/.


12 No àno 2016, âmbito Inquérito ~6 pÓ.blico Jo clvil
nº 1.2.2.000.oÓ1453/2014-44, p Mlnis- d~
tério Públko Federal ~econheceti intervenções dp Pbder municipal local, c~iando ób;ce àS ativida-
des ipdígena5 na luta péla sobrevivên,da, càní ·as ve11das de seus :irlesanat0 s. OJque culinin 0~, erti
..2017, pélo mesm9 árgãp publico na dxigênciado,Rc:gisrro Admiríistiativo':d~ J'!'a5cimel)tO de Indí-'
gena {RANI) como condição a'ô çxercício de di~eito de vender seus artesanatos: Notícia veicul~d~: \.
pelo Jornal Q\Tempo através das jornalistai; Bella Gonçal:ves e Cida Falabella; no ano de 2017. ';. ,,

'\ Jornal FÍ~je e~ Dia.(2018i. Qi~ponív~l e~: hi:tps://w\vw.hojeémdh.oom.b;Íhorizoi;ites/rnst"~cu.


pa-fázenda,~de-eike-bati.sta-em-são-jpaqüim-de~bicas-1546488. Acesso çm: ZO. maio 2020., ,

'.\,
r-1. \'
1 . \ . 1
l
Tudo está interligado: o rio, a comunidade e a Terra . 1l7

.. destruição através de rituais de curà' - referindo-se ao ~crime pelo rompimento da


barragç:m de;: Brumadinho 14 • Nesse contexto; volta-se a 2018, quando Avelin Bu-
niacá Kambiwá; .
da étn!a. : Kambi'wá,_'.! dePernambuco,
""' ' '.
em' uma entrevist;i.v~ículada
. /
pelo ;Brasil de Pato esclarece: "A terra está muito degradada,., ainda não dá p::?.ra c\river
•de.la~ O· rio ~tá poluído e ~em que ser salvo: Temos que estar lá. para gi+ardar o rio
P~raopeba, o resto de mata que ainda tém e parar essa mineração'.'.
. A partir de então, a comunidade passa a depender diretamente das águas do
1
iio Paraopeba para a pesca, laze:r, produção de mandioca, milho, banana, frutas e hor-
taliças; produção de.óleos n~dos enr rituais. de cura e limpeza espiritual e a favagem
de roupa5 eJouças, em perfeita harmonia á natureza, terra e comunidade indígena. ·
. . . . ·. Com c1 rompimento'da barragem (2019), afirma um in4ígena <J.O jornal Esta-
do de Minas (2020)12': "Ol_~ompimento da barragem nos trouxe um luto sem fop1. Não:,
té~ reparação; foi <l perda do nosso rio; .Era á.noss~ vidlt, o npsso kizei:~ o )lOsso s1us-
tento, a nossa cllltura: erúuçlo para a gente. E morreu nossa cultura alL.Onde ens.i-
návamos nossos rituais pari os mais jovens. A. pesca era um ensinainento t~adicional";
· .• . . 1Na ri\.es.rna entreyistà-:- quando já presente' no
rrtuhd,o o novo coroµayírus -
.< ~ afirma .p jornal que os ipdígena.S ''pata se prevenir da p~demia, espalh<l;ram placas
proibindo o acesso de estr.a.nhos elacraram a aldeia, ficando a má.is de 20 metros do
rio1 Paraopeba~ que lhes é tão importante". . . .. . \ . . · '
. · Aqui podemos perceber que, çom a morte do rio. - crime .cometido.pela
Vale. do Rio:Doce .=;os indígenas passam a construir novàs pontes que po~samJ.n­
. teriigat sua história, seu territórib, suas vid~s e 'suas relações com a comunidade...
Sim; porque enquanto vendemº· artesanato, con~arri .e recontam a hist6da do rio
afirmando: "O rio é o Deus que' nos êriou. Sem água, hoje ninguém .vive. Estamos
sem nossos rituais nas águas,· nossas crianças não se banham fiai~ no rio· e riãÓ há·
mai~. peixes". Isso, do nosso pónto de vista,. ~ignifi~a rp.ais do que a busca pela so-
brevivência. Sigrüffo:a den,unciaH morte. do rio e, junto com ela, a sua <l_isposição · f.
de ajúdar na recuperação, tji.as; além .disso, anunciar para a cbmuri.idadeJocal e pàrá
ôs turistas a sua própria ex!stêticia e; assim:, â impogânda: de que a: vida humana.~'·ª >
terra.e a naturez~, estão. intedigada.S. ·. · \ . . · \ . · ' .'. · ~ ·
Assi~; podemos _confir.m<J! que a nossa prifi1.ei,ra premissá'está correta. Ou
1 seja, não podemos falar de dua~ histórias, a do rio e a .da comunidade, porque,-~<;..~
1

assim _Bzermos, ~staremos ôesconectando á ponte que liga dois sujeitos de direitos,
. o rio e'à comunidade. . ! \ . ' r. \ ' . . .

. -:.. P.desafio agor;i.pa~~a a se.evidenciar; tr~r.à presdiç~, éo~o nos'ensiná 1 ~;


1
Boaventura de.Sóusâ Santos 16, valôres comuns que forani recpnheddoscpelbs res:- ·. ~
pecti~os j:nstrilrr:tentos jurídicos. formajs locais que pÓdem servir. c:le1 fios ~on~tru-
' . •/ ' -. / '

14 o rompimento àa.:Barrag~m d~ Br~~adinho ooorrrdo em 25 dejandro cie 2.019 foi re.ccmheci-


do como crinie ambiental do paí~ com pei:drur irreparáveis de vidas humanas .e a dev~tação do rio\
P:ll'aopeba. · . . _ ," . . . . . , . .. .
• 15 · Disponível em: l\nps;/lwww.em.com:br/app/noi:icia/gerais/2020/0410'3/iiü:erna_gerais,1135141/.
ii}dios-patruio-de~sa'l-iPaqµlm-de-bicas-alegam~desamparo-e-fechaffi~rribo.~html: · Acesso em: . i 5
•jun. 20~0. .· ·.. . . . · · , · ·• .
16 SANTOS, Boaventura de Sousa. Para utúa 'sociologia das au~ências ~-uma sociologia das emergêh-,
cias:Rev:ista'Críti~ de Ciências
~··. ,
Sociais', Coimbra;
.
í'i., 63, p. 237-2$0, out. 2002;
. . .
..

'1,
118 ~ Mariza Rios
1

tofes de, pontes fortalecedoras da demotracia -ecológico-social, que pds ensiná


- Leonardo BofP7. · ,
... ·. i

9:2 VALORES LOCAIS COMUNS


Na busca da compreensáo de que a hi~tórja da com unidade indígena re-
. ctÍp~ra um laço comum; direc;ionador de valores que perpetuam avida da.na-
tureza, <1-qui· ~epresentada pelo do Paraopeba; encontrá-se uma fie mas expres-
sões na própria f~rmação dos entes federativ0,S, os municípios de Paraopeba e
SãoJoaquim de Bicas.18 • O laço d~ que falamos· foi finnado' pela convivência
dos indígenas com a.natureza ·que, ,mesrQ.o compreendendo que a formação
municlpal não' atehtÓu ·para eles,' é. p~rceptível na atual Lei Orgânica dos dois
murüe;pios, claro que ~oneqados ao teito Constitucional, de.·1988., co~ pro-
pósho de ''assegurar a todos a ddadani_a plena e a cqnyivênçia etq uma socié- .
dade .'fraterna, phiÍ:alista
.
e sem. preconceitos~
.... alicerçada ría' justiça '1social'?\l
., .
9 e;
\
no mesino sentido, a Lei Orgânica de São Joaquim de Bicas que afirma, j~ no
preâmbulq; "gat~nfindo O exerdciÓ' dos dfreit9s sociais e individuais [ ... ] ÓS
direitos de 1,tma plena cidadania de uma soci~~ade digna; fraterna, pluralista e
sem preconceito,'fundada na ju~tiça: s?cial" .20 . .· .·

· Leonat.do Boff, quando perguntado_ sobre o que seriaa sociedade local;


> respon~eµ ··que é "uma rede de· relações· entre -as· pess?;is; suas funções,. coifa~
·e instituições iluminadas pelo valor :ufiivers;µ da Pesponsabilida:de sqdal. com~- '
partilhada [ ... ], Ó ser humano .é parte da natureza' e da biosfera. Ele n.ão é o.
centro do universo" 21 • SertdG assim, a formá escolhida para organizar essas res-
. \. po'nsabilid,ades é. a democraci<i direta. Bom; séndÓ olocal uma, rede de relaÇ()es
cuja prirpeira~dedsão comum (pela jU:stíça.!>ocial .<::omo valor comunitário,;
cabe '!- essa rede de relações integrar, consagrar e garantir que a justiça social·
. ·chegue a todos nas SW!S diferenças, modos de vida onde O que.não se abre Iná()
é'do valor comunitárfo, a justiça soeial. Isso requer, de cada 1,1m, atfrudes de
.. ' · açol~imento do difqepte; deixar-se corrigir e aceitar, no prqces~óde convivên- .
da, elem~ntos novos que possam confirmafe proteger o valor c.:omunitário.e'
a j ustiÇá sqcial. . · · · ·
/
'·' J. ~··
1 ' • "' - ~ • •. • • e • .' ' : ."' ~ • •\ • ' • '.- ;

17 BOFF, Lem,1ardo. &:ofogia, Mt111dializaçáo, :l!'.spiritualidade. Sãp Paúlo: Record; 2008.


18 Município 'é uma divlsãó l'egalme;:;te ~ealizâda deu~ territórÍo,'partes que. fazem parte dé um _
:~e~mocerritódo. Assim, todo e qualquer tugar, no ~rasil, indepen4eme 'éle dom'ínfo faz parte
<de uma~área,mil~icipal cuja adminimàçáo é feit~ pela prefeitura. · · · ~
19 PA,RAOPEBA. Lei Orghi~ do Município d~ Para~peba. Disponível em:;htrps:J /vi'wW.pa~.
. raopeba.mg.gov.brllegislacao. 'Acesso em: 20 inalo 2020. .• ·
·sAOJÓAQliÍJM.DEIHCJ\s: Lei~itadoMunicípio·deS~oJoaquimdeBiCás. Dispo!IÍ-
,_/
\ 20 '.
. velem: https://www.camarasaojoaquimdebicas.mg.gov.br/abrir_arquivo.aspx/Lei_Comp-lemen
'tar_l_l998?cdLocal=5&arquivo={BAEADCC7~5EBB-BE81-4EDD-5CDA134P81BC}.pclf.
,,
1.·.

\. · ~esso em: 20 maio 20:20. r: . . ' , . ,


\
. 11' · ··BÓFE. Léotiardo. },':rol;,~a,
.. .\\"
Mt111dialiiaçáo;
' ' .
.
Espmfuali.dade.
.
. .
São. Paulo: Reeord,
-
2008, p. 105: ~

,.

-,_:;
Tudo está interligado: o rio, a comunidade e a Terra 1_119
Nessa paisagem, Leonardo BofF2;- fazendo a releitura das moqernidades, li-
beral e· socialista, sintetiza que a modernídade liberal criou a sociedade industrial·
, pelo instruménto da democracia liberal representativa cuja centralidade é o n:lercado
e o consÚmo.
,,
A modernidade
- --
socialista, por s~a vez, excluiu
!
por completo a diferen-
ça, àcreditando ser a diferença a mesrria coisa que as,desigualdâdes e, daf, a luta pela,
igualdade tão fortemente focada na formalidade que chegou a se olvidar, na mesma
.medida, da efetividade, reconhecida aqui como formação de uma nova' sociedade
nutrida-pelos valores da participação, solidariedade,. diferença e comunhão.
Frente a essa realidade de dóis projetos que se excluíram, aponta o autor a
ideia da reconstrução da.sociedade pautada por uma participação que seja capaz
de criar práticas; a solidariedade reconhec_ida como ''a capacidade de incluir o ou-
tro no seupróprib interesse e.entrar no mundo do diferente para fortalecê-lo" 23 , a
diferença requerida hoje por muitos grupos sociais, exatamente por isso, apresen,ta
a possibilidade de visualização da.comunhão\ . ·
Aqui vale relembrar o valor corrmmentre o·rio, a comunidade indígena e a :
comunidade local, a justiça social, reconhecimento que fundou a própria cria9ão
dos entes federativos, o m~nidpio de Paraopeba e São Joaquim' de Bicas; Boaven-
tura,24 em seu estudo sobre os caminhos da democracia: participativa, expõe que
é.preciso democratizar a própria democracia porque assim passa aser possíveLi.
reinvenção da emancipação social.
É o que àcréditamos e, por essa razão, estamos propondo, comoingredien-
. teda construção qessa emancipação social, o resgate dos instrumentos públicos
locais e a repactuação, pela governariça local, de gestos e compromissos capa:ies de
trazer à centralidade da comunidade o valor da justiça social. .

9.3 INSTRUMENTOS E.MECANISMOS


, ' DE PARTICIPAÇÃO
\)sinstrumentós que querem.o~ trazer ·ao debate requerem, em prirp.eiro
lugar, recordar a necessidad-e 4e compreender o fortalecimento dos fios da rede
que interligam o rio e a \comunidade indígena aos outros membros.da comuni-
dade local. Ocorre que essa compreensão, de imediato,. necessita reconhecer os -..
membros dessa rede de reJaçõe~e, em seguida, conhecer e ocupar instrumentoS' os
_ loca~s garantid'Qres do valor comunitário. · . ·
. Conhecer e se reconhecer como, jllembro de uma rede que tem um valor .
histórico' e formalmente comum - a justiça social - requer de cada membro da
rede, em primeiro lugar, relembrar os pontos de reciprocidade e complementa- .·
ridade entre os membros. O primeiro e .mais importante é, a meu juízo, a com-
preensão de que necessitamos um do outro~ a nossa sobreviv?ncia depende desta · ·
necessidade. , • . .

22 BOFF, Leonardo. Ecologià, Mundializaçfo, E~pWtualidade. São Paulo: Record,-2008.


23 BOFF, Leona~do. Ecologia; Mundialização, Espiritualidade. SãoPa~lo: Record, 2Q08, p, 136.
24 .SANTOS, Boaventura deSousa .. Demoeràtizar a Democracia: os caminho~ d~ democracia pa;-
t_i_cipativa. São Paulo: Ci~iÜzaçáô Brasileira, _2002. · ··· . . · .
1201 Mariza Rios · . \;

, Sobre essa afirmatiY.,a podemos relembrar que, com o rompiment~ da bar~


xagem de Brumadinho, que teve como consequência imediata a morte do rio Pa-
raopeba25, toda população foiafetada. O próprio Instituto Mineiro de Gestãci das
Águas (IGAM) recotnehda "não se utilize a água do Pà.raopeba [... ].Não houve
nenhuma manifestação do governo do estado diferente daquela que recomenda a
susper'lsão [do uso] da água, ou seja, da água bruta, da' água in natura no rio,[ ... ] .
. E nós estamos avaliando porque não é só uma, questão ambiental, é uma questão
de saúde públicà'. 26 .
Assim, fica evidente que nec;essitamos um do outro, temos uma dependên-
cia comum; a sobrevivência do rio é também a nossa; a ponto de ultrapassar· os
limites da .rede local. Nesse sentido, a morte do rio é também a possibilidade da
morte de todos os membros da rede e, sendo a comunidade indígena o membro
da rede de maior experiência histórica, esse membro deve ser conhecido. e reco-
nhecido por todos. Da parte deste membro - a comunidade indígena -, se visua-
liza o -compromisso de reciprocidade quando saem às ruas, por exemplo, para ven-
der seu. artesanato e contam e recontam a história do rio 1 Paraópeba Como parte de
sua própria :vida, com a mes~a história e, portanto, Stljeitos de direitbs que devem ,
ser preservados, cuidados e defendidos. /. .. '·
Nessa paí~agem, B.oaventurá de So,usa Santós27, faz~ndo uma releitüra da
ciência, ant.Í.ncia que muitas coifas, gestos e atitudes foram esquecidos pela própria
ciência. Por isso, ele apresenta o que ficou conhecido como Sociologia das Ausên-
cias e das Emergências, fazêl1do uma crítica ao modelo de racionalidade ~cidental,
que cham~u de razão .indolente, propondo outro modelo, o da razão cosmopolita,
fundadonos procedimentos do reconhecimenw das ausências, das emergências e
no trabalho de ti:adução. . - ·
Dessa maneira, em nosso caso_concreto, a. tarefa do reconhecimento das
ausências e das eleições das emergências é da_s n;~des, locais, mas a da tradução, aqui
. cotnpreendid;oi 7omó proteção dos.valort0s e direitos comuns, cabe às instituições
locais a obrigação de manter, reforçar e garantir as decisões comun,itárias; Somen~
te assim podemos compreender .o d~safio/tarefa de conhec.er e ocupar os instru-
mentos locais garantidores de valo~e~ comuns da comunidade.
,Nesse campo, voltando a nossos estudos anterio,(es, 28 apresenta-se a condi- .
cionante da necessidade da reconstitucíonalizaçã,o dos direitos que passam rieces-
~ariamente por uma interpretação centrada no reconhecimento dos significados
trazidos pela. conivêpcia das comunidades tradiciotrais, ·indígenas,·. quilombo las,
1 • • • '. i - - •

