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INSTITUTO FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

MESTRADO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA

ANDERSON ANTONIO ALVES CESÁRIO

A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE FUNÇÃO POR MEIO DE UMA ATIVIDADE


DE MODELAGEM MATEMÁTICA EM UM CONTEXTO DO ENSINO TÉCNICO DE
NÍVEL MÉDIO

VITÓRIA
2016
ANDERSON ANTONIO ALVES CESÁRIO

A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE FUNÇÃO POR MEIO DE UMA ATIVIDADE


DE MODELAGEM MATEMÁTICA EM UM CONTEXTO DO ENSINO TÉCNICO DE
NÍVEL MÉDIO

Dissertação apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em Educação em Ciências e
Matemática do Instituto Federal do Espírito
Santo como requisito parcial para a obtenção
do Título de Mestre em Educação em
Ciências e Matemática.

Orientador: Prof. Dr. Antonio Henrique Pinto

Vitória
2016
À minha família, pelo apoio incondicional,
compreensão e incentivo em todos os
momentos.
AGRADECIMENTOS

A Deus, por seu amor, por suas bênçãos e pela oportunidade de concluir mais uma
etapa.

À memória de meus pais, Ilson Cesário e Antonia Alves Cesário, por me ensinarem
os valores que me guiam em minha jornada.

A minha esposa Sirlene, pelo carinho, compreensão e companheirismo em todos os


momentos.

A meus filhos Igor e Lara, por compreenderem minha ausência e pela inspiração na
busca por um amanhã melhor.

Às minhas irmãs Andréa e Amanda, pelo companheirismo e incentivo.

Ao meu orientador Antonio Henrique, pelas sábias considerações, pela paciência,


pela sensibilidade e por sua maneira única de inspirar e motivar.

Aos demais membros da banca, pelas valiosas contribuições.

Aos colegas da turma 2013 do Educimat, pelos momentos especiais que vivemos
juntos, em especial às amigas Lisandra e Marcela, por tornarem o percurso do
mestrado ainda mais especial.

Aos demais professores do Educimat, por ampliar nossos horizontes.

Ao Alessandro, por sua gentileza e prontidão em nos ajudar em todos os momentos.

Aos professores Marinaldo e Carol, por seu apoio na busca por novas metodologias
de ensino e aprendizagem que aproximem o conhecimento matemático do
conhecimento técnico.

Aos colegas professores e técnicos administrativos do Ifes Campus Itapina, pelo


incentivo e apoio e, em especial, aos professores Evandro e Messenas, por seu
valioso auxílio nos momentos mais cruciais na caminhada do mestrado.

Aos alunos da turma 1ª A, por participarem de forma brilhante nessa empreitada na


busca por novos caminhos de fazer Matemática.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

INSTITUTO FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

Autarquia criada pela Lei nº 11.892 de 29 de Dezembro de 2008

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA

RESUMO

O presente estudo investigou as contribuições da utilização da Modelagem


Matemática como abordagem metodológica para a construção do conceito de
função, observando os pressupostos da teoria histórico-cultural de Vygotsky. A
pesquisa foi realizada com alunos do primeiro ano do Ensino Médio Integrado ao
Técnico em Agropecuária do Instituto Federal do Espírito Santo - campus Itapina,
localizado no município de Colatina/ES. Foi adotada uma abordagem qualitativa na
pesquisa e como instrumentos de análise dos dados foram utilizados o diário de
campo, os trabalhos produzidos pelos alunos durante a atividade de Modelagem e
uma entrevista realizada com grupo de discussão. Para o desenvolvimento da
investigação utilizou-se uma atividade de modelagem, cuja problemática estava no
Setor de Horticultura, buscando, dessa forma, integrar conhecimentos matemáticos
e técnicos na solução do problema. A análise dos dados indicou que a Modelagem
como abordagem metodológica contribui para a construção do conceito de função
na medida em que permite explorar as ideias de variável, dependência e
regularidade por meio da observação e análise de fenômenos do cotidiano dos
alunos. Essa abordagem metodológica proporciona também mediações que auxiliam
na construção do conhecimento. Como produto educacional foi elaborado um guia
didático para a abordagem do conceito de função baseado em fenômenos e
situações da realidade vivenciada pelo estudante.

Palavras-chave: Modelagem Matemática. Conceito de função. Ambiente de


aprendizagem.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

INSTITUTO FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

Autarquia criada pela Lei nº 11.892 de 29 de Dezembro de 2008

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA

ABSTRACT

This study investigated the contribution of the use of mathematical modeling as a


methodological approach to the construction of the concept of function, observing the
assumptions of cultural-historical theory of Vygotsky. The survey was conducted with
first year students of the Technical Course Integrated to Secondary School at
Instituto Federal Espírito Santo - Campus Itapina, located in Colatina / ES. We
adopted a qualitative approach to research and, as data analysis tools, we used field
notes, the students' assignment done during the Modeling activity and an interview
with a discussion group. For the development of research, we carried out a Modeling
activity whose problem was located in the horticulture sector, thus seeking to
integrate mathematical and technical knowledge in solving it.Data analysis indicated
that the modeling as methodological approach contributes to the construction of the
concept of function since it allows to explore the concept of variable, dependence
and regularity through observation and analysis of the students' daily life phenomena.
This methodological approach also provides mediation that helps in the construction
of knowledge. As an educational outcome, we designed a didactic guide to the
approach the concept of function from phenomena and situations of the reality
experienced by the student.

Keywords: Mathematical Modeling. function concept. learning environment.


LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Gráfico do resultado final da disciplina de Matemática no ano de 2013 ................. 18


Figura 2 - Gráfico do resultado final da disciplina de Matemática no ano de 2014. ................ 18
Figura 3 - Gráfico do resultado final da disciplina de Matemática no ano de 2015 ................. 19
Figura 4 - Ciclo de modelagem segundo Almeida (2012) ............................................................ 41
Figura 5 - Foto de Estufas para hidroponia no setor de Horticultura do Ifes campus Itapina 59
Figura 6 - Espuma fenólica com mudas de alface ........................................................................ 60
Figura 7 - Mudas de alface hidropônico na bancada de crescimento ....................................... 60
Figura 8 - Mudas de alface hidropônico na bancada de produção ............................................ 61
Figura 9 - Foto de espuma fenólica com mudas de alface .......................................................... 62
Figura 10 - Mudas de alface na bancada de crescimento ........................................................... 63
Figura 11 - Mudas de alface colocadas em bandeja para transporte para a bancada de
produção.......................................................................................................................... 64
Figura 12 - Gráfico da altura da parte aérea da alface em função do tempo (construído pelos
alunos do grupo 4) ......................................................................................................... 66
Figura 13 - Esquema ilustrativo da medição do número de folhas no canteiro no solo.......... 73
Figura 14 – Foto do canteiro no solo............................................................................................... 74
Figura 15 - Medição do comprimento da raiz do pé de alface .................................................... 76
Figura 16 - Esquema ilustrativo das medições da altura da parte aérea, o comprimento da
raiz e o diâmetro do caule. ........................................................................................... 77
Figura 17 - Planilha do número de folhas dos pés de alface do campo por dia de medição. 85
Figura 18 - Planilha do número de folhas dos pés de alface do campo por dia de medição,
com número médio de folhas. ...................................................................................... 88
Figura 19 - Planilha do número de folhas dos pés de alface hidropônicos por dia de medição
.......................................................................................................................................... 89
Figura 20 - Gráfico do Número médio de folhas dos pés de alface do campo em função do
tempo. .............................................................................................................................. 91
Figura 21 - Gráfico da altura da parte aérea (campo e hidroponia). .......................................... 95
Figura 22 - Gráfico do comprimento do sistema radicular (raiz) (campo e hidroponia). ......... 96
Figura 23 - Gráfico do diâmetro do caule (campo e hidroponia). ............................................... 96
Figura 24 - Exemplo de resposta aos itens “g” e “h” da Atividade I. ........................................ 100
Figura 25 - Resposta do grupo do aluno Gean aos itens “g” e “h” da Atividade I. ................. 100
Figura 26 - Resposta do grupo do aluno Luciano aos itens “g” e “h” da Atividade I Resposta
do grupo do aluno. ....................................................................................................... 101
Figura 27 - Exemplo de resposta ao item “d” da Atividade II. ................................................... 103
Figura 28 - Exemplo de resposta ao item “d” da Atividade II. ................................................... 104
Figura 29 - Exemplo de respostas dadas ao item “a” da Atividade III. .................................... 106
Figura 30 - Exemplo de resposta dada ao item “c” da Atividade III. ........................................ 108
Figura 31 - Exemplo de resposta dada ao item “d” da Atividade III. ........................................ 109
Figura 32 - Exemplo de resposta dada ao item “a” da Atividade IV. ........................................ 111
Figura 33 - Exemplo de resposta dada ao item “a” da Atividade IV. ........................................ 112
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Casos de modelagem na perspectiva de Barbosa (2009)....................................... 38


Quadro 2 - Grupos responsáveis por cada lote de mudas .......................................................... 63
Quadro 3 - Momentos vivenciados na atividade de modelagem 2............................................. 69
Quadro 4 - Grupos que realizaram as medições e suas respectivas datas de medições ...... 72
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................. 13
1.1 ORGANIZAÇÃO DA DISSERTAÇÃO .............................................................. 23
2 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS ........................................................................ 24
2.1 TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL ................................................................... 24
2.2 MODELAGEM MATEMÁTICA ......................................................................... 34
2.3 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONCEITO DE FUNÇÃO ........... 44
2.4 UM PANORAMA SOBRE PESQUISAS REALIZADAS QUE ENFOCAM A
ABORDAGEM DE FUNÇÃO POR MEIO DA MODELAGEM MATEMÁTICA . 47
3 PERCURSO METODOLÓGICO DA PESQUISA ............................................ 51
3.1 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ........................................................ 51
3.2 O LOCAL E OS SUJEITOS DA PESQUISA .................................................... 55
3.3 ANSEIOS DA PESQUISA ............................................................................... 56
4 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS ........................................................ 58
4.1 ATIVIDADE DE MODELAGEM 1: MODELANDO O CRESCIMENTO DA
ALFACE HIDROPÔNICA................................................................................ 58
4.2 ATIVIDADE DE MODELAGEM 2: MODELANDO O DESENVOLVIMENTO DA
ALFACE DA HIDROPONIA E DO CAMPO .................................................... 67
4.2.1 O Convite para a Atividade de Modelagem ................................................ 67
4.2.2 No setor de Horticultura ............................................................................. 70
4.2.3 No laboratório de Informática .................................................................... 83
4.2.4 Atividades de ensino................................................................................... 97
4.3 ANÁLISE DA ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA ................................... 115
4.4 PRODUTO EDUCACIONAL ........................................................................ 130
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................ 131
REFERÊNCIAS ...........................................................................................136
APÊNDICE A - Formulário de coleta de dados da alface cultivada no solo e
na hidroponia ....................................................................141
APÊNDICE B - Transcrição da entrevista semiestruturada ........................142
13

1 INTRODUÇÃO

Começo esse texto expondo as inquietações e angústias que me motivaram a


buscar o Mestrado Profissional em Educação em Ciências e Matemática, ofertado
pelo Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes). Atuando como professor de
Matemática há quase 20 anos, não poucas vezes ouvi de meus alunos a seguinte
pergunta: “Onde vou usar esse conteúdo na minha vida?” Por vezes alguns
estudantes até mesmo citavam a profissão que pretendiam seguir e que, na
perspectiva deles, provavelmente não precisariam da Matemática. Embora me
esforçasse para responder satisfatoriamente a essas questões, algumas vezes
ficava com a sensação de que não convencia. Mesmo sabendo que o valor da
Matemática não está determinado por suas aplicações no cotidiano, me incomodava
a ideia de precisar reconhecer que nem sempre conseguia fazer a ligação entre o
conhecimento matemático e suas aplicações para a vida do aluno.

Na tentativa de explicar como essas inquietações nos motivaram a uma busca por
estratégias, metodologias ou teorias que tornassem nossa prática mais inovadora,
buscando não só proporcionar mais sentido ao conhecimento matemático explorado,
como também propor um processo de ensino e aprendizagem que privilegiasse ao
estudante uma postura de protagonista do processo, é fundamental fazer um
pequeno relato de nosso percurso profissional.

Fui aluno da então Escola Técnica Federal do Espírito Santo (ETFES) no curso de
Eletrotécnica (1990 a 1993). Seguindo uma trajetória natural, ingressei em 1994 na
Universidade Federal do Espírito Santo para cursar Engenharia Elétrica. Cursei o
que se costuma chamar de básico na Engenharia, que são os primeiros cinco
semestres, em que se estuda muito Cálculo e Física. Por motivos pessoais fiz (re)
opção de curso para Licenciatura em Matemática e, paralelamente à licenciatura,
comecei a lecionar na rede estadual da região metropolitana da Grande Vitória/ES.

Após concluir a graduação, voltei para Colatina/ES, minha cidade de origem, e


comecei a lecionar em escolas da rede pública (estadual e municipal). Trabalhei
também em uma escola privada no período de 2000 a 2007. Importante ressaltar
que durante quase todo o período de atividade docente relatado, lecionei também a
disciplina de Física para o ensino médio. Esse fato me permitiu um olhar sobre as
14

diversas aplicações da Matemática dentro de outros campos do conhecimento, em


especial, os vários ramos da Física.

Após a graduação, cursei duas especializações, uma no Ensino de Matemática e


outra no Ensino de Física. Participei também de cursos de formação continuada
oferecidos pelas redes em que atuava. Sempre buscando caminhos para melhorar a
prática de sala de aula. Atuei também como tutor presencial do curso de
Licenciatura em Física oferecido pela Ufes no polo UAB de Colatina. Em outubro de
2010 ingressei, por meio de concurso público, no Instituto Federal do Espírito Santo
(Ifes) - campus Itapina, antiga Escola Agrotécnica Federal de Colatina, que fica na
zona rural desse município. Nessa instituição tive minha primeira experiência como
professor em uma modalidade de ensino denominada técnico integrado ao ensino
médio.

De acordo com o Projeto Pedagógico Institucional (PPI) do Ifes, (2014), a educação


profissional e tecnológica não deve acontecer de forma separada da formação
humana e da ciência. Ao contrário, deve evoluir em um contexto envolto de
conhecimentos, princípios e valores que potencializem a ação humana na busca por
caminhos mais dignos de vida. Uma educação que motive o ser humano, enquanto
integralidade, no desenvolvimento de sua capacidade de gerar conhecimento por
meio da sua interação com a realidade, na expectativa de sua emancipação.
Tecendo algumas considerações sobre a formação integrada, Frigotto (2005) propõe
a superação do homem dividido historicamente pela divisão social do trabalho entre
a ação de efetuar e a ação de pensar, coordenar ou planejar. Nesse sentido, o autor
pondera que a formação humana deve:

[...] garantir ao adolescente, ao jovem e ao adulto trabalhador o direito a


uma formação completa para a leitura do mundo e para a atuação como
cidadão pertencente a um país, integrado dignamente à sua sociedade
política. Formação que, neste sentido, supõe a compreensão das relações
sociais subjacentes a todos os fenômenos (FRIGOTTO, 2005, p. 85)

Nesse cenário, o PPI propõe uma concepção educacional mais abrangente que tem
como objetivo contribuir para a educação integral do cidadão capaz de interpretar e
interferir na vida social e produtiva. Corroborando com este pensamento, Frigotto
(2005) categoricamente considera que o ensino médio integrado ao ensino técnico é
aquele em que:
15

[...] a educação geral se torne parte inseparável da educação profissional


em todos os campos onde se dá a preparação para o trabalho: seja nos
processos produtivos, seja nos processos educativos como a formação
inicial, com o ensino técnico, tecnológico ou superior. Significa que
buscamos enfocar o trabalho como princípio educativo, no sentido de
superar a dicotomia trabalho manual/trabalho intelectual, de incorporar a
dimensão intelectual ao trabalho produtivo, de formar trabalhadores
capazes de atuar como dirigentes e cidadãos (FRIGOTTO, 2005, p.84)

O autor afirma ainda que, ao agregar a dimensão intelectual ao trabalho produtivo,


formamos trabalhadores capazes de atuar como dirigentes e cidadãos. Para isso, é
necessário pensar na concepção de trabalho como uma atividade estruturante do
ser social.

De acordo com Frigotto (2005),

[...] o trabalho como princípio educativo deriva do fato de que todos os seres
humanos são seres da natureza e, portanto, têm a necessidade de
alimentar-se, proteger-se das intempéries e criar seus meios de vida.
(FRIGOTTO, 2005, p. 60).

O autor afirma que compreender o trabalho como princípio educativo é mais que
formar para o exercício do trabalho meramente como produtor de mercadorias, é
antes entender o ser humano como gerador de sua realidade, como sujeito que dela
se apropria para modificá-la. Para contemplar o trabalho como princípio educativo no
contexto da educação profissional é preciso pleitear o direito ao acesso à cultura, à
ciência e à tecnologia para todos. É buscar uma prática pedagógica que comporte,
como um dos fundamentos do currículo, a integração entre cultura, ciência,
tecnologia e trabalho, não de forma enciclopedista ou exclusivamente
profissionalizante.

Como exposto anteriormente, a instituição em que atuo oferece ensino médio


integrado ao técnico e tem como pretensão promover um ensino que contribua para
a formação de um cidadão pleno, capaz de agir dignamente na sociedade. Uma
peculiaridade da dinâmica acadêmica do campus Itapina é que os cursos técnicos
integrados são ofertados em tempo integral. As aulas se iniciam às 7h20min. da
manhã e se encerram às 15h35min. Durante esse período, os estudantes têm aulas
das disciplinas do núcleo comum, que acontecem geralmente no prédio pedagógico,
e aulas dos componentes curriculares técnicos. Estas usualmente são realizadas
nas unidades de produção – setores específicos do campus em que são
16

desenvolvidas atividades relacionadas à parte técnica dos cursos. Algumas dessas


unidades são: Horticultura, Bovinocultura, Avicultura, Aquicultura, entre outras.

Nesse ambiente surge uma nova oportunidade de trabalhar a matemática de forma


que os alunos possam visualizar suas aplicações, ou seja, de forma que a
matemática seja mais significativa para eles. No início de 2011, em uma tentativa de
contribuir para a integração entre os conhecimentos das disciplinas básicas e os das
disciplinas técnicas, os profissionais da coordenação pedagógica do campus Itapina
promoveram uma visita dos professores das disciplinas do núcleo comum às
diversas unidades de produção. Consideramos esse momento uma excelente
oportunidade para que pudéssemos perceber quais eram os saberes matemáticos
que permeavam as atividades técnicas desenvolvidas pelos alunos nessas unidades
e, não menos importante, estreitar relações com os professores das áreas técnicas,
visando um planejamento conjunto que buscasse a integração dos saberes.

Esse contato inicial e algumas conversas informais com alguns professores que
ministravam os componentes curriculares técnicos a respeito das atividades
desenvolvidas nas unidades de produção fizeram-nos perceber que existia no
campus um ambiente propício para realizar a desejada integração entre os saberes.
Nesse contexto, algumas ações foram implementadas nas aulas de matemática com
o intuito de buscar uma aproximação entre a matemática e as disciplinas técnicas.
Entretanto, o baixo desempenho acadêmico dos alunos em matemática apontado
pelos relatórios da coordenação pedagógica e a dificuldade de aprendizagem nessa
disciplina percebida em nossa prática indicavam que essas ações ainda pareciam
incipientes. Apesar de o contexto do campus Itapina oportunizar um estreitamento
das relações da matemática com as disciplinas técnicas, na prática essa integração
ainda era fraca.

Em 2013, ao ingressar no Mestrado Profissional em Educação em Ciências e


Matemática, cursei uma disciplina intitulada Modelagem Matemática. Antes do
mestrado, possuía um conhecimento muito superficial do que seria essa tendência
dentro da Educação Matemática. Mas, ao conhecer mais sobre Modelagem, pude
perceber que no campus Itapina havia um contexto favorável à sua utilização como
abordagem metodológica. Algumas das atividades realizadas pelos alunos nas
unidades de produção ligadas às disciplinas técnicas eram permeadas de saberes
17

matemáticos. Além disso, os professores das áreas técnicas desenvolvem pesquisas


de campo dentro do contexto agropecuário, na maioria das vezes em conjunto com
os alunos e, durante as várias etapas da pesquisa, utilizam conceitos e
procedimentos matemáticos. Na verdade, utilizam-se da modelagem, mas em uma
perspectiva diferente da proposta pela Educação Matemática.

Assim, me questionei se essa abordagem metodológica não poderia ser um caminho


para mostrar aos alunos a relação entre o saber matemático e outros saberes.
Mostrar aos estudantes que os conhecimentos produzidos nas aulas de matemática
podem contribuir para entender não só os fenômenos que acontecem no contexto da
área técnica de sua formação, mas os presentes na própria vida. Fazer com que, à
medida que enxergam essas relações, os conteúdos matemáticos trabalhados
tenham mais significado para eles.

Consideramos que a abordagem com a Modelagem pode ser útil para dar mais
significado ao conhecimento matemático trabalhado em sala de aula, e também para
contribuir para a tão almejada integração do ensino técnico com o ensino médio.
Dessa forma, embora não seja nosso objetivo aprofundar a discussão sobre o tema,
acreditamos que nosso trabalho perpassa pelas questões da formação integrada,
visto que propõe uma abordagem da matemática baseada em problemas reais, que
podem muito bem ser do contexto da área técnica dos alunos. Ou seja, na tentativa
de solucionar um problema da área técnica, os estudantes podem mobilizar
conhecimentos matemáticos e de outras áreas, trabalhando de forma
multidisciplinar.

Em nossa prática cotidiana de sala de aula, observamos que a dificuldade de se


apropriar dos conhecimentos matemáticos se agravava entre os alunos da 1ª série
do Ensino Médio Integrado do campus. Percebemos também que, em sua maioria,
esses alunos ainda não haviam se apropriado de conteúdos matemáticos básicos do
ensino fundamental, tais como: sistema métrico decimal, proporcionalidade, cálculo
de áreas de superfícies planas, equações do 1º e 2º graus, operações com números
decimais, entre outros. Por sua vez, essa dificuldade com a Matemática prejudicava
o desempenho acadêmico dos alunos tanto em algumas disciplinas da área técnica
como em algumas do núcleo comum (como Física e Química, por exemplo) que, de
certa forma, dependiam do conhecimento desses conteúdos.
18

Essa problemática se apresentava como um elemento desmotivador para uma


parcela significativa dos alunos dessa série e que acabavam tendo insucesso tanto
na disciplina de matemática quanto em outras disciplinas que dependiam desse
conhecimento. Este quadro muitas vezes se traduzia em índices consideráveis de
retenção e transferência. Para melhor compreender essa realidade, a seguir
apresentamos nos gráficos das Figuras 1, 2 e 3 o resultado final em Matemática dos
alunos das três séries do ensino médio integrado nos últimos três anos.

Figura 1 - Gráfico do resultado final da disciplina de Matemática no ano de 2013

Resultado final de Matemática -


2013
100

80
Aprovados
60
Matr. cancelada
40
Reprovados
20 Transferidos
0
primeira série segunda série terceira série

Fonte: Relatório do Núcleo de Gestão Pedagógica Ifes - campus Itapina

Figura 2 - Gráfico do resultado final da disciplina de Matemática no ano de 2014.

