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Relatório do filme MEU NOME É JONAH

“E seu nome é Jonah” é um filme estadunidense de 1979 dirigido por Richard


Michaels e escrito por Michael Botman. Trata-se da história de um menino surdo
que foi diagnosticado erroneamente pelos seus médicos ouvintes e por isso passou
3 anos internado num hospital psiquiátrico, quando descobriu-se que era surdo, o
garoto saiu do hospital para viver com sua família, composta só de ouvintes que
desconheciam qualquer coisa sobre os surdos.
Assim o filme traz representações sociais sobre a surdez, as divido em duas:
a visão das pessoas ouvintes e a visão das pessoas surdas e inseridas na
comunidade surda.
A visão das pessoas ouvintes é uma visão estigmatizada, cheia de ignorância
e preconceitos. Podemos ver isso a partir do próprio diagnóstico errado, mais de 3
anos se passaram até que a surdez fosse considerada. Depois isso apenas
continua, Jonah vai fazer um teste de audição em que recebe recompensa toda vez
que escuta algo: essa situação é muito simbólica, se trata de uma alegoria para
representar a sociedade de maioria ouvinte em que ser ouvinte é o esperado,
incentivado e recompensado. Dessa forma, ser surdo é visto como algo tão negativo
que um dos profissionais que atende o Jonah até diz não usar a palavra surdo pois
não gostam dela e então encaminha o menino para terapias orais e aparelho de
audição. Quando Jonah começa a terapia de oralização, podemos também ver essa
representação ouvinte sobre a surdez, a Sra. Marquart proíbe qualquer sinalização,
segundo ela quando uma criança começa a usar linguagem de sinais fica
preguiçosa no aprendizado da voz e leitura labial. Sra. Marquart representa os
atores que oprimem os surdos, ela representa o Congresso de Milão de 1880 que
numa lógica etnocêntrica ouvinista proibiu a lingua de sinais, em benefício de uma
educação oralista. Essa é a educação que Jonah recebe até que sua mãe entra em
contato com uma outra representação social da surdez, a visão da própria
comunidade surda.
A mãe de Jonah percebe que a educação oralista não está funcionando com
Jonah, mesmo que ela demore para aceitar, percebemos que ela busca novas
opções, como quando ela vê um casal de surdo num consultório e vai atrás deles.
Eles a convidam para um encontro com outros surdos num clube, aí se estabelece
um grande choque cultural que muda para sempre a vida de Jonah, o que só mostra
a importância da exposição cultural surda. No clube há muita gente, música alta,
acolhimento e esclarecimento. Os surdos defendem fortemente o uso da língua de
sinais. Um diálogo que simboliza a potência de despertar de consciência do
encontro é quando a mãe de Jonah diz que gostaria de beber um refrigerante, mas
o surdo ao seu lado não compreendia, a mãe de Jonah então decide se contentar
com uma cerveja, a intérprete que foi chamada para possibilitar a comunicação diz
“Agora você sabe o que é ser surdo. Aceitar algo que não quer porque ninguém te
entende”. Essa frase resumia a vida de Jonah até então.
Isso porque a filosofia educacional adotada na educação do Jonah foi a
filosofia dos ouvintes: oralizar, ensinar leitura labial e proibir a sinalização.
Passamos boa parte do filme vendo várias tentativas fracassadas de ensinar
palavras ao menino. Além de vermos a dificuldade de comunicação o tempo todo,
ao ponto que é agoniante. Essa dificuldade obviamente atravessa toda a vida do
Jonah, na hora de comer, de brincar, de andar de bicicleta, de demostrar qualquer
desejo ou incomodo. Jonah tem medo de pessoas desconhecidas e não consegue
nem sinalizar sua surdez, numa cena muito forte, ele foge de casa e vai parar num
hospital e tem seus membros amarrados pois no hospital ninguém o entendia. Outra
momento que evidencia o fracasso da educação oralista envolve a morte do avô de
Jonah, que passa mal na frente do menino que não entende, e um dia depois do
velório vai procurar o avô na tenda do seu trabalho. Jonah só vai compreender
plenamente e ser capaz de expressar seu luto no final do filme, quando aprende o
sinal de morte e relaciona com o que aconteceu com seu avô.
Além dessa situação familiar marcante, há também o divórcio de seus pais. O
quanto da separação Jonah foi capaz de entender já que a comunicação era tão
precária?
Vale a pena então entrar no tópico de sentimentos, atitudes e relações
presentes na dinâmica familiar. Começando pelo início, quando descobriu-se que
Jonah era surdo, a família não foi atrás de informações, não procurou por outras
pessoas surdas, apenas receberam informações de médicos ou profissionais
ouvintes que carregavam em si uma visão clínica que percebe a surdez como
deficiência, como uma falta, uma anormalidade que deve ser corrigida se possível.
Assim as relações da família se desenvolveram nessa situação de ignorância que
matinha os preconceitos. O pai de Jonah chega até a questionar a habilidade de
pensar do filho, já que ele não sabia palavras. Ele repete ao longo do filme várias
vezes que Jonah não é normal, mas não num sentido de que é preciso parar de
fingir que ele não é surdo, mas no sentido mais cruel e capacitista: Jonah deveria ter
ficado no hospital, lá é que é seu lugar. Depois de expressar isso, o pai de Jonah vai
embora, e só aparece depois para dizer que não suporta ficar perto, mas não
aguenta ficar longe. A mãe diz compartilhar do mesmo sentimento, no entanto, ela
permanece ao lado de Jonah, tentando. Ela claramente ama o filho, mas está presa,
como ela mesma admite no final, numa ilusão de ele pode vir a ser como ela é, uma
pessoa não-surda. Mas Jonah nunca será como a mãe, e ela percebe isso, como já
vimos, ao entrar em contato com a comunidade surda e perceber que o filho pode
ser quem é, um garoto surdo e crescer bem, se comunicando com excelência.
Assim, se estabelece com clareza a necessidade de que, desde o início, a
criança surda tenha contato com seus iguais: crianças e adultos surdos que
acolherão a criança e, inclusive, esclarecerão pa existência de outros surdos, e da
possibilidade de viver bem, crescer, ter sua própria família, emprego, etc.
Além disso, o filme pode ser interpretado como uma crítica aos que ainda
defendem uma educação baseada na filosofia fracassada do oralismo, ou aqueles
que pensam que o mundo é dos ouvintes e se contentam com isso, sem questionar
ou lutar para que o mundo seja de todos, para que todos tenham a educação que
merecem e querem. Respeitar e escutar a opinião dos surdos sobre sua educação é
a primeira coisa que se deve fazer. E como colocado no final: não há controvérsia
na comunidade quanto ao uso da língua de sinais. Sobre as outras estratégias e
metodologias os surdos estão defendendo, deixo esse trecho, que revela o peso da
fundamental da cultura surda:

“Nesse caso surdos que estão defendendo que não há mais surdez,
deficiência, mas a educação deve ser constituída de uma outra modalidade
metodológica, com base na cultura surda. E também neste caso os ouvintes
estão olhando para o surdo como sendo diferentes, isto é aqueles que são
portadores de outra cultura.” (PERLINL, STROBREL, 2008)

REFERÊNCIAS:

STROBEL, Karin; PERLIN, Gladis. Fundamento da educação de surdos. Florianópolis,


2008.

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