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► CAPÍTULO

205

Hanseníase
Robson A. Zanoli

Aspectos-chave
► A hanseníase se caracteriza pelo acometimento da pele e dos nervos
periféricos, provocando lesões, com redução da sensibilidade e
dormência em mãos e pés.
► A transmissão se dá por contato direto, a partir da eliminação do
Mycobacterium le prae pela via aérea superior (VAS), de uma
pessoa, não tratada, com a forma multibacilar, para outra.
► As reações hansênicas tipo 1 (ou reação reversa) e tipo 2 (ou eritema
nodoso hansênico) devem ser diagnosticadas e tratadas com
urgência, para se evitarem os danos neurais delas decorrentes e as
possíveis incapacidades causadas pela neurite.
► A hanseníase tem cura. Todas as pessoas com hanseníase são
tratadas ambulatorialmente e de forma gratuita, de acordo com
esquema padronizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e
adotado pelo Ministério da Saúde (MS), denominado
poliquimioterapia (PQT).
► A melhor estratégia para prevenir as incapacidades são o diagnóstico
precoce e o tratamento adequado das reações. A prevenção de
incapacidades é o conjunto de medidas que visa a evitar a ocorrência
de danos físicos, emocionais e socioeconômicos. Nos casos de
danos já existentes, a prevenção consiste em medidas para evitar as
complicações.

Caso clínico
Luciana, 26 anos, professora, procura seu médico de família e
comunidade e queixa-se de uma mancha vermelha na coxa direita
que apareceu há cerca de 5 meses. Como a mancha não a
incomodava, já que não apresentava prurido ou qualquer outro
sintoma, procurou atendimento na farmácia próxima à sua casa,
onde o balconista lhe sugeriu que usasse uma pomada para micose.
Após 1 mês usando o medicamento, não notou melhora. Há pouco
mais de 1 mês, percebeu que a mancha se tornou dormente e
estava aumentando, razão pela qual procurou a unidade de saúde
de seu bairro. Diz não conhecer qualquer pessoa com problema de
pele. Não apresenta nenhum outro problema de saúde. O cartão de
vacinas está atualizado. Namora Lucas há 2 anos, com quem
mantém atividade sexual com uso de preservativo. Mora com o pai,
João, a mãe, Marília, e o irmão mais novo, Reinaldo.
Seu exame dermatoneurológico evidenciou mácula avermelhada
com limites precisos em face lateral da coxa direita com cerca de 3
cm de diâmetro e com redução da sensibilidade para o frio (teste
com algodão embebido em éter versus algodão seco). O restante do
exame não apontou qualquer outro problema.

Teste seu conhecimento


1. Analise as afirmativas a seguir:
I. A transmissão da hanseníase ocorre principalmente por
contato direto com a pele de pessoas doentes.
II. A VAS é a principal fonte de eliminação do bacilo para o
meio ambiente, a partir de pessoas doentes.
III. O Mycobacterium leprae tem baixa infectividade e alta
patogenicidade.
Está(ão) correta(s) a(s) seguinte(s) afirmativa(s):
a. Apenas I
b. I e II
c. Apenas II
d. II e III
2. O que é correto dizer em relação ao diagnóstico da hanseníase?
a. É sempre necessária a baciloscopia de pele para conclusão
diagnóstica
b. A sensibilidade térmica é a primeira a ser perdida nas
lesões hansênicas
c. Toda lesão com redução de sensibilidade deve ser
biopsiada para pesquisa da micobactéria e confirmação
diagnóstica
d. Em todo paciente com alteração de nervos, deve ser feita
eletroneuromiografia
3. Deve ser considerado um caso suspeito de hanseníase toda
pessoa que apresente uma ou mais das seguintes
características:
a. Baciloscopia positiva para M. leprae
b. Acometimento de nervo(s) periférico(s), com ou sem
espessamento, associado a alterações sensitivas e/ou
motoras e/ou autonômicas
c. Lesão(ões) ou área(s) de pele com alteração de
sensibilidade
d. Todas as alternativas anteriores
4. Os estados reacionais hansênicos são classificados em tipo I e
II. Analise as afirmativas a seguir:
I. A reação tipo I só ocorre nos casos multibacilares.
II. A reação tipo II tem como característica o eritema nodoso.
III. Nas pessoas com hanseníase e que desenvolvam reação,
a PQT deve ser interrompida, com o objetivo de evitar
interações medicamentosas.
Está(ão) correta(s) a(s) seguinte(s) afirmativa(s):
a. Apenas I
b. Apenas II
c. I e II
d. II e III
5. O que está INCORRETO em relação à PQT?
a. Existe um grande número de casos de resistência aos
fármacos
b. Os efeitos colaterais são raros e geralmente leves
c. Na PQT paucibacilar, a pessoa deve tomar seis doses
supervisionadas em até 9 meses
d. Na PQT multibacilar, a pessoa deve tomar 12 doses
supervisionadas em até 18 meses
Respostas: 1C, 2B, 3D, 4B, 5A

