Você está na página 1de 29

TERCEIROS E RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO NO

ORDENAMENTO BRASILEIRO

Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho1

Sumário: 1- Imputação e terceiros: responsabilidade indireta (ação); fato de outrem (omissão); 2-


Responsabilidade civil do Estado por atos de seus agentes; 2.1- Responsabilidade por fato de outrem e
responsabilidade civil do Estado; 2.2- Relação vertical entre Estado e agente público: a tese da dupla
garantia, o surgimento de um dever de regresso, o significado de erro grosseiro e a regra da
prescritibilidade; 3- Fato de terceiro, nexo de causalidade e responsabilidade civil do Estado por atos
omissivos; 3.1- Divergências nos tribunais superiores.

1- Imputação e terceiros: responsabilidade indireta (ação); fato de outrem (omissão)

O problema da imputação de danos de terceiros, já por si instigante, articula-se na


hipótese em tela com os dois eixos que sustentam a dogmática da responsabilidade civil
estatal, como se pode perceber abaixo.2 Em primeiro lugar, a Administração Pública,
como entidade abstrata e ficcional, atua – é lógico – única e exclusivamente por meio de
seus agentes, de forma que são os atos destes que vinculam a Administração e,
eventualmente, geram o dever de indenizar.3 Diante dessa percepção, parece possível

1
Professor Titular de Direito Civil da Faculdade de Direito da UERJ. Procurador do Estado do Rio de
Janeiro. Vice-presidente do IBERC.
2
O presente estudo decorre da apresentação intitulada “Terceiros e responsabilidade civil do Estado”, que
tive a satisfação de fazer nas V Jornadas Luso-brasileiras de Responsabilidade Civil, em novembro de 2021,
promovidas pelo Instituto Jurídico da Comunicação, pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
e pelo IBERC, sob a coordenação de Mafalda Miranda Barbosa, Nelson Rosenvald e Francisco Muniz.
3
Caio Mário da Silva Pereira anota que “da mesma forma que as pessoas jurídicas de direito privado, que
por não serem dotadas de individualidade fisiopsíquica têm de se servir de órgãos e comunicação, também
o Estado, como ente abstrato, posto que cientificamente portador de realidade técnica ou realidade jurídica,
tem de proceder por via de seus ‘agentes’, ou de seus ‘órgãos’” (PEREIRA, Caio Mário da Silva.
Responsabilidade civil. 11ª ed. Atualizado por Gustavo Tepedino. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 175).
No mesmo sentido, Carvalho Filho: “Como pessoa jurídica que é, o Estado não pode causar qualquer dano
a ninguém Sua atuação se consubstancia por seus agentes, pessoas físicas capazes de manifestar vontade
real. Todavia, como essa vontade é imputada ao Estado, cabe a este a responsabilidade civil pelos danos
causados por aqueles que os fazem presentes no mundo jurídico” (CARVALHO FILHO, José dos Santos.
Manual de direito administrativo. 30ª ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 588).

REVISTA DE DIREITO DA RESPONSABILIDADE – ANO 4 - 2022 486


concluir que a responsabilidade civil do Estado por atos comissivos consiste em espécie
de responsabilidade civil por fato de terceiro, assemelhando-se, em alguma medida, à
responsabilidade dos pais por atos dos filhos menores ou do empregador por atos do
preposto.

Em segundo, quando se trata de responsabilidade da Administração por omissão, ganham


relevo atos praticados por terceiros não vinculados previamente ao ente público, mas
cujas ações, em razão de alguma omissão específica do Estado, são incapazes de afastar
o nexo causal entre referida omissão e o efeito lesivo. Nesse caso, embora não se esteja
diante de uma espécie de responsabilidade civil por fato de terceiro propriamente dita, a
análise da ação do terceiro assume papel preponderante no momento da aferição do nexo
de causalidade e, consequentemente, da existência do dever de indenizar por parte da
Administração Pública.

Em síntese, se na modalidade comissiva (por ação) a responsabilidade do ente público


aproxima-se da responsabilidade por fato de terceiro (dita indireta), nas hipóteses de
responsabilidade por omissão, a avaliação da conduta do terceiro adquire centralidade no
manejo da excludente de fato de outrem, que teria o condão de romper o nexo de
causalidade entre a omissão estatal e o efeito lesivo.

A partir dessas reflexões iniciais, convém destacar que o presente trabalho será dividido
justamente nestes dois segmentos: o primeiro tem por objetivo abordar a responsabilidade
civil do Estado por atos comissivos, isto é, a responsabilização do ente públicos por atos
praticados (ação) por seus agentes. Nesse primeiro momento, serão abordadas as
situações nas quais os atos de terceiros – agentes públicos – vinculam a Administração
Pública ao dever de reparar. Para tanto, pretende-se investigar o conceito de agente
público e, principalmente, estudar a dupla relação que se forma em tais casos, isto é, a
relação externa entre o Estado e a vítima do dano e a relação interna, entre o ente estatal
e seu agente, a fim de verificar quando e em que termos haverá direito de regresso por
parte do Estado.

Já o segundo eixo tem por escopo a responsabilidade civil do Estado por atos omissivos.
Nesse caso, o enfoque recairá sobre a verificação dos pressupostos da conduta omissiva
da Administração vis-à-vis ao ato de terceiro, para se averiguar se o resultado da
ponderação se mostra capaz de elidir o nexo causal, a afastar, portanto, o dever de

REVISTA DE DIREITO DA RESPONSABILIDADE – ANO 4 - 2022 487


indenizar por parte do ente público. Para tanto, o estudo percorrerá as diversas teorias
existentes e a evolução doutrinária e jurisprudencial a respeito da responsabilização por
atos omissivos.

2- Responsabilidade civil do Estado por atos de seus agentes


2.1- Responsabilidade por fato de outrem e responsabilidade civil do Estado
A regra geral, na responsabilidade civil, consiste na responsabilização de cada um por
seus próprios atos.4 Excepcionalmente, entretanto, há casos em que ocorre imputação
indireta da responsabilidade, de modo que aquele que dispuser de autoridade de direito
ou de fato sobre o agente causador do dano terá o dever de repará-lo (responsabilidade
por fato de terceiro).5 A Administração Pública, como mencionado, atua por meio de seus
agentes, pessoas cujas ações vinculam o ente em questão. Por essa razão, parece natural
enquadrar a responsabilidade civil do Estado como espécie de responsabilidade civil por
fato de outrem, desvelando-se, assim, o primeiro eixo a ser trilhado no presente trabalho.

Essa possibilidade de imputação do dever de indenizar a pessoas não diretamente


vinculadas ao ato lesivo, no direito brasileiro, encontra-se prevista no artigo 932 do
Código Civil, segundo o qual “São também responsáveis pela reparação civil: I - os pais,
pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia; II - o tutor e
o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições; III - o
empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do
trabalho que lhes competir, ou em razão dele; IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas
ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos

4
Trata-se, aqui, da previsão contida no caput do artigo 927 do Código Civil, segundo o qual “Aquele que,
por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.
5
“De regra, no sistema de responsabilidade subjetiva, somente àquele que deu causa ao prejuízo impõe-se
o dever de indenizar. Diz-se, portanto, que a responsabilidade é direta, decorrente de fato próprio do agente
causador do dano. No entanto, o anseio de justiça e proteção à vítima impôs certa flexibilização da exigência
de comprovação do ‘nexo causal entre o dano e a pessoa indigitada como causador do dano’, passando-se
a admitir a atribuição a terceiros do dever de indenizar”. (TEPEDINO, Gustavo; TERRA, Aline de Miranda
Valverde; GUEDES, Gisela Sampaio da Cruz. Fundamentos do direito civil, vol. 4. 1ª ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2020, p. 137). Para outras considerações acerca da responsabilidade civil indireta, ver
MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo; ROSENVALD, Nelson. Responsabilidade civil indireta e
inteligência artificial. In: BARBOSA, Mafalda Miranda; BRAGA NETTO, Felipe; SILVA, Michael César;
FALEIROS JÚNIOR, José Luiz de Moura. (Org.). Direito Digital e Inteligência Artificial: Diálogos entre
Brasil e Europa. 1ed. Indaiatuba: Foco, 2021, v. 1, p. 181-194.

REVISTA DE DIREITO DA RESPONSABILIDADE – ANO 4 - 2022 488


seus hóspedes, moradores e educandos; V - os que gratuitamente houverem participado
nos produtos do crime, até a concorrente quantia”.

Em complemento, o artigo 933 estabelece que “as pessoas indicadas nos incisos I a V do
artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos
praticados pelos terceiros ali referidos”. Indigitado dispositivo representa importante
avanço legislativo em relação ao regime encampado pelo Código Civil de 1916. Isso
porque a legislação revogada previa expressamente que a responsabilidade indireta se
baseava em culpa in eligendo ou culpa in vigilando. Exigiam-se, assim, dois elementos
probatórios: (i) a prática do ato pelo agente causador direto do dano; e (ii) a culpa in
eligendo ou in vigilando do sujeito a quem se imputava o dever de indenizar. Nos termos
do artigo 1.523 do Código Beviláqua, “só serão responsáveis as pessoas enumeradas
nesse e no artigo 1.522, provando-se que elas concorreram para o dano por culpa, ou
negligência de sua parte”.6

Ainda durante a vigência do regime anterior, no entanto, a jurisprudência relativizou a


previsão legislativa com a edição do Enunciado 341 da Súmula do Supremo Tribunal
Federal em 1963, de acordo com a qual “é presumida a culpa do patrão ou comitente pelo
ato culposo do empregado ou preposto”, acompanhando a mais qualificada doutrina
daquele tempo. Inaugurou-se, assim, um segundo momento no roteiro histórico da
responsabilidade indireta no direito brasileiro ao se admitir presunção relativa de culpa
dos sujeitos imputáveis indiretamente.7 Bastava, com isso, que a vítima demonstrasse a
relação causal entre o prejuízo por ela sofrido e o ato de terceiro causador do dano;

6
Nas palavras de Carvalho de Mendonça, “O que se chama hoje responsabilidade por facto de outrem é,
num sentido moral superior, uma responsabilidade de facto próprio, tendo por fundamento a culpa in
vigilando ou a culpa in eligendo e não no direito de representação, pois que o responsável jamais pode ser
presumido como tendo dado ao seu representante direitos de offender. De modo que essa espécie de
responsabilidade não é derogatória do princípio da personalidade da culpa. É pela própria culpa, afinal, que
responde quem não vigia e guarda aquelles a quem deve guarda e vigilância; é, no fundo, a culpa de
imprudência ou negligência” (CARVALHO DE MENDONÇA, Manuel Inácio. Doutrina e Prática das
Obrigações. Curitiba: Typ. e Lith. a vapor Imp. Paranaense, 1908, p. 876).
7
Ricardo Pereira Lira menciona essa evolução doutrinária e jurisprudencial da responsabilidade civil do
Estado como exemplo de direito insurgente. Nas palavras do autor: “No direito legislado [a referência, aqui,
é ao CC de 1916], por conseguinte, a responsabilidade do amo, patrão ou comitente é desenganadamente
subjetiva. Não basta que a vítima prove a culpa do preposto, serviçal ou empregado. Para surgir a
responsabilidade do preponente seria necessário, em face do texto da lei, que a vítima provasse a culpa in
vigilando ou in eligendo do preponente, ou seu procedimento doloso. (...) Os operadores do direito criaram,
insurgentemente, a responsabilidade sem culpa do preponente, por força da qual provada a culpa ou dolo
do preposto é responsável o preponente”. (LIRA, Ricardo Pereira. A Aplicação do Direito e a Lei Injusta.
In: Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, n. 5. Rio de Janeiro:
Renovar, 1997, p. 93.