Resultado final de Matemática -


2014
160
140
120
Aprovados
100
80 Matr. cancelada
60 Reprovados
40
Transferidos
20
0
primeira série segunda série terceira série

Fonte: Relatório do Núcleo de Gestão Pedagógica Ifes - campus Itapina


19

Figura 3 - Gráfico do resultado final da disciplina de Matemática no ano de 2015

Resultado final de Matemática -


2015
180
160
140
120 Aprovados
100 Matr. cancelada
80
Reprovados
60
40 TRansferidos
20
0
primeira série segunda série terceira série

Fonte: Relatório do Núcleo de Gestão Pedagógica Ifes - campus Itapina

Podemos observar um elevado índice de retenção em Matemática na primeira série


e uma discrepância considerável para com os índices de insucesso na mesma
disciplina nas demais séries. Notamos ainda um elevado índice de transferência
somente entre os alunos da primeira série. Julgamos que a dificuldade de adaptação
ao ensino em tempo integral e às particularidades do ensino médio integrado seja
um dos fatores que contribui para o percentual de transferência. Entretanto, nossa
experiência de sala de aula nos permite considerar que a dificuldade de
aprendizagem em Matemática também colabora para que os alunos da primeira
série optem pela transferência. Ressaltamos ainda que o baixo aproveitamento em
Matemática, observado principalmente nas primeiras séries, reforça entre os
discentes a visão já conhecida da Matemática como uma disciplina difícil, acessível
para poucos, distante da realidade, restrita a códigos e regras, e pouco significativa
para a vida do aluno.

Nesse sentido, Ferreira (1998) afirma que:

Ao perceber a Matemática como algo difícil e não se acreditando capaz de


aprendê-la, os estudantes, muitas vezes desenvolvem crenças aversivas
em relação à situação de aprendizagem, o que dificulta a compreensão do
conteúdo e termina por reforçar sua postura inicial, gerando um círculo
vicioso. (FERREIRA, 1998, p. 33)
20

Assim, considerando que o professor desempenha um papel fundamental no


processo de ensino e aprendizagem, torna-se crucial a esse profissional refletir
sobre suas práticas pedagógicas. Mais que isso, refletir sobre o seu papel diante da
sociedade e, a partir disso, buscar caminhos para contribuir na formação de um
cidadão consciente de seus direitos e deveres; capaz de compreender e transformar
a realidade, capaz também de refletir e intervir na expectativa de possibilitar as
transformações econômicas, políticas, culturais e sociais no meio em que vive
(Projeto Pedagógico Institucional Ifes, 2014).

Nesse sentido, Fiorentini (1994, p.38) afirma que o modo de ensinar depende da
“concepção que o professor tem do saber matemático, das finalidades que atribui ao
ensino da matemática, da forma como concebe a relação professor-aluno e, além
disso, da visão que tem de mundo, de sociedade e de homem”.

Com relação à concepção do saber matemático, concordamos com D’Ambrósio


(2009) quando afirma ser a matemática uma estratégia desenvolvida pela espécie
humana no decorrer de sua história para entender, descrever, dominar e conviver
com a “realidade sensível, perceptível, e com o seu imaginário, naturalmente dentro
de um contexto natural e cultural”. D’Ambrósio (2009) pondera ainda que não há
sentido na educação matemática se o educador não considerar o como sua prática
pode contribuir para a construção de uma humanidade ancorada em respeito,
solidariedade e cooperação.

No mundo de hoje, em que o acesso à informação é tão trivial, é importante buscar


uma prática que seja diferente da “educação bancária1”, tão criticada por Freire
(2011). Prática essa que considera o aluno como uma tábua rasa e o professor
como detentor do conhecimento a ser transmitido ao aluno. Assim, o papel esperado
para o professor é o de mediador do processo de aprendizagem, é atuar de forma a
auxiliar o aluno a construir seu conhecimento. Nesse sentido, D’Ambrósio (2009)
salienta que:

[...] O professor que insistir no seu papel de fonte e transmissor de


conhecimento está fadado a ser dispensado pelos alunos, pela escola e
pela sociedade em geral. O novo papel do professor será o de gerenciar, de

1
Esse sistema foi nomeado por Freire (2011) como “educação bancária”, em uma crítica à abordagem
tradicionalista que objetivava transformar o aluno em um ser passivo, em um depósito de informações
escolhidas e elaboradas por outras pessoas.
21

facilitar o processo de aprendizagem e, naturalmente, de interagir com o


aluno na produção crítica de novos conhecimentos [...] (D’AMBRÓSIO,
2009, p. 79)

Diante do exposto, investigamos a Modelagem na perspectiva de abordagem


metodológica como um caminho que se alinha com os anseios evidenciados
anteriormente na medida em que sugere uma nova dinâmica do processo ensino e
aprendizagem. Uma dinâmica que promove mudanças na postura de alunos e
professor. Este deixa de ser protagonista e passa a ser um coadjuvante no
processo. Enquanto aqueles se tornam protagonistas, tendo uma atitude mais
autônoma e crítica diante do conhecimento matemático.

A Modelagem Matemática não coaduna com uma postura prescritiva por parte do
professor e estática dos alunos. Estes, na busca da solução para um problema
extraído da realidade, são estimulados a levantar hipóteses, pesquisar, coletar
dados, organizá-los, expressar/dividir suas opiniões e seus planos para solucioná-lo.
E o professor estimula os alunos a terem uma postura mais autônoma e
investigativa. De acordo com Almeida (2012), ao vivenciar episódios de ensino que
possibilitam contato com o contexto real, os alunos podem se sentir motivados para
o envolvimento nas atividades e para a construção do conhecimento. Schliemann,
Carraher e Carraher (1993) enfatizam ainda a importância da aprendizagem de
Matemática ser um momento de interação entre a Matemática formal, acadêmica e a
Matemática cotidiana, enquanto atividade humana.

Mais detalhes sobre a Modelagem Matemática serão apresentados no Capítulo 2,


por ocasião da explanação dos pressupostos teóricos que balizaram este estudo.
Tendo em vista que o Plano de Ensino de Matemática do Ifes campus Itapina para a
primeira série contempla predominantemente o conteúdo Funções, julgamos
oportuno abordar esse assunto em nossa atividade de Modelagem Matemática.

Assim, diante da problemática apresentada, chegou-se ao seguinte problema de


pesquisa:

Como a atividade de Modelagem Matemática, como abordagem metodológica, tendo


como pressupostos os princípios da Teoria Histórico-Cultural, contribui para a
construção do conceito de função em uma turma de Ensino Médio Técnico?
22

Para responder à pergunta central desta investigação, a pesquisa pautou-se em


alcançar o seguinte objetivo geral: Analisar a construção do conceito de função, por
meio de uma atividade de Modelagem Matemática, baseado nos princípios
orientadores da Teoria Histórico-Cultural.

Com esse objetivo mais amplo, foram definidos os seguintes objetivos específicos:

a) Elaborar atividades de ensino que integrem o conhecimento matemático aos


conhecimentos que perpassam as disciplinas técnicas, fazendo emergir um
ambiente de modelagem matemática;

b) Realizar e analisar práticas pedagógicas fundamentadas na perspectiva da


Modelagem Matemática visando à construção do conceito de função, pela
compreensão das ideias fundamentais à construção desse conceito (variável,
dependência, regularidade e generalização);

c) Elaborar um produto educacional para o estudo de noções de função, tendo como


suporte as etapas do ciclo de Modelagem Matemática e seguindo os pressupostos
da Teoria Histórico-Cultural.

Evidenciaremos a seguir os pressupostos teóricos que balizaram a produção deste


trabalho. O processo de ensino e aprendizagem vem sendo observado, estudado,
discutido e analisado por vários estudiosos com o objetivo de obter respostas para
questionamentos do tipo: “Como garantir uma aprendizagem mais eficaz?”, “Qual
tipo de atividade desperta mais interesse nos alunos?”, “Por que alguns conteúdos
não parecem ser significativos para os alunos?”, “Por que os alunos frequentemente
se queixam de que a Matemática trabalhada na escola não tem relação com o seu
cotidiano?”, enfim, “Como obter sucesso no processo ensino e aprendizagem”?

Embora não seja nosso objetivo neste trabalho responder a esses questionamentos,
eles nos motivam a sair da inércia e investigar referenciais que possam nos orientar
na busca por respostas.
23

1.1 ORGANIZAÇÃO DA DISSERTAÇÃO

Este texto está estruturado em 5 capítulos. O primeiro capítulo destaca a relevância


da temática abordada, a justificativa para o estudo, a questão orientadora e os
objetivos da investigação.

No segundo capítulo encontram-se os pressupostos teóricos que balizaram as


discussões deste estudo. São evidenciados alguns conceitos fundamentais da
Teoria Histórico-Cultural de Vygotsky, que preconiza a construção do conhecimento
como um processo social e histórico. Entre esses conceitos, a mediação ocupa lugar
de destaque em meio às discussões. Também se apresenta um breve histórico da
Modelagem na perspectiva da Educação Matemática e algumas concepções de
Modelagem, pontuando as principais características dessa tendência na Educação
Matemática.

O capítulo 3 trata dos procedimentos metodológicos utilizados, informando os


instrumentos selecionados para a coleta de dados. Neste capítulo também se
caracteriza o local e os sujeitos da pesquisa e os anseios da investigação.

No capítulo 4 são apresentadas as atividades realizadas, os resultados obtidos e as


análises construídas, consubstanciadas pelos referenciais adotados. Há também um
breve comentário sobre o produto educacional.

Por fim, no capítulo 5, desenvolvemos nossas considerações finais sobre o trabalho


realizado.
24

2 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

Para esta investigação, o apoio se encontra em dois pressupostos teóricos que nos
permitiram analisar o processo de construção do conhecimento matemático no
contexto considerado. Primeiramente, a perspectiva histórico-cultural de Vigotsky.
Em seguida, a perspectiva de desenvolvimento do ensino de Matemática por meio
da abordagem da Modelagem Matemática.

2.1 TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

Entre as várias teorias desenvolvidas relacionadas ao processo de ensino e


aprendizagem, consideramos que a Teoria da Histórico-Cultural, cujos pilares foram
propostos inicialmente por Lev Semyonovitch Vygotsky (2005, 2007), apresenta
relações estreitas com a pesquisa relatada neste trabalho.

De acordo com Vygotsky (2007), as relações interpessoais influenciam o


pensamento e o raciocínio humano. Diante disso, procuramos em sua teoria
contribuições para compreender melhor conceitos concernentes à aprendizagem,
em especial a aprendizagem da matemática.

Vygotsky (2007), em sua teoria, pressupõe que o homem se constrói em sua relação
com o mundo exterior e com os demais, mediatizado pela cultura, sendo por isso um
ser social e histórico. Para ele, o desenvolvimento das funções psicológicas
superiores (atenção voluntária, memória lógica, pensamento verbal) acontece na
interação com seus pares, que já se apropriaram da cultura construída.

Nesse sentido, Oliveira (2002, p. 24) pontua que “o homem transforma-se de


biológico em sócio-histórico, num processo em que a cultura é parte essencial da
constituição da natureza humana”.

Vygotsky (2007) empenhou-se no estudo das funções psicológicas superiores ou


processos mentais superiores, típicas dos seres humanos. Essas funções se
diferenciam de mecanismos mais elementares, tais como: ações reflexas, reações
automatizadas ou processos de associação simples entre eventos. Os processos
mentais superiores são aqueles que envolvem o controle consciente do
25

comportamento, a ação intencional e a liberdade do indivíduo em relação às


características do espaço e momento presentes.

O conceito de mediação também é fundamental para se compreender as


concepções de Vygotsky (2007) sobre o funcionamento psicológico. Por exemplo, se
uma criança coloca o dedo em uma tomada elétrica e o retira rapidamente após
receber um choque elétrico, estabeleceu-se uma relação direta entre o choque
elétrico da tomada e a retirada do dedo. Todavia, se a criança desistir de encostar o
dedo na tomada por lembrar-se do choque que tomou em outra oportunidade, então,
a relação entre a retirada do dedo e o choque elétrico da tomada é uma relação
mediada pela lembrança da tentativa anterior. Se ainda a criança deixar de colocar o
dedo na tomada quando alguém lhe disser que há perigo de choque elétrico, a
relação estará sendo mediada pela interferência dessa outra pessoa.

No decorrer do desenvolvimento do indivíduo, as relações mediadas predominam


sobre as relações diretas. Nessa configuração, Vygotsky afirma que a relação do
homem com o mundo não é uma relação direta, mas mediada. E aponta como
principais elementos mediadores, os instrumentos e os signos.

Ao fazer uma analogia entre instrumentos e signos, Vygotsky (2007) salienta que:

A invenção e o uso de signos como meios auxiliares para solucionar um


dado problema psicológico (lembrar, comparar coisas, relatar, escolher, etc.)
é análoga à invenção e uso de instrumentos, só que agora no campo
psicológico. O signo age como um instrumento da atividade psicológica de
maneira análoga ao papel de um instrumento no trabalho (VYGOTSKY,
2007, p. 52).

Influenciado pela teoria marxista, Vygotsky destaca a relevância dos instrumentos


para a atividade humana. Segundo ele, a constituição da sociedade humana com
base no trabalho é o que vai tornar o homem uma espécie diferenciada.

Desse modo, Oliveira (2002) ressalta que:

É o trabalho que, pela ação transformadora do homem sobre a natureza,


une homem e natureza e cria a cultura e história humanas. No trabalho
desenvolvem-se, por um lado, a atividade coletiva e, portanto, as relações
sociais, e, por outro lado, a criação e utilização de instrumentos (OLIVEIRA,
2002, p. 28).

De acordo com Vygotsky (2007), o instrumento é um elemento intermediário entre o


trabalhador e o objeto de seu trabalho, que foi criado ou procurado com o objetivo de
26

ampliar a capacidade do homem de transformar a natureza. É um produto social e


mediador da relação entre o indivíduo e o mundo, pois carrega a finalidade para a
qual foi criado e a forma de utilização desenvolvida durante a história do trabalho
coletivo.

Da mesma forma que os instrumentos são utilizados pelo indivíduo para


potencializar seu controle sobre a natureza, os signos são usados para controlar as
ações psicológicas. Oliveira (2002) define signos como elementos que retratam
outros objetos, situações ou episódios. A palavra caneta, por exemplo, é um signo
que representa o objeto caneta; o símbolo 7 é um signo para a quantidade sete; a
luz vermelha de um semáforo é um signo indicativo de parada obrigatória para o
motorista.

Ao procurar esclarecer sobre o tipo de analogia que faz entre instrumentos e signos,
Vygotsky (2007) fala sobre a diferença entre esses dois conceitos:

A diferença mais essencial entre signo e instrumento, e a base da


divergência real entre as duas linhas, consiste nas diferentes maneiras com
que eles orientam o comportamento humano. A função do instrumento é
servir como um condutor da influência humana sobre o objeto da atividade;
ele é orientado externamente; deve necessariamente levar a mudanças nos
objetos. Constitui um meio pelo qual a atividade humana externa é dirigida
para o controle e domínio da natureza. O signo, por outro lado não modifica
em nada o objeto da operação psicológica. Constitui um meio da atividade
interna dirigido para o controle do próprio indivíduo; o signo é orientado
internamente (VYGOTSKY, 2007, p. 55).

Vygotsky e seus colaboradores tinham especial interesse em estudar a atribuição


dos signos na atividade psicológica. Por isso, realizaram vários experimentos com
esse objetivo. Em um desses experimentos, Leontiev investigava a mediação dos
signos na atenção voluntária e na memória.

Ele utilizou um jogo em que fazia perguntas sobre cores a algumas crianças e elas
deveriam responder sem usar o nome de duas cores definidas previamente. Na
primeira etapa do experimento, perguntas eram feitas oralmente e as crianças
respondiam. Se a criança usasse uma das cores proibidas, a resposta era
considerada errada. Na segunda etapa, a criança recebia cartões coloridos que
podia utilizar como quisesse para auxiliá-la no jogo.

Algumas crianças separaram os cartões com as cores proibidas e, quando eram


arguidas, olhavam para os cartões antes de dar a resposta. Observou-se um melhor
27

aproveitamento das crianças na segunda etapa, ou seja, houve um menor índice de


respostas erradas com as crianças que usaram os cartões como auxiliares externos
para sua atenção e memória.

Após a realização desse e outros experimentos, Vygotsky e seus colaboradores


observaram que o uso de mediadores ampliou a capacidade de atenção e memória,
permitindo também mais controle voluntário do indivíduo sobre a própria atividade.

Esse processo de mediação não é estático na vida do indivíduo, mas se modifica ao


longo do seu desenvolvimento. Na atividade relatada anteriormente, percebeu-se
que as crianças pequenas (até por volta de 8 anos) não utilizaram o recurso dos
cartões como auxiliar de sua atividade psicológica. Na realização da tarefa de
responder às perguntas, elas executaram uma atividade direta e não mediada.

Algumas pessoas adultas foram submetidas ao mesmo experimento e também não


utilizaram os cartões. Sua performance na primeira etapa do experimento (sem
cartões) foi similar à da segunda etapa (com cartões). Porém, de acordo com
Vygotsky (2007), isso não implica que esses adultos tenham regredido a uma
atividade psicológica não mediada. A mediação existe, mas está ocorrendo de forma
interna.

Nessa perspectiva, Oliveira (2002) declara que:

Ao longo do processo de desenvolvimento, o indivíduo deixa de necessitar


de marcas externas e passa a utilizar signos internos, isto é, representações
mentais que substituem os objetos do mundo real. Os signos internalizados
são, como as marcas exteriores, elementos que representam objetos,
eventos, situações. Assim como um nó num lenço pode representar um
compromisso que não quero esquecer, minha ideia de “mãe” representa a
pessoa real da minha mãe e permite lidar mentalmente com ela, mesmo na
sua ausência. (OLIVEIRA, 2002, p. 35).

Ainda segundo Oliveira (2002), o processo de mediação é imprescindível para


viabilizar as atividades psicológicas voluntárias, intencionais, controladas pelo
próprio indivíduo.

De acordo com Vygotsky, no decorrer do desenvolvimento do indivíduo acontecem


duas alterações significativas no emprego dos signos. Em primeiro lugar, a utilização
de marcas externas vai se transformando em processos internos. Ele chama essa
transformação de processo de internalização. A respeito desse conceito, Vygotsky
28

(2007, p. 56) diz que “Chamamos de internalização a reconstrução interna de uma


operação externa”. Em segundo lugar, ocorre o desenvolvimento de sistemas
simbólicos, nos quais os signos são organizados em estruturas complexas e
articuladas.

Esse processo de internalização dos signos permite ao indivíduo operar


mentalmente sobre o mundo, por meio de representações mentais. Quando
pensamos em uma bola de futebol, por exemplo, não há na mente a própria bola.
Trabalha-se com uma imagem, uma ideia, uma representação mental, um signo que
representa o objeto real.

Podemos pensar em uma bola que não esteja em nossa presença. Lembrar um
drible “genial” feito por um jogador, imaginar uma jogada que nunca vimos ou até
mesmo planejar algo com esse objeto, sem que ele sequer esteja perto de nós. Essa
habilidade de operar com representações que substituem o objeto real permite ao
indivíduo um desprendimento do espaço e tempo presentes e, assim, imaginar, fazer
planos, efetuar relações mentais na falta do próprio objeto. As operações realizadas
mentalmente não são relações diretas com o mundo real e sim relações mediadas
pelos signos que foram internalizados. Ao lidar com as funções psicológicas
superiores, esses signos, que são representações mentais dos objetos do mundo
real, são os mediadores que predominam no vínculo do homem com o mundo.

Na perspectiva de Vygotsky (2007), o trabalho oportunizou o desenvolvimento das


atividades coletivas, das relações sociais e da utilização de instrumentos. Nesse
contexto, as representações mentais da realidade se articularam em sistemas
simbólicos. Os signos passaram a ser compartilhados pelos componentes dos
grupos, favorecendo a comunicação entre os indivíduos e aperfeiçoando a
integração social.

Então, se um indivíduo aprende o significado de “machado”, esse conceito que foi


internalizado por esse sujeito e que é compartilhado por outros integrantes do seu
grupo social, torna-se um signo mediador para o seu entendimento do mundo. Ou
seja, se o indivíduo ouvir um relato em que figure o objeto “machado”, ainda que ele
não esteja vendo o machado, poderá entender o relato, pois a representação mental
29

que ele tem de machado fará a mediação entre o objeto real e a ação psicológica
(imaginá-lo nas ações do relato).

Entretanto, supondo que esse indivíduo pertença a um grupo cultural que não
conheça o objeto “machado”, então, se ele ouvir uma história sobre um machado ou
se alguém lhe mostrar essa ferramenta, ele não terá possibilidade de interpretá-lo
como tal. Não possuirá representação mental, instrumental psicológico para
compreendê-lo.

É o grupo cultural em que o sujeito se desenvolve que lhe proporciona maneiras de


perceber e organizar o real. Essas maneiras vão constituir os instrumentos
psicológicos que farão a mediação entre o sujeito e o mundo.

Mas a cultura, na visão de Vygotsky não é um arranjo estático e acabado, de onde o


sujeito vai se apropriar dos conceitos e esquemas. Oliveira (2002) a compara a um
“palco de negociações”, em que seus integrantes estão em um contínuo movimento
de reinterpretação e recriação de conceitos e significados.

Nesse sentido, Oliveira (2002) destaca que

É a partir de sua experiência com o mundo objetivo e do contato com as


formas culturalmente determinadas de organização do real (e com os signos
fornecidos pela cultura) que os indivíduos vão construir seu sistema de
signos, o qual consistirá numa espécie de “código” para decifração de
mundo. (OLIVEIRA, 2002, p. 37).

Para Vygotsky (2007, p. 58), as origens das atividades psicológicas superiores


precisam ser procuradas nas relações sociais entre os indivíduos e os outros
homens. Ele pressupõe que “Todas as funções superiores originam-se das relações
reais entre indivíduos humanos”. Argumenta ainda que os sistemas simbólicos, e
principalmente a linguagem, realizam um papel primordial na comunicação entre os
sujeitos e na consolidação de significados compartilhados que possibilitam
interpretar objetos, eventos e cenários do mundo real. O princípio do funcionamento
psicológico característico do homem é, portanto, social e histórico.

Outro aspecto central na teoria de Vygotsky (2007) é a relação entre


desenvolvimento humano e aprendizado. Ele não deixou uma teoria estruturada
sobre o desenvolvimento humano, talvez porque não tenha tido tempo, mas nos
proporcionou profundas reflexões e dados de pesquisa sobre o assunto.
30

Para Vygotsky (2007), o aprendizado não é desenvolvimento, porém:

[...] o aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento


mental e põe em movimento vários processos de desenvolvimento que, de
outra forma, seriam impossíveis de acontecer. Assim, o aprendizado é um
aspecto necessário e universal do processo de desenvolvimento das
funções psicológicas culturalmente organizadas e especificamente
humanas. (VYGOTSKY, 2007, p. 103).

O aprendizado ativa certos processos internos de desenvolvimento que não


existiriam se não houvesse o contato do indivíduo com determinado ambiente
cultural.

Um conceito importante na teoria de Vygotsky (2007), que pode contribuir para


entender, na perspectiva dele, as relações entre aprendizado e desenvolvimento é o
que ele chama de “zona de desenvolvimento proximal”. Ele postula que há dois
níveis de desenvolvimento da criança: o nível de desenvolvimento real e o nível de
desenvolvimento potencial.