25 Após a tragédia de 'Brumadinho, Furidaçáo decreta m;rte do rio Paraopeba. Disponível em: http~://
g l .globo.com/mg/centro-oeste/ noticia/ 20.19 / 02/04/ apos-tràgedia-de~ brumadinho-fundacao-de
creta-ll1orte-do-rio·paraopeba-em-para-de-minas.ghtml. Acesso em: maio 2020.
· 26 IGAM. Disponível em: https://g l .globo.com/ mg/ minas-gerais/noticia/2019/07123i quase-6-me-
. ses-apos-tr~gedia-dà-vale-u50-dá-agua-do~paraopeba-segue-sem"previsaq"impacto-ao.-meio-ain-
. biente-ainda-e-analisado.ghtml. Acesso em: 3 maio 2020. ' .
27 SANTOS; Boaventura de Sousa._Para mriaS~ciol;gia das ausências e uma.sociologia.das emer-
gências. Revista Crítica de d.ências Sociais, Coimbra, n. 6,3, p. 237-2$0, out. 2002.
28 RIOS, Mariza. Produs:ã.o'de Direitos: a exper:iência da comunidade remanescente de quilombq
de Preto Forro; Pàsso Fundo: IFIBE,\2008. · · .
Tudo está interligbdo~ o rio, a comunidacje e a TetTa ·i 121
. ' , '

d('!ntre ·outras. Esse reconhecimento acrescenta a chave. da interpretação jurídica


2onio elemento étnico-cultural,. porque a.Ssim acreditamos que. adias se interli-
.garr:i na susten_tação. da rede. Apesar&; diferentes; as~uniem juntos a m~S<ma corri-~. ·.
prçensãq sobre o yalot có.mum: a justiça social e, mais queiSso; qúe·ésseyalor re-
;q~er a cm:npliçidade de todos de-que a natureza.e a hum~idade são dep~nde11tes ~ ·
.entrê si, portanto, a morte de um significa a morte do.outro. : .. ; . . ·
,A partir disso, a pergunta que fazemos é: o que, quais são e como utilizar
os~nstrumçnt6s próprios aJávor dessa nova lógica de compreensão de çom1,mida-
de/ ~ociedade local?'Para responder a essa pergunta, fizemos a releitura da atúal Lei .
Orgânica· e do Pla110 Diretor dos citados municípios, além do Plano Diretor da
Bacia do Rio Paraopeba. Antes, contudo, tomamos a liber.dadede relembrar dois
conceitos básicos: lei orgânica e plapo díreto.r n;i organização jurídica brasileira.. '
LetOrgânica é o· documento jurídico municipálcof1stituído pelas narinas
qtÍe regulam ·a vi4a política da comunida~e .local, tendo como limite importan-
te a. Constituição Federal que trata dos aspectos da Féderaçãa· e que, portanto, é
chiu11ada de ente. central;a União, A Constituiçãóf'-stadual, da niesmà ma:h:eíra,
trata :c!os assµnfos do. Estáâo 'respeitando os 'limites da Carta Maior e, por fim, a
.Lei Orgânica traz as normas organi~adoras da vida da'cori:mnidade local, o Mu~
nidpió, Nesse sentido, q'própriotexw co~stitucfonal, em seu àrtigo 29, garante
r: .que:''.'O MmÜcípio reger~se~á por lei orgân,ica, votada em 'dois turno~, côm-o in-
t~rstício mínimo de dez dias, e apro~ada por dois terços dqs membros da Câmara .
· Municipal, que a promulgará, ate11didos os princípios es1abeleéidos nesta Çons- •
iituição [ ... ]''. 29 · ·. • .•· :. , . . \ · • .

Na mesma linha de raciocírÍlo~ o Preâniblllo da Constituição mineir~ reco-


nhece: "Nó,s, representante~ do povo do Éstado de Minas Gerais, fiéi,s aós ideai_s
.· de liberdade de sua tradição [...} coi:n o propós~to de institukordem jurídica au-
. t'(>no.ma, que: cóm basç ~nas aspiraÇões dos mineiros,· consolide os prin~ípios es-
. tabelecidos n,a Constiruiçãp da República, W~m~va a qescentralização do Poder
e·;issegure o seu controle 'pefos ddà:dáos, garanta o direlto 'de fodos à cida.darthi
(plena [. .. ] a:o desenvolvimento [... ] ftmdada na: justiçà social;; 3º. . .
. ~sim, a Lei Orgânka ~ urna fÓrma de regular a 1utonomia <le ê~d~ m~ni­
cípio e; ati:avés dela; pode-se rn;iis, facilmente alt\r~r úma l~i qu(f nos afeja dir~ta~
mente; !Íesde que seja de inter~se·púoiico dos moradores da localidade. . :<=-·
_ . Em síntese, a estrutura do Estado brasileiro coin a-C<;instituição de .1988
:idotou.JO formato. federat1Yp que compreende a República (o· podér pertence ao
.. povo) que serelac,ióna ~om a forma de governo (republicano) como modo de po-
( ·. der políticQ estabelecÍdÓ n() futadó.. Nesse ~entido, .a. ConstituiçãÓ se 0cupa dos
·aspectos qnto d,aA"ederaçãO quánto especificarI).erite da Utii.ão. ~- <'.:onstituições
dos Estadbs segliem a mesma l6gica, respeitando qs limites estabelecidos na Lei
·Maior - Co~stituição Federal. É a Lei
' ...
Maior que i;ege... um determinando estado-. \

-----·-·--·-·.- ·. · ...··'. !~··.··: . ' . '· ... ': .. .·.'
,_ 29 ·,... . BRASIL. Co~tituição '·Federal de 1988_. Disp?nível em:/ https://wviw.camara.leg.bi:/
''f' • ..· proposiçoesWeJ:,/prop_:mostrariritegra;jsessionid;;FA.9C7632CAE4884L9E7R
30 . · MINAS GERAJS. Constituição do ~tado de ~-~s. DisponÍvel em: https://Www.almg.
0

gov, br/consul,te/legislacaolcompléta/completJt-nova-niin.htm!~tipo=Con&num= 1989&:µ10= 198.9.


Aces~oérri:,20 maio?020. · · 1.. · · ·

., '

.""-..: i:
jor-..--------

122 J Mariza Rios

-membro do país e séll conteúdo é elaborado pelos depütacfos estaduais e aprova-


do pelo respectivogoverno estadual. Por fim, a Constituição Municipal (Lei Or-
gânica) se ocupa dos aspectos próprios da localidade, daí a sua importância como
instrumento garantidor do princípio comum às três esferas, a jl.istiça social..
Dessa ~aneira é que devemos compreendero artigo 170 da Constituição
Federal que, por sinal, se encontra no título. da Ordem Econômica e Financeira
e no capítulo elos Princípios Gerais da Atividade Econômica, quando determina
ser a justiça social Qvalor central dos princípios diretores da Ordem Econômica,
·em cujo meio se encontta a defesa do meio ambiente ea redução das desigualdades
r.egionais e sociais. ·
Nessa paisagem, o Eros Grau31 afirma que a novidade trazida pela Consti-
tuição de 1988 sobre a ordem econômica é que ela "deixa de meramente prestar-se ·
à harmonização dê conflitos e a legitimação de poder, passando a funcionar como
instrumento de implementação de pólíticas públicas" .. ··
Sobre a defesa do meio.ambiente, o artigo 225 da Constituição Federal re-
conhece: "Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem
de uso comum do povo e essencia.l à sadia qualidade de vida, impondo~se ao Po~
e
der Público e à coletividade o dever de defendê-lo preservá-lo pará as presentes'
e futuras geraç.ões'\
Ocorre que, com. a promulgação da Constituição Federa~ de 1988 32 , .em
;seus artigos 182e183, cúriosamente dentro do capítulo da Ordem Econômica e
Financeira do Estado, tratando especificamente da Política Urbana {artigo 182).
e da Regularização Jerritorial(artigo 183), foram regúlamentados pelo Estatuto
da· Cidade, Lei nº 10.257, de 1O de julho 'de 200 l3 3 O referido texto dá compe-
tência ao Muhicípio pa~a a ordenação territorial local tendo conio instrÚmento o
.Plano Diretor.
O Plano' Diretor é a ferramenta central do planejamento urbano, confor-
me os artigos 39 e40 do Estatuto da Cidade, Lei nº 10.257, de 10 de julho de
2001?4 É '~o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urba-
nà',cujo objetivo .é p~omover p diálogo entre os aspectós.físicos/territoriais e os
objetivos sociais, eci:m?micos e ambientais dacídade. . . .
Sobre a Legislação Municipal de Paraopêba, Ínuhicípi<~ que, segundo os
dados do· IBGE (2020}, possui uma população de 22.563' habitantes, podemos
encontrar. os dois instrumentos jurídi~os mais- impór~antes, na esfera local: Lei
· Orgânica:--Lein° 01de2003, Plano Diretor eLeiComplementar nº 35 de2006.
Na Lei Orgânica observa-se, em seu artigo 5°, que a ordem públicamuní.:
cipal "zelará, em seu território e nosJimites de sua eompetência, pela efetividade

31 .. GRAU; Eros. A ordem econômic\l da Constituição d~ 1988. 13. ed. São Paulo: Malheiros,
2010, p. 13. .
32 BRASIL.Constituição Federal de 1988. Disponível em: http://www,planalto.gov.br/ccivil_03/
constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 15jun. 2020.
33 BRASIL Éstat1Jto d~ Cidade. Lei: nº 10.257, de 10 de julho de 2001 .. Disp~nív~l em: http:// ·
www.planalto.gov:bt/ccivil_03/leis/leis~2001/11025].hrui. Acesso em: 15 jun. 2020.
34 Disponível .em·: ht'tp://www.planalto:gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/ll 0257.htm. Acesso em: .15
jun. 2020.

J_
'l

Tudo está interlig~do: o rio, a co~unidade e a Terra i 123

dos direitos indivif1uais e sociais que a Cónstituição da República confere aos bra-
sileiros e estrangeiros". Veja que não se trata d.e 1 urna opção ou qualquer vontade
própria e sirn de obrigação de curnprfr o que
Alérn diss.o, o artigo 6°, ern seu parágrafo segundo, do rnesrno instrurnen-
, .·to, 'deteqnina que "É.direito de qualquer cidadão e entidade legalmente constituíe
da de.nuneiar às autoridades competentes a prática, por órgão ou entidade pública
ou pór delegatório de serviço rúblico, de atos lesivos aos direitos dos usuários dos
serviços públicos locais'', o que reafirma a obrigatoriedade local pela garantia do.s
direitos constitucionais.
O segundo instrurnerito de fundarnent~l importância na· esfera local é o ·
Plano Diretor, definido ern seu artigo primeiro a sua identidade. É.dizer: o "ins-
trumento básico da política de desenvolvimento sustentável", cujos objetivos são,
dentre outros,"[ ... ] o bern-es.tar de seus habitantes e a gestã\) democrática a partir
d~ participaçao popular".
Assim, ternos na garantia da ordenação. urbana, prevista no artigo 2°, irici-
, so 1, letra a, o objetivo de "evitar [...] a poluição e ·a degradação ambiental", bern
como, ºno inciso VIII, :'a próteção, preservàção e. recuperação do rneio ambiente".
' . Para alérn disso, o rnesrno instrumento, ern seu artigo ?ó; inciso III, l~tra
a, crh urna Zona de Interesse Especial e Preservação Ambiental e, por último, no
artigo 10 da Lei de Uso e Ocupação do Solo ternos "proteção das nascentes e as cac
beceiras'dos cursos d'águà'. Reconhece o, Plano Dii:etor, artigo 15, inciso I; dentre
os objetivos estratégicos da política de desenv.olvirnento urbano, a "~onsolidação
do Município ~orno polo regional de lazer, turismo ecológico [... ]". 35
Sobre a Legislação Municipal de São Joaquim .de Bicas, rnunícipio que, de
acordo corn IBGE, ern 2010 tinha a população de 2,5.619 habitantes, da rnesrna
maneira, ternos dois instrumentos básicos: Lei Orgânica e Plano Diretor. Na Lei
Orgânica, ern seu artigo 5°, alérn da obrigação municipal pela efetividade dos di-
\
reitos fundamentais constitucionais, podemos encontrar, no Plano Diretor, Lei
· Cornplernentar nº 13 de 2012, ern seu artigo 5°, inciso III, letra a, obdgatorieda-
de pela criação da Zona de Proteção Ambiental. "'1lérn disso, o mesmo instrumen-'"'
to traz, ern seu artigo 6°, inciso X,· a obrigação pública de "estabelecer diretrizes.
para ocupação da Zona de Vroteção Ambiental". · ·
f,, por derradeiro, o terceiro instrumento fundamental pai:a a garantia de
· pr9teção dos direitos da natureza é Plano Diretor de Recursos Hídricos da Bacia·
do Rio Paraopebà. Instrurnefito de iníple~entação de programas, .projetos, obras
e investimentos prioritários visando à melhoria da qualidade ambiental da ba-
cia. Este, de acor<lo corn resolução dó Conselho Nacional de Recursos Hídricos
(ÇNRH),.deve ser periodicamente revi~to.
Tratacse de urn plano juridicamente re.conhecido pelo Estatuto da Cidade
cqm abrangência de gestão rregional e segue as orientações do Instituto )'víineiro
de Gestão das Águas; bern ~orno da Companhia de Saneamento de Minas.Gerais

35 Plano Diretor, Lei complementar nº 35 d,, 2006. Disponível em: https://www.paraopeba.mg.


gov.br/abrir_àrquivo.aspx/Lei_Complementar_35_2006?.cdLocal=5&arquivo,,{2Fl653AF-52D
D-489A:A4E8-3FA784C7998F}.pdf. Acesso em: 15 jun. 2020. ' · ·
, 124, 1 Mariza Rios.

(COPASA). A missão principal desse instrumento é o monitoramento da quali-


dade da água do rio Paraopeba, reconhecendo que seus resultados deverão ser ava- .
liados conjuntamen·te com a Agência Nacional das Águas (ANA). 36
Por isso, Lei Orgânica, Plano Diretor Municipal e Plano Diretor da Baéia
dq Paraopeba constituem um conjunto de instrumentos que acrçclitamos ser fun-
damentais na realizaçãd da justiça social, princípio reconhecido pela ordemjurí- -
dica 'das três esferas: União, Estados e Municípios. Evidenciados os instrumentos
que, a nosso ver, são de grande importância para a realidad(\:·atual, uma outra per-
gunta se apresenta: quais as possibilidades práticas de utilização desses instrumen-
tos de esfera local para dar conta da proteção dos direitos da .natureza? Á primeira
possibilidade é a garantia constitucional prevista no artigo 225 (meio ambiente
é direito fundamental), e no artigo 170 (defesa do meio ambiente e redução das
desigualdades), ambos da. Constituição Federal.
'Vemos, contudo, que todo esse conjunto legislativo não gdrante expressa-
mente os direitos da natureza e, mais que isso, não trata sobre o rio Paraopeba eco-
munidàdes tradicionais indígenas. Isso nos leva a acreditar que, no campo dos ins-
trumentos legislativos, convivemos com a premente necessidade de tevisão e nela
se torna cabível o debate sobre os direitos_da natureza.
No entanto, mesmo que tivéssemos o reconhetimentoformal. na ordem le~
gislativa local, não\significa garantia de realização dos direitos da natureza, bem
como do reconhecimento de que a experiência das comunidádes indíg.enas seja
/ capaz de nos ajudar na compreensão de que a sobrevivência da humanidade é de-
pendente da natureza e que, 'portanto, natureza e ser humano são moradores de
uma mesma a casa comum.
Apesar disso, a previsão legislativa expressa se torna um passo importan-
te na construção da demoeracia ecológico-social. O passo seguinte é conhecer e
_a.braçar os instr~mentos qualificadores da Política Pública como mecanismos. de
realização dos direitos da natureza e da comunidade local. Com isso, temos uma '
última pergunra: o que são políticas públicas ~ q~ais os mecanismos de acesso? É ,
do que vamos nos ocupar no item a seguir.

9.4 MECANISMOS DE CONSTRUÇÃO.DA POtÍTICA PÚBLICA


A palavra polítka pode ser entendida como a capacidade do ser humano de
organizar seu modo de viver, mas também pode signifü:ar tudo que está. vinéulado
ao Estado e ao goyerno, cuja missão é administrar o patrimônio público com o fim~.
de proi;nover,o bem da comunidade. Assim, a função do admiiüstfador público das
três esferas - Município, Estado e União - é uma só: promover o bem da comuni-
dade'. Sendo assim, é dever do agent~ público conduzir sua gestão de forma a me-
diar os conflitos' existentes.na sociedade de forma a encontrar saídas que sejam boas
para todos, tendo como princípio mediador os valores fundamentais da República.

