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O ENSINO DIFERENCIADO NAS


AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA
Elizângela Cely46 alcance de todos os alunos, mo-
José Henrique47 tivando-os à participação nas
Francis Anacleto48 aulas de educação física median-
Ellen Aniszewski49 te a valorização da autoestima e
percepção de competência.
Resumo: A diferenciação do
ensino tem como ponto de par- Palavras-chaves: Educação
tida o reconhecimento de que Física; Diferenciação do Ensino;
nas salas de aula existem alu- Prática Docente.
nos com diferentes capacidades
e competências, e a consciência Abstract: -
de que a ação pedagógica deve tion of teaching has as its start-
considerar esta diversidade. Este ing point the recognition that in
artigo objetiva conceituar o Ensi- the classrooms there are stu-
no Diferenciado, discutir sua im- -
ties and competences, and the
sua implementação. Trata-se de awareness that the pedagogical
action must consider this diver-
natureza qualitativa, na qual se sity. This article aims to concep-
realizou uma revisão narrativa
da literatura. Colabora com a re- discuss its importance and list
the challenges to its implemen-
e, elucida opções de interven- tation. It is a bibliographical re-
ções que garantam aprendiza- search, of a qualitative nature,
gens escolares efetivas. O ensino in which a narrative review of
diferenciado se estabelece a par- the literature was carried out.
tir da adequação dos objetivos -
e/ou atividades e/ou interven- tion about the teaching prac-
ções docentes ao nível de habi- tice, and, elucidates options of
interventions that guarantee ef-
- -
ção se concretizam na forma de entiated teaching is established
estruturação e organização es- based on the adequacy of the
colar. Sua importância reside no objectives and / or activities and
/ or teaching interventions at
46 Prof.ª Mestre – Secretaria Estadual de Educação do Rio the level of the students’ abili-
47 Prof. Doutor – Universidade Federal Rural do Rio de
Janeiro UFRRJ /GPPEFE. to its implementation are con-
48 Prof. Doutor – Universidade do Vale do São Francisco
UNIVASF/GPPEFE.
cretized in the form of school or-
49 Prof.ª Especialista – Secretaria Municipal de Educação ganization and organization. Its
do Rio de Janeiro.
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importance lies in the reach of -
all students, motivating them to mente aos aspectos atitudinais,
participate in physical education os alunos são capazes de, natu-
classes through the valorization ralmente, perceber as diferenças
of self-esteem and perception of de habilidade entre si na realiza-
competence. ção das tarefas (ALMEIDA; VA-
LENTINI; BERLEZE, 2009).
Keywords: Physical Educa- Na educação física, como em
outras áreas disciplinares, a exis-
tência de alunos com competên-
Teaching Practice.
cias e/ou habilidades diferentes
deve ser administrada pedagogi-
Introdução camente pelo docente. Uma es-
tratégia de administrar positiva-
Numa classe podem-se iden- mente as diferenças individuais
existentes entre os alunos, usan-
de natureza social, cultural, re- do-as como facilitadoras de apren-
ligiosa, étnico-racial, ideológica, dizagem, é o ensino diferenciado.
de habilidade, entre outros. Tais O presente artigo teve como
diferenças se farão presentes se- objetivo conceituar o ensino di-
ja em uma escola localizada na ferenciado, explicitando a sua
cidade, no campo, nas comuni- importância, e, ainda, apresen-
dades em situação de vulnerabi- -
lidade social ou ainda em bairros rados para sua efetivação. Tra-
de alto poder aquisitivo. tou-se de uma pesquisa teórica
Na educação física, essas di- em uma abordagem qualitativa,
ferenças se manifestam indivi- -
dualmente, na medida em que pregado sob a técnica da revisão
cada aluno possui sua própria narrativa da literatura (ROTHER,
vivência motora, fruto de suas 2007). Estudos sobre esse tema
interações e vivências históri- são relevantes à medida que co-
co-sociais, sendo, portanto, na-
tural que o aluno possua mais da prática docente, apresentan-
habilidades em algumas ativi- do opções de ações e/ou inter-
dades, geralmente aquelas com venções em benefício da apren-
as quais está mais familiarizado,
em detrimento de outras. É jus- com diferentes habilidades nas
tamente no ambiente da educa- aulas de educação física.