REVISTA DE DIREITO DA RESPONSABILIDADE – ANO 4 - 2022 489


admitindo-se, porém, prova em contrário por parte do responsável quanto à sua ausência
de culpa.8

Na sequência, vislumbra-se ainda um terceiro momento nessa caminhada rumo à


objetivação da responsabilidade indireta, no qual os tribunais brasileiros passaram a não
mais aceitar a demonstração de ausência de culpa, o que, em termos práticos, representou
uma aproximação com a responsabilidade objetiva.9 A consagração definitiva, porém, da
responsabilidade objetiva nos casos de responsabilidade civil por fato de outrem deu-se
apenas com a promulgação do Código Civil de 2002, com seu já mencionado artigo 933,
que admite a imputação da responsabilidade “ainda que não haja culpa” dos sujeitos
responsáveis.

Deve-se deixar assentado que, em toda e qualquer hipótese de responsabilidade indireta,


há sempre uma relação dita complexa que exige dupla investigação.10 Em primeiro lugar,
existe a relação base, de primeiro grau ou horizontal, entre o agente causador do dano e a
vítima. E, em segundo lugar, há ainda uma relação de segundo grau ou vertical entre o
agente causador do dano e o sujeito a quem se imputa o dever de indenizar. A constatação
dessa dupla relação é que justifica o surgimento da responsabilidade civil por fato de

8
Carvalho Santos posiciona-se da seguinte forma a respeito do assunto: “Estamos com Pontes de Miranda,
em que o artigo 1.521 não constitui exceção ao princípio da culpa, nem cria responsabilidade por culpa
alheia, mas regula o ônus da prova, estabelecendo para o lesado a presunção de que foram culpadas as
pessoas designadas no texto. (...) O que parece claro é que o art. 1.521, que se deve interpretar como
dispositivo análogo ao BCG, §§ 831 E 832, impõe à vítima tão somente a obrigação de determinar o autor
direto do dano, daí decorrendo, automaticamente, a culpa do responsável, qualquer que seja dentre os ali
enumerados, que, para eximir-se, terá que provar que não foi negligente”. (CARVALHO SANTOS, João
Manuel de. Código civil brasileiro interpretado, principalmente do ponto de vista prático, vol XX. 12ª ed.
Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1990, pp. 213-214). Em entendimento dissonante, Aguiar Dias compreendia
que a presunção em questão referia-se à causalidade, não já à culpa, veja-se: “consideramos infundado o
vivo debate, travado na jurisprudência francesa, sobre se tal presunção se refere à culpa ou à
responsabilidade: a presunção é de causalidade; o que se presume é nexo de causa entre o fato da coisa e o
dano” E continua: “O dever jurídico de cuidar das coisas que usamos se funda em superiores razões de
política social, que induzem, por um ou outro fundamento, á presunção de causalidade aludida e, em
consequência, à responsabilidade de quem se convencionou chamar o guardião da coisa, para significar o
encarregado dos riscos dela decorrentes”. (DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11ª ed.
Atualizado por Rui Berford Dias. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, pp. 588-589).
9
“Os Tribunais tornaram-se refratários à demonstração de ausência de culpa, e se consolidou, ao menos no
caso da responsabilidade do patrão pelo ato culposo do empregado (art. 1.521, III), a presunção absoluta.
A rigor, referida interpretação acabou por produzir resultado prático equivalente à adoção da teoria objetiva,
na medida em que se afastava por completo a possibilidade de demonstração da ausência de culpa in
eligendo ou in vigilando, e apenas se elidia a responsabilidade pelas excludentes de causalidade”.
(TEPEDINO, Gustavo; TERRA, Aline de Miranda Valverde. A evolução da responsabilidade civil por fato
de terceiro na experiência brasileira. In: Revista de Direito da Responsabilidade, ano 1, 2019, p. 1.083).
10
Alvino Lima afirma que “Os problemas mais árduos e controvertidos sobre a responsabilidade civil, quer
na doutrina, como na jurisprudência, debatem-se no estudo da responsabilidade civil pelo fato de outrem”.
(LIMA, Alvino A responsabilidade civil pelo fato de outrem. Rio de Janeiro: Forense, 1973, p. 27).

REVISTA DE DIREITO DA RESPONSABILIDADE – ANO 4 - 2022 490


outrem, na medida em que, (i) se inexistir a relação lesiva base, sequer surgirá a obrigação
indenizatória; e, (ii) se não houver a relação jurídica de segundo grau, então haverá
responsabilização direta do agente causador do dano, não havendo que se cogitar de
responsabilidade civil por fato de terceiro.

Importante, com isso, desmembrar o estudo em dois momentos, a perquirir, primeiro, a


relação base e, na sequência, a relação vertical. Os contornos e requisitos da relação de
primeiro grau são diversos a depender do regime de responsabilidade incidente à
hipótese.11 Com efeito, assim como a responsabilidade civil direta pode ser objetiva ou
subjetiva, da mesma forma a relação base pode atrair qualquer dos dois regimes, de modo
que exigirá a verificação dos pressupostos de imputação definidos para cada caso, seja (i)
a culpa do agente que agiu diretamente; ou, (ii) nos casos de inimputáveis por ausência
de discernimento, a verificação de ato equivalente ao ilícito; ou, ainda, (iii) a
demonstração de que na relação de base havia risco no desempenho da atividade pelo
agente (CC, art. 927, par. único); (iv) a constatação de relação de consumo, a atrair o
regime de responsabilidade do CDC, dentre outros.

Dessa forma, nos casos, por exemplo, que envolverem ato praticado por preposto e que
não caracterizem atividade de risco nem relação de consumo, será necessário averiguar a
presença de todos os requisitos do ato ilícito, isto é, a culpa do preposto, o dano sofrido
pela vítima e o nexo causal. No caso do filho menor, por outro lado, deverão estar
presentes o dano e o nexo causal, afastando-se a presença de culpa por se tratar de agente
incapaz, mas, como pontua a doutrina especializada, o ato praticado deve equivaler a um
ato ilícito.

Especificamente quanto à responsabilidade civil do Estado, a relação base, entre agente


público e vítima, reveste-se de caráter objetivo. Isso porque, por força do § 6º do artigo
37 da Constituição da República, “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito
privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa
qualidade, causarem a terceiros”.12 Como se nota, basta a existência do dano e do nexo

11
Conforme anota Maria Celina Bodin de Moraes, “a cada dia tem-se mais e mais hipóteses de regimes
especiais diferenciados, tornando impossível a tarefa de sistematizar a matéria da responsabilidade civil”.
(BODIN DE MORAES, Maria Celina. LGPD: um novo regime de responsabilização civil dito proativo.
In: civilistica.com, a. 8, n. 3, 2019, p. 1).
12
Para uma análise pormenorizada da evolução histórica da responsabilidade civil do Estado no Brasil, ver
MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo. Problemas de responsabilidade civil do Estado. In: Rumos

REVISTA DE DIREITO DA RESPONSABILIDADE – ANO 4 - 2022 491


causal para que a Administração reste responsabilizada, não havendo que se perquirir
culpa do agente. A segunda parte do mencionado dispositivo constitucional menciona
culpa ou dolo do agente apenas como premissas para o exercício de direito de regresso
do ente público em face de seu agente. Essa questão, no entanto, será objeto de
aprofundamento adiante.

Pois bem, verificada a presença dos requisitos mencionados para que surja o dever de
indenizar, passa-se ao segundo momento, no qual se busca constatar a existência de
subordinação ou dependência entre o agente causador do dano e um terceiro que a lei
acaba por imputar a obrigação de arcar com a indenização; trata-se da relação dita vertical
ou de segundo grau. Essa segunda relação terá, em todo e qualquer caso, natureza objetiva
por força do supracitado artigo 933 do Código Civil, inexistindo qualquer necessidade de
investigação da culpa daquele que se vê responsabilizado, bastando a existência da
relação com o causador do dano para que surja para aquele o dever de indenizar. Assim,
a lei não exige qualquer investigação sobre eventual negligência do pai na vigilância de
seu filho menor, tampouco se preocupa com a demonstração de culpa do empregador –
ou do Estado – na escolha de seu preposto ou agente.

Delineados os contornos estruturais da responsabilidade civil por fato de terceiro, importa


tecer breves considerações sobre seu aspecto funcional.13 O fundamento constitucional
da responsabilização indireta encontra-se no princípio da reparação integral, previsto no
artigo 5º, incisos V e X (reparação integral em perspectiva extrapatrimonial) e artigo 5º,
inciso XXII (reparação integral em perspectiva patrimonial).14 Com efeito, as hipóteses

contemporâneos de direito civil: estudos em perspectiva civil-constitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2017,
pp. 173-203.
13
“O fato jurídico, como qualquer outra entidade, deve ser estudado nos dois perfis que concorrem para
individuar sua natureza: a estrutura (como é) e a função (para que serve). (...) Identificar a função não é o
mesmo que descrever os efeitos do fato, interligando-os desordenadamente entre si, mas sim apreender o
seu significado normativo. Este significado, reconstruído pela aplicação das regras e princípios, se exprime
em efeitos do fato”. (PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Trad.: Maria
Cristina de Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 642). E afirma ainda o mesmo autor: “Entender a
norma não é, e nem pode ser, o resultado da exegese puramente literal, mas é a individualização da sua
lógica e da sua justificação axiológica; e isso é impossível sem levar em conta o restante do ordenamento
e dos princípios que o sustentam”. (PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional.
Trad.: Maria Cristina de Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 629).
14
“Como se pode inferir, de um lado, em exame sob a perspectiva existencial, os danos extrapatrimoniais
são merecedores de tutela privilegiada, estando intrinsecamente ligados à dignidade da pessoa humana,
segundo a normativa da Constituição. Erigida a fundamento da República (art. 1º, III), a dignidade da pessoa
humana se irradia prioritária e necessariamente por todo o ordenamento e consagra a plena compensação
dos danos morais (art. 5º, V e X), fundamento extrapatrimonial da reparação integral. (...) Noutro giro, a
perspectiva patrimonial da reparação integral parece fundamentar-se no direito de propriedade (art. 5º,
XXII). A indenização, sob a perspectiva da reparação integral, consiste em expediente pelo qual a vítima

REVISTA DE DIREITO DA RESPONSABILIDADE – ANO 4 - 2022 492


nas quais a legislação prevê a imputação do dever de reparar a terceiro que não provocou
o dano têm em comum o objetivo de conferir à vítima maior probabilidade de
ressarcimento, afinal, na generalidade dos casos, os pais terão patrimônio mais vultoso
em comparação com o do filho menor, o mesmo ocorrendo nos casos do empregador em
relação ao preposto, do Estado em relação ao seu agente e assim por diante.15 Trata-se de
decorrência lógica da tutela dos interesses da vítima à luz da efetividade do princípio da
reparação integral.

