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 RESP.

CIVIL NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO

Segundo o Professor Celso Antônio Bandeira de Mello,


A Constituição Federal de 1988, no art. 37, § 6º, estabelece:
“As pessoas jurídicas de Direito Público e as de Direito Privado
prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que
seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado
o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou
culpa”.
O dispositivo constitucional em comento trouxe como inovação a ampliação da
responsabilidade civil objetiva do Estado, que passou a alcançar também as
pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos (o que inclui
as empresas públicas, sociedades de economia mista, fundações governamentais de
direito privado, bem como qualquer pessoa jurídica de direito privado, desde que recebam
delegação do Poder Público, a qualquer título, para prestação de serviços públicos).
O Código Civil de 2002, que, em seu art. 43, reproduz a mesma orientação contida na
Constituição Federal de 1988, omitindo, contudo, a referência à responsabilidade das
pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público. A omissão, no
entanto, não impede a responsabilização objetiva dessas pessoas jurídicas, uma vez que
está prevista no texto constitucional.
A regra da responsabilidade civil objetiva não se aplica aos atos das empresas
públicas e das sociedades de economia mista exploradoras de atividade econômica
em sentido estrito, uma vez que o art. 173, § 1º, da CF/1988 impõe que elas sejam
regidas pelas mesmas normas aplicáveis às empresas privadas. Por consequência, tais
entidades estão sujeitas à responsabilidade subjetiva, sendo regidas pelas normas
comuns de Direito Civil.
A responsabilidade objetiva do Estado, conforme previsto na CF/1988, deve seguir a
teoria do risco administrativo (conduta + nexo causal + dano). A teoria do risco
integral nunca foi acolhida como regra em quaisquer das Constituições brasileiras.
Não obstante, foram inseridas no ordenamento jurídico brasileiro algumas hipóteses
específicas em que parcela da doutrina enxerga a aplicação da teoria do risco
integral. É o que ocorre nos casos de danos causados por acidentes nucleares (CF, art.
21, XXIII, “d”, disciplinado pela Lei 6.453/1977) e danos decorrentes de atentados
terroristas ou atos de guerra contra aeronaves de empresas aéreas brasileiras (Leis
10.309/2001 e 10.744/2003).
A teoria do risco integral consiste em uma exacerbação da responsabilidade civil
objetiva da administração pública. Segundo essa teoria, basta a existência do evento
danoso e do nexo causai para que surja a obrigação de indenizar para o Estado, sem a
possibilidade de que este alegue excludentes de sua responsabilidade.
OBS: Nos casos de danos ambientais, a doutrina e a jurisprudência reconhecem ter sido
adotada no Brasil a responsabilidade civil baseada no risco integral. E o conceito de “risco
integral” que empregam e praticamente o mesmo que expusemos acima: obrigação de
reparar o dano decorrente da atividade, sem possibilidade de alegação de
excludentes. E importante frisar, todavia, que o “risco integral” que caracteriza a
responsabilidade por danos ambientais aplica-se de forma absolutamente igual para
todos, sem peculiaridades no que toca aos danos ocasionados pela administração
pública. Por isso, não se trata de matéria estudada no direito administrativo, e sim na
seara do direito ambiental.

 A RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO

Elementos: conduta oficial (ação administrativa), dano (material, moral ou estético) e nexo
causal (comprovação de que o dano foi causado pela conduta oficial).
A teoria da responsabilidade objetiva do Estado adotada no ordenamento jurídico
brasileiro, como regra, insere-se na modalidade do risco administrativo, ou seja, a
responsabilidade é objetiva, mas o Estado pode deixar de responder ou ter a
responsabilidade diminuída se estiverem presentes as excludentes ou atenuantes da
responsabilidade: força maior, caso fortuito, culpa de terceiro ou culpa da vítima.
Além do exposto anteriormente, merecem ser destacados os seguintes aspectos acerca
da responsabilidade civil objetiva do Estado:
(1º) O fundamento justificador da responsabilidade objetiva do Estado é o princípio
da repartição igualitária dos ônus e encargos sociais.
Segundo a Professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, a responsabilidade objetiva do
Estado baseia-se no princípio da igualdade de todos perante os encargos sociais e
encontra suas raízes na Declaração de Direitos do Homem, de 1789. Nas palavras da
ilustre professora, “o princípio significa que, assim como os benefícios decorrentes da
atuação estatal repartem-se por todos, também os prejuízos sofridos por alguns membros
da sociedade devem ser repartidos. Quando uma pessoa sofre um ônus maior do que o
suportado pelas demais, rompe-se o equilíbrio que necessariamente deve haver entre os
encargos sociais; para restabelecer esse equilíbrio, o Estado deve indenizar o
prejudicado, utilizando recursos do erário”.
Ex. hipótese em que o poder público municipal construa um viaduto e essa obra
prejudique o acesso de carros a um posto de gasolina. Nesse caso, toda a comunidade
será beneficiada, pois o trânsito de veículos ficará mais rápido. Contudo, o mesmo não
pode ser dito em relação ao proprietário do posto de gasolina, que terá suas atividades
prejudicadas. Assim, para que o dono do posto de gasolina não sofra um ônus maior que
o suportado pelas demais pessoas, é que o Estado se obriga a indenizá-lo,
restabelecendo o equilíbrio.
Nesse sentido, o STF:
CONSTITUCIONAL. CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO
ESTADO. C.F., 1967, art. 107. C.F./88, art. 37, par-6.. I. A
responsabilidade civil do Estado, responsabilidade objetiva, com
base no risco administrativo, que admite pesquisa em torno da culpa
do particular, para o fim de abrandar ou mesmo excluir a
responsabilidade estatal, ocorre, em síntese, diante dos seguintes
requisitos: a) do dano; b) da ação administrativa; c) e desde que haja
nexo causal entre o dano e a ação administrativa. A consideração
no sentido da licitude da ação administrativa e irrelevante, pois
o que interessa, e isto: sofrendo o particular um prejuízo, em
razão da atuação estatal, regular ou irregular, no interesse da
coletividade, e devida a indenização, que se assenta no
princípio da igualdade dos ônus e encargos sociais. II. Ação de
indenização movida por particular contra o Município, em virtude dos
prejuizos decorrentes da construção de viaduto. Procedencia da
ação. III. R.E. conhecido e provido. (RE 113587, Relator(a):
CARLOS VELLOSO, Segunda Turma, julgado em 18/02/1992, DJ
03-04-1992 PP-04292 EMENT VOL-01656-02 PP-00382 RTJ VOL-
00140-02 PP-00636)

(2º) A responsabilidade objetiva do Estado abrange os danos resultantes de atos


lícitos (regulares ou legais) e ilícitos (irregulares ou ilegais).
Justamente em função do princípio de que os ônus e encargos sociais devem ser
repartidos igualmente por todos é que o Estado também indeniza os danos decorrentes
de atos lícitos. No exemplo anterior, pode-se dizer que a construção do viaduto foi um ato
lícito, mas, como provocou dano a terceiro, gerou a obrigação do Estado de indenizá-lo.
Portanto, para efeito da responsabilidade civil objetiva do Estado, não importa se a
conduta do agente público foi lícita ou ilícita, basta apenas que esta provoque um dano a
uma terceira pessoa, hipótese em que o Estado será responsabilizado.
OBS: tendo em vista a teoria do órgão, segundo a qual os órgãos são desprovidos de
vontade, não exercendo direitos nem contraindo obrigações em nome próprio, mas sim
em nome das pessoas que integram, não há que se cogitar de surgimento do dever de
indenizar entre órgãos da mesma pessoa jurídica.
A título de exemplo, se um veículo a serviço da Assembleia Legislativa do Estado de São
Paulo derruba o muro de uma escola pública ligada à Secretaria do mesmo Estado, não
há responsabilização civil objetiva da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo,
pois, se imaginássemos uma indenização, confundir-se-iam na mesma pessoa (Estado de
São Paulo) credor e devedor.
(3º) Nos casos de omissões impróprias do Poder Público, não é possível a
aplicação da teoria da responsabilidade objetiva.
Doutrina e jurisprudência têm entendido que a responsabilidade civil por omissão é
objetiva quando a norma impõe ao agente um dever específico de agir para evitar o
evento danoso, o que faz com que a omissão configure violação a tal dever. Tais
condutas negativas são consideradas “omissões próprias”, sendo juridicamente tratadas
de forma idêntica às ações (são atos comissivos por omissão).
Tese de repercussão geral fixada pelo Supremo Tribunal Federal no sentido de que, “em
caso de inobservância do seu dever específico de proteção previsto no artigo 5º, inciso
XLIX, da Constituição Federal, o Estado é responsável pela morte do detento” (RE
841.526/RS).
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO
GERAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR MORTE
DE DETENTO. ARTIGOS 5º, XLIX, E 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL.
1. A responsabilidade civil estatal, segundo a Constituição Federal
de 1988, em seu artigo 37, § 6º, subsume-se à teoria do risco
administrativo, tanto para as condutas estatais comissivas quanto
paras as omissivas, posto rejeitada a teoria do risco integral. 2. A
omissão do Estado reclama nexo de causalidade em relação ao
dano sofrido pela vítima nos casos em que o Poder Público
ostenta o dever legal e a efetiva possibilidade de agir para
impedir o resultado danoso. 3. É dever do Estado e direito
subjetivo do preso que a execução da pena se dê de forma
humanizada, garantindo-se os direitos fundamentais do detento, e o
de ter preservada a sua incolumidade física e moral (artigo 5º, inciso
XLIX, da Constituição Federal). 4. O dever constitucional de
proteção ao detento somente se considera violado quando possível
a atuação estatal no sentido de garantir os seus direitos
fundamentais, pressuposto inafastável para a configuração da
responsabilidade civil objetiva estatal, na forma do artigo 37, § 6º, da
Constituição Federal. 5. Ad impossibilia nemo tenetur, por isso que
nos casos em que não é possível ao Estado agir para evitar a morte
do detento (que ocorreria mesmo que o preso estivesse em
liberdade), rompe-se o nexo de causalidade, afastando-se a
responsabilidade do Poder Público, sob pena de adotar-se contra
legem e a opinio doctorum a teoria do risco integral, ao arrepio do
texto constitucional. 6. A morte do detento pode ocorrer por várias
causas, como, v. g., homicídio, suicídio, acidente ou morte natural,
sendo que nem sempre será possível ao Estado evitá-la, por mais
que adote as precauções exigíveis. 7. A responsabilidade civil
estatal resta conjurada nas hipóteses em que o Poder Público
comprova causa impeditiva da sua atuação protetiva do detento,
rompendo o nexo de causalidade da sua omissão com o resultado
danoso. 8. Repercussão geral constitucional que assenta a tese de
que: em caso de inobservância do seu dever específico de proteção
previsto no artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal, o Estado
é responsável pela morte do detento. 9. In casu, o tribunal a quo
assentou que inocorreu a comprovação do suicídio do detento, nem
outra causa capaz de romper o nexo de causalidade da sua omissão
com o óbito ocorrido, restando escorreita a decisão impositiva de
responsabilidade civil estatal. 10. Recurso extraordinário
DESPROVIDO. (RE 841526, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno,
julgado em 30/03/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO
GERAL - MÉRITO DJe-159 DIVULG 29-07-2016 PUBLIC 01-08-
2016)
RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO PODER PÚBLICO -
ELEMENTOS ESTRUTURAIS - PRESSUPOSTOS
LEGITIMADORES DA INCIDÊNCIA DO ART. 37, § 6º, DA
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA - TEORIA DO RISCO
ADMINISTRATIVO - INFECÇÃO POR CITOMEGALOVÍRUS - FATO
DANOSO PARA O OFENDIDO (MENOR IMPÚBERE)
RESULTANTE DA EXPOSIÇÃO DE SUA MÃE, QUANDO
GESTANTE, A AGENTES INFECCIOSOS, POR EFEITO DO
DESEMPENHO, POR ELA, DE ATIVIDADES DESENVOLVIDAS EM
HOSPITAL PÚBLICO, A SERVIÇO DA ADMINISTRAÇÃO ESTATAL
- PRESTAÇÃO DEFICIENTE, PELO DISTRITO FEDERAL, DE
ACOMPANHAMENTO PRÉ-NATAL - PARTO TARDIO - SÍNDROME
DE WEST - DANOS MORAIS E MATERIAIS - RESSARCIBILIDADE
- DOUTRINA - JURISPRUDÊNCIA - RECURSO DE AGRAVO
IMPROVIDO. - Os elementos que compõem a estrutura e delineiam
o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público
compreendem (a) a alteridade do dano, (b) a causalidade material
entre o "eventus damni" e o comportamento positivo (ação) ou
negativo (omissão) do agente público, (c) a oficialidade da atividade
causal e lesiva imputável a agente do Poder Público que tenha,
nessa específica condição, incidido em conduta comissiva ou
omissiva, independentemente da licitude, ou não, do comportamento
funcional e (d) a ausência de causa excludente da responsabilidade
estatal. Precedentes. A omissão do Poder Público, quando lesiva
aos direitos de qualquer pessoa, induz à responsabilidade civil
objetiva do Estado, desde que presentes os pressupostos
primários que lhe determinam a obrigação de indenizar os
prejuízos que os seus agentes, nessa condição, hajam causado
a terceiros. Doutrina. Precedentes. - A jurisprudência dos Tribunais
em geral tem reconhecido a responsabilidade civil objetiva do Poder
Público nas hipóteses em que o "eventus damni" ocorra em
hospitais públicos (ou mantidos pelo Estado), ou derive de
tratamento médico inadequado, ministrado por funcionário
público, ou, então, resulte de conduta positiva (ação) ou
negativa (omissão) imputável a servidor público com atuação
na área médica. - Servidora pública gestante, que, no desempenho
de suas atividades laborais, foi exposta à contaminação pelo
citomegalovírus, em decorrência de suas funções, que consistiam,
essencialmente, no transporte de material potencialmente infecto-
contagioso (sangue e urina de recém-nascidos). - Filho recém-
nascido acometido da "Síndrome de West", apresentando um
quadro de paralisia cerebral, cegueira, tetraplegia, epilepsia e
malformação encefálica, decorrente de infecção por citomegalovírus
contraída por sua mãe, durante o período de gestação, no exercício
de suas atribuições no berçário de hospital público. - Configuração
de todos os pressupostos primários determinadores do
reconhecimento da responsabilidade civil objetiva do Poder
Público, o que faz emergir o dever de indenização pelo dano
pessoal e/ou patrimonial sofrido. (RE 495740 AgR, Relator(a):
CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 15/04/2008, DJe-
152 DIVULG 13-08-2009 PUBLIC 14-08-2009 EMENT VOL-02369-
07 PP-01432 RTJ VOL-00214-01 PP-00516)
Diante do exposto, é forçoso concluir que o caráter subjetivo da responsabilidade civil
do Estado somente existe nos casos de omissões impróprias, nas quais o dever
estatal de agir é genérico.
Sobre o tema, ver artigo: https://blog.ebeji.com.br/o-stf-e-a-responsabilidade-por-omissao-
do-estado-objetiva-ou-subjetiva/
(4º) Para que o Estado possa ser responsabilizado é necessário que o agente
público aja nessa condição, caso contrário, não haverá nexo causal entre a função
pública e o dano gerado pelo agente, de forma a não existir responsabilidade
estatal.
O agente público causador do dano pode ser tanto um servidor público quanto um
empregado público ou mesmo um funcionário de uma pessoa jurídica de direito privado
prestadora de serviço público (a definição de agente público é mais ampla que a de
servidor público). No entanto, para que incidam as regras da responsabilidade objetiva é
necessário que o agente público aja nessa qualidade, senão inexiste nexo causal entre a
conduta do Estado (manifestada por seu agente) e o dano provocado a terceiro.
Quando se fala em agir na qualidade de agente público, não significa que o agente esteja
em seu horário de serviço, mas é suficiente que aparente ou demonstre estar agindo
naquela condição, conforme mostra o seguinte excerto de julgado do STF:
Agressão praticada por soldado, com a utilização de arma da
corporação militar: incidência da responsabilidade objetiva do
Estado, mesmo porque, não obstante fora do serviço, foi na
condição de policial militar que o soldado foi corrigir as
pessoas. O que deve ficar assentado é que o preceito inscrito no
art. 37, § 6º, da CF não exige que o agente público tenha agido no
exercício de suas funções, mas na qualidade de agente público (RE
160.401, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 20.04.1999, DJ 04.06.1999).