Ao considerar a existência desses dois níveis, Vygotsky (2007) define o conceito de


zona de desenvolvimento proximal.

Ela é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma


determinar através da solução independente de problemas, e o nível de
desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas
sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais
capazes.(VYGOTSKY, 2007, p. 97).

O nível de desenvolvimento real é dado pelas funções psicológicas já estabelecidas,


fruto de processos de desenvolvimento já consolidados. É reconhecido pelas tarefas
que uma criança consegue realizar sozinha, sem a ajuda de outra pessoa. Isto é,
caracteriza o desenvolvimento de forma retrospectiva. Entretanto, Vygotsky (2007)
adverte que, para entender satisfatoriamente o desenvolvimento de uma criança,
deve-se atentar também para o seu nível de desenvolvimento potencial.

Esse nível é determinado pelas tarefas que a criança não faria sozinha, mas que,
com a ajuda de um adulto ou de outra criança com o desenvolvimento mais
avançado, ela seria capaz de realizar. Vale lembrar que não é qualquer tarefa que
um indivíduo conseguirá fazer com a ajuda de outra pessoa. Uma criança de 5 anos
pode, por exemplo, conseguir amarrar os sapatos com a ajuda de outra pessoa, mas
uma de 1 ano não conseguirá realizar a tarefa, mesmo com a ajuda de um adulto.
31

A capacidade de se favorecer da cooperação de outra pessoa vai acontecer em um


dado nível de desenvolvimento. Por isso, o nível de desenvolvimento potencial
revela um momento que, ao invés de retratar as etapas já consolidadas, capta
etapas posteriores, nas quais a intervenção do outro influencia significativamente o
resultado da atividade individual.

De acordo com Vygotsky (2005), outro aspecto importante a ser considerado quando
se estuda o aprendizado e o desenvolvimento humano é a relação entre
pensamento e linguagem.

Como já pontuado, na perspectiva de Vygotsky (2007), as funções psicológicas


superiores descritivas do pensamento próprio do homem – memorização ativa,
ações conscientemente controladas, atenção voluntária, comportamento intencional,
pensamento abstrato – são processos mediados por sistemas simbólicos. Ao
considerar que a linguagem é o sistema simbólico capital de todos os grupamentos
humanos, o quesito do desenvolvimento da linguagem e suas relações com o
pensamento destaca-se nos escritos de Vygotsky.

Vygotsky (2005) pressupõe duas funções básicas para a linguagem: intercâmbio


social e pensamento generalizante. De acordo com Vygotsky (2005, p. 06), “A
função primordial da fala é a comunicação, o intercâmbio social”. Para se comunicar
com seus pares, o homem cria e usa os sistemas de linguagem. Um bebê, mesmo
sem dominar as palavras, consegue comunicar seus desejos e seus estados
emocionais aos outros por meio de sons, expressões e gestos. (Oliveira, 2002).

Entretanto, para se estabelecer uma comunicação mais refinada, mais complexa,


torna-se indispensável que sejam utilizados signos, compreensíveis pelos
semelhantes. Esses signos se encarregarão de traduzir pensamentos, ideias,
vontades, sentimentos, de maneira categórica. Para Oliveira (2002), cada ser
humano vivencia sua experiência de maneira singular e complexa. Por isso, esse
mundo intrincado da experiência vivida individualmente precisa ser simplificado e
generalizado para poder ser expresso em signos que possam ser comunicados a
outros.
32

Nesse contexto, segundo Vygotsky (2005), aparece a segunda função da linguagem:


a de pensamento generalizante. Sendo assim, a respeito da comunicação humana,
Vygotsky (2005) ressalta:

Assim, a verdadeira comunicação humana pressupõe uma atitude


generalizante, que constitui um estágio avançado do desenvolvimento do
significado da palavra. As formas mais elevadas da comunicação humana
somente são possíveis porque o pensamento do homem reflete uma
realidade conceitualizada. (VYGOTSKY, 2005, p. 07).

Tomemos como exemplo a palavra LIVRO. Ela tem um significado específico,


compartilhado por todos que utilizam a língua portuguesa. Independentemente dos
livros concretos que um indivíduo conheça ou da relação afetiva que ele tenha com
os mesmos, a palavra LIVRO denomina certo conjunto de elementos do mundo real.
Isso significa que o conceito de livro pode ser traduzido por essa palavra e será
apropriadamente compreendido por outras pessoas, ainda que suas experiências
concretas com livros sejam distintas do indivíduo que utilizou a palavra.

O significado de uma palavra ocupa lugar fundamental no estudo de Vygotsky sobre


a relação entre pensamento e linguagem. Ele considera o significado um elemento
essencial da palavra e um ato de pensamento, pois no significado da palavra
pensamento e fala se unem constituindo o pensamento verbal. As duas funções
básicas da linguagem – intercâmbio social e pensamento generalizante – se
encontram no significado. A mediação simbólica entre o indivíduo e o mundo real é
construída pelos significados. Dessa forma, os significados são como
“decodificadores” que permitem ao homem interpretar o mundo e agir sobre ele.

Sobre a complexidade dos significados, Vygotsky (2005) afirma:

O significado de uma palavra representa um amálgama tão estreito do


pensamento e da linguagem, que fica difícil dizer se se trata de um
fenômeno da fala ou de um fenômeno do pensamento. Uma palavra sem
significado é um som vazio; o significado, portanto, é um critério da
“palavra”, seu componente indispensável. Pareceria, então, que o
significado poderia ser visto como um fenômeno da fala. Mas, do ponto de
vista da psicologia, o significado de cada palavra é uma generalização ou
um conceito. E como as generalizações e os conceitos são inegavelmente
atos de pensamento, podemos considerar o significado como um fenômeno
do pensamento. (VYGOTSKY, 2005, p. 150).

De acordo com Oliveira (2002), Vygotsky diferencia dois elementos do significado de


cada palavra: o significado propriamente dito e o sentido. O significado propriamente
dito reporta-se ao sistema de relações objetivas realizadas no processo de
33

desenvolvimento da palavra, traduzindo-se em um cerne relativamente estável de


compreensão da palavra, compartilhado por todos que a utilizam. O sentido,
entretanto, refere-se ao significado da palavra para cada indivíduo, constituído por
relações que dizem respeito ao contexto de uso da palavra e às experiências
afetivas do sujeito.

Outro ponto relevante na Teoria Histórico-Cultural de Vygotsky que está intimamente


relacionado ao significado e ao sentido é a formação de conceitos. Vygotsky (2005)
caracteriza os conceitos em duas categorias: espontâneos e científicos. Conceitos
espontâneos são aqueles desenvolvidos no decorrer da vida diária e da prática do
indivíduo, nas suas relações com objetos, fenômenos e acontecimentos. Segundo
Vygotsky (2005), o indivíduo não está consciente na assimilação dos conceitos
espontâneos. Assim sendo, ele argumenta que:

A caracterização que Piaget faz dos conceitos espontâneos da criança


como sendo não conscientes e assistemáticos tende a confirmar a nossa
tese. A sugestão de que espontâneo, quando aplicado a conceitos, é
sinônimo de não consciente é óbvia em todos os seus trabalhos, e pode-se
facilmente descobrir é a base em que isso se assenta. Ao operar com
conceitos espontâneos, a criança não está consciente deles, pois sua
atenção está sempre centrada no objeto ao qual o conceito se refere, nunca
no próprio ato do pensamento. (VYGOTSKY, 2005, p. 115).

Por sua vez, os conceitos científicos são aqueles estruturados em sistemas


consistentes de inter-relações. São assimilados por meio do ensino formal,
geralmente com a ajuda de um adulto, portanto, ocorrem de forma mediada. De
acordo com Vygotsky (2005), o processo de mediação está sempre presente na
aquisição de conceitos científicos pelas crianças na escola. Como essa mediação é
feita por outros conceitos, Vygotsky argumenta que a própria noção de conceito
científico implica um lugar dentro de um sistema de conceitos.

Ao conjecturar sobre o ganho obtido com o desenvolvimento de conceitos


científicos, Vygotsky (2005) salienta:

É nossa tese que os rudimentos de sistematização primeiro entram na


mente da criança, por meio do seu contato com os conceitos científicos, e
são depois transferidos para os conceitos cotidianos, mudando a sua
estrutura psicológica de cima para baixo. (VYGOTSKY, 2005, p. 116).

Vygotsky (2005) enaltece o valor do aprendizado escolar que, em sua perspectiva,


induz o tipo de percepção generalizante. Percepção essa que o autor julga ser
fundamental na conscientização da criança dos seus próprios processos mentais.
34

Nesse sentido, Vygotsky (2005), ao analisar a importância dos conceitos científicos


para o desenvolvimento da consciência, pontua que:

Os conceitos científicos, com o seu sistema hierárquico de inter-relações,


parecem constituir o meio no qual a consciência e o domínio se
desenvolvem, sendo mais tarde transferidos a outros conceitos e outras
áreas do pensamento. A consciência reflexiva chega à criança através dos
portais dos conhecimentos científicos. (VYGOTSKY, 2005, p. 115).

2.2 MODELAGEM MATEMÁTICA

Qual professor de matemática nunca precisou responder a algumas dessas


perguntas: “Pra que serve esse conteúdo?” ou “Onde vou aplicar isso na minha
vida?”. Por vezes, as respostas dadas nem sempre satisfazem os alunos. Para
respondê-las e na busca por novos caminhos para um “fazer matemático” mais
motivador e interessante aos alunos, que imbricasse mais significado aos conceitos
matemáticos trabalhados, encontramos na Modelagem Matemática uma
possibilidade de transformação da realidade vivida em sala de aula.

O nascimento da Modelagem Matemática não aconteceu dentro da área que


conhecemos hoje como Educação Matemática. Na verdade, ela foi “importada” da
área denominada Matemática Aplicada, dentro da qual surgiram os primeiros
conceitos e procedimentos qualificadores de uma atividade de Modelagem.
(Almeida, 2012).

De acordo com Biembengut (2000), os dois precursores da Modelagem Matemática


dentro da Educação Matemática no Brasil foram Aristides Camargos Barreto e
Rodney Carlos Bassanezi. Por volta de 1970, o professor da PUC/Rio (Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro) Aristides C. Barreto adotou modelos
matemáticos como método de ensino nas disciplinas de Cálculo Avançado em um
programa de pós-graduação para engenheiros e Fundamentos da Matemática
Elementar e Prática de Ensino da Licenciatura em Matemática.

Como um dos mais ilustres adeptos do professor Aristides, Rodney C. Bassanezi foi
um dos maiores disseminadores da modelagem matemática no Brasil. Em 1982, ao
coordenar um curso de pós-graduação na Universidade Estadual de Guarapuava, no
35

Estado do Paraná, Bassanezi propôs a seguinte alteração: fazer visitas às empresas


da cidade e levantar problemas reais para serem investigados.

Assim, essa iniciativa promoveu o primeiro curso de pós-graduação em modelagem


e que fomentou muitos outros coordenados por Bassanezi nas mais diversas
instituições de Ensino Superior. Os fatos relatados retratam esses dois estudiosos
como precursores e ícones da modelagem matemática no Brasil.

Biembengut (2000) argumenta que é provável que o questionamento – para que


aprender matemática – vindo dos estudantes e a dificuldade dos professores em
respondê-lo com base em aplicações nas variadas áreas do conhecimento tenham
concorrido para Bassanezi defender a modelagem como estratégia de ensino de
matemática.

De acordo com Bassanezi (2006), a modelagem matemática constitui-se na arte de


tomar problemas do mundo real, convertê-los para a linguagem matemática, resolvê-
los e interpretar suas soluções na linguagem do mundo real. É um processo que
concatena teoria e prática, “motiva seu usuário na procura do entendimento da
realidade que o cerca e na busca de meios para agir sobre ela e transformá-la”.
(Bassanezi, 2006, p. 17).

Ressaltamos, porém, que Barreto e Bassanezi trabalhavam apenas com o Ensino


Superior e com a Pós-graduação. Isso nos motivou a procurar por outros
referenciais que pudessem fornecer mais subsídios para compreender melhor as
aplicações da modelagem na educação básica.

A busca nos conduziu às concepções de Maria Salett Biembengut, Ubiratan


D’Ambrósio, Jonei Cerqueira Barbosa e Lourdes Werle de Almeida sobre o papel da
modelagem dentro da Educação Matemática.

Biembengut (2009) caracteriza a modelagem matemática como um processo


artístico, dado que aquele que modela não sabe perfeitamente o curso que o
processo de modelagem irá tomar. Utiliza meramente sua intuição para relacionar o
modelo a conteúdos matemáticos.

Segundo a autora, um modelo matemático pode ser expresso por meio de fórmulas,
gráficos, diagramas, tabelas, equações algébricas ou programas computacionais. O
36

tema da atividade de modelagem deve emergir baseado na realidade do aluno.


Deve utilizar um problema do cotidiano dele e é preciso possibilitar obter dados e
produzir questões.

D’Ambrósio (1986), também um dos precursores da modelagem na Educação


Matemática no Brasil, define modelagem como um processo abundante de enfrentar
situações que resultam em soluções efetivas para problemas reais. Contrasta, desse
modo, com práticas em que se buscam soluções formais para problemas artificiais
sem nenhum significado para o aluno.

Souza et al. (2015), confirmando D’Ambrósio (1986), afirma que:

O que torna a modelagem um recurso pedagógico promissor para o ensino


de Matemática é o fato de utilizar problemas reais, do interesse dos sujeitos
da aprendizagem, o que não acontece com os problemas hipotéticos,
comumente apresentados em sala de aula e nos livros texto, e que não
despertam a curiosidade e a necessidade de investigação e
problematização por parte dos alunos. (SOUZA et al., 2015, p. 130).

Barbosa (2009) advoga que um ambiente de modelagem é aquele que atende a


duas características principais: tem referência no dia a dia, nas ciências ou no
mundo do trabalho e apresenta um problema para os alunos. Esse ambiente deve
proporcionar um convite à investigação, questionamento e análise de alguma
situação ligada à realidade, e permitir que os alunos encontrem seus próprios
caminhos para solucionar o problema.

Mas, segundo Barbosa (2009), os benefícios da modelagem não são apenas no


sentido de potencializar e facilitar a aprendizagem dos conceitos matemáticos. Ao
analisar alguns modelos matemáticos da realidade, como, por exemplo, os utilizados
por empresas de transporte público para relacionar seus custos e receitas, Barbosa
faz um questionamento sobre a neutralidade dos mesmos, isto é, por que foram
feitos assim? Poderiam ser de outra maneira? Dessa forma, entrevê outros
desdobramentos da modelagem para além da motivação e da aprendizagem de
conceitos e/ou algoritmos matemáticos.

Assim, Barbosa (2009) salienta:

Parece-me que, do ponto de vista da cidadania, há um argumento mais


crucial: a necessidade de os alunos perceberem a natureza enviesada dos
modelos matemáticos e o papel que eles podem ter na sociedade e nas
37

ciências. Isso não significa o esquecimento do conteúdo matemático, mas


seu posicionamento como um “meio” para convidar os alunos a enxergarem
seu uso para além dos limites da disciplina escolar (BARBOSA, 2009, p.2).

Uma postura prescritiva por parte do professor não encontra espaço nesse tipo de
ambiente. Os alunos são estimulados a levantar hipóteses, pesquisar, coletar dados,
organizá-los, expressar/dividir suas opiniões e seus planos para solucionar o
problema.

Dessa forma terão a oportunidade de ponderar sobre a Matemática que pode ser
usada em cada situação e até mesmo refletir sobre a Matemática utilizada em
algumas situações, como a que foi citada no exemplo das planilhas de empresas de
transporte público e outras.

Barbosa (2009) classifica as diferentes maneiras de preparar as atividades de


Modelagem em três casos, nos quais as responsabilidades de professor e aluno
apresentam variações.

Apresentaremos os três casos de forma sintetizada:

No caso 1, o professor fornece a situação-problema e as variáveis (qualitativas e


quantitativas) aos alunos. Estes terão a incumbência de estruturar os dados e
responder o problema. Todas as informações necessárias para a resolução do
problema são fornecidas pelo professor.

No caso 2, o professor também apresenta o problema, mas deixa sob a


responsabilidade dos alunos a busca pelas informações relevantes para resolvê-lo e
a própria resolução da situação-problema.

O caso 3 é a maneira mais aberta de organizar uma atividade de Modelagem. O


professor permite que os alunos escolham um tema de interesse e, de acordo com
esse tema, devem formular o problema, coletar os dados e solucioná-lo.

O quadro abaixo mostra os três casos apresentados por Barbosa (2009), apontando
as diferentes divisões de responsabilidades entre alunos e professor.
38

Quadro 1 - Casos de modelagem na perspectiva de Barbosa (2009)

Caso 1 Caso 2 Caso 3


Elaboração do Professor Professor Professor/
problema Alunos
Coleta de Professor/ Professor/
dados Professor Alunos Alunos
Professor/ Professor/ Professor/
Resolução
Alunos Alunos Alunos

Fonte: Barbosa, 2009

Ainda segundo Barbosa (2009), o desenvolvimento do trabalho de Modelagem


nessa perspectiva oportuniza três tipos de discussões entre os alunos:

Discussões matemáticas – que são aquelas referentes a ideias, conceitos,


conteúdos e algoritmos matemáticos.

Discussões técnicas – as relacionadas à tradução das informações coletadas para a


linguagem matemática, à luz dos conceitos matemáticos conhecidos, na busca de
um modelo matemático que represente a situação dada.

Discussões reflexivas – aquelas que se referem aos parâmetros utilizados na


composição dos modelos e os resultados decorrentes.

Quanto ao papel do professor nas atividades de Modelagem, fica evidente que há


uma mudança considerável em relação a uma prática tradicional, por exemplo.
Entretanto, isso não implica em uma diminuição da importância do professor, pois
em um ambiente de Modelagem ele atua de forma intensa, interagindo com os
alunos, fazendo questionamentos, provocando reflexões, sistematizando
conhecimento, percebendo momentos propícios para a revisão de conteúdos
estudados anteriormente ou a formalização de novos conceitos.

Na perspectiva de Almeida (2012), uma atividade de modelagem pode ser


representada por meio de três elementos: uma situação inicial, que ela chama de
problemática; uma situação final desejada, que seria uma solução para a situação
inicial e um conjunto de procedimentos e conceitos essenciais para se passar da
situação inicial para a final.
39

Assim, relações entre realidade, de onde provém a situação inicial, e a Matemática,


campo em que os conceitos e procedimentos estão alicerçados, “servem de subsídio
para que conhecimentos matemáticos e não matemáticos sejam acionados e/ou
produzidos e integrados” (ALMEIDA, 2012, p. 12).

Uma atividade de modelagem, na perspectiva de Almeida (2012), envolve as


seguintes fases: inteiração, matematização, resolução, interpretação de resultados e
validação.

Na inteiração, os alunos tem um primeiro contato com a problemática a ser


investigada e se define o problema a ser solucionado. Na busca por informações
que possam auxiliá-los nessa tarefa, coletam dados qualitativos e quantitativos e
estabelecem metas para resolvê-lo.

Em geral, o problema identificado na inteiração apresenta-se na linguagem natural e


nem sempre sua relação com a linguagem matemática é evidente. Assim,
matematização é a fase em que, após definido o problema e estruturadas as
informações coletadas, ocorre a “transformação” da situação-problema de uma
linguagem natural para a linguagem matemática.

Na resolução se constrói um modelo matemático com o objetivo de analisar os


aspectos fundamentais da situação, responder a pergunta elaborada e,
possivelmente, fazer previsões para o problema estudado.

A fase da interpretação dos resultados e validação objetiva desenvolver nos


estudantes a capacidade de avaliar o processo de construção de modelos e suas
aplicações em diferentes contextos.

Concordamos com Almeida (2012) quando pondera que atividades de modelagem


podem ser incluídas nas aulas regulares de matemática.

A esse respeito, a autora argumenta que:

[...] a Modelagem Matemática constitui uma alternativa pedagógica na qual


fazemos uma abordagem, por meio da Matemática, de uma situação-
problema não essencialmente matemática. Assim, trata-se de uma
“maneira” de trabalhar com atividades na aula de Matemática.
Argumentamos que em atividades conduzidas segundo essa alternativa
identificam-se características fundamentais: a) envolve um conjunto de
ações cognitivas do indivíduo; b) envolve a representação e manipulação de
40

objetos matemáticos; c) é direcionada para objetivos e metas estabelecidas


e/ou reconhecidas pelo aluno. (ALMEIDA, 2012, p. 17).

As ações cognitivas desenvolvidas pelos alunos ao participar de atividades de


modelagem, na visão de Almeida (2012), são: a) compreensão da situação; b)
estruturação da situação; c) matematização; d) síntese; e) interpretação e validação;
f) comunicação e argumentação.

Ao se inteirar da problemática a ser investigada, o aluno faz algumas aproximações


ao problema real, buscando uma representação mental da situação. Essa transição
da situação-problema para a representação mental exige algumas habilidades, como
entendimento da situação, compreensão de significado, interpretação de
informações e reunião de ideias. Dessa forma, nessa transição o estudante
desenvolve a compreensão da situação.

Ao possuir a representação mental da situação, na sequência é necessário apontar


o problema e traçar os objetivos para se chegar à resolução. A elaboração de um
problema para uma dada situação exige a estruturação e/ou simplificação das
informações coletadas a respeito. Nesse momento tem lugar a ação cognitiva
classificada como estruturação da situação.

Considera-se a matematização como uma ação cognitiva, pois nesse momento o


estudante busca respostas fundamentadas em uma interpretação matemática do
problema. Essa busca é mediada por conhecimentos e habilidades que conduzem
ao reconhecimento de regularidades e relações que eram desconhecidas. A ação
culmina no modelo matemático que foi construído por meio da definição e do
julgamento de hipóteses que conduziram sua construção.

Nessa perspectiva, Almeida (2012) postula:

Portanto, à fase da Modelagem Matemática caracterizada como


matematização corresponde uma ação cognitiva também caracterizada
como matematização, uma vez que a transição que busca uma linguagem
matemática evidencia um problema matemático a ser resolvido; a
elaboração de um modelo matemático é mediada por relações entre as
características da situação e os conceitos, técnicas e procedimentos
matemáticos adequados para representar matematicamente essas
características, a organização de partes, a identificação de componentes.
(AMEIDA, 2012, p. 18).
41

A resposta obtida inicialmente em termos de resultados matemáticos precisa ser


analisada. Para isso, o aluno precisa comparar e distinguir ideias, generalizar fatos e
articular conhecimentos de áreas diferentes. Essas ações caracterizam a
interpretação e a validação.

Por fim, a atividade de modelagem culmina com a socialização das respostas


encontradas, ou seja, a comunicação dos resultados. Tal comunicação implica
desenvolvimento de argumentação de forma a convencer os outros de que os
resultados encontrados são coerentes tanto do ponto de vista da matemática como
da adequação à situação-problema inicial. Dessa forma, a comunicação e a
argumentação também são consideradas como ações cognitivas dos estudantes
quando envolvidos em atividades de modelagem matemática.

A Figura 4 traz uma representação das ações cognitivas desenvolvidas pelos alunos
e suas relações com as diferentes fases do desenvolvimento de atividades de
modelagem na perspectiva de Almeida (2012).