2.2- Relação vertical entre Estado e agente público: a tese da dupla garantia, o
surgimento de um dever de regresso, o significado de erro grosseiro e a regra da
prescritibilidade

Identificados os contornos da responsabilidade civil por fato de terceiro, em especial da


responsabilidade do Estado por atos de seus agentes, e verificado que a relação base ou
de primeiro grau, entre ofensor e vítima, possui as mesmas características da
responsabilidade civil direta, a variar os requisitos apenas de acordo com o regime de
responsabilidade civil aplicável ao caso, importante enfocar a específica relação de
segundo grau existente na responsabilidade civil do Estado, que possui como personagens
o agente público e a Administração.

O conceito de agente público adotado pela legislação é bastante amplo, a abarcar “os
membros dos Poderes da República, os servidores administrativos, os agentes sem
vínculo típico de trabalho, os agentes colaboradores sem remuneração, enfim todos
aqueles que, de alguma forma, estejam juridicamente vinculados ao Estado”.16 Essa

procura reaver o patrimônio que efetivamente perdeu ou deixou de lucrar, na exata medida da extensão do
dano sofrido. (MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo. Limites ao princípio da reparação integral no
direito brasileiro. In: civilistica.com, a. 7, n. 1, 2018, p. 3).
15
A responsabilidade por fato de outrem pode ser compreendida a partir do contexto geral da busca do
direito civil por tutelar à vítima do dado, fenômeno que tem como carro chefe a constante expansão da
responsabilidade objetiva. Na lição de Josserand: “todas essas leis, e muitas outras ainda, preparam e
consagram uma verdadeira revolução, dissociando completamente a responsabilidade da culpa, erigindo o
patrão, a comuna ou o explorador da aeronave em seu próprio segurador por motivo dos riscos que criou;
a ideia de mérito ou de demérito nada tem a ver no caso; a lei impõe o princípio justo e salutar ‘ a cada um
segundo seus atos e segundo suas iniciativas’, princípio valioso para uma sociedade laboriosa, princípio
protetor dos fracos: a força, a iniciativa, a ação devem ser por si mesmas geradoras de responsabilidade”.
(JOSSERAND, Louis. Evolução da responsabilidade civil. In. Revista Forense, vol. LXXXVI, a. XXXVIII,
abril de 1941, p. 557).
16
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 30ª ed. São Paulo: Atlas, 2016,
p. 589.

REVISTA DE DIREITO DA RESPONSABILIDADE – ANO 4 - 2022 493


abrangência se verifica no artigo 2º da Lei de Improbidade Administrativa, com redação
conferida pela Lei nº 14.230/2021, segundo o qual “para os efeitos desta Lei, consideram-
se agente público o agente político, o servidor público e todo aquele que exerce, ainda
que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação,
contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego
ou função nas entidades referidas no art. 1º desta Lei”.17

Vale destacar, ainda, que a Constituição é clara ao afirmar que o Estado responde pelos
danos causados por seus agentes quando estiverem atuando “nessa qualidade”, isto é,
apenas quando o ato lesivo for praticado a pretexto da função que o sujeito exerce na
Administração Pública. Dessa forma, caso algum servidor público cause dano a outrem
sem que esteja no exercício de suas funções, evidentemente haverá sua responsabilização
direta, sem que se cogite de responsabilidade do Estado.

Existem, no entanto, algumas situações dúbias. Já foi levado à apreciação do Judiciário,


por exemplo, caso em que policial militar, fora do horário de serviço e sem estar fardado,
causa dano a terceiro com arma de fogo pertencente à corporação. Em casos como esse,
não se vislumbra jurisprudência consolidada nos tribunais brasileiros, encontrando-se
decisões tanto a favor quanto contrária à responsabilização do Estado. No Supremo
Tribunal Federal, são escassos os casos que chegam a ter o mérito analisado por se
considerar matéria de direito infraconstitucional e que depende de exame probatório. Há,
no entanto, alguns casos antigos que abordam a questão, como o julgamento do Recurso
Extraordinário 135.310/SP,18 que entendeu pela responsabilização do ente público e o
Recurso Extraordinário 294.440/RJ,19 que, embora não tratasse de hipótese de arma de

17
As entidades referidas no art. 1º da referida lei são: Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, bem
como da administração direta e indireta, no âmbito da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito
Federal; entidades privadas que recebam subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de entes
públicos ou governamentais; e entidades privadas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou
concorra no seu patrimônio ou receita atual.
18
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. POLICIAL CIVIL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA POR ATO ILÍCITO PRATICADO PELO AGENTE PÚBLICO NO
EXERCÍCIO DAS SUAS FUNÇÕES. INDENIZAÇÃO DEVIDA. 1. A Constituição Federal
responsabiliza as pessoas jurídicas de direito público pelos danos que seus agentes, nessa qualidade,
causarem a terceiros, não sendo exigível que o servidor tenha agido no exercício das suas funções. 2. Dano
causado por policial. Responsabilidade objetiva do Estado em face da presunção de segurança que o agente
proporciona ao cidadão, a qual não é elidida pela alegação de que este agiu com abuso no exercício das
suas funções. Ao contrário, a responsabilidade da Administração Pública é agravada em razão do risco
assumido pela má seleção do servidor. Recurso extraordinário não conhecido. (STF, 2ª T., RE 135.310/SP,
Rel. Min. Maurício Corrêa, julg. 10.11.1997).
19
AGRAVO REGIMENTAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. ACIDENTE DE
TRÂNSITO ENVOLVENDO VEÍCULO OFICIAL. SÚMULA 279 DO SUPREMO TRIBUNAL

REVISTA DE DIREITO DA RESPONSABILIDADE – ANO 4 - 2022 494


fogo, condenou o Estado a indenizar a vítima de acidente automobilístico causado por
agente público que utilizava veículo da Administração durante período de folga.

Relevante precedente teve-se no assunto com o julgamento do Recurso Extraordinário


363.423/SP,20 no qual a Segunda Turma do STF entendeu pela não responsabilização do
Estado, conquanto tenha havido disparo de arma de fogo da corporação por policial
militar em período de folga. No caso específico, porém, a vítima possuía relação pessoal
com o autor dos disparos, que teriam sido motivados por razões passionais, o que levou
a Turma, na ocasião, a concluir que “o policial autor do disparo não se encontrava na
qualidade de agente público”. Esse precedente tem sido utilizado por tribunais estaduais
para afastar a responsabilidade estatal nas hipóteses em que havia relação pessoal pretérita
entre o agente público e a vítima, como ocorreu no julgamento da Apelação 1009307-
98.2020.8.26.0053 pela 9ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo, que tratava de disparo realizado por policial militar de folga em decorrência
de desentendimento com vizinho.21

Outra questão que demandou esclarecimento por parte do Poder Judiciário diz respeito
aos tabeliães e oficiais de registro. A dúvida surgiu porque esses profissionais não são
servidores públicos, exercendo sua função por meio de delegação, nos moldes do artigo

FEDERAL. Responsabilidade pública que se caracteriza, na forma do § 6.º do art. 37 da Constituição


Federal, ante danos que agentes do ente estatal, nessa qualidade, causarem a terceiros, não sendo exigível
que o servidor tenha agido no exercício de suas funções. Precedente. Análise das circunstâncias fáticas do
caso dos autos inviável por força da súmula em questão. Agravo desprovido. (STF, 1ª T., RE 135.310/SP,
Rel. Min. Ilmar Galvão, julg. 15.05.2002).
20
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. LESÃO CORPORAL. DISPARO DE ARMA DE FOGO
PERTENCENTE À CORPORAÇÃO. POLICIAL MILITAR EM PERÍODO DE FOLGA. Caso em que o
policial autor do disparo não se encontrava na qualidade de agente público. Nessa contextura, não há falar
de responsabilidade civil do Estado. Recurso extraordinário conhecido e provido. (STF, 1ª T., RE
135.310/SP, Rel. Min. Carlos Britto, julg. 16.11.2004).
21
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO – INDENIZAÇÃO
POR DANOS MORAIS – HOMICÍDIO - DISPAROS EFETUADOS POR POLICIAL CIVIL EM
PERÍODO DE FOLGA – DESAVENÇA COM VIZINHO – NATUREZA PESSOAL DA CONDUTA
DESVINCULADA DA QUALIDADE DE AGENTE PÚBLICO - AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL
ENTRE A FUNÇÃO PÚBLICA E O DANO – DEVER DE INDENIZAR INEXISTENTE. 1. As pessoas
jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos respondem pelos danos
que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o
responsável nos casos de dolo ou culpa (art. 37, § 6º, CF e art. 43 CC). A Constituição Federal não exige
que o agente público tenha agido no exercício de suas funções, mas na qualidade de agente público (art. 37,
§ 6º). 2. Briga de vizinhos que acabou em tragédia. Disparo efetuado por policial civil em período de folga,
sem qualquer relação com a qualidade de agente público. Irrelevância do uso de arma da Corporação.
Precedentes do STF e desta Corte. Pedido improcedente. Sentença mantida. Recurso desprovido. (TJSP, 9ª
C.Dir.Publ., Apelação 1009307-98.2020.8.26.0053, Rel. Des. Décio Notarangeli, julg. 06.10.2020).

REVISTA DE DIREITO DA RESPONSABILIDADE – ANO 4 - 2022 495


236, § 1º, da Constituição.22 Desde o ano de 1999, todavia, o Supremo Tribunal Federal
tem assentado posição firme sobre a questão no sentido de afirmar a responsabilidade
objetiva do Estado por atos dos tabeliães e registradores oficiais que, no exercício de suas
funções, causem danos a terceiros.23 Mais recentemente, o entendimento foi reafirmado
quando do julgamento do Recurso Extraordinário 842.846/SC, que julgou o tema 777 da
Repercussão Geral do STF. Na ocasião, fixou-se a seguinte tese “O Estado responde,
objetivamente, pelos atos dos tabeliães e registradores oficiais que, no exercício de suas
funções, causem dano a terceiros, assentado o dever de regresso contra o responsável, nos
casos de dolo ou culpa, sob pena de improbidade administrativa”.24

O dever de indenizar a vítima por danos causados por agentes públicos recai
exclusivamente sobre o Estado, não havendo a possibilidade de o lesado ajuizar ação em
face da pessoa do agente. Após grande e acirrada discussão sobre o tema, e ao contrário
de inúmeros precedentes do STJ25, foi esse o entendimento firmado pelo Supremo
Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário 1.027.633/SP, que fixou a
seguinte tese para o Tema 940 de sua Repercussão Geral: “A teor do disposto no art. 37,
§ 6º, da Constituição Federal, a ação por danos causados por agente público deve ser
ajuizada contra o Estado ou a pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço
público, sendo parte ilegítima para a ação o autor do ato, assegurado o direito de regresso
contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.26 Trata-se de consagração
jurisprudencial da teoria da dupla garantia, assim denominada por proteger tanto a vítima
quanto o agente público. Nas palavras do Ministro relator:

22
CRFB/88, art. 236: “Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação
do Poder Público”.
23
O julgamento de 1999 a que se faz referência é o RE 209.354, julgado pela Segunda Turma com relatoria
do Min. Carlos Veloso e ementado da seguinte forma: “CONSTITUCIONAL. SERVIDOR PÚBLICO.
TABELIÃO. TITULARES DE OFÍCIO DE JUSTIÇA: RESPONSABILIDADE CIVIL.
RESPONSABILIDADE DO ESTADO. C.F. , art. 37, § 6º. I. - Natureza estatal das atividades exercidas
pelos serventuários titulares de cartórios e registros extrajudiciais, exercidas em caráter privado, por
delegação do Poder Público. Responsabilidade objetiva do Estado pelos danos praticados a terceiros por
esses servidores no exercício de tais funções, assegurado o direito de regresso contra o notário, nos casos
de dolo ou culpa (C.F., art. 37, § 6º). II. - Negativa de trânsito ao RE. Agravo não provido”.
24
STF, Tribunal Pleno, RE 842.846/SC, Rel. Min. Luiz Fux, julg. 27.02.2019.
25
“O STJ vislumbra a possibilidade - no caso de dano causado por agente público - da vítima escolher
contra quem propor a ação (contra o Estado, contra o autor do dano ou contra ambos). O STJ chega a dizer
que a questão é pacífica por lá (STJ, REsp 687.300. Precedentes: REsp 731.746; REsp 1.325.862; AgInt no
ARESP 583.842, DJe 24/08/2017)”. BRAGA NETTO, Felipe. Responsabilidade civil do Estado por
omissão: entre mitos e verdades. In: Migalhas de responsabilidade civil, 24.11.2020. Disponível em:
https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-de-responsabilidade-civil/336797/responsabilidade-civil-
do-estado-por-omissao--entre-mitos-e-verdades. Consultado em 25.02.2022.
26
STF, Tribunal Pleno, RE 1027633/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, julg. 14.08.2019.

REVISTA DE DIREITO DA RESPONSABILIDADE – ANO 4 - 2022 496


A Constituição Federal preserva tanto o cidadão quanto o agente
público, consagrando dupla garantia. A premissa ensejadora da
responsabilidade civil do Estado encontra guarida na ideia de
justiça social. A corda não deve estourar do lado mais fraco. O
Estado é sujeito poderoso, contando com a primazia do uso da
força. O indivíduo situa-se em posição de subordinação, de modo
que a responsabilidade objetiva estatal visa salvaguardar o cidadão.
No tocante ao agente público, tem-se que esse, ao praticar o ato
administrativo, somente manifesta a vontade da Administração,
confundindo-se com o próprio Estado. A possibilidade de ser
acionado apenas em ação regressiva evita inibir o agente no
desempenho das funções do cargo, resguardando a atividade
administrativa e o interesse público.
Como consequência desse entendimento, a vítima pode pleitear indenização apenas em
face do ente público, restando a este o, agora denominado, dever de regresso em face do
agente público, se este atuou com culpa ou dolo, nos termos da parte final do § 6º do
artigo 37 da Constituição. Frise-se, aqui, a expressão dever de regresso, que se utiliza em
função do fixado no já mencionado Tema 777 da Repercussão Geral do STF. Naquela
oportunidade, ficou “assentado o dever de regresso contra o responsável, nos casos de
dolo ou culpa, sob pena de improbidade administrativa”, a impor verdadeira obrigação de
o Estado exigir do agente público que atuou com dolo ou culpa a restituição do valor
despendido pela Administração para indenizar a vítima do ato lesivo. Nos termos do voto
do Ministro Luiz Fux, relator do feito, “o direito de regresso é direito indisponível e de
índole obrigatória, que deve ser necessariamente pleiteado pelo Estado”.

Embora referido julgamento tratasse especificamente da responsabilidade do Estado


pelos atos de registradores e tabeliães, a lógica da obrigatoriedade de a Administração
exigir o regresso perante o agente causador do dano parece aplicável a danos causados
por qualquer agente estatal e tende a se espraiar pelas diferentes hipóteses de
responsabilidade civil estatal. Em todos os casos, a decisão a respeito da exigência do
reembolso não tem caráter discricionário, a configurar improbidade administrativa do
administrador público responsável por tomá-la, caso não o faça.

Outro ponto relevante a se destacar é que, embora o § 6º do artigo 37 da Constituição,


como visto, mencione culpa ou dolo como requisitos para a responsabilização regressiva
do agente público, fato é que, nos últimos anos, tem se visto tendência legislativa no
sentido de restringir sua responsabilidade aos casos de dolo e erro grosseiros, na linha do
artigo 28 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), incluído pela

REVISTA DE DIREITO DA RESPONSABILIDADE – ANO 4 - 2022 497


Lei nº 13.655, de 2018. De acordo com dito dispositivo, “O agente público responderá
pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro”.

Conquanto tenha surgido importante discussão a respeito da constitucionalidade do artigo


supracitado ao argumento principal de que a legislação infraconstitucional não poderia
restringir os parâmetros de responsabilização fixados pelo constituinte, fato é que, com a
referida limitação, o legislador parece movido por objetivos relevantes de interesse
público, pois estimula a criatividade do agente público na tomada de decisão e, por
consequência, o princípio constitucional da eficiência administrativa.27 Ao saber que não
será pessoalmente responsabilizado na hipótese de simples culpa, o administrador se
sentirá menos constrangido a tomar decisões pouco burocráticas.

De fato, não vem de hoje a máxima segundo a qual “na dúvida, dorme tranquilo quem
indefere”,28 a ilustrar o pouco estímulo que a ordem jurídica, no Brasil, dá ao
administrador público de tomar decisões inovadoras, ainda que, por vezes, haja certo grau
de incerteza acerca de suas consequências. Nessa direção, Gustavo Binenbojm e André
Cyrino explicam que a maior virtude do dispositivo foi “criar um ambiente propício à
inventividade, cuidando de gestores e técnicos que buscam inovar os meios de gestão
pública. Se suas tentativas de inovação não forem bem-sucedidas, eles apenas
responderão por dolo ou erro grosseiro”.29

27
“O princípio da eficiência [...] traduz-se, de forma bastante ampla, no dever imposto à Administração
Pública de decidir pela melhor opção disponível, considerando os custos envolvidos e benefícios almejados.
Trata-se não apenas de atuar de maneira legal e razoável, mas de buscar a solução juridicamente possível
que seja a mais apropriada ao atendimento de determinado interesse público”. (BARCELLOS, Ana Paula
de. Curso de direito constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 390).
28
A respeito do tema, v. RIBEIRO, Leonardo Coelho. "Na dúvida, dorme tranquilo quem indefere", e o
Direito Administrativo como caixa de ferramentas. In.: Direito do Estado, n. 149, 2016. Disponível em:
http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/leonardo-coelho-ribeiro/na-duvida-dorme-tranquilo-quem-
indefere-e-o-direito-administrativo-como-caixa-de-ferramentas
29
BINENBOJM, Gustavo; CYRINO, André. O Art. 28 da LINDB - A cláusula geral do erro administrativo.
In: Revista de Direito Administrativo, Edição Especial: Direito Público na Lei de Introdução às Normas de
Direito Brasileiro – LINDB (Lei nº 13.655/2018), nov. 2018, p. 213.
José Vicente Santos de Mendonça, em estudo anterior ao advento da nova disposição da LINDB, procurava
dar densidade à responsabilização da atividade consultiva da Administração, indicando 4 parâmetros: (i)
dolo do parecerista: a mais evidente causa de responsabilização, embora de difícil comprovação a prática
diante da necessidade de comprovação da má-fé subjetiva; (ii) erro evidente e inescusável: erros flagrantes
perceptíveis pelo advogado médio. Exemplos dados pelo autor: elaborar parecer jurídico referente a matéria
atual de trânsito com base no revogado Código Nacional de Trânsito, Lei Federal n.º 5.108, de 21 de
setembro de 1966. Enquadrar caso de dispensa de licitação em artigo inteiramente inaplicável da Lei de
Licitações. Aplicar a legislação da União relativa a pregão a hipótese em que a legislação estadual sobre o
tema estabelece regra diversa e incompatível; (iii) a não-adoção de condicionantes reais de cautela, como
o dever de informar à Administração a respeito dos riscos jurídicos de determinada estratégia; (iv) a
necessidade de preservação da heterogeneidade de ideias: o juízo de responsabilização do parecerista deve

REVISTA DE DIREITO DA RESPONSABILIDADE – ANO 4 - 2022 498


No que concerne especificamente ao conceito de erro grosseiro como causa de
responsabilização do agente público, embora comumente se sustente sua qualidade de
conceito jurídico indeterminado,30 pode-se dizer que se subsume à noção de culpa
grave.31 Isso é o que se depreende, por exemplo, do § 1º do artigo 12 do Decreto nº
9.830/2019, que regulamenta o artigo 28 da LINDB. Segundo tal dispositivo, “Considera-
se erro grosseiro aquele manifesto, evidente e inescusável praticado com culpa grave,
caracterizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou
imperícia”.32 Da mesma forma, o Tribunal de Contas da União já assentou que “O
entendimento jurisprudencial do TCU vem se inclinando no sentido de considerar que,
para o exercício do poder sancionatório, considera-se erro grosseiro o que decorreu de
grave inobservância do dever de cuidado, isto é, que foi praticado com culpa grave”.33

O Supremo Tribunal Federal também já teve oportunidade de abordar a questão do erro


grosseiro ao julgar a constitucionalidade da Medida Provisória 966/2020, que dispõe
sobre a responsabilização de agentes públicos por ação e omissão em atos relacionados
com a pandemia da Covid-19 e estabeleceu, em seu artigo 2º, nos mesmos termos do
Decreto nº 9.830/2019, que “considera-se erro grosseiro o erro manifesto, evidente e

sempre levar em conta a pluralidade de ideias e o incentivo da inovação na formulação jurídica, concedendo
liberdade, dentro dos limites da lei, para que o advogado público exerça sua função. (MENDONÇA, José
Vicente Santos de. A responsabilidade pessoal do parecerista público em quatro standards. In: Revista
Brasileira de Direito Público, v. 27, p. 177-199, 2009).
30
Nesse sentido, v. CRUZ, Alcir Moreno da; BORGES, Mauro. O artigo 28 da LINDB e a questão do erro
grosseiro. In: Consultor Jurídico, 14 de maio de 2018. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-
mai-14/opiniao-artigo-28-lindb-questao-erro-grosseiro De acordo com Luís Roberto Barroso, consideram-
se conceito jurídico indeterminado “expressões de sentido fluido, destinadas a lidas com situações nas quais
o legislador não pôde ou não quis, no relato abstrato do enunciado normativo, especificar de forma
detalhada suas hipóteses de incidência ou exaurir o comando a ser dele extraído”. (BARROSO, Luís
Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo
modelo. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 352).
31
“Não obstante tenha o legislador optado por adotar, mais uma vez, o estranho requisito do ‘erro grosseiro’
(já inserido no art. 28 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, por via da reforma
implementada pela Lei nº 13.655/2018), pecou menos em indicar que, em última análise, quer-se referir
que a responsabilização ocorrerá nas hipóteses de culpa grave. [...]A redação do art. 2º da Medida Provisória
nº 966/2020 encerra, a rigor, uma tautologia: erro grosseiro nada mais é que o erro evidente e inescusável
praticado com culpa grave. Esta, por sua vez, por ter alta gravidade, é sempre explícita e indesculpável, o
que se trataria de ‘erro grosseiro’. (REIS JUNIOR, Antonio dos. A responsabilidade civil dos agentes
públicos em tempos de covid-19: análise do julgamento do Supremo Tribunal Federal no pedido cautelar
na ADI nº 6421 e outras. In: Revista IBERC, v. 3, n. 2, maio/ago. 2020, pp. 315-316)
32
“Importante frisar que o erro grosseiro, para fins de responsabilização, não afasta a ocorrência de culpa.
Na verdade, estão abrangidas na ideia de erro grosseiro as noções de imprudência, negligência e imperícia,
quando efetivamente graves – ou gravíssimas”. BINENBOJM, Gustavo; CYRINO, André. O Art. 28 da
LINDB - A cláusula geral do erro administrativo. In: Revista de Direito Administrativo, Edição Especial:
Direito Público na Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro – LINDB (Lei nº 13.655/2018), nov.
2018, p. 213.
33
TCU, Plenário, 4ª C.C., TC 031.560/2016-4, Rel. Augusto Nardes, julg. 17.03.2021.