Em outro acórdão, o STF manifestou o mesmo entendimento em um caso em que o


servidor, mesmo não estando em serviço, provocou um acidente com um carro oficial, ou
seja, como ele estava utilizando um veículo oficial, aparentemente ele estava agindo no
exercício de suas funções. Assim, em razão de parecer agir oficialmente, houve a
responsabilização objetiva do Estado (RE 294.440-AgR, Rel. Min. Ilmar Galvão, j.
14.05.2002, DJ 02.08.2002).
Situação diversa ocorre quando a atuação do causador do dano é independente da sua
condição de agente público.
Como exemplo:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. RECURSO
EXTRAORDINÁRIO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO.
LESÃO CORPORAL. DISPARO DE ARMA DE FOGO
PERTENCENTE À CORPORAÇÃO. POLICIAL MILITAR EM
PERÍODO DE FOLGA. Caso em que o policial autor do disparo
não se encontrava na qualidade de agente público. Nessa
contextura, não há falar de responsabilidade civil do Estado.
Recurso extraordinário conhecido e provido. (RE 363423, Relator(a):
CARLOS BRITTO, Primeira Turma, julgado em 16/11/2004, DJe-047
DIVULG 13-03-2008 PUBLIC 14-03-2008 EMENT VOL-02311-03
PP-00467)
Especificamente quanto aos notários e registradores, a Constituição Federal, no caput do
art. 236, estabelece que “os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter
privado, por delegação do poder público”. O § 1º desse artigo remete à lei, entre outras
matérias, a disciplina da “responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de
registro e de seus prepostos”. Nesse contexto, a Lei nº 8.935/1994, no caput do seu art.
22, preceitua que “os notários e oficiais de registro são civilmente responsáveis por todos
os prejuízos que causarem a terceiros, por culpa ou dolo, pessoalmente, pelos
substitutos que designarem ou escreventes que autorizarem, assegurado o direito de
regresso”.
Fica claro, portanto, que, nos termos da lei, os notários e registradores (que são
pessoas físicas) têm responsabilidade subjetiva pelos danos que, no exercício de
suas funções, causarem a terceiros.
Havia controvérsia, contudo, quanto à possibilidade e à forma de responsabilização do
Estado por esses danos, o que foi apreciado pelo STF, sob regime de repercussão geral,
em 2019, entendendo a Corte que o Estado tem responsabilidade civil objetiva, direta
e primaria, nos termos do § 6.° do art. 37 da Carta Politica, pelos danos causados a
terceiros em decorrência da atuação de notários e registradores. O poder publico,
uma vez condenado a indenizar, tera, então, obrigação de ajuizar ação regressiva contra
o notário, ou o registrador, desde que comprove que ele incorreu em dolo ou culpa.

(5º) A responsabilidade objetiva é o regime aplicado aos atos dos agentes de


pessoas jurídicas de direito público (União, Estados, Distrito Federal, Municípios,
autarquias e fundações públicas de direito público) e de direito privado prestadoras
de serviço público (empresas públicas, sociedades de conomia mista, fundações
públicas de direito privado, permissionárias, concessionárias ou autorizatárias).
A responsabilidade objetiva do Estado é aplicada, sem ressalvas, aos danos provocados
por agentes de pessoas jurídicas de direito público que agirem nessa condição. O
prejudicado, para obter a indenização, deverá provar apenas a existência dos seguintes
elementos: ação, dano e nexo causal.
Nesses casos, a responsabilidade do Estado é subsidiária.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL.
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ANULAÇÃO DO
CONCURSO POR ATO DA PRÓPRIA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA,
EM FACE DE INDÍCIOS DE FRAUDE NO CERTAME. DIREITO À
INDENIZAÇÃO DE CANDIDATO PELOS DANOS MATERIAIS
RELATIVOS ÀS DESPESAS DE INSCRIÇÃO E DESLOCAMENTO.
APLICABILIDADE DO ART. 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. RESPONSABILIDADE DIRETA DA PESSOA JURÍDICA
DE DIREITO PRIVADO ORGANIZADORA DO CERTAME.
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DO ENTE PÚBLICO.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO.
1. A responsabilidade civil do Estado subsume-se à teoria do risco
administrativo, tanto para as condutas estatais comissivas quanto
paras as omissivas, na forma do artigo 37, § 6º, da Constituição
Federal. 2. O Estado e as pessoas jurídicas de direito privado
prestadoras de serviços públicos respondem pelos danos que
seus agentes, nessa qualidade, causem a terceiros, quando
comprovado o nexo de causalidade entre a conduta e o dano
sofrido pelo particular. 3. A pessoa jurídica de direito privado
prestadora de serviço público responde de forma primária e
objetiva por danos causados a terceiros, visto possuir
personalidade jurídica, patrimônio e capacidade próprios. 4. O
cancelamento de provas de concurso público em virtude de
indícios de fraude gera a responsabilidade direta da entidade
privada organizadora do certame de restituir aos candidatos
as despesas com taxa de inscrição e deslocamento para
cidades diversas daquelas em que mantenham domicílio. Ao
Estado, cabe somente a responsabilidade subsidiária, no caso de
a instituição organizadora do certame se tornar insolvente. 5. Ex
positis, voto no sentido de, no caso concreto, dar provimento ao
recurso extraordinário interposto pela União Federal, para
reformar o acórdão lavrado pela Turma Recursal da Seção
Judiciária do Estado de Alagoas e assentar que a União Federal
responde apenas subsidiariamente pelos danos materiais,
relativos às despesas com taxa de inscrição e deslocamento,
causados ao recorrido em razão do cancelamento de exames
para o provimento de cargos na Polícia Rodoviária Federal
(Edital 1/2007) por indícios de fraude. Quanto à tese da
repercussão geral, voto pela sua consolidação nos seguintes
termos: “O Estado responde subsidiariamente por danos
materiais causados a candidatos em concurso público
organizado por pessoa jurídica de direito privado (art. 37, §
6º, da CRFB/88), quando os exames são cancelados por
indícios de fraude”.(RE 662405, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal
Pleno, julgado em 29/06/2020, PROCESSO ELETRÔNICO
REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-201 DIVULG 12-08-
2020 PUBLIC 13-08-2020)
Em relação aos agentes das pessoas jurídicas de direito privado, deve ser ressalvado que
somente haverá responsabilidade objetiva se esta for prestadora de serviços públicos.
Não sendo prestadora de serviço público, a responsabilidade é subjetiva. Por exemplo, no
caso da PETROBRAS, sociedade de economia mista que desempenha atividade
econômica (não é prestadora de serviço público), se algum de seus empregados causar
dano a terceiros, incidirá a regra da responsabilidade subjetiva, ou seja, para obter a
indenização, o prejudicado deverá demonstrar a conduta culposa ou dolosa do
responsável causador do dano.

(6º) No caso de pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços


públicos, a responsabilidade objetiva é aplicada tanto em relação aos danos
causados aos usuários quanto àqueles causados aos não usuários do serviço.
Em relação à responsabilidade civil resultante de danos causados por agentes de
pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos, a posição mais
antiga do STF fazia a distinção entre usuários e não usuários dos serviços públicos.
Entendia-se à época que para os danos causados aos primeiros a responsabilidade da
pessoa jurídica prestadora de serviço público seria objetiva, enquanto para os últimos
teríamos a responsabilidade subjetiva, dependendo da prova do dolo ou culpa do agente
causador.
O assunto, no entanto, foi objeto de julgamento com repercussão geral no STF (RE
591.874/MS), que, revendo o posicionamento adotado anteriormente no RE 262.651/SP,
passou a aplicar a responsabilidade objetiva das empresas que prestam serviços públicos
tanto para os danos causados aos usuários como para aqueles que atingissem os não
usuários dos serviços, sem fazer qualquer distinção. O argumento utilizado pelo STF para
rever seu posicionamento se baseou na simples constatação de que o art. 37, § 6º, da
CF/1988 (que prevê a responsabilidade civil objetiva das pessoas jurídicas de direito
privado prestadoras de serviços públicos) não fazia qualquer distinção entre o tipo de
pessoa lesada pelo dano.
CONSTITUCIONAL. RESPONSABILIDADE DO ESTADO. ART. 37,
§ 6º, DA CONSTITUIÇÃO. PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO
PRIVADO PRESTADORAS DE SERVIÇO PÚBLICO.
CONCESSIONÁRIO OU PERMISSIONÁRIO DO SERVIÇO DE
TRANSPORTE COLETIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA EM
RELAÇÃO A TERCEIROS NÃO-USUÁRIOS DO SERVIÇO.
RECURSO DESPROVIDO.
I - A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado
prestadoras de serviço público é objetiva relativamente a terceiros
usuários e não-usuários do serviço, segundo decorre do art. 37, § 6º,
da Constituição Federal. II - A inequívoca presença do nexo de
causalidade entre o ato administrativo e o dano causado ao terceiro
não-usuário do serviço público, é condição suficiente para
estabelecer a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica de direito
privado. III - Recurso extraordinário desprovido. (RE 591874,
Relator(a): RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em
26/08/2009, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-237 DIVULG
17-12-2009 PUBLIC 18-12-2009 EMENT VOL-02387-10 PP-01820
RTJ VOL-00222-01 PP-00500)
As regras relativas à responsabilidade civil objetiva do Estado podem ser visualizadas da
seguinte forma:

 A RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO ESTADO


É incorreto afirmar que a Administração sempre responde objetivamente pelos danos
causados pelos seus agentes. Embora haja controvérsias a respeito, há grande parte da
doutrina que entende que, no caso de atos omissivos impróprios (conceituados no tópico
11.4), aplica-se a teoria da culpa administrativa (ou culpa anônima), em que o
particular, para ser indenizado, tem que comprovar: omissão de agente público,
dano, nexo causal e a culpa do Estado (presumida pelo não funcionamento ou pelo
funcionamento inadequado do serviço público).
Constituição de 1988 não trata explicitamente da responsabilidade extracontratual por
danos que os particulares venham a sofrer em decorrência de omissão estatal. De fato, o
§ 6.° do art. 37 da Carta da República somente se refere, textualmente, à
responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público e de direito privado
prestadoras de serviços públicos pelos danos que os seus agentes causarem a terceiros.
Pela literalidade do preceito constitucional, para restar configurada a
responsabilidade em hipótese de omissão estatal, seria necessário identificar um
agente público específico (ou mais de um) que, em uma situação determinada,
deveria ter agido e, não o tendo feito, a sua inação causou, de forma direta e
imediata, alguma lesão a um administrado. A prova em juízo de tais elementos ou
circunstâncias será, na maior parte dos casos, demasiado complexa para o particular
prejudicado.
Alguns dos mais respeitados administrativistas prelecionam que, em face de danos
ensejados por omissão estatal, a responsabilidade extracontratual segue, em regra, a
teoria da culpa administrativa.
Assim, na hipótese de danos advindos de omissões estatais, a regra geral seria a
sujeição do poder público a uma modalidade subjetiva de responsabilidade civil em que a
pessoa que sofreu a lesão deveria provar (o ônus da prova é dela) a falta ou a
deficiência de um serviço público a cuja prestação o Estado estava obrigado e
demonstrar a existência de um efetivo nexo de causalidade entre a lesão por ela
sofrida e a omissão havida.
Não há necessidade, para a caracterização da “culpa administrativa”, de individualizar os
agentes aos quais a falta do serviço possa ser imputada (por prescindir de identificação
de agentes públicos relacionados à omissão estatal, a expressão “culpa anônima” é
também utilizada em referência a essa modalidade de responsabilidade subjetiva),
bastando demonstrar que o serviço público deveria ter sido prestado e que foi a sua
ausência ou deficiência que efetivamente implicou a ocorrência do dano.
Para que lhe seja reconhecido direito a indenização, o particular deverá demonstrar que a
atuação estatal regular, normal, ordinária, teria sido suficiente para evitar o dano a ele
infligido. É necessário que ele comprove que concorreu para o resultado lesivo
determinada omissão culposa do Estado: este estava obrigado a agir, tinha possibilidade
material de atuar e, se tivesse agido, poderia ter evitado o dano. Nisso consiste, quando
estamos diante de um caso de responsabilidade civil subjetiva por culpa administrativa, o
nexo de causalidade entre o dano e a falta na prestação do serviço público (que
pode assumir as modalidades omissivas inexistência do serviço, deficiência do
serviço ou atraso na prestação do serviço).
No caso, não há um dever específico de evitar o dano, hipótese em que estaria
caracterizada uma omissão própria, apta a configurar o caráter objetivo da
responsabilidade estatal. O que existe é o também muito importante dever genérico
de agir, decorrente das atribuições policiais; a omissão é imprópria, de forma que o
não funcionamento do serviço (falta do serviço) possibilita a responsabilização
subjetiva do Estado.
Em diversas outras decisões, porem o Supremo Tribunal Federal tem asseverado que a
responsabilidade civil do poder publico e do tipo objetiva, na modalidade risco
administrativo, em qualquer hipótese, inclusive nos casos de danos advindos de
omissão estatal (sem fazer distinção entre a omissão genérica e a omissão em que ha
descumprimento de um dever legal especifico), o que faz com que parte da doutrina,
como Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo, sustente a aplicação da responsabilidade
objetiva do Estado mesmo em caso de omissão.
Isso não significa, todavia, que o STF aplique indistintamente tal modalidade de
responsabilização a todo e qualquer dano advindo da omissão da Administração.
Pelo contrário, entende o Excelso Pretório pela aplicação da responsabilidade subjetiva
por omissão, com base na culpa anônima, nos casos em que há um dever genérico de
agir e o serviço não funciona, funciona mal ou funciona tardiamente (omissão genérica).
Ocorre que nem sempre a distinção entre o tipo de omissão, se genérica ou específica,
consta da ementa do julgado, o que leva muitos a entenderem pela oscilação
jurisprudencial no STF ou, ainda, pela aplicação irrestrita da responsabilidade objetiva aos
casos de omissão estatal, conclusão que, na atualidade, não encontra amparo nos
julgados da Corte.

Estado deve indenizar preso que se encontre em situação degradante


Fonte: Dizer o Direito
Resumo
Considerando que é dever do Estado, imposto pelo sistema normativo, manter em seus
presídios os padrões mínimos de humanidade previstos no ordenamento jurídico, é de
sua responsabilidade, nos termos do art. 37, § 6º, da Constituição, a obrigação de
ressarcir os danos, inclusive morais, comprovadamente causados aos detentos em
decorrência da falta ou insuficiência das condições legais de encarceramento.
STF. Plenário. RE 580252/MS, rel. orig. Min. Teori Zavascki, red. p/ o ac. Min. Gilmar
Mendes, julgado em 16/2/2017 (repercussão geral) (Info 854).

Imagine a seguinte situação hipotética:


João cumpre pena em regime fechado em um presídio localizado em Corumbá (MS). A
vigilância sanitária do Município realizou uma inspeção na unidade prisional e constatou
que havia superlotação nas celas, além de outros inúmeros problemas de higiene,
existindo, inclusive, risco de transmissão de doenças. Em razão disso, o órgão
determinou que fossem adotadas medidas para sanar tais deficiências.
Mesmo após este laudo, passaram-se vários meses e nenhuma providência foi tomada
pelo Estado para corrigir as irregularidades.
Diante disso, João, por meio da Defensoria Pública, ajuizou ação de indenização por
danos morais contra o Estado do Mato Grosso do Sul sob a alegação de que ele estava
sendo submetido a tratamento desumano e degradante.

Defesa do Estado
A Procuradoria Geral do Estado contestou a demanda afirmando, dentre outros
argumentos, que não há recursos suficientes para indenizar os presos, devendo ser
aplicado o princípio da reserva do possível.

O STF concordou com a tese do autor? Uma pessoa que está presa em uma unidade
prisional que apresenta péssimas condições, como superlotação e falta de condições
mínimas de saúde e de higiene possui o direito de ser indenizada pelo Estado diante
desta violação de seus direitos?
SIM. O STF, ao apreciar o tema, em recurso extraordinário com repercussão geral, fixou a
seguinte tese:
Considerando que é dever do Estado, imposto pelo sistema normativo, manter em
seus presídios os padrões mínimos de humanidade previstos no ordenamento
jurídico, é de sua responsabilidade, nos termos do art. 37, § 6º, da Constituição, a
obrigação de ressarcir os danos, inclusive morais, comprovadamente causados aos
detentos em decorrência da falta ou insuficiência das condições legais de
encarceramento. STF. Plenário. RE 580252/MS, rel. orig. Min. Teori Zavascki, red. p/ o
ac. Min. Gilmar Mendes, julgado em 16/2/2017 (repercussão geral) (Info 854).

Estado é responsável guarda e segurança dos presos


O Estado é responsável pela guarda e segurança das pessoas submetidas a
encarceramento, enquanto ali permanecerem detidas. Assim, é dever do Poder Público
mantê-las em condições carcerárias com mínimos padrões de humanidade estabelecidos
em lei, bem como, se for o caso, ressarcir os danos que daí decorrerem.
A jurisprudência do STF entende que o Estado possui responsabilidade objetiva pela
integridade física e psíquica daqueles que estão sob sua custódia.
“A negligência estatal no cumprimento do dever de guarda e vigilância dos detentos
configura ato omissivo a dar ensejo à responsabilidade objetiva do Estado, uma vez que,
na condição de garante, tem o dever de zelar pela integridade física dos custodiados”
(trecho do voto do Min. Gilmar Mendes no ARE 662563 AgR, julgado em 20/03/2012).
Dever imposto pelo ordenamento nacional e internacional
O dever do Estado de garantir a segurança pessoal, física e psíquica dos detentos é
imposto não apenas no ordenamento nacional, mas também por compromissos
internacionais assumidos pelo Brasil.
Péssimas condições do sistema prisional
Como é do conhecimento de todos, o sistema prisional brasileiro vive uma grande crise.
São observados inúmeros problemas, como a superlotação e a falta de condições
mínimas de saúde e de higiene.
O STF, inclusive, já reconheceu que o sistema penitenciário brasileiro vive um "Estado de
Coisas Inconstitucional", com uma violação generalizada de direitos fundamentais dos
presos. As penas privativas de liberdade aplicadas nos presídios acabam sendo penas
cruéis e desumanas.
A ausência de medidas legislativas, administrativas e orçamentárias eficazes representa
uma verdadeira "falha estrutural" que gera ofensa aos direitos dos presos, além da
perpetuação e do agravamento da situação. Nesse sentido: STF. Plenário. ADPF 347
MC/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 9/9/2015 (Info 798).
Responsabilidade civil do Estado

A Constituição Federal determina que cabe ao Estado responder pelos danos causados
por ação ou omissão de seus agentes, em face da autoaplicabilidade do art. 37, § 6º:
Art. 37 (...)
§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços
públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a
terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou
culpa.
O Estado possui o dever de manter em seus presídios os padrões mínimos de
humanidade previstos no ordenamento jurídico. Se esse dever é descumprido, surge para
o Poder Público a responsabilidade de ressarcir os danos, inclusive morais,
comprovadamente causados aos detentos em decorrência da falta ou insuficiência das
condições legais de encarceramento.
Assim, ocorrido o dano e estabelecido o seu nexo causal com a atuação da Administração
ou dos seus agentes, nasce a responsabilidade civil do Estado.
Não aplicação do princípio da reserva do possível
Não há como acolher o argumento que invoca o "princípio da reserva do possível".
Segundo este princípio, os recursos públicos são limitados e as necessidades ilimitadas,
de forma que não há condições financeiras de o Estado atender a todas as demandas
sociais.
Ocorre que só faz sentido considerar este princípio em ações judiciais nas quais está
sendo pedida a implementação de direitos fundamentais a prestações, especialmente
direitos de natureza social (ex: saúde, educação etc.). Em tais casos, discute-se se é
possível conceder o direito pleiteado mesmo que não haja, em tese, capacidade
financeira do Estado.
Aqui, contudo, a situação é diferente. Neste caso, a matéria jurídica se situa no âmbito da
responsabilidade civil do Estado de responder pelos danos causados por ação ou
omissão de seus agentes, nos termos previstos no art. 37, § 6º, da CF/88. Trata-se de
dispositivo autoaplicável (de eficácia plena), que não depende de lei ou de qualquer outra
providência administrativa. Ocorrendo o dano e estabelecido o seu nexo causal com a
atuação da Administração ou dos seus agentes, nasce a responsabilidade civil do Estado.
A criação de subterfúgios teóricos, tais como a separação dos Poderes, a reserva do
possível e a natureza coletiva dos danos sofridos, para afastar a responsabilidade estatal
pelas calamitosas condições da carceragem afronta não apenas o sentido do art. 37, § 6º,
da CF, como também gera o esvaziamento dos dispositivos constitucionais,
convencionais e legais que impõem ao Estado o dever do Estado de garantir a integridade
física e psíquica dos detentos.
Negar a indenização aos detentos significaria violar o princípio da jurisdição
Negar aos detentos o direito à indenização pela violação de sua integridade física e moral
não é compatível com o sentido e o alcance do princípio da jurisdição.
Não pode a decisão judicial desfavorecer sistematicamente a um determinado grupo de
sujeitos, sob pena de comprometer a sua própria legitimidade.
Recusar aos detentos os mecanismos de reparação judicial dos danos sofridos faz com
que eles fiquem desamparados de qualquer proteção estatal, em condição de
vulnerabilidade juridicamente desastrosa. Seria dupla negativa: do direito e da jurisdição.

Quem deverá pagar esta indenização?


O Estado-membro responsável pela unidade prisional.
Se as péssimas condições forem verificadas em presídio federal (o que não se tem
verificado na prática), neste caso a indenização seria paga pela União.
Como é o pagamento desta indenização? Pode ser de outra forma que não seja
dinheiro?
NÃO. Durante os debates do julgamento, o Min. Roberto Barroso propôs que a
indenização não fosse em dinheiro, mas sim por meio de remição da pena. Dessa forma,
em vez de receber uma reparação pecuniária, os presos que sofrem danos morais por
cumprirem pena em presídios com condições degradantes teriam direito ao "abatimento"
de dias da pena.
Vale ressaltar que esta solução do Ministro Barroso não tem previsão na lei e seria feita
por meio da aplicação, por analogia, do art. 126 da LEP:
Art. 126. O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá
remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena.
Pela proposta do Ministro, os danos morais causados a presos por superlotação ou
condições degradantes deveriam ser reparados, preferencialmente, pela remição de parte
do tempo da pena – à razão de um dia de remição para cada 3 a 7 dias cumpridos sob
essas condições adversas, a critério do juiz da Vara de Execuções Penais competente.
Barroso argumentou que, com a solução, ganha o preso, que reduz o tempo de prisão, e
ganha o Estado, que se desobriga de despender recursos com indenizações, dinheiro que
pode ser, inclusive, usado na melhoria do sistema.
O voto do Min. Barroso foi acompanhado por Luiz Fux e Celso de Mello, sendo, portanto,
minoritário (vencido).
Assim, a maioria do STF decidiu que a indenização deve ser mesmo em pecúnia.
Valor da condenação
A título de curiosidade, no caso concreto, o Estado do Mato Grosso do Sul foi condenado
a indenizar o preso em R$ 2 mil.