ção física escolar que as habili-
dades motoras inevitavelmente
Ensino diferenciado
isso mais facilmente perceptível
a diferença nos níveis de habili- Há duas hipóteses a respeito
dades entre os alunos (CARREI- da ocorrência da primeira dife-
RO DA COSTA, 1988). renciação do ensino. A primeira
Ainda que numa classe as ati- é de que teria sido realizada pelo
vidades propostas pelo professor primeiro professor incomodado
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com as diferenças entre seus -
alunos; e, a segunda, é de que ra alguém que não se conhece
teria ocorrido a partir da per- (TOMLINSON, 2008).
cepção de pais, que ao percebe- O ensino diferenciado não
é opcional à prática educativa,
maneira particular de aprender, mas um imperativo, pois sendo
passaram a cobrar dos professo- a escola regida por princípios de-
res atenção a essas diferenças mocráticos e de equidade ao di-
para melhor atendê-los (MAIA, reito à aprendizagem, não po-
2009). de ser encarada como um fast
Na perspectiva de Henrique food, no qual todos comem so-
(2004), embora a diferencia- zinhos, a comida vem em paco-
ção do ensino não constitua uma tes, é igual para todos, é feita à
abordagem nova, só mais recen- distância e não tem sabor (HAR-
temente tem merecido destaque, GREAVES; FINK, 2003).
face à democratização do acesso Na perspectiva da diferencia-
escolar ou à integração de alu- ção do ensino o professor pre-
nos com necessidades educa- cisa planejar para desiguais,
tivas especiais, fato que contri- orientado a atender aos mais e
-
diferenças individuais existentes ferenças são imensas – capaci-
nas classes. dades, estilos de aprendizagens,
Assim, o ensino diferenciado interesses, vivências, condições
- de vida, cultura, etc., e, portan-
to de esforços dos professores to, as respostas dadas pela es-
para atender a todos os alunos cola e pelos professores não po-
em uma sala de aula (TOMLIN- dem ser as mesmas” (CHOUSA,
SON, 2000). Para isso, é preciso 2012, p. 41).
que sejam estabelecidas estra- Assim, diferenciar a ação pe-
tégias variadas, passos e plane- dagógica consiste na adequação
jamento efetivos, pois não será de métodos, técnicas e mate-
possível diferenciar o ensino sem riais, às necessidades e especi-
- -
lizando-a, sempre que possível.
(MACARTHY, 2014). Também consiste no reconheci-
O professor é o mediador mento do que o aluno é capaz de
do processo ensino-aprendiza- realizar quando respeitados seu
gem e responsável pela gestão ritmo de trabalho e aprendiza-
da dinâmica das aulas, e por is- gem (CHOUSA, 2012).
so, num ambiente diferencia- No entanto, o que acontece é
do, deve manter contato direto que os professores muitas vezes
com os alunos, no sentido de co- subestimam as oportunidades
nhecê-los bem nas suas diferen- educativas aos alunos, não ape-
ças individuais e níveis de habi- nas àqueles com menores capa-
lidades, pois é impossível tornar cidades, mas também aos com
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aptidões mais elevadas. Dian- de aprendizagem e meios dife-
renciados para alcançar metas
diferenças de habilidades entre sensivelmente idênticas” (JANU-
os alunos, acabam por oferecer- ÁRIO, 1992, p. 89).
-lhes um ensino pautado em um Ainda no âmbito de proces-
aluno médio hipotético, no qual sos diferenciadores, embora com
todos recebem um tratamen- menos complexidade, se carac-
to igual, mediano e, nivelador. A teriza a Diferenciação Mínima.
questão é que este tipo de ensi- Representa o estágio mais ele-
no perpetua as diferenças, pre- mentar na escala de diferen-
judica a aprendizagem, desmo- ciação do ensino, e mais cor-
tiva os mais habilidosos e exclui rentemente utilizado pelos
os menos habilidosos (CARREI-
RO DA COSTA, 1988). objetivos e conteúdos iguais pa-
De acordo com Januário ra todos os alunos. Nesse caso,
(1992, 1996), as estratégias de o procedimento de diferenciação
diferenciação do ensino podem do ensino se traduz em estraté-
culminar em diferentes níveis de gias de atuação diferenciadas ou
diferenciação. A primeira, con- decisões de ajustamento, como
siderada Diferenciação Máxima, por exemplo: atribuição de tem-
se baseia no estabelecimento de po desigual para as aprendiza-
objetivos de aprendizagem, ati- gens, prioridades na supervisão,
vidades e critérios de avaliação incentivos ou feedback para al-
diferentes para os alunos, assim guns alunos, estímulos verbais e
dito pelo autor: “Estabelecer ob- não verbais (JANUÁRIO, 1996).