REVISTA DE DIREITO DA RESPONSABILIDADE – ANO 4 - 2022 499


inescusável praticado com culpa grave, caracterizado por ação ou omissão com elevado
grau de negligência, imprudência ou imperícia”. No julgamento, o STF fixou as seguintes
importantes teses: “Configura erro grosseiro o ato administrativo que ensejar violação ao
direito à vida, à saúde, ao meio ambiente equilibrado ou impactos adversos à economia,
por inobservância: (i) de normas e critérios científicos e técnicos; ou (ii) dos princípios
constitucionais da precaução e da prevenção. 2. A autoridade a quem compete decidir
deve exigir que as opiniões técnicas em que baseará sua decisão tratem expressamente:
(i) das normas e critérios científicos e técnicos aplicáveis à matéria, tal como
estabelecidos por organizações e entidades internacional e nacionalmente reconhecidas;
e (ii) da observância dos princípios constitucionais da precaução e da prevenção, sob pena
de se tornarem corresponsáveis por eventuais violações a direitos”.34 O julgado revestiu-
se de caráter fundamental e de relevância histórica ao densificar os parâmetros de
responsabilização dos agentes públicos no trato das mazelas da pandemia com base na
evolução científica e nos princípios da prevenção e da precaução, fato que, à luz da
axiologia constitucional, permite entrever sua força expansiva.

Embora geralmente associado à culpa grave, como visto acima, para parte da doutrina o
erro grosseiro equiparar-se-ia ao dolo, nos termos do tradicional brocardo latino culpa
lata dolo comparabitur, aproximação que se teria reforçado especialmente após processo
de objetivação do dolo,35 consubstanciado no deslocamento do foco da intenção do agente
– elemento psíquico – para sua atitude deliberada e consciente do resultado que pode
acarretar. Para os adeptos da tese, o conceito de dolo, objetivado, consiste “na consciência

34
STF, Tribunal Pleno, MC nas ADIs 6421,6422,6424, 6425, 6427, 6428 e 6431, Rel. Min. Luís Roberto
Barroso, 21.05.2020.
35
“No primeiro caso, ou seja, no tocante à culpa lata, ela é equiparável ao dolo: culpa lata dolo
comparabitur (D. 11, 6, 1, 1), por ser tão vergonhosa quanto esse, nas não menos conhecidas palavras de
Windscheid. É a negligência extrema a que alude o Digesto (D. 50, 16, 213, 2): culpa lata é a mínima
diligência, id est, non intelligere quod omnes intelligunt. Ou, ainda, a culpa aqui decorre de uma falta tão
elementar, conhecida por todos, que vai equiparada ao ato deliberado de má-fé”. (CARRÁ, Bruno Leonardo
Câmara. A doutrina da tripartição da culpa: uma visão contemporânea. In: Revista de Direito Civil
Contemporâneo – RDCC, vol. 13, ano 4, out.-dez. 2017, p. 203).

REVISTA DE DIREITO DA RESPONSABILIDADE – ANO 4 - 2022 500


do agente quanto à efetiva possibilidade de produção do resultado lesivo”. 36 37 E, assim,
traçam uma linha de raciocínio pela qual, como a expressão erro grosseiro refere-se, ao
fim e ao cabo, à culpa grave e esta, por sua vez, equipara-se ao dolo objetivado, poder-
se-ia sustentar que o agente público responderia pessoal e regressivamente perante a
Administração Pública apenas quando atuasse com dolo.

Em reforço argumentativo, invocam ainda a orientação assumida pelo direito positivo


brasileiro com a reforma da Lei de Improbidade Administrativa ocorrida no final de 2021
por meio da Lei nº 14.230/2021, que, alterando drasticamente a normativa anterior,
passou a afirmar que haverá improbidade apenas quando comprovado o dolo na ação ou
omissão do agente público. A título exemplificativo, originalmente o artigo 9º da lei em
questão possuía a seguinte dicção: “Constitui ato de improbidade administrativa
importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial
indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas
entidades mencionadas no art. 1° desta lei”. Com a reforma de 2021, passou a estatuir:
“Constitui ato de improbidade administrativa importando em enriquecimento ilícito
auferir, mediante a prática de ato doloso, qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida
em razão do exercício de cargo, de mandato, de função, de emprego ou de atividade nas
entidades referidas no art. 1º desta Lei”.

36
TEPEDINO, Gustavo; TERRA, Aline de Miranda Valverde; GUEDES, Gisela Sampaio da Cruz.
Fundamentos do direito civil, v. 4. 1ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 107. No mesmo sentido, Caio
Mário da Silva Pereira ensina: “Modernamente, o conceito de dolo alargou-se, convergindo a doutrina no
sentido de caracterizá-lo na conduta antijurídica, sem que o agente tenha o propósito de prejudicar.
Abandonando na noção tradicional do animus nocendi (ânimo de prejudicar), aceitou que a sua tipificação
delimita-se no procedimento danoso, com a consciência do resultado. Para a caracterização do dolo não há
mister perquirir se o agente teve o propósito de causar mal. Basta verificar se ele procedeu consciente de
que o seu comportamento poderia ser lesivo. Se a prova da intenção implica a pesquisa da vontade de causar
o prejuízo, o que normalmente é difícil de se conseguir, a verificação da consciência do resultado pode ser
averiguada na determinação de elementos externos que envolvem a conduta do agente”. (PEREIRA, Caio
Mário da Silva. Responsabilidade civil. 11ª ed. Atualizado por Gustavo Tepedino. Rio de Janeiro: Forense,
2016, pp. 89-90).
37
Há ainda quem sustente, em doutrina, que a culpa grave do direito civil se assemelha ao dolo eventual do
direito penal: “Poderíamos lembrar que quem age com culpa grave, está agindo com a previsibilidade de
causar dano, é o que em Direito Penal se chama de dolo eventual; a pessoa assume o risco de prejudicar
outrem”. (LOPEZ, Teresa Ancona. Principais linhas da responsabilidade civil no direito brasileiro
contemporâneo. In: Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, v. 101, jan-dez. 2006,
p. 129). Em direito penal, conceitua-se dolo eventual da seguinte forma: “Haverá dolo eventual quando o
agente não quiser diretamente a realização do tipo, mas aceitá-la como possível ou até provável, assumindo
o risco da produção do resultado (art. 18, I, in fine, do CP), isto é, não se importando com sua ocorrência.
No dolo eventual o agente prevê o resultado como provável ou, ao menos, como possível, mas, apesar de
prevê-lo, age aceitando o risco de produzi-lo, por considerar mais importante sua ação que o resultado”.
(BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, vol. 1. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.
362).

REVISTA DE DIREITO DA RESPONSABILIDADE – ANO 4 - 2022 501


Em que pese o teor da reforma legislativa supra, fato é que o exercício do direito (ou
dever) de regresso nas hipóteses de responsabilidade civil do Estado não se confunde com
a configuração dos atos de improbidade administrativa e seus efeitos próprios, em sede
de direito administrativo sancionatório. A discussão, em rigor, acaba por extrapolar os
limites da questão da improbidade para alcançar patamar de constitucionalidade, vale
dizer: poderia o legislador ordinário suprimir da regra do regresso as hipóteses de culpa
previstas expressamente no texto constitucional? Parece-nos que não. Não é dado ao
legislador infraconstitucional derrogar regra constitucional. De maneira muito diferente,
insista-se uma vez mais, procedeu o legislador de 2018 ao incluir na LINDB a
denominada cláusula geral de erro administrativo na dicção do artigo 28: aqui, o sentido
e alcance da exclusão limita-se à culpa leve, ao erro simples, a ensejar o pleno exercício
regressivo em face de condutas dolosas ou gravemente equivocadas (erro grosseiro =
culpa grave), daí decorrendo sua plena compatibilidade com o teor da Carta de 1988,
como desenvolvido acima.

Por fim, um último tema a ser abordado acerca da relação interna entre Administração
Pública e seu agente causador de dano a terceiro diz respeito à prescritibilidade da ação
de regresso a ser movida em face deste último. A discussão surge em razão do previsto
no § 5º do artigo 37 da Constituição da República, que prevê que “A lei estabelecerá os
prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que
causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento”, a gerar a
discussão sobre possível imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário.

O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Tema 666 de sua Repercussão Geral, fixou a
regra geral sobre a matéria com a seguinte tese: “É prescritível a ação de reparação de
danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil”.38 Há, porém, exceções, e uma delas
consiste nos atos de improbidade administrativa em que tenha havido dolo do agente
público, conforme restou fixado no julgamento do Tema 897 de sua Repercussão Geral:
“São imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso
tipificado na Lei de Improbidade Administrativa”.39 Em complemento a esse
entendimento, no julgamento do Recurso Extraordinário RE 636.886/AL, de relatoria do

38
STF, Tribunal Pleno, RE 669.069/MG, Rel. Min. Teori Zavascki, julg. 03.02.2016.
39
STF, Tribunal Pleno, RE 852.475/SP, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julg. 08.08.2018.

REVISTA DE DIREITO DA RESPONSABILIDADE – ANO 4 - 2022 502


Min. Alexandre de Moraes e que julgou o Tema 899 da Repercussão Geral, restou
consignado o seguinte na ementa:

Este Supremo Tribunal Federal concluiu que somente são


imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na
prática de ato de improbidade administrativa doloso tipificado na
Lei de Improbidade Administrativa – Lei 8.429/1992 (Tema 897).
Em relação a todos os demais atos ilícitos, inclusive àqueles
atentatórios à probidade da administração não dolosos e aos
anteriores à edição da Lei 8.429/1992, aplica-se o Tema 666, sendo
prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública.40

Finalizado o primeiro eixo de investigação proposto para o presente trabalho


consubstanciado no exame da responsabilidade civil do Estado por atos praticados por
agentes públicos, passa-se ao segundo eixo, que terá por objeto atos de terceiros não
vinculados à Administração Pública que, a depender do caso, poderão afastar o nexo de
causalidade e, consequentemente, a responsabilidade estatal.