Do que se trata
Também conhecida como mal de Hansen, lepra ou simplesmente MH, a
hanseníase é uma doença infecciosa causada pelo Mycobacterium leprae, ou
bacilo de Hansen.1 Contagiosa, em alguns casos, a hanseníase é uma doença de
curso crônico com períodos agudos denominados reações hansênicas.2
De acordo com a OMS, no final de 2015, 176.176 pessoas estavam em
tratamento poliquimioterápico no mundo, ao passo que o número de novos casos
detectados reduziu de 215.656, em 2013, para 211.973, em 2015.3
Em 2015, o Sistema de Informação de Notificação de Agravos (SINAM)
registrou 28.761 casos novos de hanseníase no Brasil, o que corresponde a um
coeficiente de detecção geral de 14,07 casos novos por 100 mil habitantes, e as
regiões Nordeste, Centro-Oeste e Norte são as responsáveis pelo maior número
de casos.4
O M. leprae (bacilo de Hansen) é álcool-ácido-resistente, parasita intracelular
obrigatório, com afinidade por células cutâneas e células dos nervos periféricos
(células de Schwann), sítios em que ele pode proliferar-se.1,5
O homem é considerado o único reservatório natural do bacilo.1 A sua
transmissão ocorre pela VAS (mucosa nasal e orofaríngea) a partir de pessoas
com as formas multibacilares (MBs), sem tratamento.5
É necessário o contato prolongado com indivíduos doentes MBs não tratados
para contrair a doença, o que torna os contatos intradomiciliares o primeiro meio
para adquiri-la.1
Tratando-se de uma doença polimorfa em suas apresentações clínicas, a
hanseníase é classificada com o objetivo de facilitar o seu manejo.
Das muitas classificações, duas merecem destaque: a clínica – classificação de
Madri (Quadro 205.1) – e a da OMS (Quadro 205.2).6

Quadro 205.1 | Sinopse para classificação das formas clínicas de


hanseníase

Classificação
Aspectos clínicos Baciloscopia Formas clínicas operacional

Áreas de hipo ou Negativa Indeterminada PB


anestesia, manchas (HI) (ver Figura
hipocrômicas e/ou 205.1)
eritemato-
hipocrômicas, com ou
sem diminuição da
sudorese e rarefação
de pelos, sem
comprometimento dos
nervos
Placas eritematosas, Negativa Tuberculoide PB
eritemato- (HT) (ver Figura
hipocrômicas, bem- 205.2)
delimitadas, hipo ou
anestésicas, podendo
ocorrer
comprometimento de
nervo

Eritema e infiltração Positiva (bacilos Virchowiana (HV) MB


difusos, placas abundantes e (ver Figura
eritematosas, globias) 205.3)
infiltradas e de bordas
mal definidas,
tubérculos e nódulos,
madarose, lesões das
mucosas, com
alteração de
sensibilidade

Lesões pré-foveolares Positiva (bacilos Dimorfa (HD) MB


(eritematosas e e globias ou com (ver Figura
planas com centro raros bacilos) ou 205.4)
claro), lesões negativa
foveolares
(eritematopigmentares
de tonalidade
ferruginosa ou
pardacenta),
apresentando
alteração na
sensibilidade
MB, multibacilar; PB, paucibacilar.
Fonte: Espírito Santo. Secretaria de Estado de Saúde.1

Quadro 205.2 | Classificação da hanseníase segundo a Organização


Mundial da sáude

Classificação Critérios

Paucibacilar Pessoas com até cinco lesões cutâneas


Multibacilar Pessoas com mais de cinco lesões cutâneas
Fonte: World Health Organization.6
▲ Figura 205.1
Hanseníase indeterminada.