jetivos realmente desiguais para -
os alunos, e consequentemente sino insensível às diferenças em
diferentes tipos de tarefas e de classe, culmina na Indiferencia-
critérios de avaliação; considera- ção do Ensino, caracterizado pe-
mos esta estratégia como dife- lo estabelecimento de objetivos,
renciação ‘máxima’” (JANUÁRIO, atividades, estratégias de ensi-
1992, p. 89). no e critérios de avaliação iguais
Outro mecanismo de diferen- a todos os alunos. Nesse caso,
ciação não tão amplo como o an- prevalecerá o contexto indife-
terior, mas ainda retratando um renciado de ensino (JANUÁRIO,
viés de sensibilidade às diferen- 1996). Neste contexto, impe-
ças se refere ao professor pla- ra o ensino planejado em fun-
nejar objetivos iguais aos alu- ção de um aluno médio hipoté-
nos com diferentes habilidades, tico e a classe passa a ser vista
no entanto, propondo atividades como um todo homogêneo, ig-
diferenciadas conforme a diver- norando-se que as tarefas de
sidade em classe. Esta estraté- aprendizagem podem ser tão di-
fíceis para alguns ao ponto de
no nível da Diferenciação Média, causar-lhes frustração ou tão fá-
“envolve a utilização de tarefas cil para outros, desmotivando-os
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(PIMENTEL, 1993). A percepção -
- des, o autor enuncia um possí-
terminada atividade pode induzir vel caminho:
o aluno a técnicas de afastamen-
to das aulas para evitar situa- Os professores que decidirem
ções de vulnerabilidade (LYNGS- avançar por esta prática terão de
TAD; HAGEN; AUNE, 2015). repensar o seu papel e o dos seus
Diante da explícita diversida- alunos, a forma de organização
do trabalho, a natureza das tare-
de de nossos alunos, de diversas
fas a propor e, mesmo, a gestão
naturezas, para a qual se busca do espaço da sala de aula. Não é
a sensibilização dos agentes es- de facto uma tarefa fácil, a acres-
colares, acredita-se crucial que centar a tantas outras que o pro-
os professores pautem o plane- fessor tem de enfrentar no seu
jamento, o ensino e a avaliação
na perspectiva de alcançar, se- 2008, p. 12).
não a todos, a maior parte dos
alunos. No entanto, existem de- Uma sugestão, é que se criem
- parcerias entre professores, o
ra que a diferenciação do ensino que tornará possível um “pen-
efetivamente se torne realidade sar” coletivo. Também se sugere
nas aulas de educação física. que seja aproveitado todo o su-
porte pedagógico que o sistema
educativo puder oferecer.
implementação do O trabalho por projetos tem
sido uma estratégia de inter-
ensino diferenciado venção pedagógica que facilita
a promoção de diferenciação do
A assunção do ensino diferen-
ensino, das atividades e do tem-
ciado como prática pedagógica
po necessário à concretização
pode se dar de diferentes formas
das aprendizagens. O mesmo
de acordo com a disciplina ou ní-
centra-se no trabalho dos alu-
vel de ensino. Não há receitas
nos, ou seja, no aprender, e não
para o desenvolvimento da pro-
apenas na ação e onipresença do
posta de diferenciação do ensi-
professor, ou do ensino (RESEN-
no, posto ser minimamente pos-
DE; SOARES, 2002).
sível a existência de contextos
Outra estratégia possível po-
semelhantes nos diversos níveis
de se dar mediante a aprendiza-
e modalidades de ensino. Além
gem cooperativa:
disso, as condições em que se
processa o ensino impõem limi- A cooperação educativa, o traba-
tes à diferenciação da ação pe- lho a pares ou em pequenos gru-
dagógica em função das carac- pos, para que se atinja o mesmo
terísticas individuais (SANTOS, -
dualista e competitiva da escola.
