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205
Hanseníase
Robson A. Zanoli
Aspectos-chave
► A hanseníase se caracteriza pelo acometimento da pele e dos nervos
periféricos, provocando lesões, com redução da sensibilidade e
dormência em mãos e pés.
► A transmissão se dá por contato direto, a partir da eliminação do
Mycobacterium le prae pela via aérea superior (VAS), de uma
pessoa, não tratada, com a forma multibacilar, para outra.
► As reações hansênicas tipo 1 (ou reação reversa) e tipo 2 (ou eritema
nodoso hansênico) devem ser diagnosticadas e tratadas com
urgência, para se evitarem os danos neurais delas decorrentes e as
possíveis incapacidades causadas pela neurite.
► A hanseníase tem cura. Todas as pessoas com hanseníase são
tratadas ambulatorialmente e de forma gratuita, de acordo com
esquema padronizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e
adotado pelo Ministério da Saúde (MS), denominado
poliquimioterapia (PQT).
► A melhor estratégia para prevenir as incapacidades são o diagnóstico
precoce e o tratamento adequado das reações. A prevenção de
incapacidades é o conjunto de medidas que visa a evitar a ocorrência
de danos físicos, emocionais e socioeconômicos. Nos casos de
danos já existentes, a prevenção consiste em medidas para evitar as
complicações.
Caso clínico
Luciana, 26 anos, professora, procura seu médico de família e
comunidade e queixa-se de uma mancha vermelha na coxa direita
que apareceu há cerca de 5 meses. Como a mancha não a
incomodava, já que não apresentava prurido ou qualquer outro
sintoma, procurou atendimento na farmácia próxima à sua casa,
onde o balconista lhe sugeriu que usasse uma pomada para micose.
Após 1 mês usando o medicamento, não notou melhora. Há pouco
mais de 1 mês, percebeu que a mancha se tornou dormente e
estava aumentando, razão pela qual procurou a unidade de saúde
de seu bairro. Diz não conhecer qualquer pessoa com problema de
pele. Não apresenta nenhum outro problema de saúde. O cartão de
vacinas está atualizado. Namora Lucas há 2 anos, com quem
mantém atividade sexual com uso de preservativo. Mora com o pai,
João, a mãe, Marília, e o irmão mais novo, Reinaldo.
Seu exame dermatoneurológico evidenciou mácula avermelhada
com limites precisos em face lateral da coxa direita com cerca de 3
cm de diâmetro e com redução da sensibilidade para o frio (teste
com algodão embebido em éter versus algodão seco). O restante do
exame não apontou qualquer outro problema.
Do que se trata
Também conhecida como mal de Hansen, lepra ou simplesmente MH, a
hanseníase é uma doença infecciosa causada pelo Mycobacterium leprae, ou
bacilo de Hansen.1 Contagiosa, em alguns casos, a hanseníase é uma doença de
curso crônico com períodos agudos denominados reações hansênicas.2
De acordo com a OMS, no final de 2015, 176.176 pessoas estavam em
tratamento poliquimioterápico no mundo, ao passo que o número de novos casos
detectados reduziu de 215.656, em 2013, para 211.973, em 2015.3
Em 2015, o Sistema de Informação de Notificação de Agravos (SINAM)
registrou 28.761 casos novos de hanseníase no Brasil, o que corresponde a um
coeficiente de detecção geral de 14,07 casos novos por 100 mil habitantes, e as
regiões Nordeste, Centro-Oeste e Norte são as responsáveis pelo maior número
de casos.4
O M. leprae (bacilo de Hansen) é álcool-ácido-resistente, parasita intracelular
obrigatório, com afinidade por células cutâneas e células dos nervos periféricos
(células de Schwann), sítios em que ele pode proliferar-se.1,5
O homem é considerado o único reservatório natural do bacilo.1 A sua
transmissão ocorre pela VAS (mucosa nasal e orofaríngea) a partir de pessoas
com as formas multibacilares (MBs), sem tratamento.5
É necessário o contato prolongado com indivíduos doentes MBs não tratados
para contrair a doença, o que torna os contatos intradomiciliares o primeiro meio
para adquiri-la.1
Tratando-se de uma doença polimorfa em suas apresentações clínicas, a
hanseníase é classificada com o objetivo de facilitar o seu manejo.
Das muitas classificações, duas merecem destaque: a clínica – classificação de
Madri (Quadro 205.1) – e a da OMS (Quadro 205.2).6
Classificação
Aspectos clínicos Baciloscopia Formas clínicas operacional
Classificação Critérios
Quando pensar
Diante de toda pessoa com lesão de pele, o diagnóstico de hanseníase deve ser
lembrado, porque o Brasil é um país onde a doença ainda é um problema de
saúde pública, sobretudo nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
▲ Figura 205.2
Hanseníase tuberculoide.
▲ Figura 205.3
Hanseníase virchowiana.
▲ Figura 205.4
Hanseníase dimorfa.
O que fazer
Anamnese
Na anamnese, deve ser valorizada qualquer alteração na pele, como manchas
hipocrômicas ou eritematosas, placas, infiltrações, nódulos ou tubérculos, bem
como o tempo de seu aparecimento e sua evolução; possíveis alterações de
sensibilidade em áreas da pele; presença de dores nos nervos periféricos, assim
como fraqueza de mãos e/ou pés e cãibras.5 Uma história epidemiológica
negativa para hanseníase não exclui seu diagnóstico.