36 Bacia Hidrográfica do. Rio Paraopeba. Disponível em: https://www.oeco.org.br/dicio


nario-ambien tal/28169-o-q ue-sao-os-comi tes-de-~acias-hidrograficas/.
Tudo' está interligado: o rio, a comunidade e a Terra i125
. Do ponto de vista conceituai, a palavra política nos conduz até a Grécia
antiga pela compreensão de um· do& seus grandes estudiosos e articuladorpolítico,
Aristóteles, para quem a política era um mecanismo que tinha como fir{i"último a
frlícidade do homem, O que nbs leva à crença, na atualidade, de qué a felicidade .
somente será possível com a recuperação da ideia de que a vida humana e a natu-
reza, ostensivamente ameaçada, tem como desafio pi;emente a recuperaçãçi dos di-
reitos inerentes a ela. Nesse aspecto, a experiência indígena se apresenta, para além
de modelo, oportunidade da construção de utn mundo· mais solidário, fraterno e
ecologicamente sustentável. .
Nesse contexto, vale a pena relembrar a _diferença entre Estado, Nação e
Governo. O Estado é unidade administrativa de um determinado território for-
mado pelo conjunto de instruções públicas, c~jo objetivo principal é o cuidado
dos anseios da população. O Governo é uma _das instituições públicas que tem a
fu_nção ele administrar o.Estado e, por fim, a Nação que tem o conceito ligado à
· identida<le, a cultura, as expressões dos diferentes povos e, portanto, quando fa-
lamos de valores e direitos estamos nos remetendo à naçã~ cuja proteção deve ser
feita p~lo governo_ das respectivas esferas, municipal, estadual e nacional, através
do mecanismo da pol\tica pública. Para Dalmo de Abreu Dallari, Estado "é uma
o
ordem ju"rídica soberana que t~m por fim bem comumdé um pçivo situado em
determinado território" 37J • . ' •
'
As políticas públids são as_ações, programas e decisões tomadas pelos go-
- <VernQS na esfera municipal, estadual OU federal cujo objetivo é a melhoria da vida
das pessoas ·<! essas políticas deverão, todas elas, ser previstas nà legislação local,
Leis Orgânicas e detalhadas nos PlanÓs Diretores .. Por isso é que falamos que Pla-
no Diretor é Instrumento de orga1;üzação da Política Públ_ica e, como vimos, sua
iniciativa é_ sempre de competência do poder executivo. Nesse sentido,~ Estatut~
da Cidad<J garante, em seu artigo 4°: "Parà 9s fins desta Lei, serão utilizados, entre
9utros instrume::ntos: I .:..._planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação do
território e de.desenvolvimento econômico e sodal; II [... ] planejamento rtmnid~
pal, em especial: a) plaho diretor [... ]" 38 • . ' ·

A política púqÜca é o mecanismo pelo qual o pode~. executivo éxen:e sua. '
função públíca de proteção dos direitos fundamentais porqu~ estes constituem. a
expressão concreta dos valores teconh_ecidos formalmente na Constituição focl.e"
ral, nasCon~tittiições Est.aduais e nas Leis Órgânicas Municip~is, ~justiça social.
Nesse contexto, Maria Paula Dallari Bucçi39 apresenta cü'mo d,e extrema impor-
tância a cqmpreensã6 da Política Públicâ:conecrada ao .orçamento público; úma
vez que este constitui condição parq. a realização da política pública.
· Sendo a Política Pública. mecanismo de proteção de valores, e direitos, a
questão do pagamento, db di~heiro para a sua execução torna-se um problema

37. DALLARI, Dalmo de Abreu. Elemen~os deTeoria Geral do Estado, São Paulo: Saraiva, 20 Í2.
• -'1 '.--, ' ' -. _'

38 I BRASIL. Estatufo da Cid~de,


Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001. Dispozyível em: http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis~2001/ll0257.htm. ":cesso em: 15 ji+n. 202Ó.
39 BUCCI, Maria Paula Dallari. Ó Conceitó de Política Pública em Dire~to. Disponível em:'
- https:// edisciplinas. usp. br/ pluginfile. php/ 4182322/ mod_resource/ content/ 1/BUCC:I~Maria_
Paula_Óallari._O_conceito~de~politica_publica_em~direiro.pd(Acesso em:) O mar. 2020;
1261 Matiza Rios
fundamental para as administrações públicas, E, aqui, temos de abraçar outro ·
instrumento muítÔ importante que é Orçamento Público e, partir de então, es-
tratégias fundaIT\enta.is que possam ajudar na construção e realização da política
pública de proteção.aos direito& da natureza. . ·

9.4.1 ORÇAMENTO PÚBLICO MUNICIPAL


Orçamento público é o instrumento de planejamento do dinheiro público,
arrecadado com os tributos que, no caso da administração pública local, trata-se
do IPTU, das taxas, das contribuições de melhoria, entre outros. Esse planeja-
. mento é essencial para oferecer um serviço público que qe fato g~ranta ·~proteção
dos direÚós fundamentais de todos, das pessoas e da natureza, deixando muito
cl~ro os tipos de gasto.s e investimentos que foram priorizados pela admirüstração
póblica para a garantia da função pública, que nada mais é sfo que prover, execu-
tar e cúidar do bem-estar da comunidade, aqui entendido çomQ valqres e direitos
fundamentais para a presen.te e futura geração. Nesse sentido, a pafticipâção da
sdciedade se apresenta como chave do controle socia/de·fundamental importânci~
par.a assegurar que. os recursos públicos sejam emprégados em benefício de toda
coletividàde. 1

Nesse contexto, podemos afirmar que uma vez que o orçamente detalha
as despesàs, pode-se acompanhar. as prioridades do· governo, com ó por exemplo,
d investimento na construção de escolas, transporte público, gasto com a saúde,
proteção da natureza, dentre outros qlie se realizam pelo mecallismo de políticas·
públicas. Cómpreendido o tamanho da importância das políticas públicas, não
temos outra opção, no campo da garantia de direitos, que não seja abraçar o ins-
trumento do, orçamento público porque somente assim teremos políticas públicas
dé qualidade para a garantia e proteção dos dir~itos da natureza.
· Mas a pergunta que surge é: com0 Jazer esse abraço de forma a dar cont;i.,
em prirn.eito lugar, do reçonhedmento dos direitos da naturez~ e; em segundo; da
política públicàgarantidora desse direito? Para resporideressa questão preçisamos
recuperar uma atitude pessoal de cada cidadão que é a participaçjo, junt°'.;.W poder
legi~lativo, para o reconhecimento exHresso na Le,i Ürgâni~a Municipal dos direi-
ªº
to da natureza e, juntq poder executivo, na construção de uma política pública
protetora dos direitos.da natureza., que deverá terprevisão expressa no Pla.110 Di- ·
retor, não esquecendo de maneifa nenhuma do orçamento público aµual. .
&sim,.o direito de participação, garantido na-Constituição F:xleral em.seu
ari:igo 1°, par.ígrafo único "Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio
. de representantes eleitos. ou diretamente, nos termos desta Constituição" ~e aprec
·. senta corri ó. condição ju~ídica, inclusive, par~ a validade do· Planó Diretor muni-
cipal. Aqui é de bomalvitre que se destaque, entre muitas outr.as; a d~cisio do
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no Agravo de Instrumento de nº
0306342771.2011.8.26.0000, obrigando a Prefeítura Municipal, na forma esta-
belecida pelo artigó 40, §4°, do Estatuto da Cidade "No processo de elaboração .
do plano diretor e na fiscalização de sua implementação [;:.] a ptqmoção de au-
i
i
.1·
Tudo está interligado:• o n"~,, a comunidade e a Terra i127
. '\ - .
diências públicas e· debates com a participação da população" 40 como condição
obrigatória . · ·
·, Nessa paisagem, Boaventura de Sou.sa Santos apresenta, no conjunto de
suas obras sobre o tema - 1999, 2002 e 2007 ~ ql.le o processo dé construção,
execução e fiscalização do Orçamento Público é condição imprescindível para que
tenhamos umaAemocracia participativa e, por consequência, justiça social41 •

9.5 DEMOCRACIA ECOLÓGICO-SOCIAL LOCAL


Boff (2008) aposta que a realidade em que vivemos dá conta de que po-
d~mos falar, sem sombra de dúvidas, 'em mundialização da pobreza ê de um ata-
que sem p~ecedentes' à natureza. Isso porque o fortalecimento do Estado Liberal
se deu, dentre.outtosmotivos, pelo culto aci mercado e, por c:onsequência, aluta
·individual na corrida pelo consumo de bens que, ao ver de. muitas pessoas, se tor-
nou irreversível. Na tentativa de salvar a casa comum (a riàtureza, ser humano e a
. terra) apresenta o autor à democracia ecológico-social.
· Somando essa mbma torrente, Boaventura de Sousa Santos (2002, 2005)
chama atenção para a responsabilidade da ciência nesse processo acel~rado de pro-
·. dução das desigualdàdes e da pobreza,. em sua opção metodológica eurocêntrica.
que, se por um lado' denunciou o crescimento aéelerado das desigualdades~ .da
pobreza, por outro deixou despercebida outra realidade chamada por ele sociolo-
gia das ausências e das emergências. - . ~
· Nes~e c:ohtexto, Sant()S propõe U;tha outra lógica de análise interpretativa
capaz de fazer a traduçãô das emergências. Nesse sentido, o ensaio se deu exata-
mente no Brasil, pelo processo da construção do Orçamento P;irticipativo, acredi-
tando encontrar possibilidades do que c:hamou de ~utro mundo possível. O que,
em nosso casó aqui tratado, passa pelo protagonismo soeial locaf para a inclusão
dos direitos da natureza como urgência, embora até o presente sejam aµsentes na
Lei Org~nica Municipal e, por fim, daemergêncidde con~trução de um orçamen-
to público baseado em um processo da tradução que seja capaz de garantir a polí~
tiça pública e, por 'consequência, dar efetividade aos direitos da natureza. Por fim,
a. inç:idência social· no p'toce~~o de revisão dos instrumentos legislatiyo (Lei Orgi=
nica)· e executivó, o Plano Diretor, torna-se peça fundamental na compreensão de
que a nature~à e a humanidade são inseparáveis e, por isso, formam a casa comum
d~ que nosfala o papa Francisco·. . . . .
Nesse sentido, Boff recupera a impprtância da democracia c:omo valor uni-
versal que anuncia a sua preservação pelo gesto da solidariedade, afirmando: "Me-
diante a solidariedade impede~se que as diferenças [.. .] sejarh tratadas como de-

. ~ - .
40 · STJSP - Agravo de Instrumento' ~012. Ílisponível eni: http://www.úrbanismo.mppr.mp.br/
arquivos/File/TJSPVILASONIAAI_3063427 l 20 l l 8260000_SP_ l 33 7168275 876.pdf. Acesso
em: 10jun ..2020.
41 .SANTOS, Boaventura de Sousa. Democratiz~ a dem9cracia: os caminhos da democrada par-
-ticipa~iva, São Paulo: Civilização Brasileirà, i002. . .
_12sj Manza Rias.
/

sigúaldades" 42 , A partir dessa compreensão, apresenta o aufor osfundameritos da


·democracia ecólógico::social: pautada n:o reconhecimeni:ó da alteridade de cada\ser ·
derttro do ecossistema e atitude de complemen~ar\edade t reciprocidade' entre QS
·seres, de fori:na 'a deixar claro que úm 'precisa do outrq, Isso çondiciona ·ª exigên~
eia fq.ndaÍnental de que. a hístória huµiaria é insepárável da história da natureza.
. · · A história do~ povo indígertá da região do Paráôpeba, desdê sua origem, ·
. ttaz a marca de ser inseparável da história do rio e 'a compreensão comum'de que
a Injustiça Sqcial •:ê também a InjustiÇa Ecológica; Premissa verificada qtpndo da
morte do do Pàraopeba pelo crime ·cometido. em Brumadinho, pois 1 toda a água _} ·
da regiãó ficou contaminada. Enfifil, a dembcra~i~ ecológico-social' tel,h sua ~en~
'tralídàde no entendimento de que cidadão e·natureza'. moram. na mesma casarco-
mum e que, portanto, a morte de um~ a morte do .outro, os diréitosde um são os
· direitos do outro e; daí, condµi Boff que "tode>s os seres são sujeitosde dire~tõs"~ 3 •
D~ssa maneira, o percurso ql!e sé aprese~ta para ser abraçado pelo poder
. sqcial local, em. primeiro lugar, é· compreendér qúe ·o Munidpio se. torna o lugar
dé _pr~ferência, pela _proximidade,..de fe>ttalecimen~o da:_·democracia partidpaµva
ecológico-social. lsso porque é no espaço lócal de Íl!ncionamerúó dqs instrµmen~:
. tos e nie~anismos 'p,ar~icipatiyos que, a. busca· de solu~ões,)Jara os problemas ·da'.
comunidade gilllha maior possibilidade de resolução. E no espaço local que .a Po-
_lítiq1 Pública ganha sustentação e; por isso, possibilidade de .fecriação, avaliação ~
fisçaliZáç~O ppr tol:la.á sociedade. ,; . , · · · · . , ·~ . .·. . ' ....
Ba8eatlos nessa compreensão, Magalhães e Rocha acrescem ao debate sobre.
·a democraçia pattidpativ,.alocal aifitmando que a democraeia "[ .. ~J não é um lugar
onde se;: c:hega e se acomoda, pois ~ saníinho t n~o chegadaT.f é pr?cesso e não .
resul~ado" 44 •• O que coa<luna claram~nte corp. a demanda de.reconhecimento, cui~
daflo e proteção do rio Paraopépa que,· mesmo tendo sua dignidade severamertte
ofendida, continua sendo defendidó pela comunidade indígena no at9_de contar-e
recontar as bel~za8 do,do, seus valores de màneir~ forteri'ient~evidenci~da a partir
de
~
janeiro de 2019, quando do rompimento da barra,geµi d<?: Brumadin,!10.
" . \ - ,·
,
. . . - -

CONSIDERAÇÕES FiNAI~
. lniciamÔs_o p~esénte. ensai'a CQ~b ·objetivo·d~ resp9nder aõ problema
1
a
· da po~sibilidade .de set histó ria recente do ·rio, Paraope~a e. da comunidade
1

'Naô Xohã considerada aym.ento pará. ç.reconh~cimento da completude da na-


.· tureza e dó ser humàho é, nesse context(?, afirmar que essa completude.serve de
. pónte de~unciado~a do quant<;> o modelo de desenvolviin'enti~liberal é nefa~t~,
; I>

42 BO leona:rdo'. EcolÓgia, Mundialização, Êspir~tualÍdadi. ruo· de J;;neir~: Record} 2008.,


FF,
p. 108. .. . . .
:- \ -; . ' ' -
·43 . BOFF, Leonardo. Ecologia, Mlindializàção, Esp!ri.tualidade. Rio de Janeiro: Recwd;\2008, ·
'p.114.J . .. ·. . . . ·. ', .
44 MAGALHAES;JoséLuiz Quaé!r~s dei-ROCHA, Carlos Al~'erto Vasco~i:efos. O M~pio e à
Construção c:b Demo<:racla Pàtúcipatíva: Belo Horizonte: Mandamentos, 2006, p: 20. ··
. .. ;' ./ . ... '

·-.: -- ~--.' -. _.


r
1 Tudo está interligado: o rio, a comunidade e a Terra i 129
mas, ao mesmo tempo, serve de ponte fortalecedora de valores e direitos, ins-
trumentos. e mecanismos públicos .locais capa:res de proteger e promover ações
concretas no processo de criação, avaliação e fiScalização de uma polítiça pública
a.mbientalde qualijiade. A nosso ver, apresenta-se possível pelo fortalecimento ·
de incidências sociais nos mecanismos de avaliação e controle dos instrumentos
legislativo e executivo pelos mec,anismos do Orçamento Público e de Polítiéas
Públicas. ' ·
Em nossa opinião ist~ pod~ ser feito em, pelo menos, quatró frentes de
·participação: a) revisão da Lei Orgânica Municipal com a meta de incluir expres-
samen~e os direitos da natureza; b) revisão e Avaliação do Plano Diretor munici-
' pal para inclusão da política pública ambiental com foco 1na proteção do· rio Pa-
raopeba; c) incidir na construção e no controle do Orçamento Público; d) exigir
lugar de participação no conselho estadual do -Plano Diretor Regional da Bacfa
do Paraopeba .
. Por fim, como exigência diretora de todas as sugestões, necessário se faz a
qualificação da participação centrada na defesa dó valor da justiça e dos direitos·
da, natureza. Assim, podemos concluir qúe a presença incansável da cornunidade
indígena, em s'l1a convivência con\ a natureza, se apresenta de maneir~ fundamen-
tal para esta e para as geraçé)es futuras, mas a interligação dos valores e direitos
públi5os em sua exig.êi:icia de prbteçfo mostra que temos vazamentos e buracos na
ponte que ós interliga. .. · ·
o traQalho de traduçãô passa pela decisãopessoal de cada um e pela par-
. ticipaçãp efetiva nos espaços e também pela Lei Orgânica, Plano Diretor e por
Polític:as,Pt'.1.blicas, através dos conselhos ·municipais. É o desafio para a garantia d~
que tudo esteja interligado.