Figura 4 - Ciclo de modelagem segundo Almeida (2012)

Fonte: Almeida, 2012

Em seu livro intitulado Modelagem Matemática na educação básica, Almeida (2012)


traz pertinentes considerações sobre dois questionamentos que podem surgir para
professores que já sabem o que é modelagem matemática no contexto da educação
matemática e intentam implementar ou se aventurar em atividades dessa natureza:
42

“Por que usar Modelagem Matemática na sala de aula?” “Como usar Modelagem
Matemática?”.

A respeito da segunda pergunta, Almeida (2012) citando Blum e Niss (1991), pontua
que os autores consideraram algumas possibilidades de articulação de atividades de
modelagem com o currículo escolar: separação, combinação, alternativa de
integração curricular e alternativa interdisciplinar integrada. A separação e a
combinação são alternativas mais convencionais, em que as atividades de
modelagem são utilizadas em algumas aulas e para conteúdos específicos. Porém,
as duas últimas (integração curricular e interdisciplinar integrada) são inciativas mais
arrojadas, que sustentam não a integração da modelagem matemática, mas a
utilização da modelagem como orientadora do programa de matemática.

Com relação à primeira pergunta, Almeida (2012) enumera alguns aspectos que o
desenvolvimento de atividades de modelagem nas aulas de matemática pode
favorecer:

 A ativação de aspectos motivacionais e relações com a vida fora da escola ou


com aplicações da matemática;
 O uso do computador nas aulas de matemática;
 A realização de trabalhos cooperativos;
 O desenvolvimento do conhecimento crítico e reflexivo;
 O uso de diferentes registros de representação;
 A ocorrência de aprendizagem significativa;

Estamos conscientes de que apenas o fato de desenvolver atividades de


modelagem nas aulas não garante a ocorrência desses benefícios. Tudo vai
depender da forma de trabalhar as atividades.

A esse respeito, concordamos com Rezende e Lorenzoni (2013), quando afirmam


que:

Se bem trabalhada pelo professor, a modelagem pode ser uma estratégia


metodológica que instiga o aluno a “fazer matemática”. Isso o leva a
compreender/assimilar e interferir nos fenômenos que o cercam reduzindo a
distância entre a matemática que ele pratica, enquanto personagem do
mundo real, e aquelas apresentadas nas salas de aulas. (REZENDE E
LORENZONI, 2013, p. 01).
43

Percebemos certa consonância entre os pressupostos da Modelagem Matemática


descritos acima e a Teoria da Histórico-Cultural proposta por Vygotsky. Com efeito,
atividades de modelagem matemática oportunizam a interação entre os sujeitos
participantes do processo de aprendizagem, com o objetivo de favorecer à
apropriação do conhecimento. As interações entre professor e aluno e entre os
alunos aludem às interações entre um adulto e uma criança, conforme investigado
por Vygotsky.

A respeito da construção do conhecimento, Boldt (2013) diz que:

[...] o pensamento matemático nas atividades de modelagem, é construído


gradativamente, em um ambiente histórico e social, tal como proposto por
Vygotsky, portanto em constante e necessário movimento para sua
transformação decorrente da interação com os outros seres humanos para
apropriação do patrimônio cultural da humanidade. (BOLDT, 2013, p. 14).

Ainda segundo Boldt (2013), o educador, ao assumir o papel de mediador, constitui


elos entre o conhecimento construído historicamente e o conhecimento do aluno,
promovendo a criação da zona de desenvolvimento proximal. A motivação sugerida
pela modelagem também pode potencializar a aprendizagem, que é indispensável
para o desenvolvimento, de acordo com Vygotsky (2007). Sendo assim, vemos com
entusiasmo as oportunidades de aprendizagem e desenvolvimento que as atividades
de Modelagem, amparadas nos pressupostos da Teoria Histórico-Cultural podem
proporcionar.

Outro ponto de interseção que poderíamos elencar entre a Modelagem Matemática


e a Teoria de Vygotsky se mostra na produção de conceitos científicos, muito
relevantes para o desenvolvimento da consciência reflexiva no indivíduo. De acordo
com Vygotsky (2005), o processo de mediação está sempre presente na aquisição
de conceitos científicos pelas crianças na escola. E o ambiente de modelagem, por
sua dinâmica, onde os estudantes estão organizados em grupos, pesquisando e
estabelecendo relações, levantando hipóteses promove de forma intensa a
mediação entre professor e alunos e entre os próprios alunos, colaborando para a
produção de conceitos científicos.
44

2.3 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONCEITO DE FUNÇÃO

O conteúdo de funções tem grande importância no ensino de Matemática por


possibilitar compreender melhor os fenômenos naturais, sociais e tecnológicos do
cotidiano, na medida em que reconhece as grandezas e estabelece relações entre
as variáveis desses fenômenos. A relevância desse conceito é evidenciada também
por sua presença em várias áreas do conhecimento humano. Além disso, esse
conteúdo tem um papel central e unificador dentro da Matemática. Desse modo, seu
aprendizado é um dos principais objetivos a ser alcançado na Educação
Matemática.

O desenvolvimento histórico do conceito de função normalmente está associado a


problemas que intrigaram matemáticos de épocas distintas. Séculos se passaram
para que o conceito se transformasse de algumas noções vagas e inexatas até às
formas apresentadas em muitas salas de aula hoje, fundamentado na ideia de par
ordenado e em relações entre conjuntos. As definições mais utilizadas de função
atualmente no ensino e nos livros didáticos são as de Dirichlet e Bourbaki, de caráter
mais formal e baseado na ideia de par ordenado.

De um modo geral, uma função y de uma variável x, y = f(x), é uma relação


entre pares de elementos de dois conjuntos numéricos, X e Y, tal que, para
cada elemento x do primeiro conjunto X um e apenas um elemento u do
segundo conjunto Y é associado de acordo com alguma regra definida. [...]
A regra funcional ou “lei”, pode ser introduzida de várias formas:
verbalmente, por uma tabela de valores x e y, por uma expressão analítica,
por um gráfico, etc., sujeita apenas à condição de que esta regra seja
definida e, uma vez dado o valor de x, esta regra seja suficiente para achar
o valor de y (DIRICHLET -BOURBAKI apud MENDES, 1994, p. 58).

O ensino do conceito de função carregado do formalismo bourbakiano negligencia


os motivos que, para Caraça (1984), foram fundamentais para seu surgimento: a
necessidade de analisar fenômenos, interpretar interdependências, identificar
regularidades e generalizar. Esse autor buscou desvelar as dificuldades no estudo
de função por meio de um sequenciamento de ideias que considera desde o objeto
da Ciência até fatores históricos que implicaram no surgimento do conceito. Com
esse objetivo, faz uma exposição de definições buscando explicar as conexões
presentes na história até surgir o instrumento matemático. Para ele, para estudar um
fenômeno da realidade, não seria possível abraçar a totalidade do universo,
45

precisaríamos, então, fazer um corte nessa realidade. Essa “porção” da realidade,


ele chamou de isolado. (Souza, 2001)

Ao trazer esse pensamento para o estudo de funções, entendemos, à luz das


considerações de Caraça (1984), que iniciar o ensino de funções pelas definições
não é o melhor caminho para a aprendizagem, tendo em vista o fato de que a
definição de função só foi matematicamente desenvolvida após a existência de
diversos fenômenos, como o de correspondência entre dois objetos investigados
que guardavam entre si algum tipo de relação. A respeito do estudo de funções ser
iniciado levando em consideração os contextos que o inserem, Caraça (1984)
adverte:

É preciso sempre, quando se consideram as qualidades dum ser, pensar no


isolado a que ele pertence; pensar no seu contexto; só em relação ao
contexto é que as qualidades têm significado. (CARAÇA,1984, p.107)

Para o autor, em primeiro lugar deve-se observar o isolado, tentando identificar


alguma regularidade que, particularmente, no contexto de funções, é investigar a
relação entre os dois componentes do isolado em suas variações. Em seguida,
deve-se montar uma tabela que expresse essa relação. O último passo é encontrar
uma lei quantitativa (instrumento matemático) que governe a relação percebida.
Caraça (1984 apud Souza, 2001) aponta para a necessidade de se utilizar, em um
segundo momento, a linguagem matemática. Isto é, monta-se o instrumento, para
depois aperfeiçoá-lo, o que seria irrealizável na linguagem materna. A esse respeito
ele afirma,

O instrumento consiste na correspondência de dois conjuntos de números;


a primeira coisa a fazer, para o tornar facilmente manejável, é arranjar uma
representação simbólica para os conjuntos, de contrário, teríamos sempre
que estar pegados a tabelas de resultados particulares e não obteríamos a
generalidade conveniente. (CARAÇA, 1998, p.119)

Salientamos que, embora o autor não tenha feito nenhuma recomendação expressa
quanto à melhor estratégia metodológica para a abordagem, os passos empregados
e comentados para entender o fenômeno científico de funções, indicam que esta
seria a maneira sugerida por ele: isolar o fenômeno natural de função, estudar esse
contexto e suas relações com outros objetos matemático-científicos e,
posteriormente, utilizar o instrumento matemático. Vale lembrar também que Caraça
(1984) sequer menciona termos como "interdisciplinaridade", mas propõe que
46

inicialmente sejam estudadas as relações existentes desse isolado com outros


fenômenos naturais. (Souza, 2001)

Na sequência apresentamos a definição de função, segundo Caraça (1984).

Sejam x e y duas variáveis representativas de conjuntos numéricos; diz-se


que y é função de x e escreve-se y = f(x) se entre duas variáveis existe uma
correspondência unívoca no sentido x y. A
x chama-se variável independente, a y variável dependente. (CARAÇA,
1984, p. 129)

Outro ponto importante levantado por Caraça (1984) refere-se aos “modos de
definição” de função ou às formas de representação da mesma. O autor destaca as
formas analítica e geométrica de representação e admoesta quanto ao perigo de se
confundir o conceito com alguma forma de representação. A esse respeito ele
destaca:

O conceito de função não se confunde com o de expressão analítica; esta é


apenas um modo de estabelecer a correspondência entre duas variáveis.
(CARAÇA, 1984, p. 131)

Assim, Trindade (1996), ao expor sua preocupação sobre alguns obstáculos


epistemológicos dos alunos quanto à aprendizagem do conceito de função, ressalta
que, muitas vezes, os alunos confundem a função com o instrumento analítico que
expressa sua lei. Sierpinska (1992) estudou como ocorre a compreensão do
conceito de função e se debruçou sobre os obstáculos epistemológicos ao domínio
desse conceito. Segundo a autora, a introdução ao estudo de funções deveria
ocorrer por meio da análise das relações entre variáveis e não baseada em
definições e modelos. A pesquisadora destaca ainda ser muito importante para o
aluno reconhecer outras formas de representação de função, como gráficos e
tabelas, bem como estabelecer as conexões entre essas formas de representação,
“movendo-se” entre elas.

De acordo com Sierpinska (1992), outra dificuldade recorrente entre os alunos é a


relação entre incógnita e variável. A esse respeito, Tinoco (2009) alerta que muitas
vezes os professores não exploram as diferenças na utilização das letras nessas
diversas, fazendo com que o aluno encare a letra sempre como uma incógnita.
Caraça (1984) enfatiza que a noção de variável é das mais difíceis para os
estudantes. Tinoco (2009, p. 05) diz que a variável é “um número qualquer de
47

determinado conjunto, mas não é especificamente nenhum dos números desse


conjunto”.

Corroborando com o pensamento de Sierpinska (1992), Tinoco (2009) destaca que a


versatilidade na passagem de uma representação à outra e o uso frequente da
representação em linguagem corrente, oralmente e por escrito são essenciais para a
construção do conceito.

Para Sierpinska (1992), a exposição da definição mais formal de função, como


conjunto de pares ordenados, não faz muito sentido para alunos da Educação
Básica. A noção de relação também não contribui para que o aluno que está nessa
etapa escolar perceba o significado de função. Assim, concordamos com Tinoco
(2009) quando afirma que, antes dessa apresentação formal, as ideias fundamentais
à construção do conceito de função (variável, dependência, regularidade e
generalização) devem ser introduzidas de forma gradativa, explorando o ponto
central do conceito de função: de que uma variável é perfeitamente estabelecida a
partir do conhecimento de outra.

2.4 UM PANORAMA SOBRE PESQUISAS REALIZADAS QUE ENFOCAM A


ABORDAGEM DE FUNÇÃO POR MEIO DA MODELAGEM MATEMÁTICA

Na tentativa de obter mais embasamento para eleger os procedimentos


metodológicos e realizar as análises, buscamos trabalhos que utilizassem a
modelagem matemática para o ensino de funções e/ou trabalhos que se
debruçassem sobre a temática da construção do conceito de função. Ou seja,
estudos que tivessem relação com a proposta de investigação desta dissertação.
Dentre os trabalhos observados, destacam-se Jacobini (2004), Scheller (2009),
Postal (2009), Luz (2010), Guimarães (2010) e Bilhéo (2012).

Postal (2009) desenvolveu um estudo com alunos de uma turma do 1º ano do


Ensino Médio, tentando identificar contribuições das atividades de modelagem para
o ensino de funções afins e, ao elencar tais contribuições, pontua que, ao se engajar
nessas atividades, o aluno fica mais motivado para as aulas de matemática e
desenvolve mais criatividade, já que busca estratégias para solucionar os
48

problemas. Para a autora, o ambiente de modelagem contribui para a formação de


um cidadão mais consciente dos problemas da sociedade e de sua responsabilidade
perante eles, pois permite ao professor a abordagem de vários aspectos sociais,
econômicos e culturais presentes na vida dos alunos. Outro aspecto positivo
levantado é a interação entre os alunos na escolha do tema gerador da situação-
problema e nas estratégias de resolução, permitindo que eles sejam “condutores” da
construção do próprio conhecimento. A percepção por parte dos alunos da
aplicabilidade dos conhecimentos matemáticos fora das “paredes da sala de aula”
também foi apontada como um benefício propiciado pela modelagem. Tendo
utilizado como aporte teórico os pressupostos da Modelagem Matemática e da
Teoria da Aprendizagem Significativa de Ausubel (1978, 1980), a autora conclui que
a participação em atividades de modelagem pode oportunizar aos alunos a
aprendizagem significativa de conceitos matemáticos.

Bilhéo (2012) desenvolveu seus estudos junto a duas turmas do ensino médio
integrado ao técnico, trabalhando com o tema funções, buscando melhorias no
ensino com aulas inovadoras apoiadas no uso de tecnologia e relacionando o
contexto escolar com a realidade que circunscreve os estudantes. Utilizou em seu
trabalho a metodologia de modelagem matemática aplicada como resolução de
problemas e auxiliada por calculadora gráfica. Bilhéo (2012) relata que a abordagem
segundo essa perspectiva contribuiu para que os alunos percebessem a importância
da matemática no seu curso técnico e compreendessem a razão de se estudar o
conceito função. O pesquisador aponta que as atividades de modelagem auxiliaram
os alunos a compreender melhor os conceitos matemáticos.

Luz (2010) investigou o ambiente da Modelagem Matemática quanto ao


favorecimento de aprendizagem significativa de funções polinomiais do 1º grau em
uma turma do 1º ano do Ensino Médio e como os mapas conceituais podem ser
utilizados para verificar indícios dessa aprendizagem. Uma interseção com nosso
estudo é que o investigador desenvolveu o estudo em uma turma em que também
atuava como professor regente.

Apesar de ter sido desenvolvida em um contexto diferente do nosso, a pesquisa de


Scheller (2009) apresenta algumas interseções com esta investigação. Seu estudo
desenvolveu-se junto a alguns alunos participantes de um Projeto de Iniciação
49

Científica, enquanto nós trabalhamos com uma turma do ensino regular. Entretanto,
a questão orientadora de seu estudo muito se assemelha à nossa, na medida em
que investiga como a modelagem, implementada em um contexto da Iniciação
Científica, pode contribuir para a análise, discussão e resolução de problemas de
forma a integrar a Matemática ao Ensino Técnico de Agropecuária. Algumas de suas
conclusões são específicas para o contexto da iniciação científica, por isso me
atentarei apenas naquelas que são pertinentes para este trabalho. A autora
menciona que os caminhos percorridos para encontrar os modelos encontrados
serviram para que os alunos percebessem com mais clareza as relações entre a
matemática e a área técnica que estudam. As discussões ocorridas tornaram
concreta a relação de um tema da realidade e a matemática.

Mais do que possibilitar um trabalho interdisciplinar, a modelagem colaborou para


que a matemática empregada nos estudos fosse vista como um conhecimento em
construção e não como um corpo de ideias pronto. Fez-se a conexão entre vários
conteúdos retomando conceitos já trabalhados, imprimindo, dessa forma, um caráter
espiral ao currículo. Defende ainda que o ambiente de modelagem vivenciado
suscitou indagações por parte dos alunos sobre o conteúdo utilizado, outras
pesquisas sobre o tema, debates a respeito do trabalho e suas relações com a
sociedade e a relevância da socialização do conhecimento desenvolvido com a
comunidade. Na visão da autora, nessas ações é que o conhecimento matemático
justifica o quê e para quê se aprende.

Scheller (2009) ressalta também a mudança ocorrida na visão dos estudantes


quanto às funções de professor e aluno, acarretando nova divisão de
responsabilidades. Essa mudança inicialmente foi difícil, pois os estudantes não
estavam acostumados à dinâmica de realizar investigações, analisar os dados
coletados, decidir estratégias e questionar sobre determinado tema. Outro aspecto
considerado relevante pela pesquisadora nesse cenário são as oportunidades de
criação, por meio de questionamentos e reflexões sobre os modelos, de zonas de
desenvolvimento proximal para que os estudantes consigam realizar atividades que
não conseguiriam realizar sozinhos. Acredita, dessa forma, alcançar o nível de
desenvolvimento potencial deles, orientando e estimulando as funções superiores. A
autora revela que os alunos aproveitavam as zonas de desenvolvimento proximal
criadas pelo professor, tornando conhecimentos espontâneos em conceitos
50

científicos. Destaca também a importância do trabalho do professor, principalmente


nos momentos em que os alunos estão diante de obstáculos e tendem a desanimar.
Nesses momentos, o professor precisa motivar seus alunos e auxiliá-los a vencer os
obstáculos. Por fim, a autora sustenta que o sucesso nas atividades de modelagem
não depende exclusivamente do professor, mas também da postura do aluno diante
de aceitar ou não seu novo papel como protagonista no processo de aprendizagem.
Não há receitas prontas de sucesso em atividades de modelagem. Porem, torna as
atividades de modelagem ainda mais desafiadoras.
51

3 PERCURSO METODOLÓGICO DA PESQUISA

Nesta seção apontaremos os instrumentos e procedimentos metodológicos


empregados no estudo, tendo em vista alcançar os objetivos propostos,
apresentaremos o local onde os dados foram coletados e caracterizaremos os
sujeitos da pesquisa. Retomaremos também a questão orientadora e os objetivos
que balizaram a pesquisa.

3.1 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa, pois se fundamenta na análise


interpretativa de uma realidade, baseada em referenciais teóricos. Elucidar
fenômenos e atribuir significados são aspectos triviais na pesquisa qualitativa.
Tomamos como marco teórico, no que tange à pesquisa qualitativa, as ponderações
de Bogdan e Biklen (1994) e Alves-Mazzotti (1998).

Tal como a definem Bogdan e Biklen (1994), a investigação qualitativa apresenta


cinco características essenciais:

1) “Na investigação qualitativa a fonte direta de dados é o ambiente natural,


constituindo o investigador o instrumento principal”. Neste tipo de investigação, os
pesquisadores passam tempo considerável no local de pesquisa, em contato direto
com o objeto estudado, pois consideram que o contexto histórico é imprescindível
para ajudá-los a elucidar as ações ocorridas naquele ambiente. Nesse sentido,
Bogdan e Biklen (1994) afirmam que: “Para o investigador qualitativo divorciar o ato,
a palavra ou o gesto do seu contexto é perder de vista o significado”.

2) “A investigação qualitativa é descritiva”. Na investigação qualitativa, ao invés de


números, os dados são: notas de campo, transcrições de entrevistas, vídeos,
fotografias e outros registros. Esse tipo de abordagem exige uma postura em que
nada é trivial. Qualquer coisa pode se tornar uma pista para compreender de forma
mais clara o objeto estudado. Bogdan e Biklen (1994)
52

3) “Os investigadores qualitativos interessam-se mais pelo processo do que


simplesmente pelos resultados ou produtos”. Os métodos quantitativos conseguem
comprovar, recorrendo a pré-testes e pós-testes, que as mudanças acontecem.
Entretanto, os procedimentos qualitativos têm o potencial de revelar como essas
mudanças ocorrem.

4) “Os investigadores qualitativos tendem a analisar os seus dados de forma


indutiva”. Eles não partem de uma hipótese e, então, recolhem os dados para
confirmá-la. Pode ser até que tenham alguma hipótese, porém somente à medida
que os dados recolhidos vão se agrupando é que o pesquisador constrói suas
abstrações.

5) “O significado é de importância vital na abordagem qualitativa”. Os pesquisadores


nessa abordagem estão atentos em captar as perspectivas dos participantes. Para
se certificarem disso, utilizam várias estratégias, como mostrar as gravações feitas
aos participantes para confrontar suas interpretações com as dos informantes,
mostrar transcrições de entrevistas ou rascunhos de artigos.

Nessa configuração, (Bogdan e Biklen, 1994) acrescentam:

Os investigadores qualitativos estabelecem estratégias e procedimentos


que lhes permitam tomar em consideração as experiências do ponto de
vista do informador. O processo de condução de investigação qualitativa
reflete uma espécie de diálogo entre os investigadores e os respectivos
sujeitos, dado estes não serem abordados por aqueles de uma forma neutra
(BOGDAN, BIKLEN, 1994, p. 51)

O trabalho perpassa também a pesquisa-ação no tocante à natureza de uma


investigação que se desenvolveu tendo como ambiente a situação e a vivência
profissional do investigador, aspecto característico do programa de pós-graduação
que este trabalho integra. Ou seja, o principal objetivo de um mestrado profissional é
promover estudos e técnicas para elevar o nível de qualificação profissional.

Após a delineação da pesquisa como qualitativa e sua delimitação conforme sua


aproximação com a pesquisa-ação, na sequência descreveremos como foi seu
desenvolvimento.

As atividades da pesquisa foram realizadas nas dependências do campus Itapina do


Instituto Federal do Espírito Santo, mais precisamente em três locais: a sala de aula,
53

o setor de Horticultura e o laboratório de Informática. O pesquisador desempenhou


diferentes papéis no decurso dessas atividades, ora propondo, desafiando,
mediando e estimulando o trabalho, ora apenas observando e registrando fatos em
caderno de campo. Um fato importante a ser relatado é que a pesquisa aconteceu
junto a uma turma em que éramos ao mesmo tempo professor regente e
pesquisador. Os instrumentos utilizados para a coleta de dados foram: observações
anotadas em caderno de campo, documentos produzidos pelos alunos durante a
atividade de modelagem e outras atividades propostas, e entrevista semiestruturada.

A observação registrada em caderno de campo tem um papel muito importante na


pesquisa qualitativa. Na observação, “os comportamentos a serem observados não
são predeterminados, eles são observados e relatados da forma como ocorrem,
visando descrever e compreender o que está ocorrendo numa dada situação”.
Nesse tipo de observação, o pesquisador passa integrar o quadro observado e
interage com os sujeitos por períodos suficientes para sentir o que significa estar
naquela situação. (ALVES- MAZZOTTI, 1998, p. 166).