Quando pensar
Diante de toda pessoa com lesão de pele, o diagnóstico de hanseníase deve ser
lembrado, porque o Brasil é um país onde a doença ainda é um problema de
saúde pública, sobretudo nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
▲ Figura 205.2
Hanseníase tuberculoide.
▲ Figura 205.3
Hanseníase virchowiana.
▲ Figura 205.4
Hanseníase dimorfa.

O diagnóstico de hanseníase é essencialmente clínico e epidemiológico,


realizado por meio da análise da história, das condições de vida do indivíduo e
do exame dermatoneurológico, para identificar lesões ou áreas de pele com
alteração de sensibilidade e/ou comprometimento de nervos periféricos. Em
poucas situações, é necessária a utilização de exames laboratoriais ou de exames
complementares para definição do diagnóstico.
É considerado um caso de hanseníase o indivíduo que apresenta pelo menos
uma das características a seguir, com ou sem história epidemiológica, e que
requer tratamento específico:7

● Lesão(ões) e/ou área(s) da pele com alteração de sensibilidade.


● Acometimento de nervo(s) periférico(s), com ou sem espessamento,
associado a alterações sensitivas e/ou motoras e/ou autonômicas.
● Baciloscopia positiva de esfregaço intradérmico.

O que fazer

Anamnese
Na anamnese, deve ser valorizada qualquer alteração na pele, como manchas
hipocrômicas ou eritematosas, placas, infiltrações, nódulos ou tubérculos, bem
como o tempo de seu aparecimento e sua evolução; possíveis alterações de
sensibilidade em áreas da pele; presença de dores nos nervos periféricos, assim
como fraqueza de mãos e/ou pés e cãibras.5 Uma história epidemiológica
negativa para hanseníase não exclui seu diagnóstico.

Exame físico
Para chegar ao diagnóstico de hanseníase, o exame dermatoneurológico e a
correta interpretação dos achados são de importância fundamental.
A avaliação objetiva da sensibilidade nas lesões ou áreas suspeitas é realizada
por meio dos testes de sensibilidade. Pesquisam-se três modalidades de
sensibilidade: térmica, dolorosa e tátil, que se alteram nesta ordem.1
O teste de sensibilidade térmica é realizado com um pedaço de algodão seco,
que representa a temperatura quente, e outro embebido em éter, que, por ser
volátil, dá a sensação de frio ao ser encostado na pele. Tocam-se levemente as
lesões de forma aleatória com os dois pedaços de algodão. Na presença de
hipoestesia térmica, o indivíduo é incapaz de sentir o algodão frio, de forma total
e/ou diminuída.1,5
Para a avaliação da sensibilidade dolorosa, utiliza-se a ponta de um alfinete ou
agulha estéril, tocando-se aleatoriamente a área de pele sã e a suspeita com a
ponta do alfinete ou da agulha. Na área com diminuição de sensibilidade, a
pessoa não sentirá dor.1,5
A sensibilidade tátil é verificada tocando-se com algodão ou gaze e pedindo-
se ao indivíduo que aponte ou nomeie os locais testados. Nas áreas com
diminuição de sensibilidade, ele não sentirá o toque.1,5
A avaliação neurológica é realizada por meio da inspeção e da pesquisa de
sensibilidade de olhos, mãos e pés, inspeção do nariz e avaliação da força
muscular de mãos e pés. Também deve ser feita a avaliação dos principais
troncos nervosos periféricos: facial e trigêmeo (avaliação indireta por meio do
exame dos olhos) e a palpação dos nervos radial, ulnar, mediano, fibular e tibial
(Figuras 205.5 a 205.9).1 Os troncos nervosos devem ser palpados, buscando-
se alterações de espessura, consistência e dor (neurite). É importante que seja
feita a comparação com o nervo contralateral, pois as variações individuais são
grandes.
Exames complementares

Baciloscopia de pele
A baciloscopia deve ser feita no momento do diagnóstico em todos os pacientes,
independente da forma clínica.1 É importante lembrar-se de que a baciloscopia
negativa não afasta o diagnóstico, já que as formas PBs indeterminada e
tuberculoide sempre apresentam exame baciloscópico negativo.