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.
BOFF, Leonardo. Ecologiaj Mundialização, Espiritqalidade. São Paulo: Re-
cord, 2008. '
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1

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1

1:
10. DIREITdS DA NATUREZA NO BRASIL:
O CASO DE BONITO - PE

Vanessa Hasson de Oliveira

INTROD~ÇÃO
Somos seres habitantes de uma mesma casa, o planeta Terra; fazémos parte
de um;i mesma comunidade que corppreende~ além dos seres humanos, todos os
demais seres animados e mesmo as coisas aparentemente sem vida, como a pr6-
pria Terra e a terra, aquela constituída de altci percentual de microrganismos vivos, ·
reconhecidamente dotad6s de vida (e até como parte da pr6pria vida humana, já
que estão presentes em similar proporção no corpo ~umano). A.vida humana é
interdependente da vida e existência dos demais seres acolhidos por esta que é a
Mãe das cosmovisões das comunidades ancestrais originárias, a Madre Tierra, a
Pachamama.
A Pachamama ressignífica a Terra e a recoloca em seu devido lugar; não
se trata apenas de um planeta. A Terra é a Mãe maior, a provedora maior. Assim
como as mães humanas, é aquela dotada da inigualável função material e espiri-
tual de prover e manter a teia da Vida, oferecendo territ6rio para o "caminhar",
alimento para nurrir, energia mantene:dora das relações e conexões que encadeiam
a rede interconectada de maneira naturalmente harmônica entre ~ càos e a ordem,
entre o viver e .o morrer, que transmuta e faz o céu permanecer em pé, gerando e
regenerando.
, Um modo de viver m~is plenamente humano se revela no ·viver ~ convi-
ver em comunidade 'c~m todos o,s demais seres, de forma integrada e relacional.
Assim, viver em plenitude é a resp~sta que o direito, desde as constituições pro-
a
. mulgadas sob perspectiva do novo constitucionalismo democrático latino-ame-
ricano, tem adotado. As novas legislações do Sul, especialmente Equador (2008)
e Bolíyia: (2010), pautaram a vida da sociedade sob o paradigma ancestral comu-
nitário, baseado na cultura da vida, que ensina a viver em. harmonia e equilíbrío
com o entorno, por eles nominada como o buen vivir ou vivir bien traduzido na
língua originária da Nação Quechua como "surriak kawsay'' ou "teko porâ'. para
a Nação Guarani. 1•

. Os povos andinos ressaltam que a identidade de um povo está, sobretu-


do, no relacionamento identificado com seu territ6rio e a harmonia com a Terra.
Não é à toa que as atividades de colonização incluíam a expropriação das terras

113~
..1321 Va11essa Hasson de Oliveira
dos povos originários. É n~ resgate da identidade que a vida em plenitude do. in-
divíduo ,se inicia e, assim, a identificàção com o território passa a ter fundamental,
· importância.
Neste sentido, a articulação que se inicia no Brasil, no âmbito do advocacy
da OS CIP MAPAS 1, sob a direção desta autora, prioriza a introdução do reconhe-
cimento dos direitos da Natureza em nível local. Respeitando a lógica ancestral da
identid.ade biocultural das comunidades em relação aos seus territórios, exercidos
por meio da convivialidade, a ação se dámediante a institucÍonalização2 desta for~
ma ancestral de dispor-se.diante e entre os demais membros da Natureza, fazendo
promulgar na Lei Orgânica dos municípios brasileiros, dispositivo normativo que
declare qúe naquela localidade referidos direitos são expressamente reconhecidos.
Este capítulo pretende oferecer, cp11J.o inspiração, a forma como foram traça-
dos os caminhos para o êxito desta empreitada,indusive no que se refere à escolha,
ou melhor, dizendo, à falta dela, do município de Bonito, no esta~o do Pernambu-
co, como primeiro município 3. reconhecer os direitos da Natureza no Brasil.
Objetivamos oferecer, ein cons6nância à plenitude da abundância da. Pa-
cha, elementos sutis que possam servir de iluminação aos mais dé .cirito mil ,muni-
cípios brasileirôs na elaboração e/oú reavaliação de sua constituição local. '
, Dessa thaí\eira, o presente texto apresenta, em primeiro lugar, os marcos
. que sustentaram essa inciativa e, P'ilulatinamente, estão se espalhando pelos con- .
textos de outros entes federativos, Paudalho/PE; Florianópoli.s/SC; São Paulo/SP;
Palmas/TO; Fortaleza/CE; Salvador/BA. 1.

Em seguida, se ocupa o texto· de uma síntése 'metodológica que permeou


a construção dessa inclusão expressa do reconhecimento dos direitos da Naturefa
naquela localidade. E, por fim, de apresentar o desenrolar dessa experiência em
outros municípios brasileiros com o fito de servir de apoio e incentivo pará outras
iniciativas legislativas e na construção dos marcos teóricos .do Dfreito da Natureza.

10.1 FUNDAMENTOS DE UMA EXPERIÊNCIA PROMISSORA


Por constituir-se desta identidade a partir da Terra.e do território, mesmo
ao ser humano já totalmente. desconectado de suas origens, a proximidade com_
a terra em seu sentido material e, por ~esdobramento, ao sentido telúrico, é um

A MAPAS foí fund~da em 2004 par; servir d; apoio às práticas ambientais e sociais .empresariais
e da s~ciedade civil em articulação .com o Poder Público. Reconhecid~ como OSCrP logo após
sua fundação, a partir de 2014, sob a direção desta autora inicia intensivamente açõe~ de advoca-
ry, realizando campanhas, coordenando e participando de fóruns de debates e articulando a pro-
mulgação de legislação em respeito aos direitos da Natureza. Para in.aiores informações consulte o
website da org~nização: http:lfwww.niapas.org.br.
2 _"Certamente, há que se destacar todas as contribuições e as fotas do mundo indígena, onde a Pa-
cha Mama é parte consubstancial da vida. Em seu mundo, reconhecimento legal de tais direitos
não é_necessário. Na civÚização ocidental, sim, para que se possa reorganizar a vida dos seres
humanos entre.si e com a Natureza." ACOSTA, Alberto. O bem viver: uma oportunidade para
imaginar outros mundos; tradução de Tade]l Brecla. São Paulo:Autonomia.Literária; Elrf!lnte;
'2016. p. 125.

''
1!'1
Direitos da Natureza no Brasil: o caso de Bonito - PE 1133.
caminho, a partir de um olhar multiversado, para o (re)estabelecimeríto· dà vida
em plenitude. .

Que tipo de ação se impõe ao homem da pós-modernidade? É a ação cons-


ciente do respeito, do cuidado, da ternura, cordialidade e convivialidade [... ]
para com todas as coisas [... ] Deixar mais espaço ao Eros[ ... ] vai gerar outro.
equilíbrio multidimensional que nos garante uma forma de vida mais humana
e integrada com a natureza e os outros (BÓFF, 1991). .

De uma p~rte o homem (re)estabelece o relacionar-se consigo mesmo ao


e
readquirir consciência de si ele sua real natureza e; de ~utra parte, pela proximi-
. dade, (re)inaugura o relacionar~se com o todo, com a Terra - a Mãe e ·a Casa Co-
. mum, da com(um)nidade.
A Carta Encíclica Papal Laudato Si' leva, em seu título,' outra perspectiva
sobre o que reúne os serns humanos em sua comunidàde maior_:_ sobre o cuidado
da "casa comum": A interdisciplinaridade é .a metodologia de Francisco para di-
zer da pertinência em se incluir a metafísica da fé no diálogo para a superação da
crise ecológica, seja porque a Igreja, em suas palavras, esta aberta ao diálogo com o
pensamemo filosófico, o que lhe permite produzir várias sínteses entrefé e razão, seja
porque estamos dfante de uma questão complexa cujas soluções não podem vir de
uma unica maneira de intérpretar e transformar a realidade. É necessário recorrer
tam~ém às dive~sas riquezas culturais dos povos, à arte e à poesia, à .vida interior e à
espiritualidade. 3 .
Sob essas perspectivas teóricas temps trabalhado com o movimento pelo
reconhecimento dos direitos da Natureza em estreita c~láboração cor;n o movi-
mento internacional Harmony with Nature, centrado na Organização das Nações
Unidas, onde já está publicada, em sua plataforma de especialistas, a Carta da Na-
tureza, promovida por nós é; as,sinada por várias autoridades no Brasil. .
q Harmony. with Nature é uma iniciativa da ONU vinculado à Assem-
bleia Ge~al daquele organismÓ, que visa à apr;ovação de um'aDedaração Universal
dos Direitos da Mãe Terra e consolida todas as iniciativas políticas no âmbito das
cidades; Estados e países do mundo, que visem o reconhe~imento de tais direitos.
Foi impulsionada em 2009 com a criação do dia mundial da Mãe Terra,,_
dia 22 de .abril - a partir de provocação do país da Bolívia qµe, àquela altura, se
preparava para a promulgação da lei que reconhe<e:e os direi.tos da NaturezJ, foi
recepcionada pela Assembleia Geral das Nações Unidas errí algumas resoluções,
com destaque p,ara a de n1Ímero 67, qtJe reconheceu as diretrizes ant~s apontadas
pela Rio+20 de que a Terra é nossa casa; da necessidade de se estabelecer uma re-
lação de harmonia com a natureza; e que para tanto é necessária uma abordagem
holística é integrada. 4
, ' - 1 \ ,' ' '\

3 FRANCISCO: Ci"1"1 Encíclica Laudato Si' - Sobre o .cuidado da casa c~mum. São Paulo:
Editora Paulin"\S. 2015, p. 52.
4 Documento disponível em: http://www.un.org/g4/search/view_doc.asp?symbol=NRES/67/214.
Acesso em: 04 set. 2020. Sobre as atividades da ONU no âmbito da agenda Harmony with Nature
confira-se o website: http://www.harmonywithnatureun.org. Os diálogos no âmbito da Harmony
1341 Vanessa Hasson de Oliveira

10.2 OCASO DE BONITO/PE


São inúmeros os países, estados e municípios que ja internalizaram a ini- ·
dativa. No Brasil, 9 município de Bonito -'--PE, sob nossa consultoria e ação d.e
advocacy, foi ;i primeira cidade lfº Brasil que aprovou a Lei dos Direitos da Na:tu-' -
reza, em dezembro de 2017. No ano seguinte foi a vez de Paudalhó, no mesmo
estado. A cidade de São Paulo Já conta. com a pJopositura de dois projetos de lei
no mesmo sentido. e estamos, igualmente, impulsionando o movimento no estado
do Tocantins, Çeará e Bahia. Em novembro foi a vez da primeira capital dÇ> Brasil,
Florianópolis/Se, abrangendo, assim, as cinco regiões do país. 5
A consultoria que tem sido prestada pro bono faz parte do planejamento
das àtividades de advocacy da OSÇIP MAPAS e é resultado da defesa de nqssa tese
_de doutor:,ido (OLIVEIRA, 2016), i1 partir da qual foi possível realhar atividades
de extensão, respondendo ao questiÜnamento reiterado da comunidade, sobre
qual o significado prático do desenvolvimento da teoria; ·
A metodologia de articulação para ~ escolha do município é totalmente ex-
periencial e com base nas cosmcivisões dos povos originários, inspiràda por meio
do estabelecimento da mística para escuta da Terra. Trata-se de conexão, inspira-
ção, transpiraçã~, conexão e mais ação. Um mergulho no fluxo, assim c?mo o de
um rio ou um mergulho na fonte, cot'no tem tratado a iniciativa Earth Fountain
na .Suécia:6
A ação começa no dia em que constatamos que o direito ambientàl não·
respondia as necessidades de preservação do meio ambiente: para as presentes e
futuras gerações e nem nossa expectativa como advogada ambientalista na defesa
da Natureza e não dos poluidores. 7 Iniciamos as pesquis,as de doutoramento na
tentativa de. demonstrar essa constatação e, ao me~mo tempo, com a participação
' em eventos ao redor do mundo que sempre incluem úma mística para escuta da
Terra, um movimento próprio de (re)acopfamento ao Universo, diante da recep-
ção dos saberes ancestrais e aplicação dessa experiê"ncia prática no cotidiano, intro-
duzindo, também, atividades orientadas apenas ao que é correlato aos princípios
_da.vid~ comunitária, pressupondo uma comunidade Plan'etária. Repatriadas a e;se
sentido,. as pessoas possuem o dorn e a natural possibilidade de se (re)acóplar ao
1 Universo, mergulhar em seufluxo, ao que naturalmente é respondido com cuida-
. do e entréga_ do que está reservado para fazer parte da ação, facilitando o restante
dos acoplamentos estruturais do sistema. -
Foi assim que, comia tese sobre os Direitos da Natureza defendida'(2014)
e já tendo levado su.a~ concliisões para as Nações Unidas (2015) e para eventos

with Nature têm proporcionado importante consolidaçâo dos avanços da comunidade mundial,
a exemplo do be111 elaborado relatório preparatório para a Asse111bleia Geral, do qual tivemos a
oportunidade· de fazer parte.' Confira-se em: https:/ /~. un.org/ en/ ga/search/view_doc.asp?sym
boi=A/711266 .. Acesso e111 04 set. 2020.
5 Documentos disponíveis e111: http:/ /wivw.mapas.org.br. Acesso em 04 s~t.' 2020,
6 C( em: https://thefountain.earth/process/.
7 Sobre a de~rocada do ambientalisrno confirao Manifostn Harmonia publicado em agosto de
2020 em: https://www.chànge.org/ManifestoHarmonia: Acesso em: 04 set. 2020:
-- Direitos da Natureza no Brasil: o caso de Bonito - PE 1135
internacionais no México e na Bolívia (2016), entendemos por pura metafísica da
conexão com Q Universo e um pouco da racionalidade da análise crítica diante de
um cenário p~lítico caótico, que o Brasil estava pronto e precisava receber propos- 0

tas propositivas e positivas· e que isso deveria se dar num ambiente polítiço outro,
que não a ponta do iceberg do caos.
Decidimos atuar na base, onde a comunidade aconte~e, onde as Pessoas
desenvolvem' sua identidadé biocultural e são vistas mais diante de ·~uas pulsões
do que como números nos registros públicos de cadastramento; onde as Árvores
são percebidas em sua individualidade e não comq matéria-prima e os Rios, mais
·como umJrescor para os olhos e elemento natural e cultural do que como recur-
so hídrico. É no município que a Vida acontece e na qual a bioculturalidade se
desenvolve.
Destaque-se que nos Estados Unidos da América as primeiras iniciativas
igualmente ocorreram no âmbito da legislação local. Especialmente o texto da
norma de Pittsburgh8 nos inspirou na concepção de uma norma aderente ao di- '
rei to brasileiro, dado o sistema fedérativo que permite a regúlação em nível muni-
cipal dos temas concernentes ao meio ambiente. '
Naquela ocasião houve a preparação de um evento que reuniria exatamen-
te as autoridades municipais de meio ambiente, para o qual fomos convidados a
participar, tendo sido esta aútora uma de suas· coorganizadoras - Fórum Brasil
de Gestão Ambiental (2017), gerenciando uma das salas temáticas que trataria,
durante .todo o dia, 'dos Direitos da Natureza e participando de outr"ªs salas 9e
atividades que reuniram autoridades pµblicas, tais como secretários municipais e
estaduais de meio ambiente, parlamentares, nas quais ministramos palestras sobre
o tema.
Naquele Fórum fomos apresentados ao vereador Gilberto Natalini, ent~o
Secretário Municipal de Meio Ambiente de São Paulo e a diversos outros agentes
1 - '
públicos que se interessaram pela proposta dos• Direitos da· Natureza. O vereador
Gilbe)."to Natalini, ~m 2018, foi o principaLparceirp do 2° Fórllm Internacional
pelos Direitos da Mãe Terra., 'realiz~do sob nossa coordenação, cujo resultado foi a
propositura do.PLO 7/2018,·que propõe o reconhecimento dos Direitos.da Na-
tureza no município de São Paulo; proposta já aprovada por todas as corpissões da _
Câmàra Municipal, encontranào-se em termo; para inclusão em pàuta. 9 • .,

. · Para g~rantir a manutenção da conexão para a escuta da Terra, convida-


mos alguns membros da comunidade indígena Shawandawa, para quem presta-
mos assessoria jurídica pro bono, que fizeram a abertura do evento e uma palestra/
apresentação na sala dos Direitos da Natureza. Na abertura, as autoridades se uni-
ram em círculo e de mãos dadas c_antaram para a invocação da energia telúrica da
Natureza.
Como resultado do Fórum foi concebida a Carta da Natureza10 , firmada
por dezenas de autoridades e publicada na plataforma das Nações Unidas - Har-

8 Documento disponível em: http://files.harmonywithnatureun.org/upload~/upload673.p<lf ·-


9 Documento disponível em: Processamento PLO 712018 - Câmara dos vereadores de' São Paulo.
10 Documento disponível em: http://www.mapas.org.br/carta-dá-natureza/. Acesso em 04/09/2020.
' .
n·---

136 l Vanessa Hasson de Oliveira

mony with Nature - e formalizado convite à organização MAPAS para partici-


pação e aprofundamento da iniciativa, durante a'. assembleia geral d<LANAMMA
·-Associação Nacional de Órgãos Municipais de Meio Ambiente, coorganizadora
daquele evento. _
Na apresentação que realizamos na Assembleia Geral Ordinária da ANAJyI-
MA, a primeira do corpo diretivo que acabava de ser eleito, em Brasília, por pura
conexão fizemos exitosa articulação com o Secretário Adjunto de Meio Ambiente
da Capital do Pernambuco - Cados Ribeiro, lugar que sedia a.Universidade Fe-
deral Rural de Pernambuco - UFRPE, na -qual, a essa altura, estávamos encari:J.i~
nhando proposta de parçeria para incluir ações para os Direitos da Natureza no
"Grupo de Estudos do Bem Estar Animal", liderado pela Profa. Ana Paula Tenó-
rio .. Puro fluxo sinérgico advindo do aprendizadó da sabedoria)mcestral para a
escuta da Terra. Foi o Secretário Carlos Ribeiro, que semanas depois, em Recife,
nos apreser'itou aos gestores do município de Bonito. .
Bonito nos recebeu de braços abertos, recebeu a proposta· de reconexão
com a Nátureza .institucionalizada, de braços abertos, porque dotado de um am-
biente n.atural exótico para a região do Agreste já estava
- .
se preparando para isso. k\
\