Pressupõe também que cada um
dos membros do grupo só pode
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atingir o seu objetivo se cada um ensino diferenciado, a saber: “nú-
dos outros o tiver atingido tam- mero de alunos, a exigência dos
bém (CHOUSA, 2012, p. 49). horários uniformes, a concentra-
ção do grupo num local único, a
Quando os alunos trabalham sala de aula, o programa que é
juntos para atingir um objetivo preciso seguir, as regras de ava-
proposto surgem novas ideias, liação que é preciso respeitar”.
saberes e aprendizagens (CHOU-
Este mesmo autor expõe o
SA, 2012), contribuindo para o
quanto lhe causa estranhamen-
desenvolvimento coletivo. So-
to o fato de que mesmo após du-
bre essa questão Resende e So-
ares (2002, p. 56) complemen-
assunto, a maioria dos sistemas
A aprendizagem é um pro- escolares mantenha a ideia de
que apenas o critério idade é su-
a partir dos conhecimentos que
adquirimos ao longo das experi- e determinar o que elas devem
ências vivenciadas, estabelecen- ou não estão prontas a aprender.
do relações múltiplas entre aqui- Em uma aula de educação fí-
lo que já sabemos e os novos sica, ao separar-se um grupo
conhecimentos que adquirimos de alunos de mesma idade, se-
cotidianamente, estabelecendo -
relações múltiplas entre aquilo
que já se sabe e os novos conhe- de condições para aprendizagem
cimentos que, em interação com ou de desenvolvimento motor.
os outros, iremos desenvolver. Isso precisa ser reconhecido e
Outra questão, é que não há respeitado, sob o risco de se im-
como desenvolver processos de por às crianças expectativas que
diferenciação pedagógica que elas não podem atender, crian-
contribuam para a aprendiza- do uma pressão desnecessária e
gem dos alunos, planejada de atrapalhando o seu processo na-
maneira improvisada ou surgi- tural de aprendizagem. Nas au-
da ao acaso, de forma espontâ- las de Educação Física, se os alu-
nea. É preciso que se faça inten- nos não percebem que seu ritmo
cionalmente; decidir o momento de aprendizagem é respeitado,
em que deve ocorrer, que tipo de eles tendem a desistir da prática.
procedimentos devem ser ado- Na pesquisa conduzida por
tados e os motivos pelos quais Henrique (2004), alguns profes-
se diferencia o ensino. Cada uma
destas decisões depende dos ob- procedimentos de diferenciação
jetivos de aprendizagem e das do ensino para não ‘prejudicar’
peculiaridades dos alunos e do os alunos alvo dessas medidas de
professor (SANTOS, 2008). compensação pedagógica, vistas
Perrenoud (1978, p. 40), apre- como uma situação emocional-
- mente constrangedora e de des-
dades para a implementação do motivação para os alunos alvo, ao
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acentuar ainda mais no seio da
turma as diferenças de aptidão. as situações de desprazer causa-
das pelo baixo desempenho mo-
Ensino diferenciado e tor afastavam os alunos das au-
motivação nas aulas las de educação física.
A escolha e condução adequa-
de educação física
da das atividades a serem de-
senvolvidas nas aulas, mediante
Na Educação Física escolar, o
procedimentos de diferenciação
ensino diferenciado pode ser en-
do ensino, contribuirão para con-
carado ainda como um fator pro-
dições de aprendizagem propí-
motor de inclusão e motivação,
cias à capacidade de cada alu-
haja vista que os alunos tendem
no surtindo melhor efeito sobre
a se desmotivar e não participar
a autoestima (HENRIQUE; JANU-
de atividades que não se perce-
ÁRIO, 2005).
bam capazes de realizar, ou ain-
Sendo a diferenciação do ensi-
da, por atividades cujo nível de
no uma estratégia para levar to-
dos os alunos às aprendizagens
por estarem abaixo de sua per-
efetivas, a qual não será possível
cepção de competência, pois
sem a participação nas aulas, os
o contexto das aulas de EF amplia professores precisam se esforçar
a exposição do aluno e de suas -
capacidades em maior grau que gurar o ajuste, fortalecer a voz,
as disciplinas consideradas teóri- e desenvolver a consciência dos
cas. Ante esta natureza, a atitu- alunos (TOMLINSON, 2008).
