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Antes de falar do filme, posso falar de minha experiência pessoal em relação ao filme.

Sou tia
de um garoto chamado Jackson, que tem 20 anos e possuí implante coclear. Os pais do
Jackson não perceberam que o filho era surdo quando ele nasceu. Eu morava no Paraná com
eles nessa época, e cuidara desse bebê por algum tempo e nada percebia. Voltei para Minas e
passei alguns anos sem vê-los. Após freqüentar uma creche, a professora do Jackson
começou a perceber que ele não respondia a seus chamados nem os dos colegas. A
professora se reuniu com os pais e pediu que o levassem em um especialista que detectou que
era surdo dos dois ouvidos. O especialista explicou que Jackson havia nascido sem a conexão
do cérebro com o ouvido, mas que existia possibilidade de uma cirurgia. Os pais decidiram que
se existisse possibilidade, fariam a cirurgia. A cirurgia foi toda custeada pela empresa onde os
pais trabalhavam, e foi lhes dado toda a assistência necessária. Jackson foi operado de um dos
ouvidos. A cirurgia obteve sucesso e a criança aprendeu a mexer com o aparelho apesar de
não compreender como o aparelho era caro, por várias vezes o deixava estragar e em uma das
vezes simplesmente o jogara fora. Ele freqüentara uma Escola Estadual durante algum tempo
e depois os pais conseguiram matriculá-lo em uma escola especializada para surdos onde
aprendeu a Língua de sinais pela primeira vez. Até então ele não era alfabetizado, e então foi
por intermédio das Libras que aprendeu a ler e a escrever. Jackson não nasceu mudo, apenas
possuí dificuldade com a fala devido a audição. Após a cirurgia ele freqüentou e ainda
freqüenta o Centro especializado de implante coclear na cidade de Bauru, São Paulo. Jackson
freqüentou fonoaudiólogos para que desenvolvesse a fala e melhorasse a dicção, porém fala
apenas frases curtas, e a mãe aprendeu Libras para se comunicar melhor com o filho. Jackson
não ouve nenhum som sem o aparelho, porém consegue perceber vibrações e ruídos agudos.
Quando é interrogado sobre realizar cirurgia no outro ouvido, ele diz que não quer. Percebo
que no caso do Jackson existe uma atraso na aprendizagem no sentido de ser um pouco
imaturo no comportamento em relação aos meninos de sua idade, porém em nenhum momento
percebo que ele seja incapaz de fazer qualquer coisa que outros garotos que ouvem fazem.
Jackson conseguiu se formar no ensino médio, porém os pais enfrentam dificuldade muito
grande para achar um curso visto que ele necessita de uma interprete durante os mesmos. Já
que ainda não possui nenhuma profissão, ele ainda não trabalha. Sua rotina consiste em ficar
em casa e jogar jogos na internet e celular. Jackson não tem nenhum amigo e não gosta de
sair de casa. Comunica-se por mensagens de texto com algumas palavras ou liga para os pais
de chamada de vídeo quando os mesmos não estão em casa.