➢ NEXO CAUSAL

Nexo causal é o vínculo existente entre a conduta de determinado agente e o dano


efetivamente gerado. Se o dano não foi causado pela conduta, estará ausente o nexo
causal e, portanto, não haverá responsabilidade do agente ou da pessoa jurídica a quem
são imputados seus atos, sejam comissivos, sejam omissivos.
A respeito do nexo causal é importante conhecer as principais teorias a respeito:
1ª) teoria da equivalência das condições;
2ª) teoria da causalidade adequada; e
3ª) teoria da causalidade direta ou imediata (também conhecida como teoria da
interrupção do nexo causal ou teoria da causalidade necessária).
Teoria da Equivalência das Condições (conditio sine qua non): para esta teoria todas as
condições são equivalentes, ou seja, considera como causa todo antecedente que
contribua para o fato danoso. Em razão disso, seria imputada responsabilidade a todos
aqueles que de alguma forma contribuíram para o evento danoso. Exemplificando, no
caso de um agente público que mata um inocente, a responsabilidade seria não só de
quem atirou, mas também de quem vendeu a arma, fabricou o revólver e a munição,
produziu o ferro etc. Essa linha de investigação pode conduzir a responsabilização civil de
um número ilimitado de agentes.
Teoria da Causalidade Adequada: esta teoria entende que causa é apenas o antecedente
abstratamente idôneo à produção do dano, o que depende de um juízo razoável de
probabilidade, resultante da experiência do julgador. Enquanto a teoria da equivalência
das condições peca por ser bastante abrangente, a teoria da causalidade adequada falha
por admitir um acentuado grau de discricionariedade do julgador. O exemplo clássico da
teoria da causalidade adequada é o da pessoa que joga um balde de água numa represa
cheia e esta vem a se romper. Como tal ato em tese não é apto a produzir o rompimento
da represa, a responsabilidade do agente restará afastada.
Teoria da Causalidade Direta ou Imediata (também denominada Teoria da Interrupção do
Nexo Causal ou Teoria da Causalidade Necessária): esta teoria entende que causa é
aquele fato que se liga ao resultado danoso, sendo este sua consequência direta e
imediata. Assim, não haverá relação de causalidade quando o comportamento do
agente público não ocasionar de forma direta e imediata o dano.
Ex: Um pedestre atropelado por um veículo pertencente à União Federal é socorrido por
um parente seu que passava no momento do acidente. Ocorre que no caminho do
hospital a pessoa que conduzia o carro, em que estava o pedestre atropelado, capota e
este vem a falecer em razão do segundo acidente. Nesse caso, segundo a teoria da
causalidade necessária, a União Federal não poderá ser responsabilizada pela morte do
pedestre, mas apenas pelas lesões corporais sofridas, visto que o atropelamento não
ocasionou de forma direta e imediata o óbito.
A teoria da causa direta e imediata é a adotada no ordenamento jurídico brasileiro,
conforme se observa no seguinte excerto de jurisprudência do STF:
A responsabilidade do Estado, embora objetiva por força do disposto
no art. 107 da Emenda Constitucional 1/1969 (e, atualmente, no § 6º
do art. 37 da Carta Magna), não dispensa, obviamente, o requisito,
também objetivo, do nexo de causalidade entre a ação ou a omissão
atribuída a seus agentes e o dano causado a terceiros. Em nosso
sistema jurídico, como resulta do disposto no art. 1.060 do Código
Civil, a teoria adotada quanto ao nexo de causalidade é a teoria do
dano direto e imediato, também denominada teoria da interrupção do
nexo causal. Não obstante aquele dispositivo da codificação civil
diga respeito a impropriamente denominada responsabilidade
contratual, aplica-se ele também à responsabilidade extracontratual,
inclusive a objetiva, até por ser aquela que, sem quaisquer
considerações de ordem subjetiva, afasta os inconvenientes das
outras duas teorias existentes: a da equivalência das condições e a
da causalidade adequada (RE 130.764, Rel. Min. Moreira Alves, j.
12.05.1992, DJ 07.08.1992).
 EXCLUDENTES OU ATENUANTES DA RESPONSABILIDADE ESTATAL

Existem algumas circunstâncias que excluem ou atenuam (diminuem) a responsabilidade


civil do Estado.
A ÚNICA circunstância que atenua ou diminui a responsabilidade civil do Estado é a
CULPA CONCORRENTE DA VÍTIMA.
Quanto às circunstâncias que excluem a responsabilidade estatal, a doutrina e a
jurisprudência relacionam as seguintes: culpa ou dolo exclusivo da vítima ou de
terceiro, caso fortuito e força maior.

Em qualquer caso, o ônus da prova é da administração (ou da delegatária de serviço


público); se não for provada culpa do terceiro, cabe inteiramente à pessoa jurídica
administrativa causadora do dano a responsabilidade civil, isto é, a obrigação de indenizar
a vítima pela lesão sofrida.
Responsabilidade civil do Estado em caso de morte de detento

Fonte: Dizer o Direito

Resumo
Em caso de inobservância de seu dever específico de proteção previsto no art. 5º,
inciso XLIX, da CF/88, o Estado é responsável pela morte de detento.
STF. Plenário. RE 841526/RS, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 30/3/2016
(repercussão geral) (Info 819).

Comentários

Responsabilidade civil do Estado


Responsabilidade civil do Estado é a obrigação que a Administração Pública tem
de indenizar os danos patrimoniais ou morais que seus agentes, atuando nesta
qualidade, causarem a terceiros.

Qual é o tipo de responsabilidade civil do Estado?


Responsabilidade objetiva. Isso está previsto no art. 37, § 6º da CF/88 e no art. 43
do Código Civil:
Art. 37 (...)
§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de
serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade,
causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos
casos de dolo ou culpa.
 
Se você reparar bem o § 6º acima, verá que não está escrito expressamente que a
responsabilidade é objetiva. A doutrina e a jurisprudência, no entanto, de forma
pacífica assim entendem por um motivo: o dispositivo exige dolo ou culpa para
que o agente público responda regressivamente, mas não faz esta mesma
exigência para que o Estado tenha que indenizar. Logo, interpreta-se que a
exigência de dolo ou culpa é unicamente para a ação regressiva.
 
Requisitos para que haja a responsabilidade civil do Estado
Quando se fala que a responsabilidade do Estado é objetiva, isso significa que a
pessoa que sofreu um dano causado por um agente público terá que provar
apenas três elementos:
a) conduta praticada por um agente público, nesta qualidade;
b) dano;
c) nexo de causalidade (demonstração de que o dano foi causado pela conduta).
 
Teorias do risco administrativo e do risco integral
Vimos acima que a responsabilidade civil do Estado é objetiva, ou seja, o lesado
não precisa comprovar a culpa da Administração Pública. No entanto, ainda
persiste uma dúvida: o Estado deverá sempre indenizar? Ele poderá alegar
excludentes de responsabilidade para se isentar da indenização?
Sobre este tema, destaco a existência de duas teorias principais:
Teoria do RISCO ADMINISTRATIVO Teoria do RISCO INTEGRAL
A responsabilidade do Estado é A responsabilidade do Estado é
objetiva objetiva
(a vítima lesada não precisa provar
(a vítima lesada não precisa provar
culpa). culpa).
O Estado poderá eximir-se do dever
Não admite excludentes de
de indenizar caso prove alguma causa
responsabilidade.
excludente de responsabilidade: Mesmo que o Estado prove que houve
a) caso fortuito ou força maior;caso fortuito, força maior, culpa
b) culpa exclusiva da vítima; exclusiva da vítima ou culpa exclusiva
c) culpa exclusiva de terceiro. de terceiro, ainda assim será
condenado a indenizar.
É adotada como regra no Direito É adotada no Direito brasileiro, de
brasileiro. forma excepcional, em alguns casos.
A doutrina diverge sobre quais seriam
estas hipóteses.
Para fins de concurso, existe um caso
no qual o STJ já afirmou
expressamente que se acolhe o risco
integral: dano ambiental (REsp
1.374.284).
 
Diógenes Gasparini explicava com peculiar didática em que consistia a teoria do
risco integral:
"Por teoria do risco integral entende-se a que obriga o Estado a indenizar todo e
qualquer dano, desde que envolvido no respectivo evento. Não se indaga,
portanto, a respeito da culpa da vítima na produção do evento danoso, nem se
permite qualquer prova visando elidir essa responsabilidade. Basta, para
caracterizar a obrigação de indenizar, o simples envolvimento do Estado no
evento. Assim, ter-se-ia de indenizar a família da vítima de alguém que, desejando
suicidar-se, viesse a se atirar sob as rodas de um veículo, coletor de lixo, de
propriedade da Administração Pública, ou se atirasse de um prédio sobre a via
pública. Nos dois exemplos, por essa teoria, o Estado, que foi simplesmente
envolvido no evento por ser o proprietário do caminhão coletor de lixo e da via
pública, teria de indenizar. Em ambos os casos os danos não foram causados por
agentes do Estado. A vítima os procurou, e o Estado, mesmo assim, teria de
indenizar." (Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 16ª Ed., 2011, p. 1.114).
 
Teoria que rege a teoria da responsabilidade civil do Estado
Regra: teoria do risco administrativo (o Estado pode invocar causas excludentes
de responsabilidade).
Exceção: em alguns poucos casos, acolhe-se a teoria do risco integral.
 
Qual é o tipo de responsabilidade civil aplicável nos casos de omissão do
Estado? Se a Administração Pública causa um dano ao particular em virtude
de uma conduta omissa, a responsabilidade nesta hipótese também será
objetiva?
Existe intensa divergência sobre o tema:
Doutrina tradicional e STJ Jurisprudência do STF
Na doutrina, ainda hoje, a posição Na jurisprudência do STF, contudo,
majoritária é a de que a tem ganhado força nos últimos anos o
responsabilidade civil do Estado em entendimento de que a
caso de atos omissivos é SUBJETIVA, responsabilidade civil nestes casos
baseada na teoria da culpa também é OBJETIVA. Isso porque o
administrativa (culpa anônima). art. 37, § 6º da CF/88 determina a
  responsabilidade objetiva do Estado
Assim, em caso de danos causados sem fazer distinção se a conduta é
por omissão, o particular, para ser comissiva (ação) ou omissiva.
indenizado, deveria provar: Não cabe ao intérprete estabelecer
a) a omissão estatal; distinções onde o texto constitucional
b) o dano; não o fez.
c) o nexo causal; Se a CF/88 previu a responsabilidade
d) a culpa administrativa (o serviço objetiva do Estado, não pode o
público não funcionou, funcionou de intérprete dizer que essa regra não
forma tardia ou ineficiente). vale para os casos de omissão.
  Dessa forma, a responsabilidade
Esta é a posição que você encontra na objetiva do Estado engloba tanto os atos
maioria dos Manuais de Direito comissivos como os omissivos, desde
Administrativo. que demonstrado o nexo causal entre o
  dano e a omissão específica do Poder
O STJ ainda possui entendimento Público.
majoritário no sentido de que a  
responsabilidade seria subjetiva. Vide: (...) A jurisprudência da Corte firmou-se
STJ. 2ª Turma. AgRg no REsp no sentido de que as pessoas jurídicas
1345620/RS, Rel. Min. Assusete de direito público respondem
Magalhães, julgado em 24/11/2015. objetivamente pelos danos que
causarem a terceiros, com fundamento
no art. 37, § 6º, da Constituição Federal,
tanto por atos comissivos quanto por
atos omissivos, desde que demonstrado
o nexo causal entre o dano e a omissão
do Poder Público. (...)
STF. 2ª Turma. ARE 897890 AgR, Rel.
Min. Dias Toffoli, julgado em
22/09/2015.
 
No mesmo sentido: STF. 2ª Turma. RE
677283 AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes,
julgado em 17/04/2012.
 
Deve-se fazer, no entanto, uma advertência: para o STF, o Estado responde de
forma objetiva pelas suas omissões. No entanto, o nexo de causalidade entre
essas omissões e os danos sofridos pelos particulares só restará caracterizado
quando o Poder Público tinha o dever legal específico de agir para impedir o
evento danoso e mesmo assim não cumpriu essa obrigação legal.
Assim, o Estado responde de forma objetiva pelas suas omissões, desde que ele
tivesse obrigação legal específica de agir para impedir que o resultado danoso
ocorresse. A isso se chama de "omissão específica" do Estado.
Dessa forma, para que haja responsabilidade civil no caso de omissão, deverá
haver uma omissão específica do Poder Público (STF. Plenário. RE 677139 AgR-
EDv-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 22/10/2015).
Se um detento é morto dentro da unidade prisional, haverá responsabilidade
civil do Estado?
SIM. A CF/88 determina que o Estado se responsabiliza pela integridade física do
preso sob sua custódia:
Art. 5º (...) XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;
 
Logo, o Poder Público poderá ser condenado a indenizar pelos danos que o preso
venha a sofrer. Esta responsabilidade é objetiva.
Assim, a morte de detento gera responsabilidade civil objetiva para o Estado em
decorrência da sua omissão específica em cumprir o dever especial de proteção
que lhe é imposto pelo art. 5º, XLIX, da CF/88.
Vale ressaltar, no entanto, que a responsabilidade civil neste caso, apesar de ser
objetiva, é regrada pela teoria do risco administrativo. Desse modo, o Estado
poderá ser dispensado de indenizar se ficar demonstrado que ele não tinha a
efetiva possibilidade de evitar a ocorrência do dano. Nas exatas palavras do Min.
Luiz Fux: "(...) sendo inviável a atuação estatal para evitar a morte do preso, é
imperioso reconhecer que se rompe o nexo de causalidade entre essa omissão e
o dano. Entendimento em sentido contrário implicaria a adoção da teoria do risco
integral, não acolhida pelo texto constitucional (...)".
 