de e as percepções pessoais do
aluno sobre a própria competên- à medida que os alunos enxer-
cia, o envolvimento nas tarefas gam no professor alguém que
e o desenvolvimento do ensino
está próximo, que os enxerga,
constituem variáveis mediadoras
-
os valoriza, acredita em suas ca-
dagem particularizada (HENRI- pacidades para a realização das
QUE; JANUÁRIO, 2005, p. 3). tarefas propostas e tem verda-
deiro interesse em seu desen-
Dessa forma, a baixa per- -
cepção de rendimento afasta volve nos alunos a consciência
os alunos das atividades práti- de que as atividades desenvol-
cas nas aulas de educação físi- vidas nas aulas contribuem pa-
ca, pois, eles precisam lidar com ra o seu sucesso, não apenas in-
a sensação de fracasso e a fal- dividualmente, mas também no
ta de apoio e incentivo dos co- grupo. Dessa forma é estabe-
legas. Paiano (2006) investigou lecida entre aluno e professor
os motivos que levavam os alu- uma parceria na busca pela ex-
nos a não participarem das aulas celência, pois, quando nos senti-
de educação física e através de mos impulsionados por expecta-
entrevistas com os alunos não tivas e parceria de outrem, nos
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mantemos motivados a perseve- durante as aulas, mesmo quan-
rar (TOMLINSON, 2008). do se propõem a participar da
- atividade (LAMB, 2014; TISCH-
ca fazer a adequação das ativi- LER; MCCAUGHTRY, 2011).
dades à capacidade dos alunos, O conhecimento, a compreen-
- são e a habilidade, direcionam
ta estiver acima da capacida- os alunos a darem sentido ao
de do aluno, o mesmo dedicará seu mundo, realizando o que de-
mais tempo tentando escapar de sejam e desenvolvendo o senso
um possível perigo ou humilha- de agência pessoal, o que resul-
ção, do que propriamente apren- ta na realização do que for pre-
dendo. De outra forma, se o tra- ciso para realizar as atividades
balho é consistentemente muito propostas. Tais oportunidades
fácil, o aluno estará comprome- tornam a aprendizagem subs-
tido em criar maneiras de deixar tantiva, e aumentam a proba-
o tempo passar, pois não haverá bilidade de que os esforços dos
estudantes os levem ao sucesso
atividades difíceis demais, quan- (TOMLINSON, 2008).
to em atividades fáceis demais, Professores em salas de aula
a disposição do aluno para per- diferenciadas têm as condições
- de ajustar o conteúdo ao nível
dade, diminui, pois o ensino não dos alunos, dando instruções em
foi ajustado ao seu nível de com- pequenos grupos compostos por
petência (Ibidem). alunos com mesmo nível de ha-
Às atividades com níveis de bilidade ou com níveis de habili-
- dades diferentes, criando parce-
bilidades dos alunos, a literatu- rias na realização das atividades,
ra apresenta como consequência aplicando atividades com níveis
as “técnicas de esconder” (hi- -
ding techniques) caracterizadas do com a habilidade dos alunos.
por estratégias de fuga das situ- Algumas dessas estratégias fa-
ações de aula que possam com- vorecem o fortalecimento do vín-
prometer a imagem do aluno pe- culo entre os alunos e da coope-
rante a turma ou ainda o colocar ração, para a aprendizagem de
em situação desagradável (LYN- todos, atuando cada um no seu
GSTAD; HAGEN; AUNE, 2015). nível de habilidade.
O aluno ao praticar “técnicas de A voz é o elemento que se
esconder”, poderá realizar a ta- constitui em uma extensão e
refa de forma engraçada, ou ain- aperfeiçoamento do pensamen-
da de forma áspera ou rude, co- to e dá aos alunos o poder sobre
mo forma e intenção de esconder seus próprios destinos. A apren-
sua falta de habilidade com um dizagem não acontece quando
comportamento inusitado. Ou- os alunos não têm a oportuni-
tra maneira de aplicar tal técnica dade de expressar suas ideias,
é evitando muito envolvimento emoções, confusões, ignorâncias
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e preconceitos. Os professores e êxitos posteriores, pois, nem
valorizam a voz dos estudantes todos os alunos aproveitam da
quando os convidam, incenti- mesma forma um tratamento
idêntico (PIÉRON, 1999).