De acordo com Bogdan & Biklen (1994, p. 150), as notas no diário de bordo são “o
relato escrito daquilo que o investigador ouve, vê, experiencia e pensa no decurso
da recolha e refletindo sobre os dados de um estudo qualitativo”. Na perspectiva
desses autores, as notas do diário de bordo são compostas por dois tipos de
material: descritivo, em que a preocupação é retratar uma cena da maneira mais
fidedigna possível; e reflexivo, em que o observador expõe seu ponto de vista, suas
ideias e preocupações. Em outras palavras, na parte reflexiva, o pesquisador faz
uma pré-análise dos dados anotados no diário de bordo.

Com respeito à entrevista, Alves-Mazzotti (1998, p. 168) pondera que, ao optar por
esta modalidade de coleta de dados, o pesquisador “está interessado em
compreender o significado atribuído pelos sujeitos a eventos, situações, processos
ou personagens que fazem parte de sua vida cotidiana”.

Utilizamos para esta pesquisa a modalidade denominada entrevista semiestruturada.


Este tipo de entrevista tem um caráter mais flexível, permitindo ao entrevistador
organizar um roteiro de pontos a ser abordado, alterar a ordem deles no decorrer da
entrevista e até formular outras questões não planejadas a priori.
54

Outro instrumento aplicado para coletar dados foram os documentos produzidos


pelos alunos durante a atividade. Considera-se documento todos os registros
escritos que possam ser usados como fonte de informação. Alguns exemplos de
documentos: relatórios, planos de aula, programas de cursos, livros, atas, diários,
trabalhos de alunos et. (ALVES-MAZZOTTI, 1998, p. 169). Os documentos,
combinados a outros métodos de coleta de dados, podem ser utilizados para
complementar as informações obtidas por esses outros métodos.

Assim, na sequência iremos discorrer sobre a análise dos dados. Após a coleta de
informações por meio das notas do caderno de campo, das entrevistas e dos
documentos produzidos pelos alunos, havia uma quantidade considerável de dados
para serem analisados.

De acordo com Alves-Mazzotti (1998), esses dados precisam:

[...] ser organizados e compreendidos. Isso se faz através de um processo


continuado em que se procura identificar dimensões, categorias,
tendências, padrões, relações, desvendando-lhes o significado. Este é um
processo complexo, não linear, que implica num trabalho de redução,
organização e interpretação dos dados que se inicia já na fase exploratória
e acompanha toda a investigação (ALVES-MAZZOTTI, 1998, p. 170).

Para a análise dos dados, os mesmos foram classificados em categorias de


codificação. A esse respeito, Bogdan e Biklen (1994, p. 221) ressaltam que as
categorias de codificação compõem um meio de classificar os dados recolhidos de
forma a separá-los e organizá-los de acordo com sua relação com tópicos relevantes
para a investigação. Para ilustrar o que seriam categorias de codificação, os autores
nos convidam para nos imaginarmos em um ginásio com milhares de brinquedos e
com a tarefa de organizá-los de alguma forma. Para realizarmos a tarefa
precisaríamos dar uma olhada prévia nos brinquedos e ver de que forma
poderíamos separá-los e agrupá-los. Poderíamos separá-los de acordo com a faixa
etária a que se destinam ou pelo material de que são feitos, pelo fabricante, pelo
tamanho ou outra característica qualquer.

Com os dados coletados, a tarefa é mais difícil, mas à medida que o pesquisador vai
lendo e relendo os dados, certas frases, palavras, padrões de comportamento vão
se repetindo. Daí se originam as categorias de codificação.
55

Os dados foram classificados de acordo com as seguintes categorias: mediação (ou


interação) para construção de conhecimento, aproximação com a realidade
contribuindo para a produção de significados, promoção de zona de
desenvolvimento proximal.

A análise é um processo interpretativo e foi realizada à luz dos pressupostos


teóricos utilizados, tendo em vista identificar as contribuições que a abordagem
metodológica por meio da modelagem matemática proporciona ao ensino e à
aprendizagem de função em uma turma de ensino médio integrado ao técnico.

Após expor os procedimentos metodológicos utilizados para a coleta e a análise de


dados, seguiremos para a caracterização do local e dos sujeitos da pesquisa. Em
seguida, será realizada a descrição e análise das atividades desenvolvidas durante
a pesquisa.

3.2 O LOCAL E OS SUJEITOS DA PESQUISA

Alguns fatores concorreram para a escolha do local da pesquisa, entretanto, o de


maior preponderância foi a intenção de realizá-la na instituição na qual atuo como
docente e poder contribuir para o processo de ensino e aprendizagem no próprio
local de trabalho. Almejava de alguma maneira cooperar para suplantar a realidade
da dificuldade de aprendizagem de matemática apresentada, especialmente pelos
estudantes das primeiras séries do ensino médio.

Assim, esta pesquisa aconteceu no Instituto Federal do Espírito Santo – campus


Itapina, localizado no km 70 da BR 259, no município de Colatina/ES. O campus
atualmente oferece 7 turmas do Técnico em Agropecuária Integrado, 4 turmas do
Técnico em Zootecnia Integrado e 1 do Técnico em Agropecuária Subsequente.
Além disso, oferece em nível superior os cursos: Agronomia, Licenciatura em
Ciências Agrícolas e Licenciatura em Pedagogia.

Os sujeitos da pesquisa foram os alunos de uma turma do 1ª série do ensino médio


integrado ao técnico, dentre as seis ofertadas no ano de 2015 (quatro de
Agropecuária e duas de Zootecnia). A turma escolhida foi a do Curso de
Agropecuária e, no início da pesquisa, era composta por 30 alunos. No entanto,
56

durante as atividades da pesquisa, um aluno foi transferido e uma aluna evadiu,


ficando a turma com 28 alunos (sendo 19 rapazes e 9 moças) até o findar das
atividades deste estudo. A faixa etária dos alunos era de 14 a 16 anos, sendo 2
alunos com 14 anos, 22 alunos com 15 anos e 4 alunos com 16 anos de idade.
Quanto ao local em que residem, 23 alunos moram em zona urbana (cerca de 82%)
e 5 residem na zona rural (cerca de 18%), devendo-se considerar, entretanto que,
alguns que moram em área urbana para estudar, têm seus pais morando na zona
rural. Estes alunos vêm de diversos municípios dos estados do Espírito Santo e de
Minas Gerais. Dez alunos responderam que seus pais desenvolvem algum tipo de
atividade na zona rural. A respeito da formação no ensino fundamental, a maioria
estudou em escola pública (municipal ou estadual): 18 alunos contra apenas 10
fizeram o ensino fundamental em escola particular. Perguntamos aos alunos
quantos já haviam estudado funções no ensino fundamental e a grande maioria (19)
havia estudado algo a respeito de função. Perguntamos também se os alunos
consideram que tiveram dificuldade na aprendizagem de Matemática ao longo da
sua trajetória como estudante do ensino fundamental. Dos 29 alunos, 17
consideraram que tiveram dificuldade para aprender Matemática no ensino
fundamental. Essas informações foram captadas no intuito de conhecer melhor o
contexto dos alunos pesquisados.

3.3 ANSEIOS DA PESQUISA

Como exposto anteriormente, um número significativo dos alunos das primeiras


séries dos cursos técnicos integrados ao ensino médio apresentavam dificuldade
para se apropriar de conceitos matemáticos propostos para a série. Esse fator nos
motivou a buscar por práticas pedagógicas que pudessem contribuir para a melhoria
no processo de ensino e aprendizagem desses alunos.

A realidade do campus Itapina é propícia para a utilização de atividades de


Modelagem devido às atividades de ensino e pesquisa realizadas nas unidades de
produção. Assim, consideramos interessante investigar a utilização de atividades de
modelagem como uma abordagem metodológica.
57

Retomamos então a problemática apresentada, a pergunta orientadora e os


objetivos da pesquisa:

Pergunta orientadora: Como a atividade de Modelagem Matemática, como


abordagem metodológica, tendo como pressupostos os princípios da Teoria
Histórico-Cultural, contribui para a construção do conceito de função em uma turma
de Ensino Médio Técnico?

Visando responder à pergunta central desta investigação, a pesquisa pautou-se em


alcançar o seguinte objetivo geral: Analisar a construção do conceito de função, por
meio de uma atividade de Modelagem Matemática, baseado nos princípios
orientadores da Teoria Histórico-Cultural.

Com esse objetivo mais amplo, foram definidos os seguintes objetivos específicos:

a) Elaborar atividades de ensino que integrem o conhecimento matemático aos


conhecimentos que perpassam as disciplinas técnicas, fazendo emergir um
ambiente de modelagem matemática;

b) Realizar e analisar práticas pedagógicas fundamentadas na perspectiva da


Modelagem Matemática visando à construção do conceito de função, pela
compreensão das ideias fundamentais à construção desse conceito (variável,
dependência, regularidade e generalização);

c) Elaborar um produto educacional para o estudo de noções de função, tendo como


suporte as etapas do ciclo de Modelagem Matemática e seguindo os pressupostos
da Teoria Histórico-Cultural.
58

4 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

No presente capítulo, apresentaremos o relato de duas atividades de modelagem


realizadas com dois grupos distintos de alunos e em momentos diferentes. A
primeira, realizada no segundo semestre de 2014, foi na verdade uma “atividade
piloto”, com a qual testamos os instrumentos e os procedimentos metodológicos de
modo a verificar se estavam em sintonia com os objetivos propostos para a
pesquisa. Depois de avaliada a metodologia, realizamos outra atividade no primeiro
semestre de 2015, que foi a principal fonte de informações para nossas reflexões e
análises com o intuito de encontrar respostas para nossa questão de pesquisa.

4.1 ATIVIDADE DE MODELAGEM 1: MODELANDO O CRESCIMENTO DA ALFACE


HIDROPÔNICA

Relataremos agora como aconteceu a atividade piloto que foi uma primeira incursão
no campo de pesquisa. Essa atividade foi realizada com uma turma da primeira série
do Ensino Médio Integrado ao curso de Agropecuária no ano de 2014. Não éramos o
professor regente nessa turma, sendo necessário solicitar a autorização da
professora de matemática para realizar a atividade. Ao conversar com ela, pedimos
que nos cedesse algumas aulas para realizarmos a atividade de Modelagem, o que
ela prontamente fez, e então iniciamos o planejamento.

Por meio da análise de um trabalho desenvolvido por alguns professores da área


técnica do campus Itapina em conjunto com seus alunos, percebemos o potencial
demonstrado por aquele tipo de atividade para trabalhar a matemática por meio de
uma abordagem com a Modelagem. O título do trabalho era “Função de produção do
feijoeiro em relação à água, conduzido na região noroeste capixaba”, apresentado
na VIII Jornada de Iniciação Científica, Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do
Ifes. Os pesquisadores buscavam encontrar a relação entre a produtividade do
feijoeiro e a lâmina d’água de irrigação recebida por ele. Embora este trabalho
utilizasse a modelagem em um viés de metodologia científica, ou seja, diferente do
utilizado na Educação Matemática, apresentava grande potencial para ser utilizado
com fins pedagógicos, auxiliando na construção de conceitos matemáticos.
59

Consideramos ainda que a abordagem desse tipo de atividade com o objetivo de


ensino e aprendizagem de matemática pode contribuir para estreitar a relação entre
o conhecimento matemático e o conhecimento técnico, cooperando para a
integração do ensino médio com o técnico.

Procuramos, então, junto aos professores das disciplinas técnicas, alguma atividade
semelhante, na qual foi possível aliar a produção de conhecimento matemático à
resolução de algum problema da área técnica. No diálogo com o professor
responsável pelo setor de Horticultura do Ifes campus Itapina, vislumbramos a
possibilidade de desenvolver uma atividade utilizando a cultura de alface no sistema
de hidroponia. O setor de Horticultura dispõe de três estufas para cultivo nesse
sistema. A seguir mostramos na Figura 5 uma foto em que aparecem duas das três
estufas para hidroponia do setor de Horticutura do campus Itapina.

Figura 5 - Foto de Estufas para hidroponia no setor de Horticultura do Ifes campus Itapina

Fonte: Arquivo do autor, 2016.

Ao aprofundar um pouco mais essa conversa inicial, descobrimos que o ciclo da


cultura da alface nesse sistema dura aproximadamente 45 dias. O pé de alface,
durante o seu desenvolvimento (desde a colocação da semente na espuma fenólica
até que a hortaliça esteja pronta para ser colhida) passa por três etapas que
acontecem em bancadas diferentes.
60

1ª Etapa: A semente de alface é colocada em uma espuma denominada espuma


fenólica e lá permanece por aproximadamente 7 dias em uma bancada chamada de
berçário.

Figura 6 - Espuma fenólica com mudas de alface

Fonte: Arquivo pessoal do autor, 2016.

2ª Etapa: Após os sete dias já existe uma “mudinha” de alface com 4 ou 5 folhas.
Essa muda é transportada para outra bancada, denominada bancada de
crescimento. Em geral, a muda fica na bancada de crescimento por mais duas
semanas.

Figura 7 - Mudas de alface hidropônico na bancada de crescimento

Fonte: Arquivo pessoal do autor, 2016.


61

3ª Etapa: Transcorridas essas três semanas, a planta é transportada para a bancada


de produção, na qual permanecerá até o dia da colheita.

Figura 8 - Mudas de alface hidropônico na bancada de produção

Fonte: Arquivo pessoal do autor, 2016.

Como exposto, usualmente o pé de alface chega à bancada de produção após 21


dias da inserção da semente na espuma fenólica.

Foi então que o professor responsável pelo setor de Horticultura expressou sua
curiosidade em saber se aquele momento (aproximadamente 21 dias) era realmente
o momento ideal para o pé de alface chegar à bancada de produção. Estava posto
um potencial problema para ser resolvido em um ambiente de modelagem.

Assim, de acordo com a perspectiva de modelagem matemática, foi apresentada à


turma selecionada a problemática da produção de alface no regime de hidroponia.
Em seguida, instigamos a turma a resolver o seguinte problema: Qual seria o
momento ideal para transportar as mudas de alface para a bancada de produção?
Será que ele existe?

A cultura de alface foi escolhida por ser uma cultura de ciclo relativamente curto
(aproximadamente 45 dias), o que era conveniente para esse trabalho de pesquisa
de mestrado e também pelo fato de a alface ser uma hortaliça muito consumida pela
população brasileira, inclusive nossos alunos, sendo, então, algo bem pertinente ao
contexto deles.
62

No sentido de dar subsídios para solucionar o problema, propusemos à turma


desenvolver um experimento (uma atividade de cultivo de alface hidropônico desde
a semeadura até a colheita). E, ainda, durante esse período acompanhar o
desenvolvimento das plantas, mensurando algumas características que, analisadas
posteriormente, pudessem embasar uma solução para o problema.

Para realizar a atividade dividimos a turma, que era composta de 29 alunos, em


cinco grupos. Cada grupo ficou responsável por semear e acompanhar um “lote” de
15 mudas (3 repetições de 5, conforme orientação dada pelo professor de Produção
Vegetal I da turma participante da atividade) de alface da variedade Vitória de Santo
Antão até o final do ciclo.

Na tentativa de obter algum parâmetro para descobrir o momento ideal (se existir)
para transportar a muda para a bancada de produção, o experimento foi conduzido
de modo que os “lotes” de mudas fossem transferidos para a bancada de produção
em momentos diferentes.

Todas as sementes foram colocadas em espumas fenólicas no mesmo dia e


deixadas em uma bancada chamada de “berçário”.

Figura 9 - Foto de espuma fenólica com mudas de alface

Fonte: Arquivo pessoal do autor, 2016.


63

Ao final de sete dias, todas as mudas foram transplantadas para a bancada de


crescimento. Esse transporte foi feito pelos alunos, acompanhados pelo professor de
Produção Vegetal I e pelo pesquisador.

Figura 10 - Mudas de alface na bancada de crescimento

Fonte: Arquivo pessoal do autor, 2016

A partir daí ocorreu a diferenciação entre os “lotes” de mudas. O transporte das


mudas da bancada de crescimento para a bancada de produção não ocorreu no
mesmo dia para todas as mudas.

O Quadro 2 a seguir apresenta os grupos, a quantidade de alunos de cada grupo, o


lote de mudas sob responsabilidade de cada grupo para acompanhar e os
momentos em que esses lotes foram transportados para a bancada de produção.

Quadro 2 - Grupos responsáveis por cada lote de mudas

GRUPO Nº DE ALUNOS LOTES / MOMENTO TRANSPORTE

Grupo 1 6 alunos Lote 1 – transportado para bancada de produção com 19 dias

Grupo 2 6 alunos Lote 2 – transportado para bancada de produção com 21 dias

Grupo 3 6 alunos Lote 3 – transportado para bancada de produção com 23 dias

Grupo 4 6 alunos Lote 4 – transportado para bancada de produção com 25 dias

Grupo 5 5 alunos Lote 5 – transportado para bancada de produção com 27 dias

Fonte: Arquivo pessoal do autor, 2016


64

Na Figura 11 a seguir, podemos ver o primeiro lote de mudas que foi transportado
da bancada de crescimento para a bancada de produção.

Figura 11 - Mudas de alface colocadas em bandeja para transporte para a bancada de produção

Fonte: Arquivo pessoal do autor, 2016

Como todos os pés de alface foram colhidos após 45 dias de semeados, o primeiro
“lote” de mudas ficou 26 dias na bancada de produção; o segundo, 24 dias; o
terceiro, 22 dias; o quarto, 20 dias, e o quinto ficou 18 dias na bancada de produção.

As características a serem mensuradas foram discutidas com os alunos e com o


professor do componente curricular Produção Vegetal I, que definiram acompanhar:
a altura da planta, o comprimento do sistema radicular e o número de folhas de cada
pé de alface ao longo do tempo. Esses dados foram medidos e registrados pelos
alunos (organizados em grupos) em formulários fornecidos pelo pesquisador.

Terminado o experimento e obtidos todos os dados desejados, cada grupo de


alunos recebeu uma cópia dos formulários com os dados coletados de todos os 5
(cinco) lotes de plantas. Os alunos foram incentivados a interpretar esses dados,
estruturá-los, representá-los graficamente de modo a comparar o desempenho dos
lotes de mudas de alface. Após construir os gráficos, eles deveriam interpretá-los e
discuti-los com o intuito de chegar a uma solução para o problema proposto: Qual
seria o momento ideal para transportar as mudas de alface para a bancada de
produção?
65

A tarefa de organizar os dados dos formulários em tabelas que mostrassem a


evolução das características mensuradas ao longo do tempo foi árdua. Eram muitas
plantas e foram feitas medições praticamente a cada dois dias, gerando um grande
volume de dados. Os alunos fizeram a organização desses dados usando tabelas
em rascunhos e calculadora. Os gráficos foram construídos em folhas de papel
milimetrado. Na ocasião, achamos que seria importante essa manipulação dos
dados sem o uso do computador. Todavia, após essa experiência, reconhecemos a
importância de utilizar os recursos oferecidos pela informática para a construção de
planilhas e gráficos. Nesse sentido, Bassanezi (2006) enfatiza a relevância da
utilização de softwares em atividades de modelagem. Jacobini (2004) corrobora
esse pensamento, salientando que o uso da informática viabiliza o trabalho com
várias aplicações e facilita a utilização de dados reais.

Durante o tempo em que os grupos estavam trocando ideias, praticando os três tipos
de discussão observados por Barbosa (2009), estávamos interagindo com os
grupos, não no sentido de lhes fornecer a solução, mas fazendo questionamentos,
comentários, ou seja, sendo coparticipantes na resolução do problema. Nesses
momentos de interação percebemos certo receio (ou timidez) dos alunos em nos
chamar para contribuir nas discussões. Creditamos isso ao pouco tempo de
convívio, apesar de alguns momentos anteriores de observação que tivemos com a
turma. Na atividade que desenvolvemos no semestre seguinte, em uma turma em
que éramos o professor regente, percebemos uma interação entre alunos e
professor/pesquisador bem mais efetiva. Os alunos ficavam bem mais à vontade
para nos convidar e expor suas dificuldades.

Apesar dessa “intranquilidade” dos alunos, procurávamos sempre estar presente e à


disposição para contribuir nas discussões que ocorriam entre os alunos de cada
grupo. Dessa forma pudemos presenciar e/ou participar de alguns desdobramentos
desses diálogos.

Como salientou Barbosa (2009), os desdobramentos desses momentos de interação


entre os alunos e entre os alunos e o professor e/ou pesquisador não são muito
previsíveis. Como salienta o autor, surgiram oportunidades de retomar conceitos não
consolidados e formalizar conceitos novos. A representação em diagrama cartesiano
foi um dos temas que percebemos não estar consolidado entre os alunos. Diante
66

disso, muitas mediações ocorreram durante a elaboração dos gráficos. Trabalhamos


somente com a representação da altura dos pés de alface e o número de folhas em
função do tempo. Os alunos não julgaram necessário representar graficamente o
comprimento da raiz por considerarem que os dados coletados não apresentavam
coerência. Outra constatação ocorrida enquanto eram feitas as planilhas foi que o
conceito de média aritmética era novo para uma quantidade considerável dos
alunos. A seguir (Figura 12), apresentamos o gráfico da altura da parte aérea em
função do tempo elaborado por um dos grupos de alunos.

Figura 12 - Gráfico da altura da parte aérea da alface em função do tempo (construído pelos alunos
do grupo 4)

Fonte: Arquivo pessoal do autor, 2016

Por fim, incentivamos a socialização das soluções encontradas pelos grupos para
que os alunos pudessem compará-las, perceber outros caminhos e fazer uma
análise crítica dos resultados encontrados.

Percebemos que, pelo fato de a atividade ter sido realizada nos últimos meses do
ano letivo, os alunos já estavam um tanto cansados e a motivação para o trabalho
ficou comprometida. Outra análise importante que contribuiu para a próxima
atividade de modelagem refere-se ao intervalo de tempo das medições das plantas.
Ao final desta atividade piloto, observamos que os pés de alface que estávamos
acompanhando (fazendo medições) não se desenvolveram como outras plantas da
estufa que não estavam sendo medidas. No final do período de observação, eles
67

estavam menores e com menos folhas do que os pés de alface cultivados para
abastecer o refeitório do campus.

Compartilhamos essa informação com os alunos e perguntamos se eles sabiam o(s)


motivos(s) dessa ocorrência. Os alunos formularam algumas hipóteses, mas
resolveram procurar o professor de Produção Vegetal I e o técnico responsável pelo
setor de Horticultura para confirmar (ou não) suas conjecturas a respeito de uma
explicação para a diferença no desenvolvimento das plantas. A resposta foi que o
elevado número de vezes que tiramos as plantas da bancada para medir e o
manuseio excessivo das mesmas pode ter causado algum estresse e prejudicado
seu desenvolvimento.

Explanado o relato da atividade piloto que nos permitiu fazer os ajustes necessários
nos procedimentos metodológicos e sublinhado o que foi aprendido com ela, na
sequência nos dedicaremos à descrição da atividade de pesquisa e as análises
produzidas.

4.2 ATIVIDADE DE MODELAGEM 2: MODELANDO O DESENVOLVIMENTO DA


ALFACE DA HIDROPONIA E DO CAMPO

Após terminada a atividade piloto descrita anteriormente e observados os pontos


positivos e negativos da incursão, no ano seguinte (2015) convidamos outra turma
para uma atividade de modelagem. Vale lembrar que nessa turma nós
trabalhávamos como professor regente de Matemática e, por isso, já havíamos
construído uma boa relação de convívio com os alunos da turma. Classificamos
esse aspecto como um item relevante, pois o bom convívio facilitou as interações
com alunos e contribuiu para a postura de mediador almejada pelo
professor/pesquisador.