Em suma:
• Em regra: o Estado é objetivamente responsável pela morte de detento. Isso
porque houve inobservância de seu dever específico de proteção previsto no art.
5º, inciso XLIX, da CF/88.
• Exceção: o Estado poderá ser dispensado de indenizar se ele conseguir provar
que a morte do detento não podia ser evitada. Neste caso, rompe-se o nexo de
causalidade entre o resultado morte e a omissão estatal.
O STF fixou este tese em sede de repercussão geral:
Em caso de inobservância de seu dever específico de proteção previsto no
art. 5º, inciso XLIX, da CF/88, o Estado é responsável pela morte de detento.
STF. Plenário. RE 841526/RS, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 30/3/2016
(repercussão geral) (Info 819).

Exemplo:
Imagine que um detento está doente e precisa de tratamento médico. Ocorre que
este não lhe é oferecido de forma adequada pela administração penitenciária. Há
claramente uma violação ao art. 14 da LEP. Neste caso, se o preso falecer, o
Estado deverá ser responsabilizado, considerando que houve uma omissão
específica e o óbito era plenamente previsível.
Suponha, no entanto, que o preso estivesse bem e saudável e, sem qualquer sinal
anterior, sofre um mal súbito no coração e cai morto instantaneamente no pátio do
presídio. Nesta segunda hipótese, o Poder Público não deverá ser
responsabilizado por essa morte, já que não houve omissão estatal e este óbito
teria acontecido mesmo que o preso estivesse em liberdade.
 
O Estado pode ser responsabilizado pela morte do detento mesmo que ele
se suicide?
SIM. Existem precedentes do STF e do STJ nesse sentido: STF. 2ª Turma. ARE
700927 AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 28/08/2012.
No entanto, aqui também, como se adota a teoria do risco administrativo, o Estado
poderá provar alguma causa excludente de responsabilidade. Assim, nem sempre
que houver um suicídio, haverá responsabilidade civil do Poder Público.
O Min. Luiz Fux exemplifica seu raciocínio com duas situações:
• Se o detento que praticou o suicídio já vinha apresentando indícios de que
poderia agir assim, então, neste caso, o Estado deverá ser condenado a indenizar
seus familiares. Isso porque o evento era previsível e o Poder Público deveria ter
adotado medidas para evitar que acontecesse.
• Por outro lado, se o preso nunca havia demonstrado anteriormente que poderia
praticar esta conduta, de forma que o suicídio foi um ato completamente repentino
e imprevisível, neste caso o Estado não será responsabilizado porque não houve
qualquer omissão atribuível ao Poder Público.
Vale ressaltar que é a Administração Pública que tem o ônus de provar a causa
excludente de responsabilidade.

Registre-se, contudo, que o STF já assentou na Súmula 187 que: “A responsabilidade


contratual do transportador, pelo acidente com o passageiro, não é elidida por culpa de
terceiro, contra o qual tem ação regressiva”.
Assim, pelo menos em matéria de acidente em transporte de passageiros, não cabe
invocar a culpa de terceiro para excluir a responsabilidade do prestador de serviços
públicos.
Em algumas situações ocorrem no mundo dos fatos eventos imprevisíveis, extraordinários
e de força irresistível, externos à administração pública e que causam danos aos
administrados. Tendo em vista a inexistência de qualquer nexo de causalidade entre a
atuação administrativa e o prejuízo sofrido pelo terceiro, ter-se-á por excluída a
responsabilidade civil do Estado, não lhe sendo imputado qualquer dever de indenizar.
- Fortuito/força maior.
Alguns autores denominam “força maior” os eventos naturais, como as tempestades, os
furacões e os raios, entre outros, reservando a expressão “caso fortuito” para os eventos
humanos, como as guerras, as greves, os “arrastões” etc. Outros fornecem conceitos
diametralmente opostos, utilizando a “força maior” para os eventos imputáveis aos
homens e o “caso fortuito” para os eventos naturais.
No âmbito do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, a celeuma
perde importância prática, uma vez que estas Cortes têm atribuído aos eventos
imprevisíveis, extraordinários, de força irresistível, externos à administração pública e que
causem danos aos administrados, a qualificação de excludentes do nexo causal entre a
atuação administrativa e o evento danoso, de forma a impedir a responsabilização do
Estado pelos prejuízos causados. Assim, nos julgados de ambos os Tribunais, não há
a preocupação em distinguir caso fortuito de força maior, mas apenas a tentativa de
verificar a presença deles em cada caso concreto objeto de exame.
Nessa linha, o STJ já afirmou que “somente se afasta a responsabilidade se o evento
danoso resultar de caso fortuito ou força maior, ou decorrer de culpa da vítima” (REsp
721.439/RJ), enquanto o STF asseverou que “o princípio da responsabilidade objetiva não
se reveste de caráter absoluto, eis que admite o abrandamento e, até mesmo, a exclusão
da própria responsabilidade civil do Estado, nas hipóteses excepcionais configuradoras de
situações liberatórias – como o caso fortuito e a força maior – ou evidenciadoras de
ocorrência de culpa atribuível à própria vítima” (RE 109.615/RJ).
Da mesma forma, o Código Civil brasileiro, no parágrafo único do seu art. 393, assevera
que “o caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não
eram possíveis evitar ou impedir”. Perceba-se que, à semelhança das decisões do STF e
do STJ, a referência é a “caso fortuito ou de força maior”, com as expressões objeto de
tanta discussão acadêmica citadas em conjunto, separadas apenas pela partícula “ou”,
querendo demonstrar que, se as consequências são semelhantes, estando regidas pelo
mesmo regime jurídico, não há relevância na tentativa de diferenciação.

Apesar de ser regra que caso fortuito e força maior excluem a responsabilidade civil do
Estado, é relevante ressaltar que, se aliado aos eventos extraordinários for comprovada a
omissão do Poder Público na realização de um serviço, não restará reconhecido o
rompimento do nexo causal e haverá dever de indenizar por parte do Estado.
Ex: enchente (força maior) que cause danos a terceiros  Se ficar provado que a limpeza
dos bueiros e das galerias de águas pluviais teria sido suficiente para evitar os estragos
causados, o Estado pode ser responsabilizado pela omissão, com base na teoria da culpa
do serviço público (faute du service). Por outro lado, se ficar provado que, ainda que
houvesse a limpeza dos bueiros, os prejuízos teriam ocorrido, não haverá como
responsabilizar o Poder Público.
Sobre o tema, decidiu o STJ:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO
REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ALAGAMENTO. DANOS
MORAIS E MATERIAIS. OBRIGAÇÃO DE FAZER. ACÓRDÃO
RECORRIDO QUE, À LUZ DAS PROVAS DOS AUTOS, CONCLUIU
PELO DEVER DE INDENIZAR, EM RAZÃO DA OMISSÃO DO
ESTADO. SÚMULA 7/STJ. REDUÇÃO DO QUANTUM
INDENIZATÓRIO. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE.
SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
I. Na hipótese, o Município foi condenado ao pagamento de
indenização por danos morais e materiais, em decorrência dos
prejuízos advindos de alagamento do local onde residiam os
agravados. O recorrente ainda restou condenado à obrigação de
fazer, consistente em "executar, no prazo de oito meses contados da
intimação para cumprimento da sentença após o seu trânsito em
julgado, as obras necessárias para a correção dos vícios da galeria
pluvial detectados no laudo pericial (item VI.4, fls. 179), sob pena de
multa diária de R$ 300,00".
II. O Tribunal de origem, soberano na análise fática da causa,
consignou que "a causa da enchente foi exclusivamente a falta
de conservação dos bueiros que dão vazão às águas das
chuvas, motivada pela omissão do ente público, e, por tal razão
a culpa é exclusiva do Município". Alterar tal entendimento, com o
escopo de afastar a responsabilidade civil do Município agravante,
ensejaria, inevitavelmente, o reexame fático-probatório dos autos,
procedimento vedado, pela Súmula 7 desta Corte. Precedentes do
STJ.
III. No que se refere ao valor da indenização, fixada a título de danos
morais, o Tribunal a quo, em vista das circunstâncias fáticas do
caso, manteve o valor dos danos morais em R$ 18.000,00 (dezoito
mil reais), observando os princípios da proporcionalidade e da
razoabilidade, não se mostrando ele exorbitante, ante o quadro
fático delineado no acórdão de origem. Conclusão em contrário,
encontra óbice na Súmula 7/STJ.
IV. Agravo Regimental improvido.
(AgRg no AREsp 659.655/PR, Rel. Ministra ASSUSETE
MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/10/2015, DJe
19/10/2015)

 DANO INDENIZÁVEL

A existência de dano (prejuízo) é requisito indispensável para a responsabilização civil do


Estado. Haverá dano quando for violado algum interesse jurídico patrimonial ou
extrapatrimonial de uma pessoa física ou jurídica.
Segundo a jurisprudência do STJ, são possíveis de ser cumuladas a indenização por
dano moral, material e estético, ainda que decorrentes de um mesmo fato, mas desde que
as consequências de cada tipo de dano possam ser claramente identificadas.
Dano material  prejuízo decorrente diretamente do evento lesivo (dano emergente) e o
lucro que deixou de ser auferido em decorrência dele (lucro cessante).
Dano moral  atinge o ofendido como pessoa, lesando direitos da personalidade, como
honra, dignidade, imagem etc., e que provoca no ofendido dor, sofrimento, tristeza e
humilhação.
Dano estético  agride a beleza, atingindo a harmonia das formas do lesado.
 A AÇÃO DE REPARAÇÃO DO DANO

O lesado tem duas opções para obter a reparação do dano: 1ª) amigável (na esfera
administrativa, celebra acordo com o Estado); ou 2ª) litigiosa (na esfera judicial, move
uma ação indenizatória).
Quanto à primeira solução, acordo na esfera administrativa, alguns doutrinadores
entendem não ser possível, em razão de contrariar o princípio da indisponibilidade do
interesse público. Contudo, a posição majoritária é de que é possível a celebração desse
tipo de acordo, desde que a Administração reconheça sua responsabilidade e que haja
consenso quanto ao valor da indenização.
Quanto à via judicial, apesar de o STF já haver aceitado a possibilidade de ação contra o
agente público (RE 90.071/SC, Rel. Min. Cunha Peixoto, Tribunal Pleno, j. 18.06.1980, DJ
26.09.1980, p. 7.426), atualmente o entendimento é o de que o lesado somente pode se
voltar contra o Estado, não podendo fazê-lo contra o agente público, restando ao Estado,
caso seja derrotado na demanda, voltar-se regressivamente contra o agente público,
conforme previsto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal.
A vítima somente poderá ajuizar a ação de indenização contra o Estado

Fonte: Dizer o Direito

A teor do disposto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, a ação por danos causados
por agente público deve ser ajuizada contra o Estado ou a pessoa jurídica de direito
privado prestadora de serviço público, sendo parte ilegítima para a ação o autor do
ato, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
STF. Plenário. RE 1027633/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 14/8/2019
(repercussão geral) (Info 947).

Comentários

Imagine a seguinte situação hipotética:

Jomar, auditor de tributos estaduais, estava dirigindo o veículo oficial da SEFAZ, indo
em direção a uma empresa onde iria realizar uma fiscalização.

Como já estava atrasado, Jomar empreendeu alta velocidade e não viu quando Cristina
atravessava na faixa, razão pela qual acabou atropelando a pedestre, que sofreu
inúmeras lesões corporais.

Cristina deseja ajuizar uma ação de indenização pelos danos materiais e morais que
sofreu em decorrência do acidente.

A vítima poderá propor a ação contra o Estado?


SIM. O Estado possui responsabilidade civil pelos danos que seus agentes, nessa
qualidade, causem a terceiros. Trata-se de previsão expressa do art. 37, § 6º, da CF/88:

Art. 37 (...)

§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de


serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade,
causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos
de dolo ou culpa.

A responsabilidade do Estado, nesse caso, é OBJETIVA. Assim, a vítima somente terá


que provar:

• O fato do serviço (conduta do agente público, sem precisar provar dolo ou culpa);

• O dano sofrido;

• O nexo de causalidade entre o fato e o dano.

A vítima poderá propor a ação diretamente contra o servidor causador do dano?


Cristina poderá ajuizar a ação de indenização contra Jomar?

NÃO.

A vítima somente poderá ajuizar a ação contra o Estado (Poder Público). Se este for
condenado, poderá acionar o servidor que causou o dano em caso de dolo ou culpa.