Exame físico
Para chegar ao diagnóstico de hanseníase, o exame dermatoneurológico e a
correta interpretação dos achados são de importância fundamental.
A avaliação objetiva da sensibilidade nas lesões ou áreas suspeitas é realizada
por meio dos testes de sensibilidade. Pesquisam-se três modalidades de
sensibilidade: térmica, dolorosa e tátil, que se alteram nesta ordem.1
O teste de sensibilidade térmica é realizado com um pedaço de algodão seco,
que representa a temperatura quente, e outro embebido em éter, que, por ser
volátil, dá a sensação de frio ao ser encostado na pele. Tocam-se levemente as
lesões de forma aleatória com os dois pedaços de algodão. Na presença de
hipoestesia térmica, o indivíduo é incapaz de sentir o algodão frio, de forma total
e/ou diminuída.1,5
Para a avaliação da sensibilidade dolorosa, utiliza-se a ponta de um alfinete ou
agulha estéril, tocando-se aleatoriamente a área de pele sã e a suspeita com a
ponta do alfinete ou da agulha. Na área com diminuição de sensibilidade, a
pessoa não sentirá dor.1,5
A sensibilidade tátil é verificada tocando-se com algodão ou gaze e pedindo-
se ao indivíduo que aponte ou nomeie os locais testados. Nas áreas com
diminuição de sensibilidade, ele não sentirá o toque.1,5
A avaliação neurológica é realizada por meio da inspeção e da pesquisa de
sensibilidade de olhos, mãos e pés, inspeção do nariz e avaliação da força
muscular de mãos e pés. Também deve ser feita a avaliação dos principais
troncos nervosos periféricos: facial e trigêmeo (avaliação indireta por meio do
exame dos olhos) e a palpação dos nervos radial, ulnar, mediano, fibular e tibial
(Figuras 205.5 a 205.9).1 Os troncos nervosos devem ser palpados, buscando-
se alterações de espessura, consistência e dor (neurite). É importante que seja
feita a comparação com o nervo contralateral, pois as variações individuais são
grandes.
Exames complementares
Baciloscopia de pele
A baciloscopia deve ser feita no momento do diagnóstico em todos os pacientes,
independente da forma clínica.1 É importante lembrar-se de que a baciloscopia
negativa não afasta o diagnóstico, já que as formas PBs indeterminada e
tuberculoide sempre apresentam exame baciloscópico negativo.
▲ Figura 205.5
Palpação do nervo radial.
▲ Figura 205.6
Palpação do nervo ulnar.
▲ Figura 205.7
Palpação do nervo mediano.
▲ Figura 205.8
Palpação do nervo fibular.
▲ Figura 205.9
Palpação do nervo tibial.
Hanseníase Hanseníase
indeterminada tuberculoide Hanseníase virchowiana
Conduta proposta
Tratamento
A hanseníase tem cura. Todo paciente deve ser informado no diagnóstico que,
com o tratamento adequado, a doença será curada.
Todos os indivíduos com hanseníase são tratados ambulatorialmente e de
forma gratuita, de acordo com esquema padronizado em 1982 pela OMS e
adotado pelo MS a partir de 1986, denominado PQT.1,2,4,5,7
O tratamento tem como objetivos principais curar o paciente, prevenir e tratar
incapacidades e controlar a endemia.5
Nos Quadros 205.4 e 205.5, são descritos os esquemas terapêuticos
adotados nas formas PB e MB, respectivamente. A melhor terapêutica PQT, PB e
MB, em crianças ou adultos com peso menor do que 30 kg se baseia no peso
corporal, como mostra a Tabela 205.1.
Dicas
Dicas
Quando referenciar
Indivíduos com hanseníase poderão ser referenciados às unidades de referência
nas seguintes situações:1
● Suspeita de recidiva.
● Forma neural pura.
● Reações hansênicas que não responderem à terapêutica-padrão.
● Reações adversas aos medicamentos.
● Incapacidades físicas que necessitem de fisioterapia ou cirurgia
reabilitadora.
● Dúvida diagnóstica.
Sinais e
sintomas
Reação tipo I Reação tipo II
Estado geral Bom, sem febre ou com Ruim, com febre e mal-estar geral
do paciente febre baixa
Dicas
Enfermeiro(a)
● Suspeição diagnóstica em pessoas com sinais e sintomas de hanseníase e
referenciamento para sua confirmação.
● Realização das atividades de investigação epidemiológica do caso suspeito.
● Administração do esquema de tratamento PQT:
■ Consulta mensal, com avaliação do estado geral da pessoa em
tratamento com PQT, identificando casos com reações hansênicas,
efeitos colaterais das medicações e demais intercorrências;
● Realização de atividades educativas junto à equipe de saúde, aos doentes e
seus familiares e à comunidade em geral.1
REFERÊNCIAS
1. Espírito Santo. Secretaria de Estado de Saúde. Diretrizes clínicas: hanseníase. Vitória: SES/SE; 2008.