Outros testes diagnósticos


Nos casos em que haja dificuldade para realização dos testes de sensibilidade,
como nas crianças e em indivíduos com alguma deficiência, podem ser
realizadas as provas da histamina e da pilocarpina. Embora raramente seja
necessário, o exame histopatológico de lesões suspeitas também pode ser feito.

▲ Figura 205.5
Palpação do nervo radial.
▲ Figura 205.6
Palpação do nervo ulnar.
▲ Figura 205.7
Palpação do nervo mediano.
▲ Figura 205.8
Palpação do nervo fibular.
▲ Figura 205.9
Palpação do nervo tibial.

A eletroneuromiografia (ENMG) é útil para demonstrar o comprometimento


do nervo e, às vezes, pode ser utilizada para o diagnóstico. Os exames citados
não são realizados na atenção primária, apenas nos centros de referência para
tratamento de hanseníase, em situações clínicas especiais.
A principal diferença entre hanseníase e outras doenças dermatológicas é a
perda da sensibilidade nas lesões de pele, sempre presente na primeira. Os
principais diagnósticos diferenciais estão listados no Quadro 205.3.

Quadro 205.3 | Diagnósticos diferenciais em relação às formas clínicas da


hanseníase

Hanseníase Hanseníase
indeterminada tuberculoide Hanseníase virchowiana

► Pitiríase alba ► Dermatofitose ► Neurofibromatose


► Pitiríase versicolor ► Pitiríase rósea ► Linfoma
► Nevos hipocrômicos ► Sarcoidose ► Sífilis
► Vitiligo ► Granuloma anular ► Colagenoses
► Pinta ► Sífilis ► Leishmaniose
► Psoríase tegumentar
► Esclerodermia ► Farmacodermias
► Lúpus eritematoso ► Xantomatose

Fonte: Duncan e colaboradores2 e Brasil.5

Conduta proposta

Tratamento
A hanseníase tem cura. Todo paciente deve ser informado no diagnóstico que,
com o tratamento adequado, a doença será curada.
Todos os indivíduos com hanseníase são tratados ambulatorialmente e de
forma gratuita, de acordo com esquema padronizado em 1982 pela OMS e
adotado pelo MS a partir de 1986, denominado PQT.1,2,4,5,7
O tratamento tem como objetivos principais curar o paciente, prevenir e tratar
incapacidades e controlar a endemia.5
Nos Quadros 205.4 e 205.5, são descritos os esquemas terapêuticos
adotados nas formas PB e MB, respectivamente. A melhor terapêutica PQT, PB e
MB, em crianças ou adultos com peso menor do que 30 kg se baseia no peso
corporal, como mostra a Tabela 205.1.

Quadro 205.4 | Esquema poliquimioterápico-padrão (Organização Mundial


da Sáude) – paucibacilar

Adulto RFM: dose mensal de 600 mg (2 cápsulas de


300 mg) com administração supervisionada.

DDS: dose mensal de 100 mg supervisionada


e dose diária de 100 mg autoadministrada.

Criança RFM: dose mensal de 450 mg (1 cápsula de


150 mg e 1 cápsula de 300 mg) com
administração supervisionada.

DDS: dose mensal de 50 mg supervisionada e


dose diária de 50 mg autoadministrada.

Duração: seis doses supervisionadas.


Seguimento dos casos: comparecimento mensal para dose supervisionada.
Critério de alta: o tratamento estará concluído com seis doses supervisionadas
em até 9 meses. Na 6a dose, as pessoas deverão ser submetidas ao exame
dermatológico, à avaliação neurológica simplificada e do grau de incapacidade
física e receber alta por cura.
DDS, dapsona; RFM, rifampicina.
Fonte: Brasil.7

Quadro 205.5 | Esquema poliquimioterápico-padrão (Organização Mundial


da Saúde) – multibacilar

Adulto RFM: dose mensal de 600 mg (2 cápsulas de


300 mg) com administração supervisionada

DDS: dose mensal de 100 mg supervisionada


e uma dose diária de 100 mg autoadministrada
CFZ: dose mensal de 300 mg (3 cápsulas de
100 mg) com administração supervisionada e
uma dose diária de 50 mg autoadministrada

Criança RFM: dose mensal de 450 mg (1 cápsula de


150 mg e 1 cápsula de 300 mg) com
administração supervisionada

DDS: dose mensal de 50 mg supervisionada e


uma dose diária de 50 mg autoadministrada

CFZ: dose mensal de 150 mg (3 cápsulas de


50 mg) com administração supervisionada e
uma dose de 50 mg autoadministrada, em dias
alternados

Duração: 12 doses supervisionadas.