3- Fato de terceiro, nexo de causalidade e responsabilidade civil do Estado por atos


omissivos

Uma das mais tormentosas e duradouras discussões em tema de responsabilidade civil do


Estado, calcada no contraste entre o modelo subjetivo (culpa) para a omissão e objetivo
para atos comissivos, teve origem na celeuma em torno da eventual vigência do artigo 15
do Código Civil de 191641 mesmo após a Constituição de 1946, ou se o artigo 194 da
Carta em questão cuidou de disciplinar inteiramente o tema, ab-rogando aquele primeiro
dispositivo.42

Na base do debate, o contraste entre dois modelos de imputação bastante diversos: o


anterior, por falha do serviço; o posterior, por risco administrativo. Doutrina e

40
STF, Tribunal Pleno, RE 636.886/AL, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julg. 20.04.2020.
41
“Art. 15. As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos dos seus
representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou
faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano”.
42
“Art. 194. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis pelos danos que os
seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros.
Parágrafo Único. Caber-lhes-á ação regressiva contra os funcionários causadores do dano, quando tiver
havido culpa dêstes”.

REVISTA DE DIREITO DA RESPONSABILIDADE – ANO 4 - 2022 503


jurisprudência mostravam-se divididas, havendo uma forte e tradicional corrente (que
viria a se tornar majoritária), em que se destaca Celso Antônio Bandeira de Mello,
segundo a qual o referido artigo 15, de índole subjetiva (repita-se), prevaleceria para as
hipóteses de responsabilidade do Estado por ato omissivo, aplicando-se a regra
constitucional, objetiva, apenas para os atos comissivos.

À luz dos dados normativos atuais, isso quer dizer que nos chamados atos comissivos, ou
seja, naqueles em que o Estado atue de forma positiva, aplica-se o artigo 37, §6º, da atual
Constituição, que prevê a teoria objetiva da responsabilização, a prescindir da culpa,
sendo exigida apenas a demonstração do dano – efeito da lesão a interesse juridicamente
tutelado43 – e nexo causal – liame entre a atividade estatal (no caso, conduta comissiva)
e efeito danoso.44 Por outro lado, em casos em que o dano tenha sido ocasionado por
terceiros diante de uma omissão estatal, aplicar-se-ia a regra da responsabilidade
subjetiva, sob a ótica em que é atualmente interpretada, vale dizer, a despeito de serem
aqui exigidos os três tradicionais pressupostos da responsabilidade civil, dano, nexo
causal e culpa, esta última revela-se mitigada, vez que não precisa estar personificada em
um ou mais funcionários determinados, bastando que se comprove a ineficiência culposa
do serviço público em geral, isto é, a culpa anônima.

Abram-se dois breves parênteses neste ponto. O primeiro para o registro de que o Código
Civil de 2002 apresenta, em seu artigo 43, regra acerca da responsabilidade civil do
Estado praticamente idêntica à da Constituição da República e, portanto, com feições
bastante distintas às do revogado artigo 15 do Código de 1916, eliminando esse esteio
legal da teoria da responsabilidade subjetiva dos entes públicos por atos omissivos. O
segundo, no sentido de que o texto constitucional de 1946 pretendeu efetivamente
disciplinar por completo a matéria, não recepcionando, assim, a anterior norma
infraconstitucional prevista no artigo 15 do Código Civil de 1916, o que se extrai da regra
de hermenêutica constante do artigo 2º, §1º, parte final, da Lei de Introdução às Normas
do Direito Brasileiro, segundo a qual a lei posterior revoga a anterior se houver cuidado

43
Para as definições de dano moral e material com base nos efeitos da lesão de direito, bem como das
respectivas técnicas de reparação de acordo com a ordem constitucional, v. MONTEIRO FILHO, Carlos
Edison do Rêgo. De volta à reparação do dano moral: 30 anos de trajetória entre avanços e retrocessos. In:
SCHREIBER, Anderson; MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo; OLIVA, Milena Donato (orgs.).
Problemas de direito civil: homenagem aos 30 anos de cátedra do professor Gustavo Tepedino por seus
orientandos e ex-orientandos. Rio de Janeiro: Forense, 2021, pp. 563-577.
44
TEPEDINO, Gustavo. Notas sobre o nexo de causalidade. In: Revista Trimestral de Direito Civil –
RTDC, vol. 6, pp. 3-19.

REVISTA DE DIREITO DA RESPONSABILIDADE – ANO 4 - 2022 504


inteiramente da matéria, e principalmente do princípio da supremacia da Constituição.45
E, uma vez revogada a regra do artigo 15 desde 1946, não há que se indagar de sua
vigência em confronto com o artigo 37, §6º da Constituição de 1988, pois que não
existindo em regra efeito repristinatório no ordenamento jurídico brasileiro, não houve
ressuscitação da regra infraconstitucional após sua irremediável revogação.46

Nada obstante, para aqueles que defendem que os atos omissivos desafiam
necessariamente a responsabilidade subjetiva, como o citado Celso Antônio Bandeira de
Mello, se o Estado não agiu, não pode ser autor do dano; e, não tendo sido seu autor, só
caberia responsabilizá-lo na hipótese de estar obrigado a impedi-lo. A responsabilidade,
em suma, decorreria do descumprimento do dever legal de obstar o evento lesivo,
geralmente desencadeado por ato de terceiro. Na síntese do próprio autor: “se o Estado,
devendo agir, por imposição legal, não agiu ou o fez deficientemente, comportando-se
abaixo dos padrões legais que normalmente deveriam caracterizá-lo, responde por esta
incúria, negligência ou deficiência, que traduzem um ilícito ensejador do dano não
evitado quando, de direito devia sê-lo”.47

Tal posicionamento foi elaborado ainda sob a égide da Constituição de 1946 por Oswaldo
Aranha Bandeira de Mello, mas ainda hoje é o que congrega o maior número de
seguidores em doutrina e jurisprudência, talvez porque tenha como tônica o expressivo e
convincente argumento de que o Estado não pode ser responsável por tudo o que aconteça,

45
Na ênfase de Luís Roberto Barroso: “nenhum ato jurídico, nenhuma manifestação de vontade pode
subsistir validamente se for incompatível com a Lei Fundamental” (BARROSO, Luís Roberto.
Interpretação e Aplicação da Constituição. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 161).
46
Ainda que assim não fosse, cumpre observar que as Constituições que se sucederam à de 1946 adotaram
essencialmente a mesma regra sobre responsabilidade do Estado. Todas simplificando sobremaneira a lide
a ser enfrentada pela vítima, a qual já não mais precisa demostrar a ocorrência de culpa, ainda que anônima,
na atuação comissiva ou omissiva do Estado. O elemento culpa só irá interessar na relação Administração
versus agente, para efeito de eventual direito de regresso.
Confira-se o teor das Cartas de 1967, 1969 e 1988:
1967: “Art. 105. As pessoas jurídicas de direito público respondem pelos danos que os seus funcionários,
nessa qualidade, causem a terceiros.
Parágrafo Único. Caberá ação regressiva contra o funcionário responsável, nos casos de culpa ou dolo”.
1969: “Art. 107. As pessoas jurídicas de direito público responderão pelos danos que seus funcionários,
nessa qualidade, causarem a terceiros.
Parágrafo Único. Caberá ação regressiva contra o funcionário responsável, nos casos de culpa ou dolo”.
1988: 46 “Art. 37, § 6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços
públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o
direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.
47
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 32ª ed. São Paulo:
Malheiros, 2015, p. 1.042.

REVISTA DE DIREITO DA RESPONSABILIDADE – ANO 4 - 2022 505


o grande segurador de todas as desgraças e infortúnios, argumento este que, na prática,
sensibiliza sobremaneira os aplicadores do Direito.

Em contraposição, a outra corrente que se coloca, de feições bastante distintas, defendia,


já na origem, a total superação da regra infraconstitucional e, consequentemente,
pretendem a adoção exclusiva da teoria objetiva para a responsabilidade civil do Estado,
quer seja em hipóteses de atos omissivos ou comissivos.48 Para Gustavo Tepedino, por
exemplo, “não é dado ao intérprete restringir onde o legislador não restringiu, sobretudo
em se tratando de legislador constituinte – ubi lex non distinguit nec nos distinguere
debemus”. E arremata: “a Constituição Federal, ao introduzir a responsabilidade objetiva
para os atos da administração pública, altera inteiramente a dogmática da
responsabilidade neste campo, com base em outros princípios axiológicos e normativos
(dos quais se destaca o da isonomia e o da justiça distributiva)”.49

A questão se reveste de enorme interesse prático, pois, com frequência, os tribunais se


deparam com ações judiciais em que se discute a responsabilização do Estado em
hipóteses de atos omissivos, normalmente associados a fatos de terceiros, tais como
assaltos, morte de presidiários, danos ocasionados por buracos em vias públicas, ou pela
presença de animais na mesma, bala perdida etc.

E, mais ainda, acaba por contrapor visões antagônicas da essência dos institutos da
responsabilidade civil e suas funções: o modelo clássico, derivado do liberalismo
econômico e do individualismo filosófico, a apontar na direção da regra subjetiva, versus
o modelo contemporâneo, que deita raízes no Estado social e no princípio da
solidariedade, a indicar a solução objetiva.

48
BRAGA NETTO, Felipe. Responsabilidade civil do Estado por omissão: entre mitos e verdades. In:
Migalhas de responsabilidade civil, 24.11.2020. Disponível em:
https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-de-responsabilidade-civil/336797/responsabilidade-civil-
do-estado-por-omissao--entre-mitos-e-verdades . Consultado em 25.02.2022. Calha transcrever a eloquente
passagem do autor: “É fundamental ainda que busquemos, de modo criativo e responsável, soluções que
promovam o diálogo da responsabilidade civil do Estado com a teoria dos direitos fundamentais e com os
conceitos, categorias e institutos mais harmônicos com o século XXI. É fundamental que tenhamos também
estabilidade, isonomia e clareza nos julgados. O direito administrativo do século XXI não pode continuar
a trabalhar com conceitos formulados há mais de um século, com um instrumental que se reporta ao século
XIX. Há certo sabor autoritário nas lições tradicionais do direito administrativo, que costuma ter como
ângulo de análise os poderes do administrador, não os direitos do cidadão. Não por acaso, há autores que
ainda usam a palavra "súdito" para falar em cidadão.”
49
TEPEDINO, Gustavo. A evolução da responsabilidade civil no direito brasileiro e suas controvérsias na
atividade estatal. In: Temas de Direito Civil. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 191.