Secretaria de Meio Ambiente do· município de Borrito contava com uma equipe
extremamente efiçiente, sendo uma de suas agentes posteriormente SecretátiaAd~
junta daquele órgão, pesquisadora do Bem Viver, tema.que caminha ao lado como
. um dos princípios dos Direitos da Natureza. . -
Fizemos uma primeira aptesef1:tação para estes gestores e gestoras de boa·
vontade que, convencidos da necessidade e oportunidade, organizaram uma ses-
são solene, convidando toda a comunidade local, autoridades e empresários.
No dia do evento a Çâmara de Vereadores estava lotada. A Sociedade Civil
participa,nd9 representativamente em peso, presentes, também, quase a totalidade
·dos vereaqores, além do prefeito. A proposta foi adamada pela unani~idade dos
presentes e foi um j6vem cidadão comum que levanto,u a mão para a fala defini- .
' tiva daquela manhã de novembro de 2017: ~ Não vamos apenar fazer, vamos fazer
agora! A alteração da lei Orgânica, após as duas sessões ordinárias obrigatórias,
foi, então, promulgada: no mês seguinte~ dezembro de 2017 e publicada em mar-
ço de 2018, , .
1
Seguimos em 2Ól8, já com o segundo município ·no MAPA dos municí-
pios que a9,eriram aqs Direitos da Natureza, Paudalho/PE e, que logo após, com
base na nova Lei Orgânica, fez,pro~:rrnlgar. o reconhecimento d 0 s direitos da Na-
tureza em um sítio natural sagrado, 11 tamb~m com reco_nhecimento de seµspró-
pdos direitos em lei12,

11 Sobre o tema dos• Sítios Naturais Sagrados.


Trata-se da Fonte São Severino dos Ramos, que atribui à Paudalho :... PE a condição de maior
. centro de romaria do. Estado e terceiro maior do Brasil, reconhecida como patri~ônio natural e
cultural por meio da Lei municipal nº 878/2018. ,
--
Direitos da Naturezp no Brasil: o caso de Bonito - PE \ 137

10.3 O CASO DE FLORIANÓPOLIS/SC

O fldvocacy e.m Florianópolis/Se contou com a mesma inetodo'Íogia do


e~contro das forçàs telúricas e cosmogônicas a partir da realização do Seminário
Internacional Direitos Humanos e Direitos da Natureza na Universidade Federal
de Santa Catarina, erµ 15 de setembro de 2017, para o qual esta autora foi co~vi­
dada a: apresentar o tema. 13
A metodologia do advocacy da MAPAS pressupõe a articulação transdisci-
plinar e interinstitu~ional, com o objetivo de fazer a ponte necessária entre a pes-
quisa acadêmica, a articulação política e a participação comunitária, sem esquecer
a metqfísica da mística da e.scuta da Terra. Desta forma, conseguimos agenda com
o vereador José Marcos de Abreu, vereàdor conhecido no Município por suas pau-
tas vok1das aos temas de bem viver, cujo gabinete prontamente abraçou a pro-
posta e desenvolveu estudos a p'artir da teoria apresentada, c'oncebendo propostq
de alteração da Lei Orgânica diferente da adotada por Bonito e Paudallíô, espe-
cialmente porque já atuavam frente a algumas das políticas públicas correlàtas aos
princípios que fundamentam os direitos da Natureza. ·
A comprovação definitiva da eficiência da metodologia foi ofereci,da no. dia
em que a proposta foi publicada, dia 20 de novembro de 2019. Naquela mesm:a
data, Florianópolis, a primeira capital do Brasil a ver os direitos da Natureza reco-
nhecidos, recebeu o sobrevoo de uma comunidade de Pássaros Guarás, endêmicos
na região e qu·e há mais de 200 anos estavam desaparecidos.
Foi realmente uma data especial. Naquel~ mesmo período, estava sendo·
realizado, por putà. sinergia no "sobrevoo da Natureza", o IX Congresso anual
da Rede para o Constitucionalismo Democrático Latino-Americano, que desde
2015. trata dos Direitos da Natureza com a participação d\sta autora e para o qual
tivemos a oportunidade de contribuir com a boa nova, da Lei Orgânica e da cele-
bração vermelha dos Guarás.
Fortaleza/CE, São Paulo/SP e Palmas/TO também já ptotocolaram as pro-
postas com processos articulados por nós de. maneira mais ou meno~ orgânica
como estas descritas, de Bonito/PE e Florianópoli~/SC. Salvador está com a pro-
posta sendo debatida no âmbito da revisão gei;a1 de sua lei orgânica, cuja inidath:a
partiu do grupo que atua na 4efesa dos sítios naturais sagrados daquela loc~lidade,
.em especial da Pedra de Xangô. 14 .

•13 O evento foi organizado peJo Grupo de Estudos Avançados em Meio Ambiente e Economia no
Direito Internacional (EMAE/UFSC), coordenado pela professoril Cristiane 'Derani, pró-reirora
da UFSC e que faz parte do grupo de pesquisadores que integr.a, junto com a autora, a plataforma
Harmony with.Nature/ONU.
1
14 Sobre os Sítios Naturais Sagrados confira-se: PINTO, Erih Fernandes. Sítios Naturais Sagrâdos
do Brasil: Inspirações para o Réencantarnento das Áreas Protegidas. {Doutorado em Psico.sso-
ciologia) Instituto de Psicologia, da Universidade Federal do ~iode Janeiro, Rio de Janeiro, 2017.
. .
138 lfanessa Hasson de Oliveira

10.4 ANÁLISE DQS. TEXToS LEGAIS

1'0.4.1 CÂMARA MUNICIPAL DE VEREADORES D'O MUNICÍPIO DE BONilO


(PE). EMENDA À LEI ORGÂNICA Nº 01/2017 15 ,

ALTERA O ART. 236, CAPUT


E SEU PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI
ORGÂNICA 00 MUl'IlCÍPIO,PO BONITO/PE . ~· ' .
A CÂM.ARA MUNICIPAL DO BONITO/PE, no uso de suás atribui-
. Ções, faz saber que o Plenário aprovou e fica promulgada a Emenda à Lei Otgâ-
pica n00l/20l7: .
-" • / ..- . Art. 1° - O íart. 236 da Lei Orgâni~a do MuniC{pio do BoP.iio/PE pàssa a
ter a seguin~e redaçãp: . r
'~t. 236 . :. . Ç) Munic;ípio re~onhel:e o direito da: nftureza de existir, pros~.
perai- e evoluir, e deverá, atuar no sen~ido de ass.egurar a 1:0<\os os menl,bros da co-
munidade naiural; humanos e não huma,nos,· dp Municípil'.l de B.onito, o direito\
·- a.o meio. ambien,te .ecofo'gicamente saÚdávele equilibrado e à ffiaJ?.Uterição dos pro~ _
cessoHcoss~stêmicos ne_cess,ários à q~alidade de vidk, ca~endo 'ao Poder Público
~e à coletividade, defends-lo e presen'á-lo, pàra as gerações presentes e fiituras dos
membros da, com~riid;i.de da terra.. e ' . • . ~. r • ·. ;

·. Parágrafo Unico. P~ra as~egurar efetividade a esse direito, o fy[unicwio de- , .


. verá promover .a ampliaçãô'de suas polític;;is públicas n:~.s: áreas de meio a:mbien,i:~,
csaúde, eduéação e economia, a fim de proporcionar condiçôes ao éstabdecimen.to
de uma vida em harmonia com a Natureza, beiu c;omo articular-se com os órgãos ·
estaduais, r~gionais e federais competentes, e àinda, quando for O caso, com OlÚ .
a
tros IÍlunjcípioss objetivando soluçãO de prqblemas tômuns relativos à proteção-
,da Natureza. · ' / . · · ,
/ ' Art. 2° - Esta Emenda à Lei Orgânica: (;\ntra em vigor na daia de sua publi-:
caç~o. Bonit~/PE~ 21 de dêzeinbró de 2017." ,' · .· 1 ·.. ·

. · . <:) texto da norma de .~onito é.muito similar ao aprovado P?t Pau,dalhq


e 1 pressupõe a ni~niína alteração. dq text? originário para exatàmenté demonstrar
qual.s' as bases furtdametitafs :sç referem à mud~nça.para~gmática dó pensamento·
antropocên~ticopara um ecocêntricd, na qual as expressões "bem" e"uso comllth"
são substitúídàs para inÇ.icar a: superaçãó da.visão utilitarista e:o <direito dos cida~
dãos dpr,essado no termo "todos" é ampliado para garantir o direito de todos os
niembro~ da éomunidade da casa comum local, ihduídos humanos e r{ão huma:..
/,nos; de modo a considerar os princ;ípios origL~átios da int~rdep~ndêné::ia, recipro-
Cidade; complenientadedade e convivialidade. · ·. ,. ·. 1
• • ••• • •

. Tendo sido promulgado com~ norma ,primeira do 'cápítulo que trata do


- meio ambien,te, a·norma ii,dquire força principiológica para pepetrar no intrafexto
. de todas as dem~s normas do a,rcabouço jtírídicolocal.
' 1

\
·" 1$ í-DiárloOficíal dos ~~nicípios do.Estad~ de Per~ambuco~Ano IX 1n"2034; p. 6..
' ' \ --'"_

( \ .
''· '--;-.

)··
Direitos da Naturez~ no Brasil: o caso de Bonito - PE 1139
• : 1

Destaque-s.e t~mbém a escolha do termo "prospe_rar" que é inspirado .nos


estudos sobre a necessidade de promover um decrescimento_ econômico e d giro-
paradigmático do desenvqlvimentq, ainda que· sustentável, para o fl()reScér da
prosperidade onde a verticalidade dá lúg~ à horizontalidade da vidaéc)munitárfa;
•./,em harmonia na Natureza. .
, / Por J:im, o caput da no.rma contin~a objetivando garantir o equilíbrip am-
biental às futuras gerações, mas inclui, em seu bojo; as geraçõ~s dos demais ele-
. mentos naturais da localidade com os quais os seres humanos desenvolvem sua, .
identidade biocultural em condição de interdependência. -
Note-se que o· parágrafo único oferece os próximos passos para que o mu-
nicípio seja protagonista na eficácia da norma, promovend0 e i~cehtivandó proje-
.tos e ativida,des relacionàdas à vida em harq10nia :na Natureza e em respeito aos di-.
r~itos da N<I;tureza, a part~r da promulgação de leis _que introduzam as respectivas
políticas públicas. A economia ecol6gica,, compartilhada e solidária, a educação
ecológiea e as práticas da saúde itítegrati~a com· respeito aos saberes tradicionais
das comunidades locais podeni ser integracfa~, estiinúlando um ambiente éom
qualidad~.de vida aos humanós e não humanos, inaugurando na prática um.a vida 1

· - , próspera' com o, bém viver. . .. · · '


. '

10.4.2'CÂMARA MUNICIPAL DE VEREADORES DO MUNICÍPIO DE


FLORIANÓPOLIS (SC). EMENDA À LELORGÂNICÁ Nº 47 /2019.16 l

ALTERA o ART. 133 DA LErORGÃNicA oo MUNICÍPIO nÉ


FWRIANÓPOLIS. . . . .. . ..
,«-

A Mesa d~ Ó.ffiara MunidpaÍ de Florian6polis faz' sabe~ que a Câmara


Municipal aprovou e ela promulga a seguinte Emenda: à Lei Orgânic:a:
' • • 1 •

. , Art._ l O ah. 133 da Lei Orgânica do Município de Florianópolis passa'a


0•

vigdrar com ·a seguinte re.daç~o: ''Art 133 .. /\o Município compete promovei a di.-
·versidade e a: harmonia com ~ natureza e preservar, recuperar, restaurar eampli~-·
os processos ecossistêmicqs naturais, de modo á proporcionar a resiliência socfõe.-
cológica dos apibjentes uibanos e rurais, sendo que ~·planeJ-vnentq e a gestãó dos
.recursos natuiai~ deverão fomentar o manejo sustentável dos· recursos de uso co-
mum e a:s práticas agroecológicas,'de modo a garantir a qualidade devida das po-
pulações hunianaf e não humanas, respeitar os princípios do bem .viver .e confédr
à natureza titularidade-de direito. ' ·
Parágrafo único. O ·Poder Púbico promqverá políti~as públicas e instru:..
mentos de monitoramento ambiental pará que a natureza adq_uira titularidade d,e
direito; seja consiaerada-nos programas do orça,mento mu~icipal e .nos projetqs ~
.
1
;
• / 1
'
/ 1 ', l
. .'
'
1
16 Diáiio Oficial Eletrônico do Município de Florianópolis. Édição 2570. P• 10. Disponível em: htt'p://
.mapas.org.brlwp-<;c>Í:Ítent/ uploacls/2020/04/Lei- Direítb~-da-ratuteia~ Florianópolis-20-.11e2Q 19. ·
_pdf. Acesso ein: 04 set. 2020. ·

1
''··' ,, - 1

140 1 V~nessa Hasson de Q'.iveira
e ações governamentais, se.ndo que as tomadas de decisões deverão ter respaldo
· na Ciência, utilizar do$ princípios e práticas de·conservaÇão da natureza, observar
o. pri;ndpio da precaução, e buscarenvolver c;>s ·poderes Legislativo e Judi.ciário, o •
Estado e a Vnião, os demais municípios da·Região M_etropolifana e as .organiza-
ções da sociedade civil." (NR). .. · .
. Art. 2° Esta Emenda à Lei Orgânica entra em vigor na datà de sua publ~ca~
ção~ Câmara Municipal de Flo~ianópoli11, em 12 de novembro de 2019.
Em Floria:nópolis, a proposta oferecida a partir d<i- àrticulação qudizemos
s,erviu. apenás cte ·inspiração. Estudiosos do tema, o gabinet~ (!o vereador, que to-
,rnou ;i iniciativa, ampliou a perspectiva priricipiológica para deixar expressos os
principais éixo~ de atuação necessários a garantir o respeito aos direitos.da Natu~
reza, considerando as caract~rístiéas do mtifücípio. Assim introduziu os temas dos
processos de recuperaçãq.e restà~raçãó' de ecossisteriías; resiliência dos. ambientais
\ ruràis e urb_anos; planejamento, manejo e gestão. Neste último ponto, contudo,
~.f~-se neces~ária gma observaçãó quanto à semântica das expressões utilizadas,
"recur~os naturais" e ~'uso' comum" que não conversílffi adequadame'n~e com opa-
raqigma ec9cêntrico sobre o qual seassentà .ánorma. , ·. \.
·· . . Por outro lado, a Íl?-iciati'va foi bastante vanguardista áo deixar consigna- , ·
do.que o Podei: E~ecutivo deverá contetnplaro tema no orçamento _niuriicipaL
Ressalta-se a introdução da ccfnversa entre a ciência e os saberes ancestrais, con-
siderad~s no u~iverso das práticas. Por fim, cabe ~àmen:tar a· vontade do legis~
'laCl.or em deixai: ex'.presso·que a Naturéza em Florianópolis passa a ser sujeito.de
1 direitos, instituto jurídico que podf'!d ser. con,siderado na construção,jurispr~­
,d:encial, ,douttinária e das esferas da legislação hieràrquicamen,tç superfor, a n.is-:
peito da legitimidade' agfr, visto 'que o direito material reconhecido está autori-
zado e.m função do princ;ípio da federação, ir\.l)erto .no artigo 30 da Constituiçfo
Federal Brasileir<t.
Bonito, Paudalho e Flo~ianópolis segí:iem adiante, ago:ra refotmiilmdo
' suas políticas públicas para regulamentar as práticas correlatas à adoção de tais''
··~ireitos; pensan,do na vida da comunidade, induincló o~seres não . hu,manos, em
1.
harmonia com a Natureza.
' . . '
· J

1 ' . \:

. . .
. 10.5. DE BONITO PARA O BRASIL· / -,

10.5.1 DES.DOBRAMENTOS DA NATUREZA ESEUS .DIREITOS NA.


·r COMUNIDADE LOCAL
Co,rno descrevemos acÍrria;·o·município de Paudalfí~, logo depóis da pro-
; mulgação da emenda à Lei Orgâp.ica, fez a ecl_ição de uma lei para reconhecer, ·
conio p?-trimÇmio. cultural' e natural, u~a ria~cente de água; dotada de va).ores
culturais. e. religiosos; no corpo da lei, fài referência ao prin-êípio màior inserido
. na consdtufÇão municipal,. sob ré os d.irei tos da ~aturezà vigenic::s, na lócal!dade.