4.2.1 O Convite para a Atividade de Modelagem

Ao tentar construir um ambiente para fazermos um convite para a atividade de


modelagem matemática, aproveitamos o fato de viver em uma região que apresenta
68

atualmente um pequeno índice pluviométrico para apresentar aos alunos dessa


turma alguns questionamentos sobre o uso eficiente da água em algumas culturas,
como, por exemplo, a de hortaliças. Nosso objetivo era provocar uma reflexão sobre
o cultivo em regime de hidroponia, que era o tema planejado para a atividade de
modelagem. Embora os alunos não soubessem ainda, já havíamos feito contato com
a professora e manifestado nosso desejo de realizar uma atividade em que
pudéssemos trabalhar com as disciplinas Matemática e Produção Vegetal I de forma
mais integrada. Nessa ocasião, o professor responsável pela disciplina de Produção
Vegetal I no semestre anterior estava licenciado, por isso precisamos estabelecer
um novo contato com a outra professora. Esta se mostrou interessada em participar
da empreitada e nos sugeriu algumas alterações no experimento.

Iniciamos, então, uma conversa com os alunos sobre os assuntos que seriam
abordados na componente curricular Produção Vegetal I e, entre eles, surgiu a
cultura de hortaliças e outras plantas em regime de hidroponia. Entre as plantas
citadas estava a alface, que é a hortaliça mais consumida no Brasil. Nesse
momento, começamos a problematizar sobre essa cultura, levantando
questionamentos como: Vocês conhecem esta modalidade de produção de alface?
Já comeram alface produzida assim? Tem diferença para a alface produzida do
“jeito tradicional”? E quanto ao desempenho, qual tipo de cultura tem melhor
desempenho?

Ao perceber que os alunos não sabiam muito sobre o assunto, fizemos o convite
para a atividade de modelagem. A proposta foi plantar dois “canteiros” de alface (um
da forma tradicional: no solo e outro em regime de hidroponia) e acompanhar as
culturas para comparar os resultados. Explicamos que eles fariam uma análise
comparativa entre as duas modalidades de cultivo de alface.

O objetivo da análise era responder às seguintes perguntas: Quais as diferenças,


em termos de desempenho, entre a cultura de alface no campo (na terra) e a cultura
de alface em regime de hidroponia? Baseado nessas diferenças observadas, quais
as vantagens e desvantagens em se usar a hidroponia para cultivar alface?

Após o aceite dos alunos, confirmamos com a professora da disciplina e


combinamos os detalhes de como seria organizada a atividade. Ela então solicitou
69

ao técnico do setor de Horticultura que colocasse as sementes de alface nas


espumas fenólicas no dia seguinte (14/04/2015).

Os alunos se mostraram entusiasmados para fazer a atividade, pois, segundo eles


mesmos, seria uma forma diferente de aprender Matemática. Além disso, essa
Matemática estaria diretamente ligada à realidade das atividades desenvolvidas por
eles em uma das unidades de produção, agregando mais significado ao
conhecimento na medida em que eles percebessem a aplicabilidade do mesmo.
Outro aspecto positivo da atividade de modelagem é o potencial de integração entre
o conhecimento matemático e o conhecimento técnico.

Vale destacar, porém que, embora entusiasmados, os alunos se mostraram um


tanto apreensivos por nunca terem participado de uma atividade de Modelagem
Matemática. Percebemos certo receio dos alunos por terem de sair da sua “zona de
conforto” e se aventurarem em outra maneira de trabalhar com o conhecimento
matemático.

A seguir, apresentamos um quadro demonstrativo no qual, de forma sucinta,


relatamos os momentos vivenciados com os estudantes durante o desenvolvimento
da atividade de modelagem 2.

Quadro 3 - Momentos vivenciados na atividade de modelagem 2.

Momentos Onde Aulas Desenvolvimento


I Sala de aula 1 Convite à atividade de modelagem; Criação do
ambiente de modelagem.
II Horticultura 13 Organizados em grupos e acompanhados pela
professora de Produção Vegetal I, pelo professor de
Matemática (e pesquisador) e pelo técnico, os
alunos efetuam o plantio das mudas de alface e, em
seguida, acompanham a cultura, mensurando
algumas características das plantas.
III Laboratório 6 De posse dos dados coletados no setor de
Informática Horticultura, os alunos elaboram tabelas e gráficos
representativos das variáveis mensuradas para
entender melhor as diferenças no desenvolvimento
70

das culturas da alface no campo e na hidroponia.


IV Sala de aula 10 Resolução de algumas atividades propostas pelo
professor com o intuito de auxiliá-los na
interpretação dos gráficos e também criar um
ambiente para a discussão a respeito de alguns
elementos importantes para a construção do
conceito de função.
V Sala de aula 2 Discussão e resolução do problema proposto pela
atividade de modelagem.
VI Sala de aula 2 Socialização das soluções encontradas por cada
grupo.
VII Sala de aula 2 Entrevista com um grupo de alunos composto por
um aluno de cada um dos seis grupos que
realizaram a atividade de modelagem.

Fonte: Arquivo pessoal do autor, 2016

4.2.2 No setor de Horticultura

O dia de levar as mudas de alface aos canteiros chegou. Um grupo foi conduzido a
um canteiro no solo e o outro para as bancadas de hidroponia. Esta etapa ocorreu
no dia 29/04/2015, ou seja, 15 dias após as sementes terem sido colocadas na
espuma fenólica. Nesse dia, os alunos foram divididos em grupos com 5 integrantes,
mais precisamente 6 grupos com 5 alunos cada. A professora de Produção Vegetal I
e eu acordamos que faríamos a divisão como geralmente os alunos fazem quando
vão escolher as equipes para alguma prática esportiva: eles escolhem os líderes e
esses líderes vão escolhendo, sucessivamente, os integrantes de suas equipes.

Assim, nós escolhemos os 6 (seis) líderes. Esses líderes foram, sucessivamente,


escolhendo um a um os membros de suas equipes. Julgamos que seria interessante
formar os grupos dessa maneira para que houvesse afinidade entre os membros do
grupo e, ao mesmo tempo, figurasse em todos os grupos pelo menos uma pessoa
dinâmica que impulsionasse os trabalhos, que seria o líder escolhido por nós. Em
71

nossa visão, essa afinidade e liderança seriam importantes para o desenvolvimento


da atividade de modelagem.

Para o plantio das mudas de alface, os alunos contaram com a orientação do técnico
responsável pelo setor de Horticultura. Ele orientou os alunos durante toda a etapa
do processo ocorrido na Horticultura, desde o preparo dos canteiros, que aconteceu
alguns dias antes em aulas de Produção Vegetal I, até o plantio e desenvolvimento
das mudas. Tanto as mudas plantadas no canteiro como as mudas colocadas nas
bancadas da hidroponia.

Importante ressaltar que foram os alunos que realizaram todas as atividades:


preparar os canteiros, adubá-los, colocar as mudas nos canteiros e nas bancadas,
regar os canteiros após o plantio, cobrir o canteiro do campo com palhas de coco
para limitar a exposição ao sol nos primeiros dias e medir as características
definidas no início da atividade. Sempre orientados pela professora de Produção
Vegetal I e pelo técnico responsável pelo setor. Nós acompanhamos todos os
procedimentos, anotando as observações que julgávamos serem importantes em
caderno de campo. Quando necessário, também fazíamos alguma intervenção no
sentido orientar na realização das atividades.

As atividades realizadas na Horticultura ocorreram sempre às quartas-feiras, ao


longo de 7 semanas, perfazendo um total de 13 aulas de 50 minutos (na primeira
semana aconteceu o plantio, e nas outras 6 foram feitas as medições). Estas eram
efetuadas durante alguns momentos das aulas de Produção Vegetal I. No dia do
plantio, todos os alunos estiveram envolvidos. Nos dias destinados à medição, os
alunos do grupo responsável por aquele dia eram os encarregados dessa tarefa e os
demais alunos desenvolveram outras atividades propostas pela professora de
Produção Vegetal l.

Foram plantados seis lotes de mudas de alface em um canteiro no campo e seis


lotes em bancadas de hidroponia. Cada lote continha 12 mudas. Lembrando que os
alunos da turma foram divididos em 6 grupos, cada grupo de alunos acompanhou 2
(dois) lotes de pés de alface (um no campo e outro na hidroponia).

Segundo orientações da professora da disciplina técnica, o experimento seria


destrutivo, ou seja, a partir da data do plantio, que foi a mesma para todas as
72

mudas, a cada 7 (sete) dias um grupo de alunos ficaria responsável por retirar um
lote de mudas alface do campo e um lote da hidroponia, fazer as medições
combinadas e descartar as plantas. Então, a partir de 06/05/2015, sete dias após o
plantio das mudas, em intervalos regulares de sete dias, os grupos responsáveis
fizeram a medição das seguintes características das plantas: número de folhas,
altura da parte aérea da planta, comprimento do sistema radicular (comprimento da
raiz) e diâmetro do caule. O quadro 4 mostra a data em que cada grupo fez as
medições das plantas.

Quadro 4 - Grupos que realizaram as medições e suas respectivas datas de medições

Data da medição Grupo responsável

6/05/2015 Grupo 1

13/05/2015 Grupo 2

20/05/2015 Grupo 3

27/05/2015 Grupo 4

3/06/2015 Grupo 5

10/06/2015 Grupo 6

Fonte: Arquivo pessoal do autor, 2016

A seguir, Figura 13, apresentamos um esquema ilustrando os grupos de mudas, o


dia da medição das plantas de cada grupo e a quantidade de folhas de cada planta
no canteiro no solo.
73

Figura 13 - Esquema ilustrativo da medição do número de folhas no canteiro no solo

Fonte: Arquivo pessoal do autor, 2016.

Essa atividade, como esperado, suscitaria dúvidas. Assim, daqui em diante, ao


transcrevermos alguns diálogos, utilizaremos nomes fictícios com o objetivo de
preservar a identidade dos alunos da turma pesquisada. Na hora do plantio das
mudas no canteiro, surgiu a primeira dúvida dos alunos, evidenciada na fala do
aluno Gean:

Qual espaçamento vamos deixar entre os lotes de mudas no


canteiro?

Eles já haviam combinado juntamente com a professora de produção vegetal I que


cada lote (com doze mudas de alface) iria ocupar uma área de 1 m². Esse
espaçamento foi definido baseado em experiências anteriores do técnico no cultivo
de alface. Os alunos constataram que a largura do canteiro retangular era de 1
74

metro. Após conversarem com o técnico, decidiram deixar 50 cm entre os grupos de


mudas.

Como o canteiro já estava preparado, resolvi então perguntar:

Será que deixando 50 cm entre os lotes vai ter espaço para os


6 (seis) lotes no canteiro? Qual o comprimento desse
canteiro?(Pesquisador)

Após olharem para o canteiro e entre si, o aluno Gean pediu uma trena e mediu o
comprimento total do canteiro. Após a medição, Gean apresentou sua conclusão:

Professor, o comprimento do canteiro deu 8,7 metros.


Descontando 6 metros, porque são 6 lotes ocupando um metro
cada um, vai sobrar 2,7 metros. Dividindo 2,7 por 6 ...(Gean)

Enquanto ele tentava fazer o cálculo mental, Nadson interferiu:

Por que 2,7 dividido por 6? Tem que dividir por cinco, pois são
cinco espaços entre os seis lotes. (Nadson)

Gean concordou com Nadson, fez o cálculo mental e concluiu que dariam cinco
espaços de 0,5 m (50 centímetros) e ainda sobraria algum espaço no canteiro.

Vai dar sim, professor, podemos deixar 50 cm de espaçamento


e ainda vai sobrar 20 cm no final do canteiro. (Gean)

Na foto a seguir (Figura 14), temos o canteiro com as mudas de alface.

Figura 14 – Foto do canteiro no solo

Fonte: Arquivo pessoal do autor, 2016


75

Nessa ocasião, aproveitamos para explorar um pouco mais o assunto medidas de


superfície, pois os alunos identificaram o “espaço” em que ficaria cada grupo de
mudas com “réguas” de bambu de comprimento 1 metro, representando sobre o
canteiro quadrados de área 1 m². Esse era um costume do técnico do setor para
facilitar os procedimentos de medição. Aproveitando esse método peculiar utilizado
pelo técnico, fizemos uma reflexão com os alunos sobre equivalência entre unidades
de medida de comprimento e de superfície. Fizemos também uma provocação sobre
os métodos e instrumentos utilizados por grupos específicos (como os agricultores)
para fazer as medições.

Foi uma boa oportunidade para retomar alguns conhecimentos matemáticos, pois no
início do ano havíamos feito, a pedido dos professores das disciplinas técnicas, uma
“revisão” de unidades de medida de comprimento, área e volume. A esse respeito,
Barbosa (2009) pontua que as atividades de modelagem oportunizam a construção
de novos conceitos e também a retomada de conceitos já trabalhados.

Algumas alunas não queriam inicialmente participar do plantio, pois não queriam se
sujar na terra. Entretanto, ao ver a empolgação daqueles que estavam participando,
acabaram se motivando e participando também. Tudo transcorreu bem no plantio,
muitos alunos participaram da atividade e houve muita cooperação na realização
das tarefas. Podíamos perceber a ansiedade dos alunos na expectativa de como as
plantas estariam na semana seguinte, quando iniciariam as medições. A seguir
relataremos algumas situações que ocorreram nos momentos em que os alunos
estavam mensurando as características escolhidas e anotando em formulário
preparado para tal, conforme consta no Apêndice A.

As medições foram feitas nas aulas da disciplina Produção Vegetal I. Todavia,


consideramos pertinente acompanhar os alunos durante os procedimentos para
orientá-los e observar possíveis situações relevantes para a pesquisa. Apesar do
combinado de o experimento se enquadrar na categoria de ensaio destrutivo, o que
facilitaria a contagem do número de folhas dos pés de alface, pois os alunos
poderiam arrancar as folhas após terem medido a altura da planta, já por ocasião
das medições do 1º grupo foi preciso fazer uma adaptação no combinado. Os alunos
dos primeiros grupos não quiseram descartar as plantas após a medição e sim
replantá-las no canteiro. Nós concordamos com o grupo, mas esse novo combinado
76

trouxe algumas dificuldades para a contagem do número de folhas, principalmente


para os últimos grupos. É que os pés de alface que ficaram mais tempo no canteiro
tinham muitas folhas e, sem poder arrancá-las, a contagem se tornou mais difícil.

Em ambiente de modelagem é preciso que o professor, ao coordenar o processo


tenha flexibilidade diante das situações novas que ocorrem durante o processo. Não
há como prever o percurso antes de percorrê-lo, até mesmo porque os protagonistas
são os alunos. Algumas vezes, essa dinâmica pouco previsível pode ser um fator
desmotivador para alguns professores se aventurarem com a modelagem
(BASSANEZI, 2006).

Como informado anteriormente, as características escolhidas para serem


mensuradas foram: altura da parte aérea da planta, número de folhas, comprimento
do sistema radicular (comprimento da raiz) e diâmetro do caule. Com relação à
medição da altura da parte aérea da planta e o comprimento da raiz, também foi
necessário combinar com os grupos uma forma padrão para tal procedimento. O
combinado foi medir a altura da planta e o comprimento da raiz a partir da parte
superior da espuma fenólica, conforme mostra a Figura 15 a seguir, que retrata um
momento de medição do comprimento do sistema radicular (comprimento da raiz).
Isso causou certo transtorno, pois as últimas plantas a serem colhidas não tinham
mais a espuma fenólica.

Figura 15 - Medição do comprimento da raiz do pé de alface

Fonte: Arquivo pessoal do autor, 2016.


77

Para a altura da planta, combinamos considerar a distância da parte superior da


espuma fenólica até a extremidade da folha mais longa. E, para o comprimento do
sistema radicular, considerar a distância entre a parte superior da espuma fenólica
até a ponta da ramificação mais comprida da raiz. A seguir, na Figura 16
apresentamos um esquema que ilustra como foram medidos a altura da parte aérea
e o comprimento da raiz da planta.

Figura 16 - Esquema ilustrativo das medições da altura da parte aérea, o comprimento da raiz e o
diâmetro do caule.

Fonte: Arquivo pessoal do autor, 2016.

Vale ressaltar que a medida do comprimento da raiz dos pés de alface plantados no
campo ficou de certa forma prejudicada. Pois, ao retirar a planta da terra, muitas
vezes os alunos, apesar do cuidado, perdiam parte da raiz. Também na hora de
esticar as ramificações da raiz para fazer a medição, partes da raiz se rompiam por
serem muito frágeis. Além disso, nos últimos pés de alface retirados, quase não
havia mais espuma fenólica.

Uma observação recorrente em praticamente todos os grupos foi que vários alunos
não sabiam utilizar a régua corretamente. Estes mediam a altura colocando a borda
da régua no ponto de referência (parte superior da espuma fenólica) e não a marca
da régua corresponde ao “zero” da escala.

Ao observar tal fato, fizemos o seguinte questionamento:

Essa é a maneira correta de medir a altura da planta? Vocês


estão utilizando a régua da maneira adequada? (Pesquisador)
78

O aluno Ygor, que estava utilizando a régua no momento, perguntou o que ele
estava fazendo de errado. Nesse instante, um colega do grupo se aproximou e
disse:

Não é assim, não, rapaz! Você tem que colocar o zero da


régua aqui na parte de cima da espuma! (Gean)

Dessa forma, o aluno Ygor e o restante do grupo concordaram e passaram a medir


corretamente a altura das plantas. Fato semelhante ocorreu por ocasião das
medições feitas por outros grupos.

Em outro grupo, o aluno que estava medindo o comprimento da raiz colocou a


marca de 30 cm da régua no ponto de referência, que era a parte superior da
espuma fenólica, e verificou em que marca da régua ficou a ponta da raiz. Ou seja,
usou a régua “de ponta cabeça”.

Assim, fizemos algumas intervenções. As falas a seguir retratam como ocorreu um


dos diálogos com o intuito de ajudar o grupo a medir corretamente o comprimento da
raiz do pé de alface:

Vocês estão medindo o comprimento da raiz da maneira


correta? Qual é a maneira certa de posicionar a régua?
(Pesquisador)

Mas, professor, tanto faz colocar o zero aqui na espuma ou o


trinta centímetros, não? (Mário)

Será? Se você colocar o trinta centímetros da régua na


espuma, como vai obter o comprimento da raiz? (Pesquisador)

Daí, se a ponta da raiz der no 21 cm (enquanto fala, o aluno


estica a raiz junto à régua para mostrar o que está falando),
então, o comprimento é 21 cm (Mário)

Outro membro do grupo que estava acompanhando a conversa intervém:

Se der no 21 cm, então, o comprimento da raiz vai ser 9 cm,


porque do 21 cm até o 30 cm tem uma distância de 9
centímetros, não é, professor?. (Edgar)

Você concorda com o que o Edgar falou, Mário? (Pesquisador)


79

O aluno Edgar mostra ao colega na régua a distância de 9 cm e complementa:

Mas, professor, acho que é melhor medir a partir do zero da


régua, que aí não precisa ficar diminuindo. O que der na ponta
da raiz já será o comprimento. (Edgar)

Os episódios relatados anteriormente indicam que alguns alunos não tem


familiaridade com instrumentos de medição, tais como régua, trena e outros. Acerca
disso, D’Ambrósio (2009) fala da importância de se resgatar a experimentação nas
aulas de Matemática. “O caráter experimental da matemática foi removido do ensino
e isso pode ser reconhecido como um dos fatores que mais contribuíram para o mau
rendimento escolar”. (D’Ambrósio, 2009, p. 95).

Percebemos nesse episódio uma possível contribuição das atividades de


modelagem, já que muitas vezes, em uma atividade de modelagem, os alunos
precisarão utilizar instrumentos diversos (trena, régua, cronômetro, calculadora,
transferidor etc.). Atividades de modelagem potencializam a experimentação e a
utilização de instrumentos de medição nas aulas de Matemática. A utilização de
instrumentos de medição também pode auxiliar os alunos no estabelecimento de
estimativas. Em nossa experiência de sala de aula, percebemos que, por vezes
alguns estudantes não têm nem mesmo noção do que seria 1 metro, 1 centímetro, 1
litro, 1 quilograma ou 1 metro quadrado (1 m²), entre outros. A manipulação de
instrumentos para medição de algumas grandezas pode auxiliá-los na construção do
conceito de algumas unidades de medida para certas grandezas, bem como a fazer
estimativas.

Muitas vezes, após discussão no grupo, os próprios alunos encontravam a maneira


correta de medir. Quando isso não acontecia, nós fazíamos outros questionamentos,
conduzindo-os a refletir e discutir sobre a situação até que descobrissem a maneira
correta.

Outra dificuldade dos alunos na medição foi no uso do paquímetro para medir o
diâmetro do caule. Já imaginávamos que essa dificuldade pudesse ocorrer pelo fato
de o paquímetro não ser um objeto de uso comum no cotidiano da maioria das
pessoas. Para os alunos participantes da pesquisa não foi diferente. Muitos deles
nem sequer conheciam esse instrumento de medição. Porém, para nossa surpresa,
80

quando os alunos foram questionados sobre quem sabia utilizar o paquímetro, um


aluno disse que sabia utilizar o instrumento, pois ajudava o pai na marcenaria e já
havia manuseado o objeto por diversas vezes. Sem perda de tempo, solicitamos que
esse aluno orientasse pelo menos um aluno de cada grupo quanto à maneira correta
de utilizar o paquímetro e a questão da medição do diâmetro do caule dos pés de
alface ficou resolvida.

A apropriação do conhecimento sobre o instrumento paquímetro e a maneira correta


de utilizá-lo por parte dos demais alunos da turma foi mediada pelo aluno Ygor, que
dominava essa ferramenta pelo fato de fazer parte do seu cotidiano, de sua vivência,
de seu contexto cultural. Nesse sentido, Vygotsky (2007) pressupõe que o homem
se constrói em sua relação com o mundo exterior e com os demais, mediatizado
pela cultura, sendo por isso um ser social e histórico. Para ele, o desenvolvimento
das funções psicológicas superiores ocorre na interação com seus pares que já se
apropriaram da cultura construída.

Percebemos a satisfação do aluno Ygor em poder interagir com seus pares,


compartilhar um conhecimento adquirido no contexto da oficina de seu pai com seus
colegas de sala. Justamente um aluno que por vezes se apresentava tímido nas
aulas de matemática e que quando nos aproximávamos para tentar motivá-lo, se
queixava de sua dificuldade e de que “não sabia nada de matemática”. Por isso,
achava que “não tinha nada a contribuir”. Nessa oportunidade, em que ele pôde
contribuir para que seus colegas se apropriassem da maneira de correta de se
utilizar esse instrumento (paquímetro), fizemos questão de frisar:

Você viu, Ygor, como todos nós temos algo a contribuir? Você
“salvou a pátria”! Seu conhecimento sobre o paquímetro e a
maneira correta de utilizá-lo foi muito importante para darmos
continuidade à atividade. (Pesquisador)

Entendemos que faz parte do trabalho do professor como mediador da


aprendizagem incentivar e motivar seus alunos, mostrando que todos têm algo a
contribuir no processo. Cada um com suas experiências e vivências possui
conhecimentos prévios que, em momentos de interação proporcionados por
algumas atividades, como a modelagem, podem contribuir para a construção de
conhecimento entre os envolvidos. Com a mediação do colega que já dominava o
81

instrumento, outros alunos se tornaram aptos para fazer a medição do diâmetro do


caule. Durante todas as medições das características das plantas, os alunos se
revezavam nas tarefas (arrancar a planta, tirar o excesso de terra das raízes, lavar
as raízes tiradas do canteiro do campo, segurar a planta para o colega fazer a
medição, medir as características já mencionadas, preencher o formulário com as
medidas). Houve bastante interação entre os alunos, de forma que os que não
sabiam realizar determinada tarefa eram ajudados pelos colegas de grupo.

