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Prova de Filosofia das Ciências Humanas

Mário José Dias de Lima

Ciências Sociais

Marília

2021
O fascismo, para além de um fenômeno político-ideológico, ou
seja, na sua forma patológica e social persiste no interior da vida em
sociedade e possui relação estreita com a barbárie. Com base
autoritária, com perseguições obsessivas às minorias sociais, ou ao
que é diferente de determinado agrupamento fascista, com a projeção
de mentiras manifestadas e com delírios imaginários acerca dos
“impostores” que são estranhos em si, porém familiar em proximidade
ao sujeito fascista.

Sigmund Freud, autor da modernidade, possui dois conceitos


que fundamentam essa projetiva aversão ao que é demasiado estranho
e familiar. O Unheimlich que significa na língua portuguesa:
“estranho”, “estrangeiro”, “assustador”; porém também traz o
significado de “próximo” e “familiar”. O segundo conceito é
“narcisismo das pequenas diferenças” que, por intermédio de uma
projeção emocional grupal, os sujeitos minimizam suas semelhanças e
dão grande importância às diferenças, produzindo assim um “grupo de
impostores” para justificar práticas agressivas contra inimigos
artificiais produzidos pelo agrupamento fascista. A partir da junção
destes dois conceitos é possível compreender o fascismo como
“delírio alucinatório coletivo”, pois abrange projeções emocionais
intensas que deformam a capacidade do sujeito de se relacionar com
seus desejos, frustrações e sofrimentos emocionais.

É coletivo porque envolve hábitos de discriminação e


segregação, de forma preconceituosa, contra aquilo que lhes é
estranho. Pois o grupo fascista projeta ao outro(estranho) todos os
conteúdos que lhe são estranhos e ao mesmo tempo familiar. Estranho
por projetar o outro como diferença estranha negativa, como um
impostor imaginário; e familiar ao próprio sujeito e seus conteúdos
conscientes ou inconscientes que ele repudia e reprime em si próprio.
A aglomeração em torno de um grupo gera uma compensação
emocional aos que se identificam com o líder fascista e com o
coletivo. Esta compensação ameniza sentimentos de frustração,
impotência e fraqueza dos que agregam-se em torno do grupo.

Para Theodor Adorno, filósofo e sociólogo da Escola de


Frankfurt, o êxito do líder fascista em agregar multidões baseia-se em
uma desconexão do seu discurso em relação à realidade objetiva. Ou
seja, o discurso do líder fascista é, segundo Adorno, mentira manifesta
sendo este monótono repetitivo e sem nenhum objetivo de ser
correspondente à realidade objetiva. Sendo este totalmente adverso ao
que lhe é apontado objetivamente, é notavelmente parte fundamental
da veiculação de informações falsas no interior de um coletivo
fascista. As fake news da atualidade e o fascismo são, portanto, partes
que se integram ao ponto de não ser possível apontar onde um começa
e o outro termina. O grupo acredita nestas inverdades não por
ingenuidade ou falta de formação intelectual mas por estas notícias
agirem no campo da irracionalidade trazendo a dúvida à tona
descolada de qualquer intermédio crítico e sem nenhuma relação com
a verdade de fatos objetivos.

Para Hegel, filósofo do século XIX, o espírito humano põe-se a


si mesmo sendo a causa de si. O espírito humano é, segundo Hegel,
parcela do Geist(espírito absoluto) e tem como causa finalística a
realização da consciência de si. No mundo material, o “pôr a si
mesmo” ocorre como uma contradição dialética, o ser humano é
espírito corporificado mas o espírito é orientado teleologicamente pela
liberdade e pela perfeição. Sendo assim, a finitude da mortalidade do
corpo coloca limites às demandas do espírito. Esta contradição é
refletida sobre o ser sendo este a integração de corpo e espírito.

De acordo com Hegel, a barbárie e o fascismo seriam etapas


necessárias e intrínsecas ao próprio movimento de autorrealização do
espírito. A depreciação da diferença, do inimigo idealizado e a
violência proposta para suprimi-los atuam como resistência
contraditória dialeticamente à evolução do espírito. Portanto, de
acordo com a concepção hegeliana, se as etapas pelas quais o Espírito
Absoluto se realiza na história podem ser consideradas uma sequência
de erros, vale ressaltar que estes compõem uma negatividade que
integra o processo do qual se realiza a verdade.

O fascismo como convergência da barbárie humana tem um


ponto fraco em si, na medida em que os sujeitos atingem a
autoconsciência de si mesmos e passem a entender que são partículas
de um mesmo todo, ou seja, idênticos em relação ao espírito e
diversos em relação às suas particularidades como, por exemplo:
etnia, religião, gênero, etc. Certamente que com o reconhecimento e
respeito de si e das suas diferenças do “Outro” haveria uma harmonia
coletiva e emancipada de preconceitos e de julgamentos concebidos
arbitrariamente.
Portanto, nota-se que a mais verdadeira manifestação do mal
está na degradação e na coisificação do que é imaginariamente
inimigo de determinado grupo. O sujeito projeta-se no outro aquilo
que lhe é estranho e ao mesmo tempo familiar por não querer, ou por
não conhecer os meios de refletir sobre si mesmo e opta pelo caminho
mais fácil onde o “Outro” é responsável por suas infelicidades e pelo
seu eu que é constantemente cegado pelo ódio ao que lhe é estranho.

A manifestação desta contradição dialética do espírito nas


manifestações do fascismo e da barbárie humana se perpassa pelo fato
de que: o que é estranho ao fascista, ao mesmo lhe é familiar. Sob essa
perspectiva, toda projeção estigmatizada passa por uma exteriorização
do que primeiro deveria ser compreendido e superado internamente
pelo sujeito por meio da autorreflexão e da análise de si mesmo. O
que, em termos hegelianos, seria atingir a consciência de si.

Com o avanço tecnológico da contemporaneidade a mentira


manifesta ocorre por meio das fake news compartilhadas em grupos de
redes sociais virtuais. A desinformação é a prática pela qual o líder
fascista aglutina uma massa em torno de si. Outro campo que vem
sendo explorado para a disseminação de desinformação tem sido o
religioso. A liberdade abstrata que as redes sociais proporcionam tem
sido utilizada para o escoamento de intolerâncias e preconceitos
disseminados na sociedade.

É necessária, para este período, a autorreflexão e a autoanálise


para não incorrer em práticas e posicionamentos que extinguem o
outro por sua diferença e semelhança frente a si mesmo. Em tempos
onde a verdade se esconde por trás de uma luta em vão contra o mal
abstrato que está no outro, a consciência de si desempenha papel
fundamental para respeitar o que é diferente por sua singularidade,
diversidade e familiaridade ao contrário de projetar no outro aquilo
nos assola.

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