Seguimento dos casos: comparecimento mensal para dose supervisionada.
Critério de alta: o tratamento estará concluído com 12 doses supervisionadas
em até 18 meses. Na 12a dose, as pessoas deverão ser submetidas ao exame
dermatológico, à avaliação neurológica simplificada e do grau de incapacidade
física e receber alta por cura.
Os pacientes MB que excepcionalmente não apresentarem melhora clínica,
com presença de lesões ativas da doença, no final do tratamento preconizado
de 12 doses, deverão ser referenciados para avaliação em serviço de
referência para verificar a conduta mais adequada para o caso.
CFZ, clofazimina; RFM, rifampicina; DDS, dapsona.
Fonte: Brasil.7

Tabela 205.1 | Terapêutica segundo o peso corporal

Dose mensal Dose diária

RFM: 10-20 mg/kg –

DDS: 1,5 mg/kg DDS: 1,5 mg/kg

CFZ: 5 mg/kg CFZ: 1 mg/kg


RFM, rifampicina; DDS, dapsona; CFZ, clofazimina.
Fonte: Brasil.7

Dicas

► Em pessoas MBs que iniciam o tratamento com índice


baciloscópico alto ou que apresentem reações e lesões de
nervos com mais frequência, ao final da 12a dose, devem
submeter-se à avaliação clínica e à prevenção de incapacidades
e, se possível, realizar nova baciloscopia.
► A gravidez e o aleitamento materno não contraindicam o uso da
PQT/OMS, e essas pessoas podem ser tratadas seguindo os
esquemas adequados para seus casos.
► Nos indivíduos com tuberculose (TB), deve ser mantido o
tratamento dessa doença, sendo a dose de RFM para TB
associada à DDS diária, nos PBs, e à DDS diária e CFZ mensal
e diária, nos MBs.
► Pessoas HIV-positivas ou com Aids devem ter o tratamento PQT-
padrão mantido, lembrando que a dose mensal de RFM não
interfere na ação dos antirretrovirais (ARVs).
► Os efeitos adversos aos medicamentos que compõem a PQT
não são frequentes e em geral são bem tolerados. Nos casos
com suspeita de efeitos adversos aos fármacos da PQT, deve-se
suspender imediatamente o esquema terapêutico e referenciar o
paciente para unidades de referência em hanseníase.1,7

Quadro 205.6 | Recomendações para aplicação de vacina BCG nos


contatos intradomiciliares sadios de pessoas com hanseníase

Avaliação da cicatriz vacinal Conduta

Sem cicatriz Prescrever uma dose

Com uma cicatriz de BCG Prescrever uma dose

Com duas cicatrizes de BCG Não prescrever dose


Fonte: Brasil.7

Dicas

► Considera-se como contato intradomiciliar toda pessoa que


resida ou residiu (mesmo não familiar) nos últimos 5 anos com
indivíduos apresentando hanseníase, independente de sua
forma clínica.5,7 Todos os contatos devem ser convocados para
fazer o exame dermatoneurológico.
► A vacina BCG-ID (bacilo de Calmette e Guérin – intradérmico)
deverá ser aplicada nos contatos intradomiciliares sem presença
de sinais e sintomas de hanseníase no momento da avaliação,
independente de serem contatos de casos de PB ou de MB. A
aplicação da vacina segue as recomendações descritas no
Quadro 205.6. Contatos intradomiciliares de hanseníase com
menos de 1 ano, já vacinados, não necessitam da aplicação de
outra dose de BCG. Contatos intradomiciliares de hanseníase
com mais de 1 ano, já vacinados com a primeira dose, devem
seguir as instruções do Quadro 205.6.7

Quando referenciar
Indivíduos com hanseníase poderão ser referenciados às unidades de referência
nas seguintes situações:1

● Suspeita de recidiva.
● Forma neural pura.
● Reações hansênicas que não responderem à terapêutica-padrão.
● Reações adversas aos medicamentos.
● Incapacidades físicas que necessitem de fisioterapia ou cirurgia
reabilitadora.
● Dúvida diagnóstica.