O ofendido não poderá propor a demanda diretamente contra o agente público.

Da leitura do § 6º do art. 37 da CF/88, é possível perceber que o dispositivo consagrou


DUAS GARANTIAS:

• a primeira, em favor do particular lesado, considerando que a CF/88 assegura que ele
poderá ajuizar ação de indenização contra o Estado, que tem recursos para pagar, sem
ter que provar que o agente público agiu com dolo ou culpa;

• a segunda garantia é em favor do agente público que causou o dano. A parte final do
§ 6º do art. 37, implicitamente, afirma que a vítima não poderá ajuizar a ação
diretamente contra o servidor público que praticou o ato. Este servidor somente pode
ser responsabilizado pelo dano se for acionado pelo próprio Estado, em ação
regressiva, após o Poder Público já ter ressarcido o ofendido.

Outro argumento invocado é o princípio da impessoalidade. O agente público atua


em nome do Estado (e não em nome próprio). Logo, quem causa o dano ao particular é
o Estado (e não o servidor). Por isso, o prejudicado só pode acionar o Poder Público. É
a opinião, por exemplo, de José Afonso da Silva (Curso de Direito Constitucional
positivo. São Paulo: Malheiros, 1998).
Tese fixada pelo STF

Já existiam alguns julgados do STF sustentando o entendimento acima exposto. A


novidade é que agora o STF reafirmou a posição, fixando a seguinte tese sob a
sistemática da repercussão geral:

A teor do disposto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, a ação por danos causados
por agente público deve ser ajuizada contra o Estado ou a pessoa jurídica de direito
privado prestadora de serviço público, sendo parte ilegítima para a ação o autor do ato,
assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
STF. Plenário. RE 1027633/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 14/8/2019
(repercussão geral) (Info 947).

Caso concreto julgado pelo STF:

Um servidor público do Município de Tabapuã (SP) que ocupava o cargo de motorista


de ambulância ajuizou ação indenizatória por danos materiais e morais contra a
Prefeita, à qual fazia oposição política. Ele alegou que, após ter sido eleito Vereador,
passou a ser alvo de perseguição política e sofreu sanção administrativa sem
observância do devido processo legal.
Sustentou ainda que, sem justificativa, foi removido da Diretoria Municipal de Saúde
para um posto a 30km de sua residência, em contrariedade a uma lei municipal que
veda a transferência de servidores ocupantes de cargos eletivos.
A Prefeita contestou a demanda alegando, dentre outros argumentos, que praticou os
atos na condição de agente política, o que levaria à responsabilização objetiva da
administração. Logo, afirmou que não poderia ser incluída no polo passivo desta ação.

O caso chegou até o STF, que concordou com a argumentação da ré.

A ação de indenização deve ser ajuizada sempre contra o Estado e este tem o direito
de, regressivamente, no caso de dolo ou culpa, acionar o servidor. No caso específico,
a ação foi proposta diretamente contra a Prefeita, embora ela devesse ser acionada
pelo Município apenas em caráter regressivo.

Teoria da dupla garantia

Apesar de o Min. Marco Aurélio não ter mencionado isso expressamente em seu voto, a
posição acima exposta ficou conhecida no meio jurídico como “teoria da dupla garantia”.
Essa expressão foi cunhada pelo então Min. Carlos Ayres Britto, no RE 327904, julgado
em 15/08/2006:

O § 6º do artigo 37 da Magna Carta autoriza a proposição de que somente as pessoas


jurídicas de direito público, ou as pessoas jurídicas de direito privado que prestem
serviços públicos, é que poderão responder, objetivamente, pela reparação de danos a
terceiros. Isto por ato ou omissão dos respectivos agentes, agindo estes na qualidade
de agentes públicos, e não como pessoas comuns.

Esse mesmo dispositivo constitucional consagra, ainda, dupla garantia: uma, em favor
do particular, possibilitando-lhe ação indenizatória contra a pessoa jurídica de direito
público, ou de direito privado que preste serviço público, dado que bem maior,
praticamente certa, a possibilidade de pagamento do dano objetivamente sofrido. Outra
garantia, no entanto, em prol do servidor estatal, que somente responde administrativa
e civilmente perante a pessoa jurídica a cujo quadro funcional se vincular. STF. 1ª
Turma. RE 327904, Rel. Min. Carlos Britto, julgado em 15/08/2006.

Justamente pelo exposto, NÃO É POSSÍVEL A DENUNCIAÇÃO À LIDE DO SERVIDOR,


devendo o Estado manejar ação regressiva autônoma para exercer suas pretensões
contra o agente causador do dano.

Por isso, o STJ, que entendia que “nas ações indenizatórias fundadas na
responsabilidade civil objetiva do Estado, não é obrigatória a denunciação da lide ao
agente causador do suposto dano” (AgInt no AREsp 913.670/BA, Rel. Ministro MAURO
CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/09/2016, DJe 14/09/2016),
sendo, contudo, facultativa, passou a adotar a posição do STF, negando a possibilidade
de denunciação. Ex vi::
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REGRESSIVA CONTRA AGENTE
PÚBLICO. FUNDAMENTAÇÃO POR REFERÊNCIA.
POSSIBILIDADE. NÃO INDICAÇÃO DE ARGUMENTOS DA
DEFESA TIDOS POR OMITIDOS. AUSÊNCIA DE NULIDADE.
FUNDAMENTO DA DECISÃO AGRAVADA NÃO IMPUGNADO E
SUFICIENTE PARA SUA MANUTENÇÃO. SÚMULA 182/STJ.
DENUNCIAÇÃO À LIDE DO AGENTE PÚBLICO.
DESNECESSIDADE. TESE DE REPERCUSSÃO GERAL.
DISTINÇÃO ENTRE DANO MORAL E MATERIAL.
DESCABIMENTO. EXORBITÂNCIA DA CONDENAÇÃO.
COMPARAÇÃO ENTRE VALORES RESSARCITÓRIOS
ATUALIZADOS E COMPENSATÓRIOS ORIGINAIS PELOS DANOS
SOFRIDOS. AUSÊNCIA DE BASE FÁTICA COMUM. SÚMULA
284/STF E 7/STJ. NÃO IMPUGNAÇÃO DO PRIMEIRO
FUNDAMENTO. SÚMULA 182/STJ.
[...]3. Inexiste qualquer elemento do julgamento do Supremo
Tribunal Federal que firmou a Tese de Repercussão Geral
940/STF (A teor do disposto no art. 37, § 6º, da Constituição
Federal, a ação por danos causados por agente público deve
ser ajuizada contra o Estado ou a pessoa jurídica de direito
privado prestadora de serviço público, sendo parte ilegítima
para a ação o autor do ato, assegurado o direito de regresso
contra o responsável nos casos de dolo ou culpa) apto a
sustentar a distinção pretendida pelo agravante entre a
condenação por danos materiais e morais para fins de
exigência de denunciação à lide do agente público ensejador da
condenação estatal por prejuízos ao particular.
4. A pretensão recursal foi deduzida afirmando-se a exorbitância do
valor ressarcitório buscado na ação regressiva, adotando como
paradigmas condenações por danos morais sem os consectários
inerentes à ação dos autos, ajuizados já após incidência de juros,
correção e consectários de estilo. A decisão singular afirmou a
incidência das Súmulas 284/STF (É inadmissível o recurso
extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não
permitir a exata compreensão da controvérsia) e Súmula 7/STJ (A
pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso
especial).
O agravante não impugnou a dissociação entre as hipóteses
ressarcitória (dos autos) e condenatória (dos paradigmas),
incorrendo, mais uma vez, no óbice da Súmula 182/STJ.
5. Agravo interno conhecido em parte e, nessa extensão, não
provido.
(AgInt no REsp 1582802/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES,
SEGUNDA TURMA, julgado em 06/05/2020, DJe 19/05/2020)

 Prazo prescricional

Por força dos Decretos 20.910, de 1932, e 4.597, de 1942, é de cinco anos o prazo
prescricional das ações contra a Fazenda Pública (pessoas jurídicas de Direito Público).

Com o advento do art. 1º-C da Lei 9.494, de 1997, com redação dada pela MP 2.180, de
2001, o prazo de cinco anos foi estendido também às pessoas jurídicas de direito privado
prestadoras de serviços públicos.

O prazo para a propositura da ação de indenização contra o Estado começa a fluir a partir
da data do ato ou do fato que deu origem ao dano, conforme previsto no art. 1º do
Decreto 20.910, de 1932. Contudo, excepcionalmente, caso o evento danoso resulte em
invalidez ou incapacidade para o particular, o termo inicial (termo a quo) para a contagem
do prazo prescricional não é a data do acidente, mas aquela em que a vítima teve ciência
inequívoca de sua invalidez e da extensão de sua incapacidade.

Ademais, quando a ação de indenização decorre de dano gerado por ilícito penal
praticado por agente do Estado, o prazo prescricional somente tem início a partir do
trânsito em julgado da ação penal condenatória (REsp 435.266/SP, Rel. Min. Eliana
Calmon, 2ª Turma, j. 17.06.2004, DJ 13.09.2004, p. 197).

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO


NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE
INDENIZAÇÃO. SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO ENQUANTO
PENDENTE AÇÃO PENAL, RELATIVA AOS MESMOS FATOS.
ART. 200 DO CC/2002. ACÓRDÃO RECORRIDO EM SINTONIA
COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE SUPERIOR.
JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. CERCEAMENTO DE
DEFESA. INOCORRÊNCIA. TERMO INICIAL DOS JUROS DE
MORA SOBRE A INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DATA DO
EVENTO DANOSO. RESPONSABILIDADE CIVIL
EXTRACONTRATUAL. SÚMULA 54/STJ. AGRAVO INTERNO DO
ENTE ESTADUAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. O presente Recurso atrai a incidência do Enunciado
Administrativo 3 do STJ, segundo o qual, aos recursos interpostos
com fundamento no Código Fux (relativos a decisões publicadas a
partir de 18 de março de 2016), serão exigidos os requisitos de
admissibilidade recursal na forma do novo Código.
2. Consoante a jurisprudência desta Corte Superior, a suspensão
da prescrição prevista no art. 200 do CC/2002 tem incidência
quando o fato que deu origem ao dano deva ser apurado,
também, no juízo criminal - tendo havido a instauração de ação
penal ou, pelo menos, de inquérito policial. Julgados: AgInt no
REsp. 1.831.298/CE, Rel. Min. RAUL ARAÚJO, DJe 19.12.2019;
AgInt no REsp. 1.548.593/ES, Rel. Min. REGINA HELENA
COSTA, DJe 16.10.2019; AgInt no AREsp. 1.104.684/PI, Rel. Min.
OG FERNANDES, DJe 14.11.2017.
3. No presente caso, conforme constatado pela Corte de origem, o
fato danoso (morte de detento sob custódia do Estado) foi
também objeto de apuração na esfera penal, com o
oferecimento de denúncia no ano de 1997 e trânsito em julgado
da sentença em 2015 (fls. 187).
Deste modo, não pode ser considerada prescrita a pretensão
indenizatória veiculada no juízo cível em 2010, porquanto
ajuizada a ação respectiva enquanto ainda estava suspensa a
prescrição, nos termos dos julgados acima colacionados.
4. Também não é possível reconhecer o suposto cerceamento de
defesa, diante do julgamento antecipado da lide. A jurisprudência
desta Corte Superior entende que, tendo as instâncias ordinárias
decidido pela suficiência das provas dos autos, não é viável a
inversão de suas conclusões em sede de Recurso Especial.
Julgados: AgInt no AREsp. 1.212.808/SP, Rel. Min. MAURO
CAMPBELL MARQUES, DJe 13.6.2018; REsp. 1.374.541/RJ, Rel.
Min. GURGEL DE FARIA, DJe 16.8.2017.
5. A respeito do termo inicial dos juros de mora, este STJ entende
que sua Súmula 54 aplica-se, também, para as hipóteses de
indenização por danos morais. Tratando-se, no presente caso, de
responsabilidade civil extracontratual, é inafastável a incidência da
Súmula 54/STJ. Julgados: AgInt no AREsp. 1.366.803/PR, Rel. Min.
MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 28.5.2019; AgInt nos EREsp.
1.731.279/SP, Rel. Min. FELIX FISCHER, DJe 2.4.2019; EDcl nos
EREsp.
903.258/RS, Rel. Min. ARI PARGENDLER, Rel. p/ Acórdão Min.
JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJe 11.6.2015..
6. Agravo Interno do Ente Estadual a que se nega provimento.
(AgInt no AREsp 1200539/PE, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES
MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 31/08/2020, DJe
04/09/2020)

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO


NO RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO
ESTADO. PRISÃO SUPOSTAMENTE ILEGAL. AÇÃO DE
INDENIZAÇÃO. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. DATA DO
ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL.
1. O Tribunal a quo alinhou-se ao entendimento firmado no âmbito
deste Sodalício, segundo o qual o prazo prescricional para o
ajuizamento de ação reparatória contra o Estado, em virtude de
alegada prisão ilegal, somente tem início a partir do término da
ação penal ou do arquivamento do inquérito policial.
2 . Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no REsp 1934133/PR, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA,
PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/08/2021, DJe 18/08/2021)

 CASOS ESPECIAIS DE RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

1) Atos legislativos: Segundo a teoria prevalente no Brasil, a edição de atos legislativos


não gera, em regra, a responsabilidade civil do Estado.