REVISTA DE DIREITO DA RESPONSABILIDADE – ANO 4 - 2022 506


Desenvolveu-se, mais recentemente, em um ponto intermediário entre as duas concepções
supra, a tese que diferencia a omissão estatal em genérica ou específica, a acarretar,
respectivamente, o regime de responsabilidade subjetiva ou objetiva, conforme o caso. A
esse respeito, são recorrentes os casos de assalto em via pública em que a vítima pleiteia
a responsabilização do Estado. Nessas hipóteses, a jurisprudência mostra-se firme em
reconhecer que a omissão estatal é genérica, pois “para se caracterizar a omissão
específica deve-se provar que o Estado sabia da possibilidade do dano e podia agir para
impedi-lo”. Conforme registram diuturnamente os tribunais, “não há como assegurar que
a presença de agentes policiais no posto policial mencionado pelo recorrente evitaria a
ação dos criminosos, ou garantiria a prisão dos mesmos e a recuperação de seus
pertences”.50

De fato, quanto mais genérica a omissão, mais difícil a comprovação da causalidade entre
a conduta ou atividade administrativa e o dano. Ademais, não parece exata a noção de
que, ao se dispensar a prova do elemento culpa, o Estado se tornaria, ipso facto, o
segurador universal de todos os danos. Em rigor, a necessidade de comprovação do nexo
de causalidade funciona como elemento de contenção. As causas excludentes de
responsabilidade, em hipóteses de fato exclusivo da vítima, fato de terceiro, força maior
ou caso fortuito, estabelecem o ponto de equilíbrio que afasta o risco de o Estado se
transformar em um garante de tudo e de todos, em uma indesejada panresponsabilização.
A denominada teoria intermediária, a rigor, ao apresentar como requisito a omissão
específica do Estado para responsabilizá-lo, parece, na realidade, querer dizer que a
omissão esteja direta e imediatamente ligada ao efeito lesivo, a demonstrar, com isso, a
presença de nexo de causalidade entre referida omissão e o dano gerado.51 Então, quanto
mais específica a omissão, ou o dever de evitar o dano, mais a omissão estatal será

50
TJRJ, 16ª CC, Apelação 0007329-43.2015.8.19.0031, Rel. Des. Lindolpho Morais Marinho, julg.
02.02.2021.
51
Nessa linha observa Juarez Freitas: “bem de ver, desnecessário provar, em situações desse jaez, culpa ou
dolo dos agentes e cumpre ao Poder Público desfazer o nexo causal, tudo de acordo com a teoria do risco
administrativo, redimensionada dialeticamente, sob o prisma da proporcionalidade”. (FREITAS, Juarez. A
responsabilidade extracontratual do Estado e o princípio da proporcionalidade: vedação de excesso e de
omissão. In: Revista de direito administrativo, vol. 241, jul./set. 2005, p. 35). Destaca-se, ainda, a
expressiva lição de Cristiano Farias, Nelson Rosenvald e Felipe Braga Netto, segundo os quais: “Diminuem
os espaços da omissão estatal legítima. Aumentam os deveres estatais de ação – não qualquer ação, mas
uma ação eficiente, proporcional, cuidados. Omissões que nos séculos passados não responsabilizariam o
Estado, progressivamente, no século atual, passarão a responsabilizá-lo” (FARIAS, Cristiano;
ROSENVALD, Nelson; BRAGA NETTO, Felipe. Curso de direito civil: responsabilidade civil, volume 3.
São Paulo: Atlas, 2015, p. 606).

REVISTA DE DIREITO DA RESPONSABILIDADE – ANO 4 - 2022 507


relevante juridicamente. Confira-se, em sequência, o que se pode depreender dos debates
no âmbito dos tribunais superiores.

3.1 – Divergências nos tribunais superiores

O Supremo Tribunal Federal, por muito tempo, não apresentou solução uniforme para o
problema da omissão, apresentando acórdãos em ambos os sentidos (imputação objetiva
e subjetiva), podendo-se delinear a existência de franca divergência entre suas Turmas,
em torno da virada do século XX para o XXI.

Naquela altura, a Primeira Turma do STF decidia inúmeras vezes no sentido da adoção
irrestrita da responsabilidade objetiva do Estado em casos de omissão, conforme se pode
observar nos Recursos Extraordinários nºs 109.615-2/RJ (Rel. Min. Celso de Mello,
julgado em 28/05/1996, votação unânime) e 170.014-9/SP (Rel. Min. Ilmar Galvão,
julgado em 31/10/1997, votação unânime).52

Por outro lado, a Segunda Turma do Egrégio Tribunal apresentava acórdãos nos quais se
percebem, à primeira vista, argumentos que se inclinam na direção da tese objetivista,
mas que, ao cabo da análise, dão guarida à teoria subjetiva em sua plenitude. Neste
sentido, é oportuno mencionar os Recursos Extraordinários nºs 180.602-8/SP (Rel. Min.
Marco Aurélio, julgado em 15/12/1998, votação unânime) e 179.147-1/SP (Rel. Min.
Carlos Velloso, julgado em 12/12/1997, votação unânime).53

52
Por ilustrativa do entendimento esposado pela Colenda Turma, convém reproduzir excerto da ementa do
RE nº 109.615-2/RJ: “A teoria do risco administrativo, consagrada em sucessivos documentos
constitucionais brasileiros desde a Carta Política de 1946, confere fundamento doutrinário à
responsabilidade civil objetiva do Poder Público pelos danos a que os agentes públicos houverem dado
causa, por ação ou omissão. Essa concepção teórica, que informa o princípio constitucional da
responsabilidade civil objetiva do Poder Público, faz emergir, da mera ocorrência de ato lesivo causado à
vítima pelo Estado, o dever de indenizá-la pelo dano pessoal e/ou patrimonial sofrido, independentemente
de caracterização de culpa dos agentes estatais ou de demonstração de falta do serviço público. (...)
O princípio da responsabilidade objetiva não se reveste de caráter absoluto, eis que admite o abrandamento
e, até mesmo, a exclusão da própria responsabilidade civil do Estado, nas hipóteses excepcionais
configuradoras de situações liberatórias – como o caso fortuito e a força maior – ou evidenciadoras de
ocorrência de culpa atribuível à própria vítima (RDA 137/233 – RTJ 55/50)”.
53
No voto do Ministro Marco Aurélio, relator do primeiro acórdão (RE nº 180.602-8/SP), lê-se o seguinte:
De início, depreende-se do preceito constitucional que os vícios na manifestação de vontade, revelados por
dolo ou culpa, dizem respeito apenas ao direito de regresso. Em si, o Estado responde de forma objetiva.
Daí a impropriedade do acórdão recorrido na parte em que se consignou: ‘não ficou demonstrada a
existência de culpa por parte do poder público...’ (folha 182). Na espécie, o Recorrente, trafegando pela via
pública, chocou-se com um semovente. (...) A hipótese é, iniludivelmente, reveladora da deficiência de um
serviço público, valendo notar que a responsabilidade não foca restrita a certo espaço do dia, a certo horário
de funcionamento burocrático da entidade pública (original sem grifos).

REVISTA DE DIREITO DA RESPONSABILIDADE – ANO 4 - 2022 508


Mais explícito, o Ministro Carlos Velloso, também da Segunda Turma, não deixava
dúvidas quanto ao acolhimento da doutrina da culpa administrativa – ou da
responsabilidade pela falta do serviço, desenvolvida pelo Conselho de Estado, na França
– conforme e verifica na ementa do RE nº 179.147-1/SP, de que vale reproduzir breve
trecho da ementa:

III. Tratando-se de ato omissivo do poder público, a


responsabilidade civil por tal ato é subjetiva, pelo que exige dolo
ou culpa, numa de suas três vertentes, negligência, imperícia ou
imprudência, não sendo, entretanto, necessário individualizá-la,
dado que atribuída ao serviço público, de forma genérica, a faute
de service dos franceses.

O acórdão em comento debruça-se sobre fato lamentavelmente não raro no cotidiano


brasileiro: a morte de detento por seus companheiros. Na espécie, temendo por sua
incolumidade, a vítima solicitou sua transferência para uma “cela segura”, destinada a
detentos que corriam risco de vida ou de agressões graves. E, conforme o decisum então
recorrido dá notícia: “A Administração atendeu o pedido da vítima. Mas a cela nada tinha
de segura, como os fatos logo vieram a demonstrar”. O voto do Ministro Relator concluiu
que o Estado de São Paulo “no caso, deve responder pelo preso em ‘cela segura’, diante
da ameaça que existia contra a vítima e que lhe foi transmitida. O poder público foi,
portanto, negligente, modalidade de culpa, a faute de service dos franceses”.

A mencionada doutrina da responsabilidade pela falta do serviço encontra lastro nas


lições de diversos administrativistas, dentre eles: Celso Antônio Bandeira de Mello (já
citado), Lúcia Valle Figueiredo e Maria Sylvia Di Pietro.54

O mesmo entendimento se depreende da ementa do Recurso Extraordinário nº 140.270-9/MG, também da


Segunda Turma, julgado em 15/04/1996, e igualmente de relatoria do Ministro Marco Aurélio:
RESPONSABILIDADE CIVIL – ESTADO – MORTE DE POLICIAL MILITAR – ATO OMISSIVO
VERSUS ATO COMISSIVO. Se de um lado, e se tratando de ato omissivo do Estado, deve o prejudicado
demonstrar a culpa ou dolo, de outro, versando a controvérsia sobre ato comissivo – liberação, via laudo
médico, do servidor militar, para a feitura de curso e prestação de serviços – incide a responsabilidade
objetiva.
54
Acrescente-se que, no mesmo sentido, é o magistério de GAPARINI, Diógenes. Direito Administrativo.
6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001 p. 836; CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito
Administrativo. 30ª ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 597; e DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil
Brasileiro, vol. 7 – Responsabilidade Civil. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 530. Favoráveis à adoção
da responsabilidade objetiva para atos omissivos são as posições de CAVALIERI FILHO, Sergio.
Programa de Responsabilidade Civil. 11ª ed. 2014, São Paulo: Atlas, p. 297; e CASTRO, Guilherme Couto
de. A Responsabilidade Civil Objetiva no Direito Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 37.