' ( /
Direitos da Natureza no Brasil: o caso de Bonito - PE 1141
A lei da Fonte São Severino dos Ram9s intentou éonfe.çir maior proteção
ao elemento natural e futura regulação de seu acesso. Estamos, neste momento,
articul~ndo com a coµmnidade e a vereança de Paudalho, uma proposta mais
detalhada desta norma que efetivamente alcance o sentido d~ interdependência
bfocultural da fonte e, ao mesmo tempo, ofereça elementos de regulação para a
prática da fé, enquanto destino mais procurado de romeiros no Nordeste.
Bonito, por sua vez, apesar de carregar defipitivamente a qualidade de pri-
meira cidade no Brasil a reconhecer os direitos da Natureza, não inovou em ne-
nhumà regulação 'posterior. A comunidade, entretanto, continua lutando por for-
talecer o ecoturismo e as práticas da agricultura familiar para as quais os subsídios
do governo local, direta e indiretamente, são fundamentais.
Florianópolis, a primeira capital, já era reconhecida como um dos municí-
pios brasileiros de maior excelência em projetos e atividades relacionados ao bem
viver. A medicina integrativa, ·a agricultura orgânica, a permacultura e a economia
solidár.ia são i:tma realidade. Trata-se, por e~emplo, do primeiro município a se es-
tabelecer como Zona Livre·de Agrotóxicos 17 e a instituir uma política de fomento
à economia solidária18 , políticas inteira.mente relacionadas aos prindpios da har~
monia da Natureza em respeito aos direitos da Natureza.
· Em todos os casos, incluindo as localidades onde estão fràmitando as pro-
postas de alteração dalegislação para ver--incluídos os direitos da Natureza como
norma maior de regulaÇão do bem viver da comunidade, é certo que o desdobra-
mento maior da ampliação da consciência da comunidade está em cúrso. Seja por
considerarmos a verdade contida nos saberes ancestrais que nos apoiam; de que a
micropacha19 abraça o elemento material em interdependência ao espiritual, seja
pelo fato de que a lei é um símbolo cultural coro poder criado de transformação
da sociedade".

10.5.2 O PROTAGONISMO DO MUNICÍPIO


O movimento dos Direitos da Natureza no Brasil não para de crescer. Se-
guimos à frente do advocacy da MAPAS em articulação com outros movimentos
e mobilizações, como é o caso da Mobilização do Fórum de Mudanças Clim~ti~
cas ~Articulação pelos Direitos da Mã.e Terra, que participa da organização d~sta
obra, entre tantos outros.
Neste sentido, a rede vai .sendo tecida e aumentando seu poder de alcance e
penetraçãonos movimentos é articulações políticasloc.ai~. Unidos podemos repli-

17 Lei nº 10.62.S de 08 de outubro de 2019 in Diário Oficial ·Eletrônico do Munkípk> de Floríanó-


polis. Edição 2540. p.1. Documento.. disponível em: http://www.pmf.sc.gov.br/arquivos/diario/
pdf/08_ 10_2019_ l 9. l 1.46.8cf40f7e6dfa7fb46e0b8e8312113bba. pdf.
·18 Lei nº 10.176 de 16. de janeiro de.2017 in: Diário Oficial Eletrônico.do Município de Floria-
nópolis. Edição 1867. P.l Documento disponível em: http://~.pmf.sc.gov.br/arquivos/diario/
pdf/23_01_2017_19.33.16,fl bb6d6a78c37b473bdc265b 144105ee.pdf.
19 Sobre os conceitos de micropacha e macropacha confira-se em: FER.NÁNÇ>EZ LLASAG, Raúl.
Constitucionalismo plurinacional desde los sumak kawsay y sus saberes. Plurinacionalidad
desde abaj1 y plurinacionalidad desde arriba. Quito: H~aponi, 2018, p. 17.
~

1421 Vanessa Hasson de Oliveira


i
car essas iniciativas, oferecendo-as como referência e inspiração e colaborar com o
protagonismo 'dos municípios no ingresso desse novo modo de se colocar diante
da vida comunitária ampliada em sua horizontalidade de multidimensionalidade.·
·Estamos organizados em rede para contribuir com o esclarecimento de
elementos que necessitem ser invocados na justificativa da norma ou em sua con-
cepção textual, assim como para orientar quan~o à fundamental participação da
comunidade humana para envolvimento na mui:lança do paradigma, consideran-
do a diversidade étnico-cultural e biocultural de seus membros.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao objetivarmos trazer à luz o fato de que, diante da plenitude da abun-
dância da Mãe Terra, o reconhecimento dos direitos da Natureza na lei local soma
ao desenvolvimeQto de outros campos da ciência, ihcluindo a jurídica,.desvelamos
os elementos sutis que servem aos mais de cinco mil municípios brasileiros na ela-
boração e/ou reavaliação de sua constituição local. .
.Em apresentação realiz~da por esta autora em 2018 no país do Equador,
por ocasião da com~moração dos 1O anos da promulgação da Constitui~ão Fede-
ral. daquele país, ..um dos xamãs presentes, Alberto Ruz Coyote20 , vislumbrou no'
MAPA dos municípios que, àquela altura estavam sendo articulados, p que deno-
minou de pontos de acupuntura no Brasil. , ' -
Nossa inieiatiya pretende, precisamente, fazer inspir~r_ uma articulação en-
tre os municípios brasileiros para que possam paulatinamente fortalecer a teia
das comunidades loc~is que adotaram o reconhecimento dos direitos da Nature-
za.: como forma tie dar resposta ao novo modo de viver que clamam junto com a
Terra. '
' ' '
Bonito/PE; Paudalho/PE; Florianópolis/SC; São Paulo/SP; ,Palmas/TO;
Fortalezái'CE; Salvador/BA seguem trilhando seus próprios caminhos na teia e
: apontando os desafios futuros para aqueles municípios que seguem e seguirão
suas trilhas. '
'Certamente o desafio é gigante, tal qual o tamanho do Brasil, muito maior
ainda nos tempos presentes em que toda a arquitet'Úra institucional de defesa da
Natureza está rompida em fünção da ausência de políticas no âmbito do Governo
Central, isso para dizer o mínimo. .. .·
Mas é exatamente neste ponto qúe os mais de 3.000 municípios podem fa~
zera diferença'. Não apenas porgue são muit:Q,s, porque som~s muitos, mas.porque
somos a base, àmínima partícula quântica, .onde pulsa a vida. · .. ·

20 Alberto Ruz Coyote é um xamã radicado no México, idealizador e promotor do Primeiro Fórum .
Internacional pelos Direitos da Mãe Terra (Primer-Foro por Los Derechos de la Madre Tierra),
cuja realização culminou com à aprovação dos Direitos da.Natureza na Çidade do México. Docu-
mento disponível erh: http://files.harmonfwithnaturei,m.org/uploads/upload687.pd( Acesso. em:
05 set. 2020.
Dlreitos da Natureza no Brasil: o caso de Bonito - PE 1143

Abertura 1° Fórum füasil de Gestão Ambiental - Místi-


ca do Povo Shawandawa pelos Direitos da Natureza. '

Sítio Sagrado Pedra do Rodeadouro ~ Bonito/PE - Foto:, Vanessa Hasson.


1441 Vanessa Hasson de Oliveira

Câmara de Vereador~s do Município de Bonito/PE. Dia d;i. apresentação e protoço-


lo da proposta. Ao centro, Vanessa Hasson ladeada do Secretário Municipal 'de Meio
Ambiente e do Presidente da Câmara de Vereadores, assessores e vereadores.
1

Bonito no 2° Fórum Internacional da Mãe Terra.


Prefeito de Bonito/:PE - Gustavo Cesar; Coordenadora da Plataforma Harmonywith Natu-
re/ONU - Maria Mercedes Sanchez; Doutora em Direitos da Natureza (PUC/SP) e di-
!1;

11: ·, retora da OSCIP 'MAPAS - Vanessa Hasson; Doutora em polítü:as de Bem Viver e Se-
'i' cretária Adjunta da Secretarfa de Meio Ambiente de Bonito/PE - Marcela Peixoto. '
:1
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1
11

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1
- ---- ---- ---------

Direitos da Natureza no Brasil: o caso de Bonito - PE' 1145


REFERÊNCIAS
ACOSTA, Alberto. O bem viver: uma oportunidade para imaginar outr_os mun-
dos; tradução de Tadeu Breda. São Paulo: Autonomia Literária; Elefante,
-2016. p. 125.
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Federal, 1988.
CÂMARA MUNICIPAL DE BONITO (PE). (2018). Emenda à Lei Orgânica
nº 1/2017. Diário Oficial dos Municípios do Estado de Pernambuco. Ano 9,
n. 2034, p. 6 1 2018.
CÂMARA MUNICIPAL DE FLORIANÓPOLIS (SC). (2019) Emenda àLei
Orgânica nº 47/2019. Diário Oficial EletrêÍnico do Município de Florianó-
polis, n 2.570, p. 10, 2019. Disponível em: http://mapas.org.br/wp-content/
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Acesso em: 04 set. 2020.
CÂMARA MUNICIPAL DE FLORIANÓPOLIS_ (SC). (2019) Lei nº
10.628/2019 de 08 de outubro de 2019. Diário Ofieial Eletrônico do Mú~
-- -

nicípio de Florianópolis, n. 2.540, p. 1, 2019. Disponível em: http://www.


pmf.sc.gov.br/arqui vos/diario/pdf/08_10_2019_19. l 1.46.8cf40f7e6dfa
· 7fb46e0b8e8312113bba.pdf.
CÂMARA MUNICIPAL" D.E PAUDALHO (PE). (2018)\ Emenda à Lei Or-
1 gânica nº 3/2018. Disponível em: .http://carnarapaudalho.pe,gov.br/wp

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Acesso em: 16 abr. 2019. ·
CAMARA MUNICIPAL DE SÂO PAULO. (1990). Lei Orgânica do Municí-
pio de São Paulo. Disponível em: http\://www.camara.sp.gov.brlwp-content/
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CAMARA MUNICI'f>AL DE SÃO PAULO. (2015a). Projeto de Emenda à Lei
Orgânica 5/2015. Disponível em: http://documenqtcao.camara.sp.gàv.br/
iah/ fulltext/.
CAMÁRA MUNICIPAL DE SÃO PAULO. (2015b). Parecer nº .2251/2015
Comissão de Constituição, Nstiça e Legi!!lação Participativa sobre o Pro-
jeto de Emenda à Lei ÓrgânÍça 5/2015. ·Disponível em: http://documenta
cao;carnara.sp.gov. br/iah/fu1ltext/ parecer/JUSTS225l-2015 ;pdf:
1 "· - '

FERNÁNDEZ LLASAG, Raúl. Constitucionalismo plurihadonal desde fos


- sumak kawsay y sus sabere~. Plurinacionalidad desdé abajo y plurinaciona-
lidad desde arriba. QÚito: Huaponi, 2018.
OLIVEIRA, Vanessa Hasson. Direitos da Natureza. Rio de Janeiro: Lumen Ju-
1' ris. 2016. · · ·

1 PINTO, Erika Fernandes.-Sítios Naturais Sagrados do.Brasil: Inspirações para o


Reencantai;nento das Áreas Protegidas. _2017. 423 f. Tese (Doutorado em Psi-

1
1-
' 146. 1 Vanessa Hasson de Oliveira

co~sociologia)~Programa de Pós-Graduaçã~ em Psicossociologia de Comuni-


dades e Ecologia Social, Instituto de Psicologia, Universidade Federal do Rio
de Janeiro, Rio de Janeiro, 2017.
EARTH FOUNTAIN website. Disponível em: https://thefountain.earth/
1
process/. .
FÓRUM BRASIL DE GESTÃO AMBIENTAL website. Disponível em: http://
www.campinas.sp.gov.br/noticias-integra.php?id=32028 ...
HARMONY WITH NATURE websit'e. Disponível em: http://www.harmorty
withnatureun.org/.
MAPAS website. Disponível em: http;//www.mapas.org.br/.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com Galileu (Séc. XVI), um dos marcos mais importantes do surgimento


das ciências, aprendemos que, para além de descobertas e invenções científicas, a
compreensão sobre os fenômenos da Naturqa deveria ser obtida por meio da ex~
perimentação e uso da razão. Nascem, assim, as chamadas ciências experimentais,.
as qu:iis foram o berço dos demais ramos da ciência.
' Partindo dessa paisagem, temos; nos séculos XVIII e XIX, a primeira revb-
lução científica, acoplada à primeira revolução industrial, cujo resultado foi a reo-
rientaÇão da sociedade para uma direção desenvolvimentista calcada no mercado
liberal, que se preocupa unicamente com o equilíbrio do mercado consumidqr e
de seus produtos.' A partir do século XX, inicia-se a segu~da revolução cientifica,
a partir da qual contabilizamos pelos menos quatro revoluções, que irão imractar
drasticamente o desequilíbrio ecológico, ·matcado pela conhecida disfunção da
harmbnia entre a hum~nidade, a Terra e os demais seres da Natureza.
A primeira destas quatro, chamada de "Revolução atômicà'~ por um lado
nos proporcionou a medicina nuclear, os radioisótopos, dentre outras benesses;
i
por outro, nos acometeu a catástrofe e o pesadelo1 estrondqso da bomba atô.mka.
Na mesma seara, nós meados do .seculo XX, houve a terceira revolução, denomi-
nada molecular. Essa fasetambém·é marcada pela revolução espacial, ein que o ser
.humano. conquistou o espaço sideral e, por último, a quarta revo~ução,, revolução
das comunicações com a chegada e o desenvolvimeq.to da interQ.et, cujo resultado
mais evidente é o de que passamos a viver parte de nossas vidas de maneira virtual.
ASsim, podemos afirmar que p resultado dessas revoluções se configunt: ····
num importante avàn~o para a hu!llanidade que, mirando pol'outro ângulo1 abre
o caminho para .a reavaliação dos valores da justiçà sócial que somente pbderão
ser percebidos do ponto devista das ciências jurídicas, quando da aproximação
das garantias legislativas com a realidade concreta da sociedade, de· fato social e,
mais que isso, quando dermos conta de minimiz~ o processo sem precedentes de
exclusão social. o que requer, ao ver dos autores, para a superação desse resulta-
do desastroso, nrría necessária releitura crítica ~os paradigni~ da regillação ·e da
emancipação ·social, dois filhos da modentidade. Essa leitura crítica vem apontan-
do para uma nova racionalidade que passa por uma visão de mundo onde a tudo
e todos são considerados~m sua universalidade, que é integralizada na Terra de tal
forma que o paradigmaantropocêntrico construído á partir de uma falsa noção de
poder irrestrito sobre todas as coisas e seres1 inclusive sobre os outros seres huma-
nos, é superado por outro, um paradigma ecocêntrico no qual a interdependência

1147
' \

. 1481' Considerações finais


~· entre todos os seres é reconhecida de forma que a garantia dos direitos igurus a to-
. dos que· tecerrtessa teia é a garantia do direito dos seres humanos; pertencimento
· ·e inclusão social, porquanto estão inseridos num sistema mais amplo, a Natureza.
Decorre daí que os demais seres da Natureza possuem seus próprio~ direttos autq-
nomos de existir, pertencer e pmsperar. · ·
. Essa revblução e~tá· em curso, conforn:e. se demonstrou a partir de diversas
experiências c0ncre-tas, como as que trabalhámos nessa obra: . .
Por essa razão partimos nosso estudo de uma premissa comum: recolher e
'recontar essas experiências.no intuito de fortalecer o caminho da revolução cien~
tífica do Século XXI, cuja centralidade é a Natureza. O que mudamUito porque
isso significa dar continuidade à construção do paradjgma dos direitos .da Nature-
za que, ao ver dos autores que pertencem ao coletivo desta obra e que compõem
o Grupo de Trabalho JÚríd,ico da Mobilização do Fórum Social. e Ambiental de
Mudanças Climáticas, aponta para dois grandes desafios científicos jurídicos. O ·
primeiro se direciona para a, inclusão. dos direitos da Natureza na Constituição
Federal e n~ Constituições estaduais e municipais (leis orgânicas) ~ o segundo,
1

concomitantemente, à necessidad~ dé trabalhàruma teoria geral do~ Qirefü;is d~


Natureza, o qu~ se apresenta bastânte promissor porque estamos fal<1-ndo de. um
ei;tado brasileiro, qi.le tem µm o.rdenàmento jtiiídico signific31tivo que vai desde
.ª ~on~tituiçã~ F:deral de 1988 à.um conjunto lepis~àtivo infraconstitucional da
·. ma10r 1mportanc1a. . . . . . 1

Enxergando essa realidade é refletindo sobre ela, se faz necessário relembrar.


· de' um recente' docµmento,J publicado em 20i'5, pela· Igreja Cató.lica -á Ençíclica
Laudato Si: sobre o Cuidado .da Casa Comum. A Carta Encícli~a do papa Fran-
cisco veio tra2:er à .tona o cenário de colapso ambiental vigente, mas, ao mesmo
. tempo, ~rouxe.uma visão nova, que indica o momento da superação do ultrapassa-
do cónceito do desenvoÍvimerito suste~táv~lpara a consideração de v~ores como.·
a cidadania ecológica e da C3;Sa Comum, comb1nianeirá deldár nova conformação
ao sistema colapsado, resultadp ela crise ecoJógica impingida pelos.séculos de revo-
luções impregnadas do pensamento liberal, individuá.lista e decartiano.
~ . A Laudato Si' integra uma série de moviment~s interi;iaciónais,_ a\ Consti-·
,tuiçáo do Equador (2008), a,, inauguração da plataforma Harmdny with Nature
da ONU (2-009), a legislação federal na Bolívia (2010), dentre outros, que insti~
tucionalizam essa' aova forma de se ,enxergai'. o mundo, que na verdade é. o resgate
de uma visão ap.cestràl,' mantida atual.rrl.énte nas cosmovisões dos povos indígenas
• . .• /. ! •

qtie <is sustentam por.tradição. · . · .


