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  Participação   das   Crianças   nas   Políticas   Públicas 
Nayana   Brettas 
 
Estamos  diante  de  uma cidade pensada, projetada e construída por adultos e para adultos, que 
"adota  como  parâmetro  o  cidadão  adulto,  abandonando  os  cidadãos  não  adultos"  (Tonucci, 
1997,  p.181).  As  tomadas  de  decisões  relativas  à  organização  dos  espaços  públicos  estão 
cercadas  de  barreiras  relacionadas  à  linguagem  tecnocrática  e  com  estilos  de negociação que 
diluem   a  infância   na   ordem   social   dos   adultos   não   valorizando   o  seu   conhecimento   urbano. 
 
Lima  (1989)  critica esta pretensão dos adultos, arquitetos, planejadores urbanos e políticos de 
acharem  que  podem  construir  espaços  voltados  para  os  interesses  e  desejos  que  não  são  os 
seus   sem   consultarem   e  escutarem   o  que   a  criança   tem   a  dizer.  
 
Em  uma  cidade  planejada  e  construída  por  e  para  adultos,  as  ideias  e  sugestões  das  crianças 
não  são  levadas  em  consideração;  daí  a  necessidade  de  dar  visibilidade  as  suas  formas 
próprias  de  participação  com  e  no  espaço  urbano.  As  observações  de  como  as  crianças 
percebem,  utilizam  e se movem nos espaços da cidade traz elementos importantes que podem 
auxiliar   e  contribuir   na   elaboração   das   políticas   públicas. 
 
A  faixa  etária  apresenta­se  como  o  primeiro  impedimento  de  acesso  a  cidadania  e 
participação  das  crianças.  Para  Soares  (2005)  a  dificuldade  de  compreender  e  promover  a 
participação  das  crianças  reside  no  fato  de  considerar  a  participação  infantil  como  sinônimo 
de   diminuição   de   poder   e  tutela   dos   adultos   sobre   as   crianças. 
 
O  desmantelamento  do  argumento  paternalista  de  que  as  crianças  não  podem  esperar  ter 
direitos  iguais  ao  dos  adultos  porque  não  possuem  as  competências  necessárias  para  o 
exercício  de  tais  direitos  deverá  ser  assumido  como  um  dos  primeiros  desafios  na 
consolidação   da   cidadania   da   infância.   (Soares;   Tomás,   2004,   p.155) 
 
A  infância  é,  portanto,  excluída  da  participação  política sendo invisibilizada na cena pública. 
Promover  a  participação  das  crianças  dando­lhes  voz  para  que  possam  propor  e dar opiniões 
sobre  a  cidade  e  seus  espaços  são  contribuições  importantes  para  aqueles  que  pensam  e 
planejam   a  cidade.  
 
Para  dar  voz  e  visibilidade  as  crianças  a  empresa  CriaCidade  idealizou  e  executa  o  Projeto 
Criança  Fala  que  tem  como  objetivo  ouvir  as  crianças,  por  meio  de  metodologia  lúdica  de 
escuta,  para  incluir  suas  vozes  e  olhares  na  elaboração  de  políticas  públicas,  projetos 
arquitetônicos,   projetos   políticos   pedagógicos,   gestão   de   espaços   e  equipamentos. 
 
O  projeto,  por  meio  de  formações,  empodera  os  adultos  da  metodologia  de  escuta  das 
crianças.  Uma  metodologia  que  respeita  o  universo  lúdico  da  criança  que  adentra  no 
imaginário  das  brincadeiras  para  identificar  o  que  querem,  pensam, sonham, necessitam para 
os   locais   em   que   estão   e  vivem.  
 
A  escuta  da  criança  é  transformada  em  ação  modificando os espaços e suas gestões por meio 
das  sensações  e  da  criatividade.  O  que  as  crianças  querem,  sonham  extrapolam  o  concreto 
para  trabalhar  com  o  campo  das  possibilidades  do  mundo  abstrato  e  das  sensações.  Por 
exemplo:  Uma  criança  quer  uma  praia  na  escola,  não  vamos  pensar  em  uma  única 
possibilidade:  a  praia  no  seu  concreto  o  que  inviabilizaria  a  execução  da  ideia,  mas  vamos 
investigar  o  que  as  crianças  gostam  de  fazer  na  praia  e  quais  sensações  querem  ter.  Um 
menino  de  3  anos  fala  que  gosta  de  fazer  castelo  de  areia,  ao  ser  perguntando  como  faz  o 
castelo  ele  diz  que  enche  o  balde  com  água  do  mar.  Ele  conclui:  se  na  praia  faço  o  castelo 
com   a  água   do   mar   porque   no   parque   da   escola   não   podemos   colocar   uma   torneira.  
 
Para  transformar  a  escuta  da criança em ação ativa­se uma rede colaborativa de parceiros que 
aprendem  a  trabalhar  juntos  com  os  princípios  da  confiança  e  solidariedade.  O  espaço  e  sua 
gestão  transformado  pelos  olhares  criativos,  humanizados,  estéticos,  brincantes,  solidários, 
sustentáveis  das  crianças  re­significa  as  relações  entre  as  pessoas  e  as  relações  das  pessoas 
com   os   espaços. 
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Bibliografia 
 
Lima,   Mayumi   Sousa   (1989).   A  Cidade   e  a  Criança.   São   Paulo:   Nobel.  
 
Sarmento,  Manuel  Jacinto  (2008).  "Sociologia  da  Infância:  Correntes  e  Confluências",  in 
Sarmento,  Manuel  Jacinto  e  Gouvêa,  Maria  Cristina  Soares  de  (org.)  (2008).  Estudos  da 
Infância:   educação   e  práticas   sociais.   Petrópolis.   Vozes   (17­39) 
 
Soares,  Natália  Fernandes  (2005).  Infância  e  Direitos:  Participação  das  Crianças  nos 
Contextos  de  Vida  –  Representações,  Práticas  e  Poderes.  Tese  de  doutoramento  em 
Sociologia   da   Infância.   Braga:   Instituto   de   Estudos   da   Criança   da   Universidade   do   Minho. 
 
Tonucci,  Francesco.  (2003).Cuando  los  Niños  Dicen  !Basta!.  Roma:  Fundación  Germán 
Sánchez   Ruipérez. 
 
Tonucci,  Francesco  (1997).  La  Ciudad  de  los  Niños.  Roma:  Fundación  Germán  Sánchez 
Ruipérez. 
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Nayanna   Brettas   é  Cientista   Social   e  Mestre   em   Sociologia.   Foi   consultora   técnica   do 
Projeto   Mediadores   de   Leitura   da   Fundação   Abrinq   e  coordenadora   do   Projeto   Biblioteca 
para   Primeira   Infância   e  do   Projeto   Brincalendo   do   Instituto   Brasil   Leitor;   membro   da   Rede 
Nacional   Primeira   Infância   e  da   Rede   Wings   For   Change   do   Instituto   Asas;   Fundadora   da 
empresa   CriaCidade;   Idealizadora   e  coordenadora   do   Projeto   Criança   Fala. 

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