Algumas surpresas aconteceram durante o processo de acompanhamento e


medição das plantas. A partir da segunda semana de medição, algumas plantas
começaram a morrer. Esse fato não era esperado por nós e muito menos pelos
alunos. Pelo menos não logo nas primeiras semanas. Isso causou um pouco de
frustração e desapontamento em alguns alunos. O percentual de mortalidade das
plantas se intensificou por volta da terceira semana nas plantas da hidroponia. Já
nas mudas de alface plantadas na terra, esse percentual começou a se intensificar a
partir da quarta semana. Este foi um fato curioso e nós aproveitamos para
questionar os alunos que, por sua vez, buscaram as respostas junto à professora do
componente curricular Produção Vegetal I e ao técnico responsável pelo setor.

Após terem sido orientados pela professora e pelo técnico, os alunos


compartilharam conosco as possíveis causas das perdas das plantas. As causas
foram parecidas para hidroponia e campo. No caso das mudas plantadas na terra,
as causas levantadas foram: a alta incidência de luminosidade, possíveis
deficiências no solo quanto aos nutrientes necessários ao desenvolvimento das
plantas e algumas pragas. Nesse caso em específico, uma virose comumente
chamada de “vira cabeça”. Essa virose é provocada pelo vírus Lettuce Mosaic Vírus
(LMV).

Quanto aos pés de alface das bancadas de hidroponia, as possíveis causas de


morte entre as plantas foram: falha no sistema de irrigação das canaletas das
bancadas, deixando algumas plantas sem a nutrição necessária ao seu
desenvolvimento, e também a mesma virose que atacou as plantas do campo.
82

A respeito das perdas de plantas tanto na hidroponia quanto no campo, o aluno


Breno fez um comentário interessante que nos possibilitou estimular algumas
reflexões:

Professor, interessante que apesar de toda a proteção e


controle (se referindo à estufa que controlava o ambiente na
qual as plantas estavam e à possibilidade de se controlar os
nutrientes que passam pelas bancadas) a alface da hidroponia
está morrendo da mesma virose da alface do campo, você
reparou? (Breno)

Então, Breno, o que nós podemos aprender com isso?


(Pesquisador)

Que a tecnologia não resolve todos os problemas? (Letícia)

Mas vocês se informaram com a professora se é comum essa


virose atacar as plantas da hidroponia? Ou se a incidência na
hidroponia é menor que no campo? De repente o nosso caso é
uma exceção! (Pesquisador)

Essas reflexões provocaram outras discussões e permitiram que a professora da


disciplina técnica fizesse as intervenções necessárias para esclarecer as dúvidas
que eram mais pertinentes a sua disciplina. Vale ressaltar que, como citado
anteriormente, as medições eram feitas nos horários das aulas de Produção Vegetal
I. Assim, algumas vezes, antes de encaminhar os alunos para os canteiros,
discussões como a relatada anteriormente ocorriam em uma sala de aula que fica no
setor de Horticultura. Também estivemos presentes nesses momentos de discussão.

Consideramos que houve um balanço positivo das atividades desenvolvidas na


Horticultura. Os alunos participaram de forma efetiva, dividindo as tarefas e
demonstrando estar motivados para o trabalho. Houve pouca dispersão. Embora a
mediação na construção de conhecimento tenha sido mais evidente nas etapas
posteriores do trabalho de modelagem, percebemos que esteve presente em
diversos momentos durante as atividades desenvolvidas no setor de Horticultura,
tanto por parte dos professores (Matemática e Produção Vegetal I), como também
pelos colegas. Um dos principais exemplos, pelos seus efeitos, foi a realizada pelo
aluno Ygor no uso do instrumento paquímetro. Notamos que, após essa interação, o
aluno demonstrou mais interesse e motivação pela atividade. Percebemos também
83

que os alunos desempenharam bem o papel de protagonistas durante a coleta de


dados sobre as duas culturas de alface, enquanto que o pesquisador/professor
precisou ter atenção redobrada para exercer o papel de mediador.

Um ponto considerado que poderia ter sido feito de forma diferente seria mostrar aos
alunos semanalmente como estavam evoluindo as variáveis mensuradas. E, dessa
forma, relacionar os resultados obtidos por eles com os resultados obtidos pelos
colegas. Acreditamos que se tivéssemos feito isso dessa maneira, teria sido dado
mais significado aos resultados encontrados e uma sensação maior de
“continuidade” na atividade. Como não fizemos, essa parte da atividade ficou um
pouco fragmentada. Os alunos consideraram interessante fazer as medições, mas
não tinham ainda muita noção do que aquelas medidas representavam dentro do
panorama mais amplo do experimento. Só no final, ao elaborar as planilhas e os
gráficos é que tiveram essa noção.

4.2.3 No laboratório de Informática

Após finalizar as medições, os alunos se dirigiram a um dos Laboratórios de


Informática do campus para que pudessem organizar as planilhas e construir os
gráficos representativos das características mensuradas no setor de Horticultura.
Gostaríamos de destacar que a decisão de levá-los ao laboratório e utilizar os
recursos da informática decorre de um aprendizado proporcionado pela “atividade
piloto”, em que não utilizamos tal recurso. Nesta fase dos trabalhos, utilizamos 6
(seis) aulas de 50 minutos cada em três dias diferentes.

Para realizar essa tarefa, os alunos foram orientados a se organizarem de acordo


com os mesmos grupos das medições no setor de Horticultura. Como os grupos
eram compostos por quatro ou cinco alunos, cada grupo ficou em torno de dois
computadores. Consideramos que a quantidade de alunos por grupo durante as
atividades no laboratório foi um fator negativo, visto que alguns alunos ficaram um
pouco dispersos das discussões do grupo. O fato não ocorreu durante as atividades
no campo, talvez porque naquele contexto havia muitas atividades para serem
distribuídas entre eles. Cada grupo de alunos recebeu uma cópia dos formulários
com os dados coletados de todos os 6 (seis) lotes de plantas.
84

A confecção das planilhas e dos gráficos foi feita nos horários das aulas de
Matemática. Para tanto, utilizou-se o software Microsoft Excel. Os motivos para
escolher esse software foram: o programa estava disponível nas máquinas dos
laboratórios da escola, é um software cuja utilização não é complexa (pelo menos da
parte que necessitávamos) e também pelo fato de o software ser, naquele ano,
objeto de estudo para a turma pesquisada na disciplina de Suporte Tecnológico.
Tínhamos inicialmente a intenção de trabalhar essa etapa da modelagem em
conjunto com o professor dessa disciplina. Entretanto, não foi possível conciliar o
planejamento com o professor de Suporte para que o tópico Microsoft Excel fosse
abordado antes ou paralelamente à atividade de modelagem.

Observamos ainda que a maioria dos alunos tinha pouco ou nenhum conhecimento
sobre essa planilha eletrônica. Para contornar a situação, nos propusemos mediar o
processo de construção das planilhas e gráficos, dando o suporte necessário para
que os alunos completassem a tarefa a contento. Vygotsky (2007) pondera a
respeito do papel do professor em situações de adversidade com seus alunos. Ele
afirma que o professor deve agir como mediador, atuando na zona de
desenvolvimento proximal dos estudantes e estimulando a investigação por meio de
questionamentos que motivem a reflexão.

Assim, de posse de cópias dos formulários preenchidos por cada grupo com as
medidas coletadas dos pés de alface, os alunos iniciaram a organização das
planilhas. Lembramos aos alunos que o objetivo da elaboração das planilhas era dar
subsídio para construir gráficos que possibilitassem a comparação entre as culturas
da alface (nos regimes de campo e hidroponia). Inicialmente alguns grupos ficaram
um pouco perdidos com os formulários que continham as medidas feitas por todos
os grupos nas mãos, sem saber direito o que fazer. Nesse momento, levantamos
alguns questionamentos no sentido de orientá-los na elaboração das planilhas:

Que tipo de gráfico vocês pretendem construir para visualizar o


que aconteceu, por exemplo, com o número de folhas dos pés
de alface do campo e da hidroponia? (Pesquisador)

Entre as falas dos alunos destaca-se:


85

Acredito que um gráfico da quantidade de folhas em função do


tempo. Mas, nas tabelas que temos, para cada dia de medição
tem o número de folhas de várias plantas... (André)

Nesse momento, outro aluno, talvez se lembrando do que havíamos combinado por
ocasião do convite à atividade de modelagem, sugeriu:

Podemos pegar o número médio de folhas de cada dia de


medição. Daí teremos um gráfico do número médio de folhas
em função do tempo. (Breno)

Os demais alunos concordaram que deviam fazer uma planilha (Figura 17) com os
números de folhas de cada planta medida e, depois, calcular o número médio de
folhas para cada dia de medição.

Figura 17 - Planilha do número de folhas dos pés de alface do campo por dia de medição.

Número de folhas dos pés de alface plantados no campo


Planta Lote 01 Lote 02 Lote 03 Lote 04 Lote 05 Lote 06
06/maio 13/maio 20/maio 27/maio 03/jun 10/jun
1 11 13 17 19 32 45
2 10 16 21 18 34
3 10 14 14 33 28
4 11 14 20 35 34
5 11 9 20 26
6 11 16 17
7 10 14 9
8 9 15 11
9 9 18 20
10 9 15 21
11 10 13 20
12 11 13 13

Fonte: Arquivo pessoal do autor, 2016.

Duas informações são importantes para a correta interpretação da tabela acima:

1º) A planta 1 do dia 6/maio não é a mesma planta 1 do dia 13/maio. Devemos
lembrar que eram seis lotes (grupos) de plantas. As plantas do lote 1 foram medidas
86

no dia 6/maio, as do lote 2 no dia 13/maio, e assim sucessivamente. Desse modo, a


planta 1 do dia 6/maio é apenas a primeira planta do lote 1 que foi medida nesse dia.

2º) Os espaços vazios na tabela ocorreram devido à perda de plantas ao longo do


experimento. Por exemplo, quando da medição das plantas do lote 4, que ocorreu
no dia 27 de maio, só haviam 5 plantas ainda vivas nesse lote.

Foi curioso perceber que alguns alunos ficaram inseguros quanto à maneira de
calcular o número médio de folhas. Na ocasião, brincamos com os alunos, trazendo
um exemplo de como era calculada a “média” de um aluno em uma determinada
disciplina há algum tempo atrás:

Na minha época de ensino médio, a nota de um aluno ao final


de uma etapa (bimestre, trimestre ou semestre) não era obtida
através de um somatório das notas parciais, como é feito hoje.
A nota final era chamada de “média”, e era realmente a média
aritmética das notas parciais obtidas ao longo da etapa. Por
exemplo, se em um semestre um aluno fizesse três avaliações
valendo 10,0 pontos cada uma e obtivesse nota 7,0 na primeira
avaliação, 9,0 na segunda e 2,0 na terceira, sua média final
seria a média aritmética das três notas parciais, ou seja,
MÉDIA = (7,0 + 9,0 + 2,0):3 = 6,0. (Pesquisador)

Então, para calcular a média aritmética é só somar todos os


valores e dividir pela quantidade de valores, professor?
(Kleber)

Kleber, por exemplo, se quiséssemos saber qual a idade média


dos alunos dessa turma, o que deveríamos fazer?
(Pesquisador)

De acordo com o exemplo que você deu, deveríamos somar as


idades de todos os alunos e depois dividir o resultado pelo total
de alunos. Certo? (Kleber)

Isso mesmo, Kleber! (Pesquisador)

Esses exemplos foram suficientes para os alunos entenderem como calcular o


número médio de folhas de cada lote. Vygotsky (2007) alerta para o fato de que há
coisas que o sujeito não consegue fazer sozinho, mas que poderá fazê-lo mediante
87

a instrução de alguém que já sabe. E que mais adiante aquele sujeito poderá
realizar a ação sozinho, quando já estiver em seu nível de desenvolvimento real.

Esclarecido o procedimento para calcular a média, incentivamos os alunos para que


obtivessem os valores médios do número de folhas em cada data de medição das
plantas. Ao observar os grupos, percebemos que os alunos estavam calculando o
valor médio com o auxílio de calculadora. Uma discussão interessante surgiu
quando um aluno perguntou se deveria preencher os espaços vazios da tabela com
0 (zero) para calcular a média.

Repassamos a pergunta aos demais integrantes do grupo.

E aí, pessoal, o que vocês acham? Devemos preencher os


espaços vazios da tabela com “zeros” para calcular o número
médio de folhas? (Pesquisador)

Após algum tempo de silêncio, outro colega disse:

Acho que não devemos colocar zeros, porque a média vai dar
errado. (Walace)

Sugerimos que eles tomassem uma coluna como exemplo e calculassem a média
sem colocar zeros nos espaços vazios. Depois calculassem novamente,
preenchendo os espaços com o número zero e, em seguida, analisassem os
resultados. Os alunos fizeram o que foi proposto e, após discutirem, chegaram à
conclusão que não podiam preencher os espaços vazios da tabela com zeros.
Questionamos por que eles não deveriam fazer isso? A intenção era saber se eles
tinham entendido realmente o que significava o número médio de folhas.

Outra integrante do grupo de Walace disse:

É para calcular o número médio de folhas só dos pés de alface


que ainda “estavam vivos”. Se colocarmos zeros seria como
considerar alguns pés de alface com “zero” folhas. (Heloísa)

Após perceber que os alunos haviam entendido o que era calcular a média
aritmética de alguns valores, apresentamos para os grupos a ferramenta “inserir
função” disponibilizada pelo software Microsoft Excel para calcular, entre outras
coisas, a média de alguns valores. Propusemos também que eles investigassem o
88

que aconteceria se eles preenchessem (ou não) os espaços vazios da tabela com o
número zero e explorassem a ferramenta que acabaram de conhecer. A seguir, na
Figura 18, tem-se a tabela construída pelo grupo citado contendo os valores médios
do número de folhas dos pés de alface plantados no campo. Observa-se que o
grupo não representou o valor médio do dia 10/jun/2016 porque julgou não ser
necessário, visto que nesse dia só há um valor de número de folhas.

Figura 18 - Planilha do número de folhas dos pés de alface do campo por dia de medição, com
número médio de folhas.

Número de folhas dos pés de alface plantados no campo


Planta Lote 01 Lote 02 Lote 03 Lote 04 Lote 05 Lote 06
6/maio 13/maio 20/maio 27/maio 3/jun. 10/jun.
1 11 13 17 19 32 45
2 10 16 21 18 34
3 10 14 14 33 28
4 11 14 20 35 34
5 11 9 20 26
6 11 16 17
7 10 14 9
8 9 15 11
9 9 18 20
10 9 15 21
11 10 13 20
12 11 13 13
Média 10,2 14,2 16,9 26,2 32,0

Fonte: Arquivo pessoal do autor, 2016.

Seguindo o mesmo procedimento, os grupos elaboraram a planilha da evolução do


número de folhas dos pés de alface hidropônicos. A seguir (Figura 19) podemos ver
a planilha feita por um dos grupos:
89

Figura 19 - Planilha do número de folhas dos pés de alface hidropônicos por dia de medição

Número de folhas dos pés de alface hidropônicos


Planta Lote 01 Lote 02 Lote 03 Lote 04 Lote 05 Lote 06
6/maio 13/maio 20/maio 27/maio 3/jun. 10/jun.
1
11 16 22 34 41
2
10 17 23 31 42
3
11 17 23 36 40
4
11 16 20 23
5
10 16 18 29
6
11 14 18 28
7
12 15 15
8
11 15
9
11 15
10
11 14
11
11 13
12
12
Média
11 15,3 19,9 30,2 41,0
Fonte: Arquivo pessoal do autor, 2016.

Observamos que no dia 10 de junho de 2016 (último dia de medição) o lote 06 da


hidroponia não tinha mais nenhuma planta com vida. Isso aconteceu principalmente
devido à virose já citada comumente denominada de “vira cabeça”, e provocada pelo
vírus Lettuce Mosaic Vírus (LMV).

Após as orientações dadas aos grupos quanto à construção da tabela que


representava a primeira variável mensurada por eles (número de folhas), os grupos
não tiveram grandes dificuldades para elaborar as tabelas concernentes às outras
variáveis. Consideramos, à luz da teoria de Vygotsky, que a tarefa de elaboração da
tabela, contendo inclusive o número médio para o dia de medição, com o auxílio do
Excel passou a fazer parte do nível de desenvolvimento real desses alunos. Antes,
construíram-na com o auxílio do professor. Agora, porém, já podiam realizar
sozinhos a mesma tarefa.
90

À medida que terminavam as tabelas, os próprios alunos se mostraram motivados


para construir os gráficos, pois queriam visualizar melhor como seria o
comportamento das variáveis mensuradas ao longo do tempo. Entretanto, nesse
momento surgiu mais um obstáculo: como já foi mencionado anteriormente, a
grande maioria dos alunos tinha pouco ou nenhum conhecimento da planilha Excel.
Por isso, muitos não sabiam nem por onde começar a elaborar os gráficos.
Percebemos que alguns alunos começaram a demonstrar algum desânimo diante do
obstáculo encontrado.

A esse respeito, Bassanezi (2006) alerta sobre os obstáculos que enfrenta o


educando que está passando por uma abordagem diferente da tradicional. O autor
descreve esse aluno como aquele que está habituado a ver o professor como
detentor e transmissor do conhecimento e, “quando colocado no centro do processo
de ensino-aprendizagem, sendo responsável pelos resultados e pela dinâmica do
processo, tem a tendência de desanimar”.

Scheller (2009) pontua que é necessário que o professor tenha muito cuidado com
essa circunstância, especialmente se os alunos não têm experiência com atividades
de Modelagem, que era o nosso caso. Ainda de acordo com a autora, os alunos
podem se perder e se tornarem apáticos nas aulas.

Foi necessária a mediação do professor para que os estudantes pudessem


conseguir realizar a tarefa de construir os gráficos. Nessa mediação, nos
esforçávamos para não fornecer respostas prontas, mas apresentar
questionamentos e orientações no sentido de guiar os alunos na tarefa. Não foi
muito difícil “guiar” os alunos na utilização de algumas ferramentas do software
utilizado para a elaboração de gráficos. Apesar de não conhecerem o Excel, boa
parte dos alunos já estava familiarizada com o uso de computadores e não tinha
medo de “futucar” para encontrar os caminhos. Ainda assim, alguns alunos
começaram a ficar dispersos e a maneira encontrada para contornar o fato foi propor
que cada membro do grupo fizesse um gráfico. Essa dinâmica estimulou que os
outros alunos do grupo ficassem atentos às orientações passadas para aquele
colega que estava construindo o gráfico, diminuindo dessa forma a quantidade de
alunos dispersos.
91

A seguir (Figura 20) é possível visualizar o primeiro gráfico (do Número médio de
folhas em função do tempo) construído por um dos grupos. O gráfico retrata a
variação do número de folhas dos pés de alface (campo e hidroponia) somente até o
50º dia (3/06). Diferentemente das tabelas, que apresentam os resultados até o 57º
dia (10/06). Essa decisão foi tomada pelos alunos em virtude de no 57º dia não
haver nenhuma planta na hidroponia. Todos os pés de alface haviam morrido.

Figura 20 - Gráfico do Número médio de folhas dos pés de alface do campo em função do tempo.

Número médio de folhas em função do


tempo (em dias)
41
44
40
36 30
32 32
28
20 26
24 Campo
20 15
16 11 17 Hidroponia
14
12
10
8
4
0
22 29 36 43 50

Fonte: Arquivo pessoal do autor, 2016

Na verdade, o gráfico inicialmente apresentado pelos alunos tinha linhas contínuas


unindo os pontos. A linha contínua foi substituída por uma tracejada após algumas
discussões motivadas pelo seguinte questionamento:

Por que vocês utilizaram uma linha contínua no gráfico?


(Pesquisador)

Na verdade foi o Excel que colocou essa linha professor. (Vitor)

Mas qual seria o significado dessa linha? Vocês já pararam


para pensar nisso? Que variáveis nós temos nos eixos vertical
e horizontal? (Pesquisador)

No eixo vertical é o número de folhas e no eixo horizontal


temos o tempo. (Edgar)
92

Certo, Edgar! E qual a classificação dessas variáveis? (o aluno


fez um gesto mostrando não lembrar a classificação das
variáveis) Você se lembra de que quando estudamos as
variáveis, elas poderiam ser classificadas em contínuas ou
discretas? (Pesquisador)

Ah! Lembro sim, professor! As discretas são aquelas que os


valores são sempre números inteiros, não têm números
quebrados, não é? (Edgar)

Pois é! Você falou que no eixo vertical a variável é o número de


folhas. Número de folhas é uma variável contínua ou discreta?
(Pesquisador)

Discreta, né professor. Não existem 11,3 folhas. Ou são 11


folhas ou são 12 folhas. (Edgar)

Ah! Professor! Então, isso quer dizer que não podemos fazer
uma linha. O gráfico vai ficar só com os pontos! Só podemos
fazer a linha quando a variável é contínua, não é? (Vitor)

Antes de responder a pergunta de Vitor fomos interrompidos por um aluno do grupo


sentado próximo, mas que estava atento à nossa discussão. O nome do aluno é
Emerson e ele gosta muito de futebol. A pergunta dele, embora estivesse
relacionada a esse contexto, era bem pertinente à discussão:

Professor, mas número de gols marcados também é uma


variável discreta, não é? Então, como é que algumas vezes
ouvimos na TV que o jogador tal tem uma média de 1,2 gols
por partida? Então, essa média está errada? (Emerson)

Nesse caso Emerson, estamos falando de média de gols. Mas


se considerarmos somente a variável número de gols
marcados por partida, então, ela será considerada uma variável
discreta. (Pesquisador)

Professor, mas a nossa variável também é número médio de


folhas! E agora? (Edgar)

Aproveitamos essa boa oportunidade para discutir sobre a forma de representar as


variáveis, sobre os conjuntos numéricos, além da própria classificação das variáveis
em contínuas ou discretas. São as discussões matemáticas postas por Barbosa
(2009). Os alunos do grupo entraram em um acordo e decidiram colocar uma linha
93

tracejada para explicitar como ocorreu a evolução do número de folhas dos pés de
alface ao longo do tempo. Discussões semelhantes a essa surgiram em outros
grupos. Em geral, os alunos não se lembravam de fazer essa análise com respeito
ao tipo de variável na hora de construir os gráficos.

Outras discussões também foram oportunizadas no momento de construção dos


gráficos, como, por exemplo, qual das variáveis deveria ficar no eixo vertical? Essas
discussões remetem à noção de variável dependente e variável independente. As
falas abaixo ilustram uma dessas discussões:

Professor, qual das variáveis deve ficar no eixo vertical? Ou


tanto faz? (Heloísa)

O que vocês acham, pessoal? (devolvendo a pergunta de


Heloísa ao grupo) Tanto faz ou tem uma variável específica
que deve ficar no eixo vertical? (Pesquisador)

Os alunos pensam um pouco até que Heloísa insiste:

Professor, nós não sabemos, mas eu acho que tanto faz.