Essas nova8,abordagens institucionalfaadas em lei são marcos para o trata-
mento teórico da questão socioambiental contemporânea, ieuja abordagem é es.::
sendal para uma melhor compreensão.da complexidade dessa tem~tica.. 1, .
'J
Também conhecida tomo.Encíclica Ecológica; .essa obra, de y.utoria do
pàpa Francisco, se revdou'.como um, .verdadeiro inst;rumento educativo para a to~
\ mada de consciência e<ação em fáce do acirram'ento· dos problemas sociais e aro-
. bientais na atuaÍidade. Por estar s~ndo.tratado ness~ docume~to por um líder re~
conhecido mundialmente pelo compromisso étice,.-de suas ações, o. teina d.a ques-
tão ambiental passa c~ªJllªf aten7ãp mundial não çomo um a'ssu.nto que ~orrtpõe
i
(,

/ )

' '·
Cor1_sider~ções ftáais 1149
.\

a agenda "verde" ou de determinadós posicionamentos políticos, mas como um


· problFma a ser enfrentado em escala global. Sob essa pérspectiva; o posic~ona1llel.1:-
. to de Francisco veio potencialiiar o despertar da consciência de grap.dê parte dos ,
seres humanos - católicos ou não - s6bre o mal que eles vêm causando à nossa '
casa comum, à Mãe Terra,'lrmãTerra para São· Frmcisco de Assis; 1 .

Em vista'disso, para reverter esse cenário _de destruição ambiental, é im-


prescindível que os seres humanos revejam o modelo mundi~ atual "onde predo~
mina uma especulação e uma busça por receitas financeiras que ten~em a foµorar
· todo o contexto e os efeitos sobre a dignidade hqmana e o meio ambiente" (PAPA
FRANCISCO, 2015, p. 45). . . .
Na concepção de Francisco, um desenvolvimento econômico e tecnológico
que não se presta a tornar o mundo melhor e a proporcionar uma qualidade de vida
1. integralmente superior não pode .ser considerado como progresso. Pará ele, nmitas

vezes a qualidade:'de vida dos indivíduos diminui pela deterioração do :meio ambien-
te, pela baixa qualidade dos produtos alimentares ou pelo e~gotamentó de alguns re-
cursos-dentro a:esse conteXtQ de crescimento econômico. Sendo .assim; diante dessa
realidade, surge(á necessidade de os seres humanos cÓmeçarem a buscar maneiras qe.
recriar Q ámbiente da'Vida em Harmonia naNatureza, reconlí.ecendo sua condição
de interdependência aps. demais seres com que habit:l o planeta Terra.
O desmvolvimento sustentável é aquele que busca esta,belecer um equilí-
brio entre o progresso econômico-social, o honiem·e a consentação ambi.ental. A
sua définição mais famosa advém, de um estudo realizado pela O~lU em 1987,
~hamado,"Nosso Futúro Comum,'' que conceitú.ou.esse modelo de desenvolvi-·
menta, como aquele qu~ "satisfaz. as necessidades presentes; sem comprometer
a possibilidade de as gerações· futuras ate_nderem a süas próprias necessidades"
(CMMAD, 1991, p. 46). .. . ' .
, Contudo, apenas essé coÍiteito não é) capaz de abranger por completo to- ·
das as dimep.sões ·que envolvem um· desenvolvimento efetivafuente sustentável,
! ~ou seja, prósperp e igualitário, posto que fundado numa-visão antropocêntrica, ~a
q1;1al apenas as .cyecessidades dos seres huma,Úos estão em perspectiva, necessitando,··
assim, do reconhecimento. formal dos Direitos da Natureza e de um estudo coin
yistas à cqnstrução de uma tepria geral que seja càpaz de deslocar a centralid~de~.. ·
. interpelativa da norma, até ·então ocupada pelo o mercadb econômico, para a am'~
plitude 4orirontal e holística que a Naturezá oferece, como ponto aglutinador dos.
direitos iguais .de existir, evoluir e prosperar a todos indistintamente, humanos e
não humanos. ·
Fran,cisco defen'de ess~ possibilidade compreendendo qué,~parà se alcançar
um modelo de progresso P,entro dessa vertente interpretativa - a garáqtia do direi-
. to dos.cidadãos ecológicos de·vivereni h~monia n~ Nª-i:ureza na Casa Comum,
é preciso, em primeiro lugar, converter o modelo contemporâneo _de desenvolvi-,
niento glob'.11. ·

·· l _ ºAqcl t~~parece OUl!rO mod!J de ser-no-1;.mrido, não mais .sobre as coisas, mas jW:Co COnl elas,
,e
como irmã~s e irmãS G!Sa." BOFF, Leonardo. São Franciscb de A,ssis. Petrópolis: Editora Vozes. ·
1-991, P• '51. ··. e ) .· ' '
. 150 1 Consideraçõ~s ftn~is

· Para ele, não é suficiente conciliar, a meio termo, o cuidado com a Natu- ·
reza com Q .modelo atual que sustenta,a evolução das sociedades. O que cham~u
de meio termo é stirpreendente: "os meios-termos sã~ apenas um pequeno adian~
tamento do colapso"' uma vez que não é realista esperar que quem ~stá obcecado :
pela maximização. dos lucros se disponha a considerar os éfeitos ambientais que
· dei:x:árá para as próximas geraçqes (PAPA FRANCISCO, 20'15, p. 148).
Assim, reconhece Francisco que se deve, portanto; b~scar manéiras de re~
definir o progresso a partir da própria reClefinição daquilo que;! semantlcap:iente
mais se aproxime da vidaem harmonia que todos almejamos, visto qu~, dentro
do esquema do ganho capitalista, hão hálugar para uma sociedadé.que .pretende
se revelar sustentável. ' " . ' · . · . 1
. Quando. se:! refere àos estudos do Patriarca Ecumênico. Bartolomeu, o Papa
lembra que as soluções para à crise ecológica não seriam encontradas apenas no
conhecimento científico-tecnológico, mas que não poderfa. ser alcànçada sem uma
profunda revisão dos padrões humanos que pressupõe a passagem "do cbnsumo '(:

ao sacl'.ifício, dá avidez à' génerosidade, do desperdício à capacidade d~pàrtilha." 2


. . . . . É nessa âposta que actediçam os autores dessa obra coletiva: ser necessária
e d_esafiadorá para as ciên~ias jurídicas a fo.dusão formal dos Direitos dà Natu-
reza, no orqename~o j'1rídioo pátrio e à construção de. uma .teoria geral_ que os
suportem. ·

' '

\ 1
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.\ ,\._,.

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- . ' - ._ '-;: ' .


F-RAN--C-IS_C.....O, PAPA. Úiudato Si'. ln: OLIVEIRA, Van~sa Hasson'. Direitos da N~turezà. Rio
-2-.--....
. d.e Jap.eiro: Lameri Juris, 2p 16. p. 169, ' · . , •
'
ANEXO - CARTA PÚBLICA PELA DEFESA DOS DIREITOS DA
MÃE TERRA E PELA VIDA DA AMAZÔNIA COM SEUS POVOS

CARTA PÚBLICA
PELA DEFESA DOS DIREITOS DA MÃE TERRA E PELA
VIDA DAAMAZÔNIA COM SEUS POVOS

22 l>EABRIL

DIA INTERNACIONAL DA MÃE TERRA


Anos e anos de pressão, especialmente das insistentes mobilizações dos.povos originários e
da publicação da Carta da Terra no ano 2000, fruto de.um processo internacional participativo
com adesão de mais·de 4.500 orga11izações da sociedade civil e organismos governamentais,
levaram a ONU a declarar, em 2009, o dia 22 de abril como Dia Internacional da Mãe Terra.

Agora, no ano 2020, a celebração do Dia da Mãe Terra está sendo realizada com a humanidade
vivenciando uma dura experiência de globalização: em r;neses, um denominado "nova'·
coronavírus" está afetando todos os povos do Planeta. Levado pelos diversos caminhos do
mercado, desde o do turismo até o de mercadorias, sua rápida capacidade de contágio só
encontrou a estratégia de isolamento de todas as pessoas co~o medida capaz de diminuir a·
sua velocidade e evitar_o colapso dos serviços públicos e priv~dos de saúde.
1

O orgulhoso mercado globalizado experimentou seus limites e contradições, e hoje a economia "
capitalista, cultu.ada como um ídolo todo-poderoso, revira-se no esforço de prever o tamanho
da sua queda.

As pessoas, contudo, estão r'efazendo o aprendizado de viver a partir de sua casa - ou da


falta delà -, e com tempo para refletir sobre o sentido da correria, do desgaste e exploração a
serviço. do úm crescimento econômico sem limi.te num planeta·limitado, e num sistema que
concentra· riqueza em poucas mãos e· multiplic~ inseguÍ-anças e miséria para ·a maioria da
espécie humana.

De 2009 até hoje as grandes empresas, conglomerados monopolistas, operadores das


commodities, mineradores, agronegócio, sistema financeiró e os governos subservientes
aos seÚs interesses não mudaram suas práticas de se apropriar e de explorar à exaustão
os bens naturais dos biornas, destruindo tudo .o que podia ser transformado em lucro. Isso,
acelerou de modo especial o desmatamento da floresta da Amazônia e do Cerrado, e a maioria
da população foi empurrad·a a viver em grande.s cidades est:ufuralmente discriminadoras ·e
racistas, sobrevivendo em favelas, sem direito garantido a trabalho, moradia e meio ambiente
saudável. ·

Esses projetos desenvolvi mentistas, que avançam sobre os benÍ públicos e comuns Corn a
conivência e apoio do Estado, são responsáveis pelo agravamento das mudanças climáticas e
pelo fracasso. do controle das emissões de gases de efeito estufa. As consequências presentes
são os desastres causados por secas, e11chentes, ventahias, intrusão salin-0, rebaixamehto
dos lençóis freáticos, elevação do nível dos rnares e outros eventos extremos, que rio futuro
tendem a se multiplicar e agravar na medida que o planeta aquece.

Os povos originários e comunidades tradicionajs, ao contrário, consolidaram seus modos de,


vida fundados na compreensão de que a Terra é um ser vivo e fonte. de vida, Pacha Mama,
Mãe Terra. Contribuíram de forma decisiva para os avanços políticos que le~aram o Equador a
incorporar na sua Constituição, elaborada por uma Assembleia Constituinte Popular e aprovada
por um Plebiscito nacional, um capítulo sobre os Direitos da Natureza, assim definidos:.
1521 Anexo - Carta pública pela defesa dos direitos da Mãe, Terra e pela vida da Amazônia com seus povos

A natureza ou Pacha Mama, on.de sé reproduz e realiza a vida, tem' direito a que se respeite
integralmente sua existência e a' manutenção e rege'neração de seus ciclos vitais, estrutu,a,
funções e processos ev~/utivos. (Capítulo Vil, Art. 7i)

Da mesm,a forma, a Bolívia reconheceu estes direitos nci' Plebiscito de 2012 que aprovou.a Lei
da Mãe Terra. E, com certeza,, há busca.de novas práticas e novas relações com a natureza nas
economiás indígenas, quilombolas e de comu.nidades tradicionais, no crescimento dos plantios
agroecológicos e agroflorestais, nas práticas de convivência com o Semi árido brasileiro e com
os demais.biamas, na economia popular solidária e em muitas outras iniciativas populares.

Precisamos reafirmar: já há práticas, que demonstram ser possível estabelecer relações de


convivênc.ia com os biamas e desenvotver, ao mes(ílo tempo, iniciíltivas d~ produção dos bens
necéssários à vida. É falso o dilema: ou mànfer o equilíbr'io eçologico ou produzir o que a
humanidade precisa. Primeiro pofque a humanidade precisa, ahtes de qualquer outra coisa, de
condições naturais favoráveis à sua existência: ar limpo, água pura, vegetações, .flores, espaços
agradáveis de.encontro e de intercomunicação ... Depois, já existem provas de que é possível
produzir o que as pessoas e os dema,is seres vivos precisam - atenção: o que precisam ~
cultivar\dÓ, trabalhando amorosamente com as energias da Terra, superando. prát\cas de agro
e hidronegócio, de extração de minérios e fontes fósseis de energia, isto é, de exploração cáda
vez mais intensiva dos solos, água'e ar, usando produtos químicos para que as mercadorias.
garantam lucros crescentes. ·,
\
Ten.do por base as possibilidades construídas pelos povos e comunidades, e denunciando o
caráter destrutivo das práticas empresariais e .das. políticas governamentais dominantes, as
redes e .entidades que subscrevem' essa declaração pública assumem o compromisso de
lutar, implementando mobilização nacional, em defesa dos direitos da Natureza,.a nÓssa
Mãe Terra. Ninguém, nem mesmo a totalidade dos seres humanos, somos tlonos, senhores
·da Terra, Ela, sim, é senhora da nossa vida. Como durante bilhões de anos se manteve viva
e em evolução sem os seres humanos, certamente poderá continuar viva sem a presença da
espécie h.umana. A humanidade, porém, só poderá continuar viva e ter direitos se reconhecer,
defender e cuidar dos direitos da Mãe Terra.

É por isso que assumimos a defesa do direito da Mãe Terra à florestá e à sociobiodiversidade
da Amazônia, bem como dos demais biornas, para ter condições de gar~ntir equilíbrio hídrico·
em todo o território brasileiro e da América do Sul. o·efendemos igualmente a obrig_ação dos
seres humanos e do Estado brasileiro de parar definitivamente o d'esmatamento e os i~cêndios
criminosos, assumindo a obrigação de restaurar a biodiversidade destruída, na Amazônia e
em todos os biamas, para que a Térra possa garantir a geraÇ'ão de umidade e chuvas, como ela
desenvolveu em seu processo evolutivo.

A crise humanitária gerada pelo Coronavírus prova ~ue podemos viver,-Oe outra forma. Toda
o
crise tem lições a nos ensinar, isolamento social forçado nos obrigou a desacelerar o ritmo
de vida. O ,desenvolvimentismo desenfreado, como se o planeta ,não tivesse limites.. está
em cheque. Esse é o momento para. m,udar o rumo da caminha.da humana, reconhecendo,
defendendo e cuidando dos direitos da Mãé Terra, para que a espécie humana seja de fato
expressão consciente e amorosa da Mãe de todos os seres vivos.

Brasília, 22 de abril de 2020

Assinado,
e
Ação Franciscana de Ecologia Solidariedade (AFES)
A~~o Social Diocesana de Patos/PB
Ágora das/dos Habitantes da .T~rra Brasil (AHT-BR)
Arquidiocese de Manaus

. ,. CARTA PÚBLICA
PHJ\ oms~ DGS rn~mos DA MÃl llRHA EPE!.li vm; DA J\MAZÔNl.I COM SEUS POVOS
1
Anexo - Corta pública pela defesa dos direitos da Mãe Terra e pela vida da Amazônia com seus povos 1153

Articulação Antinuclear Brasileira (AAB)


Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espirita Santo
(APOINME) ,
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB)
Articulação pela Convivência com a Amázônia (ARCA)
Articulação pela Preservação da Integridade dos Seres e da Biodiversidade (APISBio)
Articulação Semiárido Brasileiro (ASA)
Associação Alternativa Terrazul
Associação de Agricultores Familiares Pe. Claret-Grama
Associação de Combate aos·Poluentes (ACPO)
Associação De Pesquisa Xaraeís
Associação de Saúde Socioambiental (ASSA)
Associação dos Agroextra\ivistas do Baixo. Rio Ouro Preto (ASAEX)
Associação dos Moradores·, Produtores e Amigos do Distrito De Nazaré (AMPAN)
Associação Escola Família Agrícola Jaguaribana (AEFAJA)
Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (AGAPAN)
Associação Guardiões do Cerrado/Goiás (AGC)
Associação Movimento Paulo Jackson, Ética, Justiça, Cidadania
Associação para Recuperação e Conservação do Ambiente (ARCA)
Associaçã.o Profissional dos Sociólogos. do Estado do Rio de Janeiro (APSERJ)
Associação Serviço e Cooperação com o Povo Yanomami-Secoy.a
Associação Solidariedade Libertadora (ASSULIB/MA)
Auditoria Cidadã da Dívida
Campantia Nem um Po(;o a Mais
C~ritas Brasileira (CB)
Cáritas Diocesana de Crato
Cáritas Diocesana de Macapá
C<i'ritas Diocesana de Pesqueira
Cáritas Diocesana de Roraima
Ceará no Clima
Central de Movimentos Populares de Rondônia (CMP!RO)
Centro Burnier de MT
Centro Dandara de Promotoras Legais Populares de São José dos Campos
Centro de Açã~ Cultural (CENTRAC)
Centro de Defesa dos Direitos Humanos dà Serra -·ES (CDDH)
Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Petrópolis (CDDH)
Centro de Desenvolvimento Agroecológico Sabiá
Centro.de Direitos Humanos de Formoso do Araguaia
Cen'tro de Educação Popular e Formação Social (CEPFS)
Centro Diocesano de Apoio ao Pequeno Produtor - (CEDAPP)
Centro Semear
Coletivo Cotarse
Coletivo Dez Mulheres da Vila de Ponta Negra/RN
Coletivo Mura de Porto Velho
Coletivo Não Lugar
éoletivo Pelo Direito A Cidade De Porto Velho/RO
Coletivo Popular Direito a Cidade, Porto Velho-RO
Comissão Brasileira Justiça e Paz (CBJP)
Comissão Dominicana de Justiça e Paz do Brasil
Comissão Flastoral da Terra (CPT)
Comitê de Energia Renovávet do Semi árido (CERSA)
Comitê Defensor da Vida Amazônica na Bacia do Rio Madeirà - Núcleo FMCJS/RO
Comitê Goiano de DHs D. Tomá's Balduino
Comunidades Eclesiais de Base Regional Norte 1