O filme me abriu os olhos para a trajetória de vida do Jackson, e em como tudo seria se os pais
tivessem escolhido que ele não fizesse a cirurgia. Não dá para julgar como seria, visto que isso
não aconteceu, mas no filme, eu pude perceber a dualidade das opiniões onde cada um dos
personagens representados pelo pai e a mãe de Adam, que cada opinião deve ser respeitada
partindo do ponto que os dois vivem em mundos completamente diferentes. Acredito que como
o pai de Adam, a maioria dos ouvintes acredita que os surdos sejam inferiores em alguma
coisa, quando na verdade eles apenas são diferentes em seu mundo silencioso. O mundo em
que vivem sem os sons é um mundo único, e não pode ser compreendido por nós que
ouvimos. A diferença entre Jackson e Adam é que um nasceu ouvindo e perdeu a audição, e o
outro nasceu surdo e ganhou um ouvido eletrônico. O filme me fez refletir em como podemos
tomar a decisão pelo outro visto que não sabemos o que é melhor para eles. Abriu-me os olhos
em relação a como enxergamos os surdos e desejamos que eles ouvissem quando
poderíamos na verdade tentar compreender um pouco de seu mundo e imergir em sua cultura
surda como o filme nos apresenta. Se pararmos para pensar que a surdez não se apresenta
como uma deficiência e sim como algo diferenciado, poderíamos então parar de querer que os
surdos ouçam, poderíamos então passar a enxergá-los como enxergamos alguém de outro
país porque na verdade é exatamente sobre isso, sobre viver em outro mundo, e em um
panorama completamente diferente do nosso. Automaticamente, quando você deseja que um
surdo ouça, você o considera deficiente. Isso é apenas um ponto de vista, porque também
existe o fato que é apresentado no filme, onde o pai entende que não pode privar o filho de
ouvir porque considera que os sons sejam importantes. Afinal de contas, o que realmente
importa?O que posso perceber de minha experiência pessoal com o Jackson é exatamente
essa dualidade de opiniões apresentadas no filme. Percebo que se o Jackson tivesse
aprendido a Libras e não pudesse ouvir, ele agiria da mesma forma que age, sendo que no
caso dele, percebo que ele não se esforça para ouvir, e nem para pronunciar palavras, mas no
caso da comunicação com os pais, acredito que o implante foi importante. Eu acredito que os
casos são muito específicos, e assistindo ao filme, minha opinião é que cada um deve ser
respeitado por sua forma de pensar. Procurei não tomar partido e mantive a mente aberta para
compreender a razão de cada um de forma individual. Acredito, que mesmo que a mãe de
Adam tomasse a decisão de permitir o implante, ela sempre ficaria em dúvida se foi o melhor
para o filho, da mesma forma acredita que essa dúvida também nortearia a cabeça do pai. O
filme nos coloca pra pensar em como os surdos se sentem com as nossas reações para com
eles. Será que de fato eles querem ouvir como nós?Será que realmente nós os respeitamos
como sendo uma sociedade diferente da nossa ou queremos sempre trazê-los para dentro do
nosso contexto. Assim como os pais de Adam, não têm como sempre querermos tomar essa
decisão pelos surdos.

Sabemos que ao contrário do que existiam no passado, os surdos vêm ganhando espaço nas
universidades, nas empresas, e nos campos onde antes não eram aceitos, mas, mesmo assim,
ainda representam uma minoria. Ainda se faz necessário um maior empenho para que a
sociedade surda se sinta aceita como são, e não “adaptada” para eles como se precisassem se
adequar para nós. Ainda se faz necessário que nós ouvintes aprendamos o idioma Libras para
que nós nos adeqüemos a esse mundo único e diferente. Esse filme nos chama para essa
realidade. Como futuros educadores, precisamos pensar sobre a comunidade surta, nos
empenha para compreender e imergir nessa cultura. Se iremos nos deparar com alunos
surdos, como poderemos então transmitir e receber conhecimento se nada sabemos a
respeito?O fato da mãe de Adam ser uma professora, nos faz refletir em como é importante o
aprendizado da Libras e de acordo com minha experiência como educadora, sei que ainda
existe muito campo a ser explorado nessa área pois, ainda é pequeno o número de professores
nessa área. E se a mãe do Adam não fosse professora? Será que seu desempenho com os
sinais seria o mesmo?Tudo isso, nos leva a reflexões mais profundas, para pensar além do
filme, e não só como educadores, mas também como indivíduos participantes de uma
sociedade que ainda enxerga o surdo como “alguém que está incapaz de fazer algo por não
ouvir.” O avô do Adam no filme, apresenta um papel importante, como alguém que
simplesmente ignora os sons como um aspecto que não o diferencia dos demais na sociedade.
Quantas pessoas nós conhecemos que ocupam cargos importantes e são surdas?
Percebemos que elas ainda representam de fato a minoria. Que a nossa percepção não se
limite apenas nessas aulas de Libras, mas que ela vá para além e nos conduza a um caminho
de pesquisa, estudo e interesse por esse assunto. Gratidão pela indicação do filme.

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