Erros mais frequentemente cometidos


► Retornar com a PQT, após alta por cura, nos pacientes que
desenvolvem reação hansênica (ver a seguir).
► Suspender a PQT na vigência de estado reacional.
► Confundir as reações hansênicas com os efeitos adversos dos
medicamentos da PQT.
► Solicitar o derivado proteico purificado (PPD, do inglês purified
protein derivative) (teste tuberculínico/mantoux) antes de
administrar a vacina BCG aos contatos sadios.
► Afastar a possibilidade de hanseníase quando o resultado da
baciloscopia for negativo.
► Não examinar todo o corpo da pessoa.

Prognóstico e complicações possíveis


A hanseníase tem cura com o tratamento poliquimioterápico, e os pacientes
recebem alta após seis doses supervisionadas, nos casos PBs, e após 12 doses
supervisionadas, nos casos MBs.
Os casos de recidiva em hanseníase são raros e em geral ocorrem em período
superior a 5 anos após a cura.7 Todos os casos suspeitos de recidiva devem ser
confirmados por unidades de referência.
As complicações mais frequentes em uma pessoa com hanseníase são as
reações. As reações hansênicas ou estados reacionais são processos inflamatórios
agudos ou subagudos no decorrer da infecção crônica hansênica. São
desencadeadas por mecanismos imunológicos distintos, seja por alterações na
imunidade celular, ou por distúrbios da imunidade humoral.1,5,7
As reações podem ocorrer antes (às vezes, levando à suspeição diagnóstica de
hanseníase), durante ou após o término (meses a anos) do tratamento PQT. Caso
aconteçam durante o tratamento, este não deverá ser interrompido, mas, caso
aconteçam posteriormente ao término da PQT, o mesmo não deve ser
reiniciado.1,7,8
Elas ocorrem nos casos tuberculoides, dimorfos e virchowianos, de forma
mais comum nos casos MBs, sobretudo nos primeiros 5 meses de tratamento.1
Aproximadamente 30 a 35% dos indivíduos com hanseníase desenvolvem
reação ou dano neural em algum momento no curso da doença.8 O diagnóstico
das reações hansênicas é feito pelo exame físico geral e dermatoneurológico.
É muito mais importante e urgente reconhecer e tratar os danos neurais do que
decidir qual é o tipo de reação (Tipos I e II). O Quadro 205.7 ilustra as
diferenças entre os tipos de estados reacionais.

Quadro 205.7 | Diferenças entre as reações hansênicas tipos I e II

Sinais e
sintomas
Reação tipo I Reação tipo II

Forma clínica PBs e MBs (mais MBs


frequentemente)

Área Mais localizado nas lesões Generalizada/sistêmica


envolvida preexistentes

Inflamação da As lesões de pele estão Nódulos sensíveis ao toque,


pele inflamadas (eritema e vermelho-violáceos,
edema), mas o resto da independentemente da localização
pele está normal das lesões preexistentes

Acometimento Frequente Menos frequente


neural

Estado geral Bom, sem febre ou com Ruim, com febre e mal-estar geral
do paciente febre baixa

Tempo de Precocemente durante a Mais tardiamente no curso do


aparecimento PQT, tanto em paciente PB tratamento; apenas nos casos
e tipo de quanto em MB MBs
paciente
PBs, paucibacilares; MBs, multibacilares; PQT, poliquimioterapia.
Fonte: Andrade e colaboradores.9

Os indivíduos portadores de estados reacionais devem ser tratados em


unidades de referência e acompanhados pelo médico de família e comunidade.
O Quadro 205.8 traz os esquemas utilizados para o tratamento dos
respectivos estados reacionais (ver Figuras 205.10 e 205.11).
Quadro 205.8 | Esquemas terapêuticos para os estados reacionais

Reação tipo I Reação tipo II

Prednisona na dose de 1-1,5 Talidomida 100-400 mg/dia (D); introduzir


mg/kg/dia (D) corticosteroide em caso de comprometimento
de nervos, segundo o esquema para reação
tipo I