, CARTA PÚBLICA
P[[;\ Dtf[S~ DDS m~m!ls DA Mit TrnRA EPflA :mADA AM~ZÕNIA rnM sws POl(!S 1
t
154 Anexo - Carta pública pela defesa do_s direitos da ~ãe Terra e pela vida da Amazônia com seus povos

Conselho lndigenista Missionário (CIMI)


Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC)
Conselho Nacional de Ouvidorias Externas das Defensoriàs Públicas
Conselho Nacional do Laicato doBrasil
Conselh.o Pastoral dos Pescadores (CPP)
Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB)
CRIO LA
Diálogos e·m Humanidade - Brasil (DeH-BR)
Diocese de Goiás
Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE)
Fórum da Amazônia Ocidental (FAOC)
Fórum da Amazônia Oriental (FAOR)
Fórum de Direitos Humanos e da Terrà (FDHT)
Fórum ctos Atingidos pela Indústria do Petróleo e Petroquímica nas cercanias da Baía de Gua- •
nabara (FAPP-BG)
Fórum Mudanças Climáticos e Justiça Socioambiental (FMCJS)
Fraternida.de da Anunciação - Go.iás/GO
Fundação de Educação e Defesa do Meio Ambient~ do Vale do Jaguaribe (FEMAJE)
Funaação Luterana de Diaconia - Conselho de Missão Entre Povos Indígenas - (entro de
Apoio e Promoção da Agroecologia (FLD-COMIN,CAPA)
Fundação Vida para Todos (ABAI) · . . '
Grupo Ambientalista da Bahia (GAMBÁ)
Grupo Carta 'de Belém (GCB) ·
Grupo de Defesa da Amazônia (GDA)
Instituto Aldeias ·
Instituto Brasileir~ de AnáÍise's Sociais e Econômicas (IBASE)
Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (PROAM)
Instituto Calliandra de EducaçãÓ Integral e Ambienta[
Instituto Madeira Vivo (IMV) ·
Instituto Polfticas Alternativas para o Cone Sul (PACS)
Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (IRPAA)
lnternational Rivers (IR)
lser As~essoria
Laboratório de Pesquisa em Educação. Natureza e Sociedade (LabPENSo). da UERJ-FEBF
Marcha Mundial Por Justiça Climática/ Marcha Mundial Do Clima
Métodos de Apoio à Práticas Ambientais e Sociais (MAPAS)
Movimento Baía Viva (RJ) ·
Movimento dos Atingidos pela Bas.é Espacial de Alcântara (MABE)
Moviment<:i dos Atingidos por Barragens (MAB) · ·
Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA)
Movimento Educação de Base (MEB)
Movimento Nacionà'l Contra Corr:upção e pela Democracia (MNCCD)
Movimento Nacional de Direitos Humanos - MNDH/ES
Movimento Pró-Saneamento e Meio Ambiente da Região do Parque Araruama/São.'João de
. Meriti - RJ (MPS) • .
Movimento Sócio-Ambiental Caminho das ÁgÚas - ltu/SP
Movimento Tapajós Vivo (MTV)
Movimentos dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Campos (MTC)
Núcleo Cerrado FMCJS
Núcleo de estudos Amazônicos;da UNB (NEAz)
Núcleo RJ do FMCJS
()Grupo de Pesquisa Energia Renovável Sustentável (GPERS/UNIR)
· Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida (OLMA)

.· . CARTAPÚBLICA
PELA DEFES.A OOS DiREITOS DA M.\E TEllRA EPELA VIDA DA AMAZÔNIA CÓM SEUS POVOS
1
Anexo - Carta pública pela defesa dos direitos da Mãe Terra .e pela vida da Amazônia com seus povos 1155

Observatório Político da Comissão Brasiteira de Justiça e Paz (CBJP)


ONG Mutirão
Organização dos Povos lndígenilS de Rondônia, Noroeste d.o Mato Grosso e Sul do Amazonas
(OPIROMA)
O.rganização Orowari dos Povos Indígenas de Guajará Mirim e Nova Mamoré-RO
Organizacion Comunal de la Mujer Amazonica (OCMA)
Ouvidoria Geral Externa da Defensoria Pública do Estado de Rondônia
Pastoral da Mulher Marginalizada (PMM)
Pastoral do Meio Ambiente da Arquidiocese do Rio de Janeiro'
Preferência Apostólica Amazônia (PAAM)
Rede Brasileira de Justiça A!Tlbiental (RBJA)
Rede das Associações' das Escolas Família do Amapá (F,lAEFAP)
Rede Eclesial Pan Amazônica - REPAM Brasil
Rede Jubileu Sul Brasil (JSB)
Serviço Amázônico de Ação, Reflexão e Educação Socioainbiental (SARES)
Serviço lnterfranciscano de Justiça Paz e Ecologia (SINFRAJUPE) ·
Serviço Pastoral dos Migrantes (SPM)
Sindicato dos Trabalh adores do Sistema Único c;le Saúde de Goiás (SINDSAUDE/GO)
0

Sinttel MG
Sociedade Amigos por ltaúnas (SAPI)
Sociedade de Apoio Sócio - Ambientalista e Cultural (SASAC)
TEIA de Educação Ambiental e Interação em Agroflores'ta (Parintins/AM)
União Estadual por Moradia Popular (UEMP-RO)
Via Campesina Brasil

ADESÕES
' '
A adesão a esta Carta Pública continua aberta às entidades através do e-maií fclimaticas@
gmail.com
Para divulgar use estas palavras-chave
#cj ire itosd anatureza
#pelavid anaa mazon ia ··~

#salveaamazonia
#amazonia
#r:Jireitosdamaeterra

CARTA ~ÚBLICA
PELA DEFESA DOS DIREITOS OA MÃETERRA EPELA~!OA DA AMAZÔNiA COM SEU) POVOS
1
OS AUTORES

Anna l\faria· Cárcamo


Mestra em Gestão Ambiental pela Scho~l of Environment
da Universid;ide de Yale (EUA) e bacharel em Direitó pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-
-Rio), com ênfase em Estado e Sociedade e domínio àdicio-
nal em Política Internacional, e ai:ua como assessora jurídica
da International Rivers, em· apoio aos rios e povos que os·
defendem.' E-m.ail: aca,rcamo@internationalrivers.org.

Carla Judith Cetina Castro


Licenciada em Ciências Jurídicas e Sociais. Advogada e ·
Notaria, Guatemala. Bacharel em Direito, Brasil. Mestra
. em Direito Ambiental. Doutoranda em Ciências do Am- ·
biente e Sustentabilidade na Amazônia. Pesquisadora do
Laboratório Dabukuri - Planejamento e Gestão do Ter-
ritório na Amazônia. Assessora Jurídica do Conselho In-
digenista Mi~sionário • CIMI Regional Norte I. E-mail:
ajurciminorte l@gmail.com.

Chantelle da Silva Teixeira


Adv9gada popular. Pós-graduada pelo Conselho Latin"ó-
-Americano de Ciências ·Sociais. Professora convidada no
curso de Licenciatura Indígena: PolÍticas Educacionais e
Desenvolvimento Sustentável da .Universidade Federal do
Amazonas (UFAM). Pesquisadora do Laboratório Dal:íu-
kuri - Planejamento e Gestão do Território. AssessoraJurí-
diq1 do Conselho Indigenista Miss.ionário ~· CIMI Regio·
nal Norte I. E-mail: chanteixeira@gmail.com. ,

Felício Pontes Jr.


Procurador Regional do Ministério Público Federal ~om
atuação na Procuradoria Regional da República da 1ª Re-
gião. Autor de várias Ações Civis Públicas em favor da Na~
.tureza e de povos e comunidades tradicionais na Amazô-
nia. Mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional
' pela Pontifícia Universidade Católica do Rio d~ Janeiro.
Exerceu a docência na Universidade da Amazônia. E-mail: ·
feliciopontes@gmail.com.
l
, Os autores' 15 7

Johny Fernandes Giffoni


Defensor fúblico do estado do Pará. Mestrando. do Pro-
grama de Pós-Graduação em Direitos Humanos da Uni-
versidade Federal do Pªrá. Pós-graduado em Direito da
Criança e do Adolescente pela Universidade Federal do
Pará. Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro. No ano de 2017, foi discente
do .Curso de Extensão Memórias e Culturas Indígenas, promovido em parceria
entre a Universidade da Integração Ladno-americana e o Conselho Indigenis- '
ta Missionário. Vem atuando nas áreas de Direito Constitucional, Direitos so-
cioambientais de comunidades tradicionais, Direitos Humanos, Direito Indige~
nista, Direito da Criança e do Adolescente e Direito do Consumidor. De julho
de 2016 a dezembro de 2018, atuou no Núcleo de Direitos Humanos e Ações
Estratégicas da Defensoria Pública do estado do Pará, atuando com questões rela-
cionadas aos direitos de comunidades qúilombolas, indígenas e extrativistas, bem
como direitos à educação e direitos de pessoas em situação de refúgio. Vencedor
do 14° Prêmio Iµnovare - Categoria Defensoria Pública (2017). Memb~o eleÚ~
do Conselho Superior da Defensoria Pública do Estado do Pará (2018-2020) . .fu-
sessor voluntário das seguintes instituições da sociedade civil: CNBB - Regionál
Norte II, Cáritas Brasileira Regional Norte II, Observatório Nacional de Justiça
Sodoambiental Luciano Mendes de Almeida - OLMA e do Centro Alternativo
de Cultura Padre Freddy - CAC. Autor de texros ~ pesquisas sobre Amazônia e
povos tradicionais, em específico o direito fundamental éios povos rradicionais a
Consulta e Consentimento Prévio, Livre e Informado - CCPLI. Lattes: http://
lattes.cnpq.br/9760994288820871. E-mail: johnygiffoni@gmail.com.

Lucivaldo Vasconcelos Barros


Pesquisador e professor associado da Universidade Fede-
ral do Pará. Pós-doutoradçi em Ciência da Infqrmaçãd pela
Universidade do Porto (Portugal). Doutor e Mestre em De-
senvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília;····
Analista do Minlstério Público da União. Assessor especial
de estudos e pesquisa jurídica da Procuradoria da Repúbli-
ca no Estado do Pará. Bacharel em Direito pela Universida-
de da Amazônia e em Biblioteconomia pela Universidade
_Federal do Pará. E-mail: lucivaldobarros@gmaíl.com.
1ss i Os autore;
Luiz Et:lipe Lacerda
Psicólogo, especialista em Psicologia Transpessoal, mestre
e doutor em,.sociologia, secretário executivo do Observa~
tório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Men-
des de Almeida (OLMA) e docente da Universidade Ca-
tólica de Pernambuco (UNICAP). Professor coordenador
da Cátedra Laudato Si'- UNI CAP, articulador-do GT Ju-
rídico da Árticulação N~çional pelos Direitos da Natureza - Mãe Terra e coor-
denador do Grupo de Homólogos em· Ecologia Integral da Rede de Centros So-
ciàis da Conferência dos Provinciais para América Latina e Caribe (RCS/CPAL).
E-mail: olma@jesuitasbrasil.oig.br.

Manuel Severino Moraes de Almeida


_Grad\lado em Ciências Sociais pela UFPE (1999), mestre
em Ciência Política pelo PPGCP/UFPE (2004), gradua-
do em Direitó pela UNINASSAU (2014), dputorando
em Direito p~la Universidade Católica de Petnambuco ,
PPGD/UNICAP (2018). Professor assistente da Univer-
sidade Católica de Pernambuco e da Especialização lato
sensu da UNICAP. Coordenador da Cátedra UNESCO/UNICAP de Direitos
Humanos Dom Helder Câmara. Assessoria ao Centro Dom Helder Câmara de
Estudos e Ação Social: Membro Ti.tular de Grupo, de Trabalho sobre os. Cqnflitos
no Território Xukuru.pelo Conselho Nacional de Direitos da Pessoa Bumana/
CDDPH (2003); Estruturante do Curso de Direito da UNICAP (2019); Grupo
de Análise de Conjuntura da CNBB (2020); Diretor Cultural do IDHEC - Ins-
tituto Dom Helder Câmara; Associado ao CENDHEC - Centro Dom Helder
Câmara. Integra a Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares/RENAP;
Associado e fundador da Associação dos Juristas Rela Democracia -ABJD. Con-
sultor Jurídico. Lattes: http:/ llattes.cnpq.br/6332844682702344.,0rcid: https;/ I
orcid.org/0000-0002"2510-2682. E-mail: manoel.almeida@unicap.br,

MarizaRios
Dout9ra em Díreito pela Universidade Complutense de
Madrid - Espanha (2017). Mestra em Direito pela Uni-
versidade Nacional de Brasília - UnB (2005); com pes-
quisa na Universidade de Coimbra sob a oriehtaÇão de
Boaventura de Sousa Santos. Professora e Coordenadora
daTrai:isversalidade em Direitos Humanos'e Políticas Pú-
blicas d._a Escola Superior Dom Helder Câmara. Advoga-
. da e Pesqµisadora no .campo dos Direitos Humanos Fundamentais e da Jurisdição
e Adoção de Políticas Públicas de Desenvolvimento'Socioeconômico Sustentável.
Associada ao grupo "Global Law comparative group: Economics, Biocentrism
' innovation and Govern.ance jn the Anthropocene Wórld". Membr.o do grupo de'
pesquisa "PPG CS - UNISINOS: Transdiscipllnaridade; Ecologia Integral e Jus-
tiça Socioambiental". Lattes: qttp://lattes.cnpq.br/391303820504.8493. Orcid:
https://orcid.org/0000-0003-4586-981 O. E-mail: riosmariza@yahoo.com.br.
. Os autores 1159
Monti Aguirre
Tràbalha como parte d~ programa da lnternation.al· Ri-
vers para a América Latina para apoiar os movimentos lo.-
cais para a proteção dos rios e para desenvolver estratégias
para proteger legalmente os rios de forma permanente.
Ela também apoiou incansavelmente as pessoas afetadas
pela barragem de C_hixoy na Guatemala na próéura de
reparações por os danos causados pela construção da barragem,. Monti e co-dire-
tora/ produtor~ do filme ''.Arnazonia: Voces da. Floresta." Ela é bacharel em antro-
pologia e mestra pela New York University em. educação ambiental e conservação.
E-mail: monti@internationalrivers.org. '
/ \., ' /.

Vanessa Hasson de Oliveira


Doutora em Direitos Difusos e Coletivos (2014) e Mes~
tra em Direito das Relações Econõmicas Internacionais,
com ênfase em Meio Ambiente, pela PontWcia Universi-
dade Católica de São Paulo (2008j. Especialista em Di-
reito Ambiental pela Faculdade de Saúde Pública da Uni-
versidade de São Paulo (l003). Advogada, graduada pelo
Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Uni-
das (1992). Atua na gestão e desenvolvimento de projetos
socioambientais junto ao primeiro e terceiro· setor. Dire-
tora da OSCIP MAPAS - Métodos de Apoio às Práticas
Ambientáis e Sociais para o Movimento Direitos da Natureza no Brasil. Mem- ·
bro da Rede para o Co.nstitucionalismo Democrático Latino-Americano. Mem-
ber and Facilitator at Continental Level, Earth-centered Law, South America of
United Nations Dialogue on Harmony with Nature. Membro Fµndador da AWI-
RE - Aliança Permacultural Multiétnica pelos Direitos da Mãe Terra; Miembro
del Consejo de Visiones de CASA Latina por los Derechos de la Madre Tierra.
Lattes~ http://lattes:cnpq.br/ 600208488690013 5. E-mail: vanessa.hasson.adv@
gmail.com.

/
APOIA DORES

!!1.êpas
para a Paz

,~RiVERS
Pórum .. ·
Mudanças Climáticas
. e Justiça Socioambiental

m.11.m
IJll~ . r

DomHelder. 1
ESCOLA DE OIREITO · CONSEUIO INDIGENISTA lllSSIONÁllO .
1
1

1
O Grupo de Trabalho Jurídico
(GT Jurídico) é um grupo opera-
tivo, de estudos e de incidências
concretas, no campo dos Direitos
da Natureza - Mãe Terra, com -
posto por juristas e demais profis-
sionais que encontram-se envolvi-
dos em diferentes frentes de
atuação como a universidade, a
assessoria aos movimentos
sociais, organizações sem fins
lucrativos que assessoram entes
federativos, assim como atores
políticos, jurídicos e eclesiais no
avanço e implementação destes
direitos. O GT Jurídico é um
coletivo autogestionado derivati-
vo da Articulação Nacional Pelos
Direitos da Natureza - Mãe Terra
que iniciou seus trabalhos em 22
de abril de 2020, a partir da união
cooperativa entre dezenas de
instituições e movimentos sociais
que, no âmbito do Fórum
Socioambiental de Mudanças
Climáticas, compactuam sobre a
urgência em enfrentarmos de
maneira efetiva os crimes e desas-
tres socioambientais em curso e
previstos em nossa sociedade.

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