REVISTA DE DIREITO DA RESPONSABILIDADE – ANO 4 - 2022 509


Com a passagem do tempo, e o amadurecimento dos debates, acórdãos mais recentes do
Supremo Tribunal Federal inclinaram-se para a tese segundo a qual a omissão estatal pode
ser dividida em “genérica” e “específica”, atribuindo-lhes consequências diversas.55
Apenas quando restar demonstrada omissão específica é que pode haver
responsabilização do Estado. Nesses termos foi julgado o Recurso Extraordinário
841.526/RS, que analisou o Tema 592 da Repercussão Geral do STF, com relatoria do
Ministro Luiz Fux e no qual restou fixada a seguinte tese: “Em caso de inobservância do
seu dever específico de proteção previsto no art. 5°, inciso XLIX, da Constituição Federal,
o Estado é responsável pela morte de detento”.56

Interessante mesmo notar o avanço argumentativo dos julgados do Tribunal acerca da


matéria. Como visto acima, a justificativa fundava-se, inicialmente, na falta do serviço
ou na presença de dolo ou culpa da Administração Pública, a caracterizar
responsabilização subjetiva. A partir do julgamento supramencionado, no entanto, o
Tribunal voltou-se à aplicação da teoria do risco administrativo tanto para ações quanto
omissões do Estado. Isso, por óbvio, não afasta a necessidade de comprovação de efetiva
omissão do ente público e do nexo de causalidade entre tal omissão e o efeito lesivo, o
que, nos termos colocados na tese fixada, traduz-se como “inobservância de dever
específico”. Veja-se o seguinte extrato da ementa do acórdão em questão:

1. A responsabilidade civil estatal, segundo a Constituição Federal


de 1988, em seu artigo 37, § 6º, subsume-se à teoria do risco
administrativo, tanto para as condutas estatais comissivas quanto
paras as omissivas, posto rejeitada a teoria do risco integral. 2. A
omissão do Estado reclama nexo de causalidade em relação ao
dano sofrido pela vítima nos casos em que o Poder Público ostenta
o dever legal e a efetiva possibilidade de agir para impedir o
resultado danoso. (...)7. A responsabilidade civil estatal resta
conjurada nas hipóteses em que o Poder Público comprova causa

55
No direito português, Mafalda Miranda Barbosa faz as seguintes ponderações sobre a responsabilidade
do Estado por atos omissivos e que se aproximam do conceito de omissão específica utilizada no direito
brasileiro: “Se o caráter negativo da ação – aqui vista como omissão – não é perturbador para o jurista, quer
pela equiparação valorativa entre o facere e o omittere, quer porque a omissão de deveres no âmbito da
supervisão pode ser vista como um deficiente cumprimento da atividade de supervisão, colocam-se, ao
invés, interessantes questões, neste quadro, ao nível da imputação objetiva. (...)haveremos de considerar a
edificação de uma esfera de responsabilidade pelo regulador. Esta é delineada a partir da preterição dos
deveres de supervisão e para ela serão reconduzidos, em princípio, todos os danos que se integrem no
âmbito de proteção de tais deveres, ou seja, teremos de ver quais os interesses que com eles se procuravam
proteger e que danos se pretendiam obviar. Se o dano experimentado for um desses cuja obliteração o dever
pretendia alcançar, então, afirma-se a imputação”. (BARBOSA, Mafalda Miranda. A causalidade na
responsabilidade civil do Estado. In: Revista de direito da responsabilidade, a. 2, 2020, p. 436).
56
STF, Tribunal Pleno, RE 841.526/RS, Rel. Min. Luiz Fux, julg. 30.03.2016.

REVISTA DE DIREITO DA RESPONSABILIDADE – ANO 4 - 2022 510


impeditiva da sua atuação protetiva do detento, rompendo o nexo
de causalidade da sua omissão com o resultado danoso.

Nos mesmos termos fixou-se a tese referente ao Tema 366 da Repercussão Geral do
tribunal, analisado no Recurso Extraordinário 136.861/SP: “Para que fique caracterizada
a responsabilidade civil do Estado por danos decorrentes do comércio de fogos de
artifício, é necessário que exista a violação de um dever jurídico específico de agir, que
ocorrerá quando for concedida a licença para funcionamento sem as cautelas legais ou
quando for de conhecimento do poder público eventuais irregularidades praticadas pelo
particular”.57

Ainda mais recentemente, o Supremo Tribunal Federal julgou o RE 608.880/MT,


referente ao Tema 362 de sua Repercussão Geral, que tratava da responsabilidade civil
do Estado pelos danos decorrentes do cometimento de crimes por detentos evadidos do
sistema prisional. Na ocasião, fixou-se a seguinte tese: “Nos termos do artigo 37, § 6º, da
Constituição Federal, não se caracteriza a responsabilidade civil objetiva do Estado por
danos decorrentes de crime praticado por pessoa foragida do sistema prisional, quando
não demonstrado o nexo causal direto entre o momento da fuga e a conduta praticada”.58

É enorme a relevância desse julgado na trajetória da discussão doutrinária e


jurisprudencial acerca da responsabilidade do Estado por atos omissivos, pois, na ementa
do acordão, afirma-se expressamente que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
“entende ser objetiva a responsabilidade civil decorrente de omissão, seja das pessoas
jurídicas de direito público ou das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de
serviço público”. Veja-se:

EMENTA. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO.


RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ART. 37, § 6º, DA
CONSTITUIÇÃO. PESSOA CONDENADA
CRIMINALMENTE, FORAGIDA DO SISTEMA PRISIONAL.
DANO CAUSADO A TERCEIROS. INEXISTÊNCIA DE NEXO
CAUSAL ENTRE O ATO DA FUGA E A CONDUTA DANOSA.
AUSÊNCIA DE DEVER DE INDENIZAR DO ESTADO.
PROVIMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 1. A
responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público e das
pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público

57
STF, Tribunal Pleno, RE 136.861/SP, Rel.p/ acórdão Min. Alexandre de Moraes, julg. 11.03.2020.
58
STF, Tribunal Pleno, RE 608.880/MT, Rel.p/ acórdão Min. Alexandre de Moraes, julg. 08.09.2020.

REVISTA DE DIREITO DA RESPONSABILIDADE – ANO 4 - 2022 511


baseia-se no risco administrativo, sendo objetiva, exige os
seguintes requisitos: ocorrência do dano; ação ou omissão
administrativa; existência de nexo causal entre o dano e a ação ou
omissão administrativa e ausência de causa excludente da
responsabilidade estatal. 2. A jurisprudência desta CORTE,
inclusive, entende ser objetiva a responsabilidade civil decorrente
de omissão, seja das pessoas jurídicas de direito público ou das
pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público.
3. Entretanto, o princípio da responsabilidade objetiva não se
reveste de caráter absoluto, eis que admite o abrandamento e, até
mesmo, a exclusão da própria responsabilidade civil do Estado, nas
hipóteses excepcionais configuradoras de situações liberatórias
como o caso fortuito e a força maior ou evidências de ocorrência
de culpa atribuível à própria vítima. 4. A fuga de presidiário e o
cometimento de crime, sem qualquer relação lógica com sua
evasão, extirpa o elemento normativo, segundo o qual a
responsabilidade civil só se estabelece em relação aos efeitos
diretos e imediatos causados pela conduta do agente. Nesse
cenário, em que não há causalidade direta para fins de atribuição
de responsabilidade civil extracontratual do Poder Público, não se
apresentam os requisitos necessários para a imputação da
responsabilidade objetiva prevista na Constituição Federal - em
especial, como já citado, por ausência do nexo causal. 5. Recurso
Extraordinário a que se dá provimento para julgar improcedentes
os pedidos iniciais. Tema 362, fixada a seguinte tese de repercussão
geral: “Nos termos do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, não
se caracteriza a responsabilidade civil objetiva do Estado por danos
decorrentes de crime praticado por pessoa foragida do sistema
prisional, quando não demonstrado o nexo causal direto entre o
momento da fuga e a conduta praticada”.

Como se nota, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal na matéria avançou


sobremaneira nos últimos anos, desde a divergência existente entre as Turmas a respeito
da responsabilidade objetiva ou subjetiva dos atos estatais omissivos até a afirmação atual
de que a Corte reconhece a natureza objetiva da responsabilidade da Administração
Pública mesmo para casos de omissão – o que não significa que o Estado se responsabilize
por todo e qualquer dano ocorrido, já que não se trata de responsabilidade por risco
integral.59 Há, assim, a necessidade de comprovação dos elementos da responsabilidade

59
Sustenta-se, em doutrina, que a responsabilidade civil do Estado por risco integral teria lugar, no direito
brasileiro, apenas em casos de acidentes nucleares, na linha do que dispõe o artigo 21, XXIII, d da
Constituição da República. Sobre o tema, ver ARAGÃO, Alexandre Santos de. A responsabilidade civil e
ambiental em atividades nucleares. In: Revista de Direito Administrativo, vol. 271, jan./abr. 2016, pp. 70-
78.

REVISTA DE DIREITO DA RESPONSABILIDADE – ANO 4 - 2022 512


civil objetiva, quais sejam, a omissão estatal, a ocorrência do dano e, muito
especialmente, o nexo de causalidade entre um e outro (risco administrativo).

No que toca à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, no entanto, a discussão se


põe sob outros termos. Isso porque, conforme se observa, o entendimento de que a
responsabilidade do Estado por atos omissivos tem natureza subjetiva parece arraigado
praticamente na totalidade de seus julgados. Ilustrativo dessa situação é o julgamento,
pela Segunda Turma, do Recurso Especial 1.869.046/SP,60 no qual o apego ao referido
entendimento mostra-se tamanho que, no esforço de dar solução justa a determinado caso
prático e, para isso, poder aplicar o regime objetivo à responsabilização da Administração
Pública por ato omissivo, recorreu-se ao artigo 927, parágrafo único, do Código Civil ao
argumento de que, na hipótese, estava-se diante de atividade de risco anormal. Confira-
se o seguinte extrato da ementa:

Falecimento de advogado nas dependências do fórum. Morte


causada por disparos de arma de fogo efetuados por réu em ação
criminal. Omissão estatal em atividade de risco anormal. (...) 3. A
regra geral do ordenamento brasileiro é de responsabilidade civil
objetiva por ato comissivo do Estado e de responsabilidade
subjetiva por comportamento omissivo. Contudo, em situações
excepcionais de risco anormal da atividade habitualmente
desenvolvida, a responsabilização estatal na omissão também se
faz independentemente de culpa. 4. Aplica-se igualmente ao Estado
a prescrição do art. 927, parágrafo único, do Código Civil, de
responsabilidade civil objetiva por atividade naturalmente
perigosa, irrelevante seja a conduta comissiva ou omissiva. 6.
Ademais, também presente o nexo causal, apto a determinar a
responsabilização do Poder Público no caso concreto. Se não fosse
por sua conduta omissiva, tendo deixado de agir com providências
necessárias a garantir a segurança dos magistrados, autoridades,
servidores e usuários da Justiça no Fórum Estadual, o evento
danoso não teria ocorrido. É certo ainda que a exigência de atuação
nesse sentido - de forma a impedir ou, pelo menos, dificultar que
réu em Ação Penal comparecesse à audiência portando arma de
fogo – não está, de forma alguma, acima do razoável.

Conquanto se perceba com facilidade os contornos da divergência conceitual-normativa


entre a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal,
pode-se entrever traço comum no sentido da tentativa de garantir a reparação integral da

60
STJ, 2ª T., REsp 1.869.046/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julg. 09.06.2020.

REVISTA DE DIREITO DA RESPONSABILIDADE – ANO 4 - 2022 513


vítima, sem atribuir panresponsabilidade aos entes públicos, e, nesse sentido, torna-se
fundamental o papel do nexo de causalidade na qualificação das excludentes invocadas –
fato de terceiro, ou da vítima, força maior etc. Sem embargo, e, para além dos dissídios
retratados no presente texto, conclui-se este ensaio, cruzando as fronteiras temáticas
demarcadas, sob a luz das funções preventiva e precaucional da responsabilidade civil,
com a sinalização de que ao Estado não basta adotar conduta de não causar danos; antes,
e mais do que isso, importa atuar positivamente no sentido da proteção dos direitos
fundamentais, diante do reconhecimento da preeminência das situações existenciais sobre
as patrimoniais, para a adoção de políticas públicas e medidas preventivas que sirvam de
instrumento a evitar a consumação de lesões irreparáveis.

REVISTA DE DIREITO DA RESPONSABILIDADE – ANO 4 - 2022 514

Você também pode gostar