Exceção: leis inconstitucionais e leis de efeitos concretos.

Em relação às leis inconstitucionais, o entendimento é de que a função legislativa


deve ser exercida em conformidade com a Constituição. Na hipótese contrária, resta
configurado abuso do poder de legislar, e o Estado responde civilmente pelos danos
decorrentes da aplicação dessa lei. Contudo, o STJ firmou posicionamento de que a
responsabilização civil do Estado por ato legislativo depende da declaração de
inconstitucionalidade da lei pelo STF em sede de controle concentrado, não alcançando,
portanto, a inconstitucionalidade declarada em sede de controle difuso (REsp
571.645/RS, j. 21.09.2006, 2ª Turma, Rel. Min. João Otávio Noronha).

Relativamente às leis de efeitos concretos, o primeiro passo é recordar que a lei em


sentido material é ato normativo dotado de generalidade (não possui destinatários
determinados, aplicando-se a todos os que eventualmente se enquadrarem nos seus
comandos) e abstração (versa sobre hipóteses e não sobre situações concretas
verificadas no mundo). Já a lei de efeitos concretos, apesar de haver passado pelo
processo legislativo constitucionalmente previsto para a formação das leis, somente leva
o nome de “lei” por esse motivo, uma vez que, materialmente (quanto ao conteúdo), ela é
o verdadeiro ato administrativo, e, por conseguinte, se causar dano ao particular, gerará
direito à indenização. Um exemplo clássico é o da lei que cria uma reserva ambiental em
área precisamente delimitada, englobando parcela relevante de imóvel pertencente a
particular, de forma a praticamente impedi-lo de explorar sua propriedade. A lei tem
efeitos danosos concretos para o proprietário, sendo-lhe devida indenização.
2) Omissão legislativa

O STF, em alguns julgados, já se pronunciou favoravelmente ao reconhecimento da


responsabilidade civil da União decorrente de mora legislativa. Contudo, tal
responsabilização não incide automaticamente no momento em que o STF declara a
mora legislativa. Primeiro, a Corte fixa um prazo razoável para que o Congresso Nacional
purgue a mora, ou seja, para que edite a lei reclamada. Se a providência não for tomada
no prazo estabelecido e o Congresso Nacional persistir em mora legislativa, tornar-se-á
cabível a ação de reparação civil por perdas e danos a ser proposta pelos eventuais
prejudicados.

3) Atos jurisdicionais: Regra - impossibilidade, como regra, de responsabilização do


Estado por atos tipicamente jurisdicionais.
Mas a regra não é absoluta. Reconhecendo a natureza mais gravosa dos eventuais atos
lesivos estatais na seara criminal, a Carta Magna prevê no seu art. 5º, LXXV, que “o
Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do
tempo fixado na sentença”.
O erro judiciário de que trata a norma constitucional é aquele referente à esfera penal.
Assim, se alguém foi condenado por decisão judicial transitada em julgado e, em sede de
revisão criminal, conseguir comprovar que a decisão resultou de erro judiciário, o Estado
deverá indenizar o prejudicado.
No caso de excesso no cumprimento da pena privativa de liberdade, o ato lesivo não é
jurisdicional em sentido estrito, pois a atividade exercida pelo Poder Judiciário na fase do
cumprimento de pena imposta por sentença transitada em julgado é uma atividade
essencialmente administrativa.
Em ambas as situações (erro judiciário e excesso de prisão), a responsabilidade será
puramente objetiva, não sendo necessário analisar se houve culpa dos agentes públicos
envolvidos ou mesmo culpa anônima do serviço público.
Questão importante é saber se é cabível responsabilizar o Estado por dano moral, no
caso de prisão preventiva, quando o réu for absolvido na decisão definitiva.
Na jurisprudência do STF predomina a posição de que prisão provisória não enseja
responsabilidade civil do Estado, conforme se observa na ementa do seguinte
julgado:

Constitucional. Administrativo. Civil. Responsabilidade civil do


Estado: Atos dos juízes. CF, art. 37, § 6º. I – A responsabilidade
objetiva do Estado não se aplica aos atos dos juízes, a não ser nos
casos expressamente declarados em lei. Precedentes do Supremo
Tribunal Federal. II – Decreto judicial de prisão preventiva não se
confunde com o erro judiciário (CF, art. 5º, LXXV) mesmo que o réu,
ao final da ação penal, venha a ser absolvido. III – Negativa de
trânsito ao RE. Agravo não provido (RE-AgR 429518/SC, Rel. Min.
Carlos Velloso, 2ª Turma, j. 05.10.2004).

A ideia básica é que, se uma prisão de natureza cautelar foi decretada dentro dos limites
legais, não há qualquer ilicitude, não havendo possibilidade de responsabilização estatal.
O fato de, ao final da ação penal, o réu ser absolvido não significa que houve ilicitude na
prisão cautelar, uma vez que esse instituto não decorre de presunção de culpa, pois, se o
fosse, deveria ser declarado inconstitucional, tendo em vista que ninguém pode ser
considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (CF, art.
5º, LVII).

Por fim, registramos que o art. 143 do Código de Processo Civil prevê que o juiz
responderá, civil e regressivamente, por perdas e danos nas quando: no exercício de
suas funções, proceder com dolo ou fraude; recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo,
providência que deva ordenar de ofício ou a requerimento da parte.
O dispositivo inova ao expressamente prever que em ambas as hipóteses a
responsabilidade do magistrado é regressiva, enquanto a redação do antigo CPC/1973
permitia ao lesado, segundo parcela da doutrina, o ajuizamento da ação de
responsabilização contra a fazenda pública ou diretamente contra o juiz.
Contudo, tal inovação, na prática, é apenas aparente, pois, mesmo sob a égide do
CPC/1973, o Supremo Tribunal Federal já tinha o entendimento de que a ação destinada
à apuração da responsabilidade civil deveria ser ajuizada contra a fazenda pública, sendo
a esta possível responsabilizar o juiz regressivamente nas hipóteses legalmente previstas
(RE 228.977/SP).
Sendo assim, nos estritos termos legais, o procedimento para responsabilização do
magistrado continua a seguir um regime jurídico semelhante ao relativo aos demais
agentes públicos (caráter regressivo).
Contudo, os casos em que tal responsabilização é possível são exclusivamente os
previstos na lei, sendo importante destacarmos que, na primeira hipótese (no exercício de
suas funções, proceder com dolo ou fraude), a comprovação de mera culpa do
magistrado não é suficiente para o surgimento do dever de indenizar. Já na segunda
hipótese (recusa, omissão ou retardamento sem justo motivo, providência que o juiz deva
ordenar de ofício ou a requerimento da parte), basta a culpa, mas o parágrafo único do
dispositivo faz com que a responsabilidade dependa de que a parte requeira ao
magistrado que determine a providência e que ele não aprecie o requerimento em 10
dias.

4) Obras públicas

A responsabilidade decorrente de obras públicas exige o exame de dois aspectos:

1º) se o dano foi causado pelo só fato da obra (em razão da obra em si); e
2º) se a obra estava sendo executada diretamente pela Administração Pública ou se a
Administração contratou sua execução com uma empresa particular.

O dano pelo só fato da obra (em razão da obra em si) é aquele causado por sua
extensão, duração ou localização, independentemente de qualquer erro ou ilicitude na
execução. É aquele que existiria ainda que fossem tomadas todas as precauções
técnicas.

Ex.: construção do famoso Elevado Presidente Costa e Silva (conhecido como


“minhocão”), na cidade de São Paulo. A obra colocou uma movimentada faixa de
rolamento a poucos metros das janelas de vários apartamentos, gerando poluição sonora,
visual e ambiental (química) com a consequente desvalorização dos imóveis atingidos.
Diante da situação, o Supremo Tribunal Federal reconheceu presentes os três requisitos
para a responsabilidade objetiva do Estado (dano, conduta oficial e nexo causal) e,
aduzindo que “a consideração no sentido da licitude da ação administrativa é irrelevante”,
garantiu o direito a indenização a particular prejudicado (RE 113.587/SP).

O fundamento filosófico da responsabilização estatal por atos lícitos é a repartição


equânime dos ônus e bônus da atuação do Poder Público, pois seria injusto que a
atuação lícita estatal beneficiasse grande parcela da coletividade (pela disponibilidade da
obra), mas gerasse exagerado ônus individualizável a grupo de particulares. Assim, tem-
se por justa a repartição do prejuízo por toda a coletividade, o que é obtido mediante o
pagamento de indenização pelo Estado, que usa para tanto dos recursos obtidos com a
cobrança feita a toda a sociedade.

Situação diversa ocorre na hipótese de danos acidentais, ou seja, quando o prejuízo for
causado por falha na execução da obra pública. Nesse caso, se o Estado estiver
executando diretamente a obra, responderá objetivamente pelos danos causados, com
amparo no art. 37, § 6º, da CF/1988. Por outro lado, se a obra estiver sendo executada
por empresas particulares, esta é que responderá subjetivamente pelos danos,
dependendo da prova da culpa ou do dolo. A responsabilidade da empresa contratada
para executar obra pública vem regulada pela Lei 8.666/1993 (Lei de Licitações e
Contratos), que assim prescreve:

Art. 70. O contratado é responsável pelos danos causados


diretamente à Administração ou a terceiros, decorrentes de sua
culpa ou dolo na execução do contrato, não excluindo ou reduzindo
essa responsabilidade a fiscalização ou o acompanhamento pelo
órgão interessado.

5) Atos de multidões

O STF reconhece a responsabilidade civil do Estado por dano causado por multidões –
como é o caso de depredações praticadas por grupos enfurecidos – quando houver culpa
do serviço de segurança pública caracterizada por omissão ou falta de diligência das
autoridades policiais.

Citação para vistorias "ad perpetuam rei memoriam" não interrompe


prescrição. Responsabilidade do Estado pelo ressarcimento de
danos causados pela multidão desenfreada a particulares, quando a
polícia estadual é conivente com os atos depredatórios.
(RE 13982, Relator(a): ARMANDO PRADO - CONVOCADO, julgado
em 24/01/1949)

6) Dano nuclear
A responsabilidade civil por danos nucleares vem prevista no art. 21, XXIII, “d”, da
CF/1988, que estatui que “a responsabilidade por danos nucleares independe da
existência de culpa”, o que leva parte da doutrina a entender que estaríamos diante de um
caso de responsabilidade objetiva regida pela teoria do risco integral, não sujeita,
portanto, a qualquer hipótese excludente.
O caráter objetivo da responsabilidade é incontestável, dada a expressa previsão de que
a responsabilidade “independe da existência de culpa”. Contudo, o dispositivo
constitucional não fornece qualquer elemento capaz de apontar no sentido da
possibilidade ou não de aplicação de cláusulas excludentes da responsabilidade,
elemento que, conforme estudado, diferencia a teoria do risco administrativo (que as
admite) da teoria do risco integral (que não as admite).
A questão nos parece resolvida pela Lei 6.453/1977, que prevê a exclusão da
responsabilidade do operador nos casos de culpa exclusiva da vítima (art. 6º) e nos de
conflito armado, hostilidades, guerra civil, insurreição ou excepcional fato da natureza (art.
8º), que são claras hipóteses de caso fortuito ou força maior. Assim, não nos resta dúvida
de que, ao menos nos termos legais, a responsabilidade civil por danos nucleares é
objetiva na modalidade risco administrativo.
Há quem defenda, contudo, que o legislador constituinte tomou o cuidado de criar um
dispositivo específico para disciplinar a responsabilidade civil por dano nuclear (art. 21,
XXIII, “d”) justamente porque pretendeu dar à hipótese um tratamento diferenciado
daquele previsto para os demais casos de responsabilidade civil do Estado (CF, art. 37, §
6º). A diferença decorreria do risco bem mais elevado a que a exploração de serviços e
instalações nucleares expõe a população e consistiria na ausência de causas excludentes
da responsabilidade do operador (teoria do risco integral). Assim, ainda segundo essa
doutrina, as excludentes previstas na Lei 6.453/1977 não teriam sido recepcionadas pela
Constituição Federal de 1988.
Sobre esse aspecto, registramos que o Brasil é signatário da Convenção de Viena sobre
Responsabilidade Civil por Danos Nucleares, que, apesar de ser de 21.05.1963, somente
foi promulgada e tornada vigente no Brasil com a publicação do Decreto 911/1993, já sob
a égide da Constituição Federal de 1988, portanto. Tal Convenção também prevê
cláusulas excludentes de responsabilidade e não teve sua constitucionalidade contestada.
Como o tema é controvertido, a imensa maioria das provas de concursos públicos, ao
abordar o tema, cinge-se a propor questão sobre o que é indiscutível, que é o caráter
objetivo da responsabilidade civil por danos nucleares.

7) Atentados terroristas, atos de guerra e eventos correlatos

Após os atentados terroristas contra os Estados Unidos da América em 11 de setembro


de 2001, a sensação de insegurança e impotência que tomou conta de boa parte da
humanidade também gerou grandes impactos na economia mundial.