e lhes respondem com honesti- Os alunos aprendem melhor
dade (Ibidem). quando o professor respeita sua
Quando o professor alme- individualidade e ensina aten-
ja pôr em prática o ensino di- dendo a essas diferenças (RE-
ferenciado, precisa criar espa- SENDE; SOARES, 2002). Além
ço à voz do aluno. Este precisará disso, sobre a adequação do pla-
ter abertura para expressar co- nejamento às diferenças entre
mo se sente nas tarefas em re- os alunos, pode-se dizer que:
lação ao seu nível de habilidade,
em relação a si mesmo e em re- A diferenciação pedagógica é ne-
lação à turma. Para isso, é preci- cessária, pois trata-se da identi-
so que haja clareza e honestida-
de entre professor e aluno, para tomada de resposta, a uma varie-
dade de capacidades de uma tur-
que esta questão seja tratada
ma. Tal implica que os mesmos
com naturalidade e o aluno pos- alunos de uma turma não estu-
sa compartilhar, a qualquer tem- dem/trabalhem as mesmas coi-
sas, ao mesmo ritmo e do mesmo
que as diferenças de habilidades modo (CHOUSA, 2012, p. 41).
e de condições para aprendiza-
gem não se evidenciem de for- Trata-se de ensinar de ma-
ma negativa. neira que cada aluno esteja
Diante disso é crucial que o sempre diante de situações di-
professor desenvolva a consci- dáticas ótimas para aprender.
ência dos alunos quanto as suas Exclui-se, portanto, aquelas
capacidades. O aluno precisa ter
consciência do que consegue re- que propõem uma missão im-
alizar, e do que ainda não conse- possível. A exemplo da medici-
gue realizar. Essa consciência é na, no qual um médico não po-
que possibilitará a superação de de dar o mesmo medicamento a
limites (TOMLINSON, 2008). todos os doentes, é preciso re-
A adequação do planejamento alizar diagnósticos individuais
às características dos alunos ad- e adaptar o tratamento a cada
quire importância, pois diz res- um (PERRENOUD, 1986; 2000).
Como consequência da dife-
atividades praticadas por faci- renciação do ensino, entende-se
litarem a transmissão de seus -
-aprendizagem se dê median-
da aprendizagem; (b) adequa- te a modalidade de avaliação
ção da tarefa ao nível de habi- formativa, pois “visa orientar o
lidade do aluno, por representar aluno quanto ao trabalho esco-
uma das chaves para o sucesso lar, procurando localizar as suas
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- Diante disso conclui-se que
cobrir os processos que lhe per- o ensino diferenciado se cons-
mitirão progredir na sua apren- titui em uma ação pedagógica
dizagem” (ALLAL; CARDINET;
PERRENOUD, 1986, p. 14). Des- em que oferece oportunidades
sa forma, não apenas o ensino, iguais de aprendizagem aos alu-
mas a avaliação do aluno ocor- nos. Ocorre quando o profes-
re de maneira diferenciada, res- sor estabelece um ambiente de
peitando seu ritmo de desenvol- aprendizagem capaz de atender
vimento. cada aluno no seu próprio nível
Práticas pedagógicas pauta- de habilidade, levando o mes-
das no suporte às necessidades mo ao crescimento, tendo como
dos alunos estão relacionadas ao ponto de partida o conhecimen-
engajamento comportamental e to que possui. A diferenciação do
emocional dos alunos nas aulas ensino é característica do profes-
otimizando o processo ensino- sor que está preocupado com a
-aprendizagem (DEN BERGHE et aprendizagem de todos os alu-
al., 2015), sendo, portanto, ne- nos, e que almeja que os mes-
- mos desenvolvam seu potencial
to da educação física brasileira, ao máximo.