Manter PQT se paciente ainda Manter PQT se paciente ainda estiver em


estiver em tratamento tratamento específico
específico

Imobilizar o membro afetado Imobilizar o membro afetado com tala gessada


com tala gessada em caso de em caso de neurite associada
neurite associada

Monitorar a função neural Monitorar a função neural sensitiva e motora


sensitiva e motora

Reduzir a dose de corticoide Reduzir a dose de talidomida e/ou corticoide


conforme resposta terapêutica conforme resposta terapêutica
PQT, poliquimioterapia.
Fonte: Andrade e colaboradores.9
▲ Figura 205.10
Reação tipo I.
▲ Figura 205.11
Reação tipo II.

Dicas

► Na utilização da prednisona, devem ser tomadas algumas


precauções:7–9
► Registro do peso, da pressão arterial (PA) e da glicemia de jejum
no sangue para controle.
► Tratamento antiparasitário com medicamento específico para St
rongiloydes stercora lis, prevenindo a disseminação sistêmica
desse parasita (tiabendazol 50 mg/kg/dia, em 3 doses por 2 dias,
ou 1,5 g/dose única, ou albendazol na dose de 400 mg/dia,
durante 3 dias consecutivos).
► Profilaxia da osteoporose: cálcio 1.000 mg/dia, vitamina D 400-
800 UI/dia ou bisfosfonatos (p. ex., alendronato 10 mg/dia).
► A talidomida é contraindicada em mulheres em idade fértil (Lei no
10.651, de 16 de abril de 2003) devido a seu efeito teratogênico
(focomelia). Nesses casos, usar pentoxifilina na dose de 400 mg,
3x/dia, mantida por 2 a 3 meses após melhora do quadro, às
vezes associada à prednisona 0,5 mg/kg/dia.7–9

Atividades preventivas e de educação


Com o objetivo de atingir o controle da hanseníase no seu território de atuação, o
médico de família e comunidade deve priorizar as ações educativas voltadas para
a população e para as equipes, sensibilizando, junto com os enfermeiros e os
agentes comunitários de saúde, para que atuem como multiplicadores. Devem
ser realizadas atividades buscando melhorar o conhecimento sobre sinais e
sintomas da hanseníase, bem como a importância do diagnóstico precoce, a
difusão da existência de cura e a divulgação dos locais de diagnóstico e
tratamento.
Os problemas dos pacientes devem ser contextualizados em seu estilo de vida
e dentro do convívio familiar. Dessa forma, suas crenças, seus medos,
expectativas, necessidades e forma de encarar a doença devem ser valorizados,
objetivando diminuir o seu sofrimento e o de seus familiares durante o
tratamento.

Papel da equipe multiprofissional


Os profissionais da equipe de saúde devem estar capacitados para realizar uma
escuta ativa da pessoa portadora de hanseníase. Precisam estar preparados para
realizar as atividades de diagnósticos, além de desenvolver atividades educativas
junto aos demais profissionais dos demais pontos de atenção da rede de saúde,
ressaltando a importância do diagnóstico precoce para prevenir as incapacidades
físicas.1 São atribuições dos profissionais de saúde:

Agente comunitário de saúde


● Identificação e referenciamento dos casos suspeitos de hanseníase ou de
reação hansênica à unidade de saúde de sua área.
● Orientação sobre hanseníase na visita domiciliar, tanto à família quanto à
comunidade.
● Acompanhamento mensal da pessoa em tratamento.
● Identificação e busca por pacientes que faltam ao tratamento.1

Enfermeiro(a)
● Suspeição diagnóstica em pessoas com sinais e sintomas de hanseníase e
referenciamento para sua confirmação.
● Realização das atividades de investigação epidemiológica do caso suspeito.
● Administração do esquema de tratamento PQT:
■ Consulta mensal, com avaliação do estado geral da pessoa em
tratamento com PQT, identificando casos com reações hansênicas,
efeitos colaterais das medicações e demais intercorrências;
● Realização de atividades educativas junto à equipe de saúde, aos doentes e
seus familiares e à comunidade em geral.1

REFERÊNCIAS
1. Espírito Santo. Secretaria de Estado de Saúde. Diretrizes clínicas: hanseníase. Vitória: SES/SE; 2008.

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