As companhias aéreas sofreram grandes abalos nas suas finanças e, em muitos casos,
precisaram de ajuda estatal. Muitos defendiam a existência de responsabilidade estatal,
tendo em vista que a ocorrência de atentados como os verificados nos EUA demonstraria
falhas nos serviços de inteligência e defesa nacionais. Contudo, há de se ressaltar que a
jurisprudência brasileira não aceita a tese de responsabilidade estatal pela prática de
crimes fundada em alegação genérica de falha dos aparatos de segurança estatais. O
entendimento prevalente é que, nesses casos, a culpa exclusiva de terceiro rompe o nexo
de causalidade, desobrigando o Estado.

Assim, excluída a possibilidade de alegação de falha no serviço como fundamento apto a


obrigar o Estado a indenizar vítimas de atos terroristas e assemelhados, a garantia de
socorro estatal às companhias aéreas, caso eventos semelhantes se verificassem no
Brasil – providência fundamental para a superação da crise que assolava o setor –,
dependeria de previsão normativa expressa. Foi nesse contexto que, apenas 15 dias após
os atentados de 11 de setembro de 2001, foi editada a Medida Provisória 2/2001,
convertida na Lei 10.309/2001, que estabelecia um período de 30 dias durante os quais
danos gerados por eventos daquela natureza seriam indenizados pela União Federal; tal
“cobertura” foi sucessivamente prorrogada por outras normas, até a publicação da Lei
10.744/2003, vigente até os dias atuais.

A Lei 10.744/2003, já no seu artigo inaugural, autoriza a União Federal “a assumir


despesas de responsabilidades civis perante terceiros na hipótese da ocorrência de
danos a bens e pessoas, passageiros ou não, provocados por atentados terroristas, atos
de guerra ou eventos correlatos, ocorridos no Brasil ou no exterior, contra aeronaves de
matrícula brasileira operadas por empresas brasileiras de transporte aéreo público,
excluídas as empresas de táxi aéreo”.

Apesar de haver limitação do montante das despesas de responsabilidade civil que


podem ser assumidas pela União nos citados casos (um bilhão de dólares dos Estados
Unidos da América, segundo o § 1º do art. 1º da Lei), não foram previstas cláusulas de
exclusão da responsabilidade, o que nos leva à conclusão de que estamos diante de um
caso de responsabilidade objetiva que abraçou a teoria do risco integral.

8) Danos decorrentes de serviços notariais e registrais

Os notários e registradores (popularmente conhecidos como “donos de cartórios”)


recebem do Estado a delegação de serviços públicos notariais e registrais e passam a
exercê-los em nome próprio, por sua conta e risco, mas sob fiscalização estatal.

Sempre existiu uma controvérsia grande na doutrina e na jurisprudência quanto ao caráter


subjetivo ou objetivo da responsabilidade civil desses profissionais. Para pôr fim à
polêmica, a nova redação dada pela Lei 13.286/2016 ao art. 22 da Lei 8.935/1994
estabeleceu que “os notários e oficiais de registro são civilmente responsáveis por todos
os prejuízos que causarem a terceiros, por culpa ou dolo, pessoalmente, pelos substitutos
que designarem ou escreventes que autorizarem, assegurado o direito de regresso”. Fica
clara, portanto, a opção legislativa pela responsabilidade subjetiva dos notários e
registradores.

O Estado responde, objetivamente, pelos danos causados por notários e


registradores

Resumo
O Estado responde, objetivamente, pelos atos dos tabeliães e registradores oficiais que,
no exercício de suas funções, causem dano a terceiros, assentado o dever de regresso
contra o responsável, nos casos de dolo ou culpa, sob pena de improbidade
administrativa.
O Estado possui responsabilidade civil direta, primária e objetiva pelos danos que
notários e oficiais de registro, no exercício de serviço público por delegação, causem a
terceiros.
STF. Plenário. RE 842846/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 27/2/2019 (repercussão
geral) (Info 932).

Comentários

Tabelião e registrador oficial

O tabelião e o registrador são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é


delegado o exercício da atividade notarial e de registro. Em linguagem popular, eles são
os “donos” do “cartório” extrajudicial. Apesar de ser uma expressão consagrada na
prática, o termo cartório não é utilizado no corpo da Lei nº 8.935/94, diploma legal que
rege os serviços notariais e de registro (“Lei dos cartórios”).

Tabelião (= notário)

Registrador (= oficial de registro)

Exercem serviços notariais.

Exercem serviços registrais (serviços de registro).

Serviços notariais: redigir, formalizar e autenticar, com fé pública, instrumentos que


consubstanciam atos jurídicos extrajudiciais de interesse dos solicitantes.

Serviços de registro: atividade por meio da qual são praticados os atos previstos na Lei
nº 6.015/73.

Exs: fazer procuração, autenticar assinaturas, lavrar escrituras publicas etc.

Exs: registro de nascimento, casamento, óbito, venda de imóveis, inscrição de penhora


etc.

Exemplos de serventias titularizadas por notários:

• tabelionato de notas;

• tabelionato de protesto.

Exemplos de serventias ocupadas por registradores:

• registro de pessoas naturais;

• registro de imóveis.
Os serviços notariais e de registro são

- atividades extrajudiciais

- de caráter estatal (atividades próprias do Estado)

- mas que são exercidas em caráter privado (ou seja, por particulares pessoas físicas)

- em virtude de delegação feita pelo Poder Público

- após prévia aprovação em concurso público de provas e títulos.


Assim, o tabeliães e registradores oficiais exercem atividades de natureza estatal que
lhes foram delegadas pelo Poder Público.

Essas atividades são munidas de fé pública e se destinam a conferir autenticidade,


publicidade, segurança e eficácia às declarações de vontade.

O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público, e os atos


de seus agentes estão sujeitos à fiscalização exercida pelo Poder Judiciário estadual
(art. 236).

Imagine agora a seguinte situação hipotética:

Juliano é oficial do registro civil de pessoas naturais. Na linguagem popular, ele é o


“dono” do cartório.

Determinado dia, Juliano foi registrar um óbito. Ocorre que ele errou a grafia do nome
do falecido ao fazer a certidão e, em virtude desse equívoco, Maria (a viúva)não
conseguiu obter a pensão por morte no INSS. Maria somente conseguiu resolver a
situação depois de 2 anos, quando finalmente houve a retificação da certidão.

Isso significa que Maria ficou 2 anos sem receber a pensão por morte em virtude do
erro do registrador.

Diante desse cenário, Maria ajuizou ação de indenização unicamente contra o Estado
cobrando os prejuízos que sofreu em virtude do erro do oficial do registro.

A PGE apresentou contestação, em nome do poder público, afirmando que a


responsabilidade do Estado, neste caso, é subsidiária, ou seja, primeiro deveria ser
proposta a ação contra o titular da serventia extrajudicial (registrador) e, somente se ele
não conseguisse pagar a dívida, o Estado seria chamado a indenizar.

A tese sustentada pela PGE é acolhida pelo STF?

NÃO. O STF entende que:

O Estado possui responsabilidade civil direta e primária pelos danos que tabeliães e
oficiais de registro, no exercício de serviço público por delegação, causem a terceiros.
STF. Plenário. RE 842846/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 27/2/2019 (repercussão
geral) (Info 932).

Qual é o tipo de responsabilidade civil do Estado?

Objetiva, nos termos do art. 37, § 6º, da CF/88:

Art. 37 (...)

§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de


serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade,
causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos
de dolo ou culpa.

Ação de regresso

Vale ressaltar, no entanto, que, se o Estado for condenado e pagar a indenização à


vítima, ele tem o dever de cobrar de volta do tabelião ou registrador o valor que pagou.

Em outras palavras, depois de pagar a indenização, o Estado deve, obrigatoriamente,


ajuizar ação de regresso contra o responsável pelo dano.

Se o Estado não ajuizar a ação de regresso, os agentes públicos responsáveis por isso
(exs: Governador, Procurador-Geral do Estado, Secretário de Fazenda, a depender do
caso concreto e da organização administrativa do ente) poderão responder por ato de
improbidade administrativa.

Nesta ação de regresso, o Estado, para ser indenizado, deverá comprovar que o
tabelião ou registrador agiu com dolo ou culpa? Qual é o tipo de responsabilidade civil
dos notários e registradores?

SIM. Trata-se de responsabilidade SUBJETIVA.

Em suma:

O Estado responde, objetivamente, pelos atos dos tabeliães e registradores oficiais que,
no exercício de suas funções, causem dano a terceiros, assentado o dever de regresso
contra o responsável, nos casos de dolo ou culpa, sob pena de improbidade
administrativa.

STF. Plenário. RE 842846/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 27/2/2019 (repercussão
geral) (Info 932).

Seria possível que Maria ajuizasse a ação diretamente contra Juliano (o registrador) ou
ela teria que primeira acionar o Estado?

O STF não discutiu expressamente esse tema.


Há certa polêmica sobre o assunto porque, em se tratando de atos praticados por
servidores públicos, vigora, no STF, a teoria da dupla garantia.

Pela tese da dupla garantia, se uma pessoa sofre dano causado por servidor público,
essa pessoa (vítima) somente poderá ajuizar a ação contra o Estado (Poder Público).
Se este for condenado, irá acionar o servidor que causou o dano, em caso de dolo ou
culpa. Em outras palavras, o ofendido não poderá propor a demanda diretamente contra
o agente público.

O STF não discutiu se essa tese da dupla garantia se aplica também aos titulares das
serventias extrajudiciais.

Minha opinião pessoal é a de que a vítima pode sim ajuizar a ação de indenização
diretamente contra o notário ou registrador. Ela não precisa, necessariamente, acionar
o Estado primeiro. Em outras palavras, não se aplica a tese da dupla garantia para os
notários e registradores. Isso porque os titulares das serventias extrajudiciais não são
servidores públicos.

Além disso, o art. 22 da Lei nº 8.935/94prevê, expressamente, a possibilidade de o


particular lesado ajuizar a ação diretamente contra os notários e registradores. Veja:

Art. 22. Os notários e oficiais de registro são civilmente responsáveis por todos os
prejuízos que causarem a terceiros, por culpa ou dolo, pessoalmente, pelos substitutos
que designarem ou escreventes que autorizarem, assegurado o direito de regresso.

Parágrafo único. Prescreve em três anos a pretensão de reparação civil, contado o


prazo da data de lavratura do ato registral ou notarial. (Redação dada pela Lei nº
13.286/2016).

Repareque o parágrafo único é específico para a ação proposta diretamente pela vítima
contra o titular do cartório, não se aplicando, por exemplo, para a ação de regresso
ajuizada pelo Estado,considerando que estipula como termo inicial da ação não o
pagamento, mas sim a data da lavratura do ato registral ou notarial.

E por que motivo a vítima iria preferir ajuizar a ação diretamente contra o “dono” do
cartório?

• Vantagem para a vítima ao ajuizar a ação diretamente contra o titular do cartório: não
terá que receber a indenização por meio de precatório.

• Desvantagem: terá que provar o dolo ou a culpa do titular do cartório, considerando


que a responsabilidade do notário ou registrador é subjetiva.

A Lei nº 13.286/2016 alterou o art. 22 da Lei nº 8.935/94 prevendo que a


responsabilidade civil dos notários e registradores é subjetiva. Essa opção do
legislador é válida ou viola o art. 37, § 6º da CF/88? O legislador poderia ter
estipulado a responsabilidade subjetiva? Esse dispositivo é constitucional?

A maioria dos Ministros entendeu que sim, ou seja, trata-se de dispositivo


constitucional.
O art. 236, § 1º, da CF/88 é uma norma de eficácia limitada na qual o constituinte
outorgou competência para o legislador infraconstitucional definir qual seria o regime de
responsabilidade dos notários e registradores. Veja:

Art. 236 (...)


§ 1º Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos
notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus
atos pelo Poder Judiciário.

Assim, a responsabilidade civil dos notários e registradores não precisa ser,


necessariamente, objetiva, tal qual prevê o art. 37, § 6º, da CF/88, considerando que o
constituinte facultou ao legislador a opção de estipular regra diversa. Em outras
palavras, a própria Constituição Federal retirou o assento constitucional da regulação
da responsabilidade civil e criminal dos notários, relegando-a à autoridade legislativa.

A disciplina conferida à matéria pelo legislador consagra a responsabilidade civil


subjetiva dos notários e oficiais de registro. Portanto, não compete ao STF fazer
interpretação analógica e extensiva, a fim de equiparar o regime jurídico da
responsabilidade civil de notários ao das pessoas jurídicas de direito privado
prestadoras de serviços públicos (art. 37, § 6º, da CF/88).

Ademais, o art. 37, § 6º, da CF/88 se refere a “pessoas jurídicas” prestadoras de


serviços públicos, ao passo que notários e tabeliães respondem civilmente como
“pessoas naturais” delegatárias de serviço público, nos termos do referido dispositivo
legal.

Jurisprudência do STF

Vale ressaltar que a conclusão acima exposta já era o entendimento do STF. No


entanto, o STJ possuía inúmeros julgados em sentido diferente (ex: AgRg no REsp
1377074/RJ) e agora aquele Tribunal terá que se adequar à posição do STF, tendo em
vista que a tese foi fixada sob a sistemática da repercussão geral.

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