diante da diminuição da partici- O ensino diferenciado possi-
pação dos alunos nas aulas prá- bilita ao aluno mais habilidoso
ticas de educação física cada vez o desenvolvimento de seu po-
mais cedo, já alcançando o nível tencial, estimulando e oportuni-
fundamental de ensino. zando práticas ajustadas ao seu
-
ção dos limites por ele já alcan-
çados, ao mesmo tempo em que
O ambiente escolar precisa viabiliza ao aluno menos habili-
ser entendido como um espaço doso a prática de atividades ade-
de diversidade em diferentes as- quadas ao seu nível de habilida-
pectos. Nesse sentido, é impres- de, oportunizando uma evolução
cindível ressaltar a importân- a partir de uma sequência pro-
cia do professor em considerar gressiva da atividade, estimu-
as possibilidades e mecanismos lando o crescimento, valorizan-
de diferenciação de ensino apro- do cada progresso, aumentando
priando-se das diferenças entre sua autoestima. A possibilidade
os alunos para a partir delas es- do aluno se sentir motivado pa-
tabelecer métodos, gerir o cur- ra as aulas é maior em um am-
rículo, selecionar e implementar biente de ensino que lhes valori-
atividades, realizar suas inter- ze o estado de seu conhecimento
venções e avaliar, e assim, otimi- e desenvolvimento.
zar as oportunidades de aprendi- A concepção do ensino dife-
zagem em sala de aula. renciado demanda planejamen-
to e preparo sistemáticos, pois
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ao não atender a tais pré-requi- forma de estruturação e organi-
sitos, corre-se o risco de expor zação do sistema educativo e es-
os alunos a contextos constran- colar, no que diz respeito às clas-
gedores, reforçando as diferen- ses com número excessivo de
ças, e pouco colaborando para a alunos, a uniformidade do espa-
efetivação da aprendizagem. ço-tempo para aprendizagens e
Ao conceber um plano de desenvolvimento curricular, bem
ação diferenciador o professor como dos critérios normativos de
precisa conhecer o contexto em avaliação adotados pelos diver-
que os alunos estão inseridos, sos sistemas de ensino. Em vis-
seus níveis de habilidade e suas ta da nossa aproximação dos es-

O planejamento do professor observamos, ainda, que a for-


deverá ser adequado, tendo no mação inicial pouco projeta o de-
nível de habilidades dos alunos senvolvimento de competências
e nos conhecimentos prévios que habilitem os futuros profes-
seu ponto de partida. Envol- sores a conceitualizarem a dife-
ve, também, a preparação dos renciação do ensino na condição
alunos para que conscientes do de atitude pedagógica intencio-
próprio nível de habilidade, se- nal e concreta visando colocar
jam capazes de expressar co- o aluno como sujeito central do
mo se sentem e de avaliar seu processo ensino-aprendizagem.
próprio progresso, tornando-os -
efetivamente parte de seu pro- rentes a uma ação pedagógi-
cesso de aprendizagem. ca diferenciadora são imensos.
Atividades por projetos e em Certamente, muitos professores
pequenos grupos, pela inerente temem que a adoção de estra-
possibilidade que oferecem, são tégias pedagógicas de diferen-
mencionadas na literatura como ciação do ensino constranja os
metodologia que oportunizam de- próprios alunos ao evidenciar as
senvolver o ensino ao nível de co- diferenças em classe, mas tam-
nhecimento dos alunos, potencia- bém não se pode negar a potên-
lizando ações diferenciadoras de cia do sentimento de superação
ensino, pois favorecem a adequa- -
ção dos conteúdos, a interação dizagens que venham a perce-
entre os alunos e, possibilitam ao ber, fruto de uma concepção de
professor o atendimento aos di- ensino que considera a sua di-
ferentes grupos, ou ainda possi- versidade de experiências e co-
bilitam aos alunos ajudarem-se nhecimentos no ambiente esco-
mutuamente de acordo com su- lar. Antecede à adoção do ensino
as habilidades, cooperativamente. diferenciado, como preocupação
- e prática pedagógica permanen-
tação do ensino diferenciado, -
devem-se a inúmeros fatores, -
grande parte deles vinculados a mada de consciência sobre as
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diferenças existentes entre os Superior de Educação Almeida
alunos e a concepção de que es- Garrett. Lisboa, 2012.
tas diferenças estão presentes
DEN BERGHE, L. et al. Student
mesmo nas classes que se pos-
(Dis)Engagement and Need-Sup
sam conceber com mais homo-
portive Teaching Behavior: A
gêneas, i.e., a homogeneidade
Multi-Informant and Multile-
não existe em se tratando de en-
vel Approach. Journal of Sport
sino e aprendizagem. Portanto,
and Exercise Psychology,
a adoção metodológica do ensi-
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Artigo submetido em 12 de
fevereiro de 2017
Artigo aprovado em 06 de
maio de 2017

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