(Heloísa)

Vocês se lembram de que em uma função nós temos a variável


independente e a variável dependente?

Eu não me lembro disso não, professor. (Walace)

Lembra sim, Walace! Variável dependente é aquela que


depende da outra. Lembra daquele exemplo que o professor
falou da corrida de táxi? O preço da corrida depende da
quilometragem rodada. Quer dizer que o preço da corrida é a
variável dependente e a quilometragem é a variável
independente. (Isadora)

Muito bem, Isadora! E no nosso caso aqui, temos o número de


folhas e o tempo. Qual dos dois é a variável dependente?
Walace, o que você acha? (Pesquisador)

Acho que é o número de folhas da alface que depende do


tempo e não o tempo que depende do número de folhas.
(Walace)
94

Vocês concordam com o Walace, pessoal? (os alunos acenam


afirmativamente) Pois é! Geralmente utiliza-se no eixo vertical a
variável dependente. No caso, o número médio de folhas.
(Pesquisador)

O exemplo citado anteriormente indica que a atividade de modelagem proporcionou


uma discussão sobre um elemento importante para a construção do conceito de
função: a noção de variável dependente e variável independente. Outro aspecto
sobre as variáveis contemplado nos debates foi a classificação das variáveis como
contínuas (aquelas que podem apresentar qualquer valor dentro de um intervalo) ou
discretas (aquelas que assumem geralmente valores inteiros).

A mediação junto aos grupos por ocasião da elaboração do primeiro gráfico (número
de folhas em função do tempo) foi bastante intensa. Presumimos que isso tenha
ocorrido pelo pouco conhecimento dos alunos das ferramentas do software Excel,
como já afirmamos. Todavia, na produção dos gráficos referentes às outras variáveis
mensuradas (altura da parte aérea da planta, comprimento da raiz e diâmetro do
caule) percebemos que os grupos trabalharam de forma mais autônoma.

Como consequência das orientações dadas, os alunos passaram a elaborar os


gráficos com mais tranquilidade. Ações como a utilização de ferramentas do
software Excel para a construção de gráficos, que antes eles não dominavam,
passaram a fazer parte de seu conhecimento, inclusive para realizar outras tarefas.
De acordo com Vygotsky (2007), a instrução só é proveitosa quando faz avançar o
desenvolvimento, isto é, quando ativa e põe em marcha funções que estão em
processo de maturação ou na zona de desenvolvimento proximal.

Entretanto, essa autonomia não ocorreu de forma espontânea, o que consideramos


razoável pelo fato de ser a primeira experiência dos alunos com uma atividade de
Modelagem Matemática. Por diversas vezes, os alunos nos chamavam apenas para
conferirmos se eles estavam fazendo corretamente a atividade ou para socorrê-los
quando esbarravam no primeiro obstáculo. Foi necessário estimular essa autonomia,
não fornecendo as respostas desejadas pelos alunos, mas fazendo novos
questionamentos no sentido de orientá-los na busca por essas respostas. Algumas
95

vezes enfatizávamos para os grupos: “Vocês já discutiram isso entre si? Acho que
podem chegar à resposta sozinhos!"

Entendemos que a dinâmica proposta pela Modelagem, diferente daquela que os


alunos talvez estivessem acostumados no ensino tradicional, trouxe desconforto
para os alunos. Como aponta Bassanezi (2006), no ensino tradicional o aluno
enxerga o professor como um transmissor de conhecimentos e, diante disso,
apresenta uma postura mais passiva. Já no contexto da Modelagem, o aluno é
colocado no centro do processo ensino-aprendizagem e o professor age como um
mediador, indicando os caminhos, mas nunca dando respostas prontas. Orienta
fazendo questionamentos que provocam novas reflexões. Dessa forma,
considerando que era a primeira vez que eles participavam de uma atividade de
modelagem, foi preciso ter certa sensibilidade para que o impacto dessa mudança
no papel de alunos e professor não fosse um aspecto desmotivador para a atividade.

A seguir apresentamos os outros gráficos (Figuras 21, 22 e 23) produzidos pelos


alunos. Escolhemos aleatoriamente os gráficos elaborados por um dos grupos. Em
sua maioria, os gráficos elaborados nos diferentes grupos pouco se diferenciavam
entre si, já que os dados foram os mesmos. Existiam apenas algumas diferenças de
formatação.

Figura 21 - Gráfico da altura da parte aérea (campo e hidroponia).

Altura da parte aérea (cm) em


função do tempo (dias)
30,8
32
27
28
22,5 25,8
24
17,9 21,2
20
16 16,6 Campo
11,8
12 12,9 Hidroponia
10,9
8
4
0
22 29 36 43 50

Fonte: Arquivo pessoal do autor, 2016.


96

Figura 22 - Gráfico do comprimento do sistema radicular (raiz) (campo e hidroponia).

Comprimento do sistema radicular


(cm) em função do tempo (dias)
28,3
28
23,1
24
19,5
20

16 13,5 Campo
12 11,5 Hidroponia
11 10,2 10,9
7 8,7
8

0
22 29 36 43 50

Fonte: Arquivo pessoal do autor, 2016

Figura 23 - Gráfico do diâmetro do caule (campo e hidroponia).

Diâmetro do caule (mm) em função


do tempo (dias)
19,1

18
17,1
14,2

13 12,5 Campo
9,8
Hidroponia
6,9 9,1
8
4,4 7,1

3 3,7
22 29 36 43 50

Fonte: Arquivo pessoal do autor, 2016.

A etapa de construção das planilhas e gráficos foi bastante produtiva. Tivemos a


oportunidade de (re)construir o conceito de média aritmética, discutir sobre a
classificação das variáveis em contínuas ou discretas e também analisar a questão
97

da interdependência entre variáveis, ou seja, identificar a variável dependente e a


independente. Ainda nessa fase dos trabalhos, os alunos puderam pelo menos
iniciar o processo de apropriação de algumas ferramentas do software Microsoft
Excel para elaborar planilhas e gráficos. Como fatores que precisam de um cuidado
maior do professor que pretende utilizar softwares no processo de modelagem,
destacaríamos: observar a quantidade de alunos por computador para evitar que
eles se dispersem e a desmotivação de alguns alunos ou por não dominarem a
ferramenta computacional ou por não estarem acostumados ao fato de serem mais
protagonistas no processo de construção do conhecimento.

Concluída a etapa de produção dos gráficos por todos os grupos, sugerimos


algumas atividades para auxiliá-los na interpretação dos mesmos de forma a
contribuir na análise do comportamento das características representadas e também
criar um ambiente para discutir a respeito de alguns elementos importantes para a
construção do conceito de função. As atividades foram baseadas nos gráficos
construídos pelos alunos. Para esse momento mantivemos ainda os mesmos grupos
que fizeram as medições na Horticultura e confeccionaram planilhas e gráficos no
laboratório de Informática. As atividades foram realizadas no laboratório de
Informática e em sala de aula, dentro do horário normal das aulas de Matemática.

A seguir, apresentaremos algumas das atividades propostas e alguns momentos de


discussão entre os alunos e/ou entre os alunos e o professor/pesquisador que
ocorreram enquanto os estudantes respondiam as atividades. Escolhemos algumas
das atividades realizadas, pois consideramos inviável apresentar neste estudo a
análise de todas as atividades trabalhadas.

4.2.4 Atividades de ensino

Ao propor a atividade I, nosso objetivo foi proporcionar aos alunos uma oportunidade
de identificar as grandezas representadas em uma das formas de representação de
função (gráfico), perceber a interdependência entre elas, reconhecer a taxa de
variação da função para um dado intervalo e relacionar essa taxa à inclinação do
gráfico.
98

Atividade I: O gráfico abaixo mostra o número médio de folhas dos pés alface
(campo e hidroponia) em função do tempo. Após análise do gráfico, responda as questões
propostas.

Número médio de folhas em função do


tempo (dias)
41
44
40
36 30
32 32
28 26
24 20
Campo
20 15
16 11 17 Hidroponia
12 14
8 10
4
0
22 29 36 43 50

a) Quais são as grandezas envolvidas?

b) O que aconteceu com o número de folhas dos pés de alface plantados no campo
com o passar do tempo? E os da hidroponia?

c) Pode-se dizer que existe alguma relação de interdependência entre o número de


folhas e o tempo? Explique.

d) Houve algum período (intervalo) em que a taxa de variação do número de folhas


dos pés de alface plantados no campo foi igual à taxa de variação do número de
folhas dos pés de alface da hidroponia?

e) Qual o período de maior taxa de crescimento do número de folhas na cultura


efetuada no campo? E na hidroponia?

f) Qual o período de menor taxa de crescimento do número de folhas na cultura


efetuada no campo? E na hidroponia?

g) Existe alguma relação entre a taxa de variação (no nosso caso, taxa de
crescimento) e a inclinação do gráfico? Explique.

h) Como seria o aspecto do gráfico se a taxa de crescimento fosse sempre igual em


todos os intervalos?

Ao tentar responder as perguntas propostas na Atividade I, algumas discussões


interessantes começaram a surgir. A seguir, destacamos algumas delas:
99

Professor, como se calcula taxa de variação? (Luciano)

Após perceber que os outros alunos do grupo de Luciano não estavam conseguindo
ajudá-lo, convidamos o grupo a analisar o gráfico e fizemos alguns questionamentos
no sentido de auxiliá-los a entender o que seria taxa de variação. Assim, sugerimos
ao grupo que novamente olhasse para o gráfico (Nº folhas alface X Tempo) e
indagamos o seguinte: Qual a variação do número de folhas na primeira semana?
Nas demais semanas, a variação foi a mesma?

Nas duas primeiras semanas a variação foi quase a mesma. E


a variação nas duas últimas semanas também foi parecida.
Então, a taxa de variação é o quanto varia em uma semana?
(Luciano)

Ou em um dia ou em um mês ou em uma hora, depende do


contexto. A taxa de variação mostra o quanto uma grandeza
variou em uma unidade de tempo, que pode ser uma semana
ou um dia... (Pesquisador)

Após algumas intervenções no sentido de orientá-los para alcançar o que seria taxa
de variação, os alunos responderam de forma satisfatória os itens “a” ao “f”. Com
respeito à associação entre a taxa de variação e a inclinação do gráfico, abordada
nos dois últimos itens da Atividade I, alguns alunos fizeram algumas associações
interessantes. Por exemplo, a aluna Heloísa associou o item “h” da atividade ao
movimento uniforme, estudado em Física.

Essa letra h, professor, é igual ao gráfico da posição do carro


no movimento uniforme. Os pontos estão todos alinhados e a
taxa de variação é a distância que o carro percorre a cada
hora. (Heloísa)

A seguir (Figura 24) apresentamos a resposta dada pelo grupo de Heloísa para os
itens g e h da Atividade I:
100

Figura 24 - Exemplo de resposta aos itens “g” e “h” da Atividade I.

Fonte: Arquivo pessoal do autor, 2016

A resposta do grupo ao item “g” sugere que eles perceberam a relação entre a taxa
de variação e a inclinação do gráfico. Acreditamos que a associação feita pela aluna
Heloísa referente à pergunta do item “h” com o gráfico da posição em função do
tempo no movimento uniforme, visto na disciplina de Física, é tão forte que a
resposta dada por eles é: “Uniforme”. Acreditamos que os alunos fizeram uma
alusão ao aspecto do referido gráfico, que é uma reta.

Na sequência (Figuras 25 e 26) apresentamos as respostas de mais dois grupos.


Percebemos, pelas respostas dadas ao item “g”, que eles também relacionaram
corretamente a taxa de variação com a inclinação do gráfico. Quanto à associação
entre uma taxa de crescimento constante e o aspecto de o gráfico ser uma reta, os
dois grupos também chegaram a essa percepção, e o grupo do aluno Gean foi além,
classificando a função cujo gráfico tem esse aspecto de “função de 1º grau”.

Figura 25 - Resposta do grupo do aluno Gean aos itens “g” e “h” da Atividade I.

Fonte: Arquivo pessoal do autor, 2016.


101

Figura 26 - Resposta do grupo do aluno Luciano aos itens “g” e “h” da Atividade I Resposta do grupo
do aluno.

Fonte: Arquivo pessoal do autor, 2016.

Aproveitando essa associação feita pela aluna Heloísa com um conteúdo da Física,
perguntamos: E essa distância que o carro percorre a cada hora recebe que nome lá
na Física?

Acho que é a velocidade professor. Ah! E no movimento


uniforme a velocidade é constante, por isso a taxa de variação
é constante. (Breno)

E como é o aspecto do gráfico da posição em função do tempo


no movimento uniforme Breno? (Prof. Anderson)

É uma reta. (Breno)

Na segunda atividade utilizamos o gráfico que mostra o comportamento da altura


dos pés de alface em função do tempo. O propósito agora era verificar se os alunos
conseguiam, com a leitura do gráfico, estabelecer a relação entre os valores das
duas variáveis e, no último item (letra “d”), provocar uma reflexão a respeito de se
fazer uma previsão baseado em uma possível regularidade nos modelos de
crescimento da altura dos pés de alface da hidroponia e do campo.
102

Atividade II: O gráfico abaixo mostra o comportamento da altura da parte aérea dos
pés alface (campo e hidroponia) em função do tempo. Analise as informações do gráfico e
responda os itens abaixo.

Altura da parte aérea (cm) em


função do tempo (dias)
30,8
32 27
28 22,5
24 25,8
17,9
20 21,2
16 11,8 16,6 Campo
12 12,9
10,9 Hidroponia
8
4
0
22 29 36 43 50

a) Analisando o gráfico acima e lembrando como foi medida a altura da parte aérea,
como vocês comparam as duas culturas da alface (campo e hidroponia)?

b) Qual foi a altura média da parte aérea dos pés de alface da hidroponia no 36º dia? E
dos pés de alface plantados no campo?

c) Qual foi o dia, de acordo com o gráfico, que a altura média da parte aérea dos pés
de alface da hidroponia atingiu 27 cm? E os do campo?

d) A julgar pelo gráfico dado acima, em algum momento a altura média da parte aérea
dos pés de alface plantados no campo vai ser maior que a altura média dos pés de
alface da hidroponia? Explique.

Os alunos não apresentaram dificuldade para responder grande parte das questões
dessa atividade, indicando que conseguiram fazer a leitura correta do gráfico,
associando as grandezas nele representadas. Somente no item “d” alguns alunos
não souberam como responder ou como justificar sua resposta. O diálogo a seguir
retrata isso:

Como é que eu vou saber o que vai acontecer depois? (Ygor)

É para se basear nas informações que o gráfico fornece. Se o


crescimento continuar do mesmo jeito ... (enquanto fala, aponta
para as linhas do gráfico) ... a distância entre as linhas está
103

diminuindo. A inclinação da hidroponia está diminuindo e a do


campo está constante. (Gean)

Mas você está falando isso se baseando numa análise visual


do gráfico ou você tem outros argumentos? (Pesquisador)

Não, professor. O Senhor não falou que a inclinação do gráfico


tá relacionada com a taxa de variação? Então, nós calculamos
a taxa nas duas últimas semanas e a da hidroponia está
diminuindo. Mas a do campo permaneceu constante. Se
continuar assim, a linha (curva) do campo vai ultrapassar a da
hidroponia. (Gean)

Percebemos na fala de Gean que ele, de certa forma, tentou identificar uma
regularidade nas curvas e fez uma previsão do que poderia ocorrer nas semanas
seguintes se essa regularidade se mantivesse.

Figura 27 - Exemplo de resposta ao item “d” da Atividade II.

Fonte: Arquivo pessoal do autor, 2016

Foi também relevante a resposta dada pelo grupo liderado por Isadora (Figura 28)
ao item “d”. A resposta revela que os alunos, em sua análise, não abandonaram a
realidade do experimento. Não dissociaram a representação gráfica do que
aconteceu de fato no campo. Isso, com certeza, pode agregar mais significado ao
conhecimento matemático trabalhado.
104

Figura 28 - Exemplo de resposta ao item “d” da Atividade II.

Fonte: Arquivo pessoal do autor, 2016

A literatura da Educação Matemática traz uma reivindicação por práticas de sala de


aula que tornem o saber matemático significativo e estimulante para o aluno. Que
ele possa visualizar a Matemática também como uma ferramenta capaz de lhe
permitir fazer a leitura do mundo ao seu redor e interagir com ele para o bem
pessoal e o da coletividade. Não estamos aqui advogando que a matemática deva
ter um caráter meramente utilitarista, mas que não seja apenas “um cálculo de
caderno” (frase dita por um aluno durante a entrevista que será analisada
posteriormente). É necessário possibilitar ao aluno ver a matemática nos fenômenos
e nas relações presentes na própria vida e a Modelagem parece ter o potencial de
fazer essa conexão.

Diante do exposto, ponderamos que as atividades de modelagem podem trazer mais


significado ao conhecimento matemático vivenciado pelos alunos na medida em que
derivam de um problema real, de preferência do contexto deles. Se o problema ou a
temática for escolhido pelos alunos, como propõe Barbosa (2009) no caso 3, a
motivação dos alunos poderá ser ainda maior.

Na atividade III, nosso intuito foi mostrar ao aluno que existem várias formas de
representar uma função e incentivá-lo a relacioná-las, percebendo as diferenças
entre elas. Além de atentar para a identificação de regularidades, nessa atividade
também tentamos evidenciar para o aluno que nem sempre existirá um padrão na
relação entre duas grandezas. A última pergunta da tarefa tinha o objetivo de
reforçar a conexão com a realidade, fazendo-os refletir sobre os procedimentos
realizados durante a fase da experimentação.
105

Atividade III: Apresentamos a seguir duas formas de representar a relação entre o


comprimento médio da raiz dos pés alface e o tempo.

1ª Representação: Tabela

Tempo (dias) 22 29 36 43 50

Comprimento da raiz alface campo (cm) 11,5 11 10,2 8,7 10,9

Comprimento da raiz alface hidroponia (cm) 7 13,5 19,5 23,1 28,3

2ª Representação: Gráfico

Comprimento do sistema radicular (cm)


em função do tempo (dias)
28,3
28 23,1
24 19,5
20 13,5
16 11,5 11 10,2 10,9 Campo
12 7 8,7
8 Hidroponia
4
0
22 29 36 43 50

a) Na opinião do grupo, alguma dessas formas oferece alguma vantagem em relação à


outra? Explique.

b) O que aconteceu com o comprimento médio da raiz dos pés de alface na hidroponia?
E no campo?

c) Ao analisar o gráfico da hidroponia, seria possível fazer uma estimativa do


comprimento médio da raiz no 57º dia? Explique.

d) E quanto à alface cultivada no campo, seria possível fazer essa previsão? Explique.

e) Observando o gráfico acima, percebemos um crescimento no comprimento médio da


raiz da alface da hidroponia. O mesmo não ocorre com a alface do campo. Quais
seriam as possíveis explicações para esse fato?

A primeira observação feita sobre a resolução dessa atividade foi que dos seis
grupos, três não compreenderam que estávamos perguntando no item “a” sobre as
formas de representação da função (tabela e gráfico) e não sobre as formas de
cultivo (hidroponia e campo). Três grupos responderam sobre as vantagens da
106

modalidade de cultivo em hidroponia sobre o cultivo no campo. Esse fato por um


lado nos fez refletir sobre o cuidado ao elaborar as questões de forma a deixar bem
claro o que se deseja. Por outro lado, suscitou uma preocupação relacionada à
atenção dos alunos ao lerem os enunciados das questões propostas.

A seguir (Figura 29) apresentamos as respostas dos três grupos que responderam
erradamente a letra a da atividade 3:

Figura 29 - Exemplo de respostas dadas ao item “a” da Atividade III.

Resposta do grupo 1:

Resposta do grupo 2:

Resposta do grupo 4:

Fonte: Arquivo pessoal do autor, 2016

Os demais grupos entenderam o solicitado e consideraram que a representação por


meio de gráfico retrata melhor o que ocorreu com o comprimento da raiz ao longo do
tempo. Notamos também que vários alunos não sabiam o que o que significava
fazer uma estimativa. Edgar foi um dos alunos que indagou:

O que significa fazer uma estimativa, professor? (Edgar)

Vamos supor que eu te encontre saindo do refeitório da escola


após almoçar e te pergunte quantas pessoas,
107

aproximadamente havia no refeitório. Você não vai contar


quantas pessoas tem lá dentro, certo? A não ser que haja
poucas pessoas. Você vai me dizer, assim por alto, quantas
pessoas você julga que tem lá dentro. (Pesquisador)

Isso é fazer estimativa? (Edgar)


Então, me diga o que você entendeu por estimar alguma coisa.
(Pesquisador)

É quando você não sabe ao certo um valor, mas dá um chute


pelo que parece ser. Por exemplo, podemos estimar quanto
pesa uma pessoa. (Edgar)

Algumas discussões interessantes surgiram em torno dos itens “c” e “d” da atividade,
que foram planejados exatamente com o intuito de gerar reflexão sobre
regularidades (padrões). A seguir relatamos alguns diálogos.

Professor, na letra c dá até para imaginar mais ou menos, se


seguir do mesmo jeito, quantos centímetros vai ter a raiz da
hidroponia no dia 57. Mas olha só a raiz da alface do campo.
(Gustavo)

O que é que tem a raiz da alface do campo, Gustavo?


(Pesquisador)

Tá estranho esse gráfico! Ele está mostrando que as raízes da


alface do campo estão diminuindo de tamanho ao invés de
aumentar! Mas aí, do dia 43 para o dia 50 aumentou um
pouquinho. Será que do dia 43 em diante vai continuar
aumentando? (Gustavo)

E aí, pessoal, o que vocês acham? Dá para afirmar que do dia


50 em diante vai aumentar, assim como aumentou do dia 43
para o 50? (Pesquisador)

Acho que não dá não, professor!... Não está seguindo um


padrão. (André)

E o que seria seguir um padrão, André? (Pesquisador)

Ir aumentando do mesmo jeito ou diminuindo do mesmo jeito...


(André)
108

Do mesmo jeito, você quer dizer com a mesma taxa de


variação? (Pesquisador)

Sim! Olha o gráfico da hidroponia, por exemplo. O comprimento


da raiz está sempre aumentando e a variação de uma semana
para outra é bem parecida. (André)

A seguir (Figura 30) representamos as respostas de 4 grupos à letra “c” da Atividade


III:

Figura 30 - Exemplo de resposta dada ao item “c” da Atividade III.

Resposta do grupo 1:

Resposta do grupo 5:

Resposta do grupo 2:

Resposta do grupo 4

Fonte: Arquivo pessoal do autor, 2016


109

O 1º grupo mostrado parece iniciar sua análise de forma mais rigorosa quanto à taxa
de crescimento. Avalia o crescimento da raiz como não uniforme e alega não poder
estimar seu valor no 57º dia. Todavia, abandonando o rigor e indiretamente
reconhecendo alguma regularidade, afirma que a raiz “continuará crescendo”. Ao
considerar as respostas dadas pelos demais grupos, percebemos que a maioria
deles, a sua maneira, expressou identificar que a variação do comprimento da raiz
da alface hidropônico, no intervalo descrito no gráfico, apresentou “certa
regularidade”. Interessante a associação feita por dois grupos com a taxa de
variação. Ao considerar um crescimento “quase uniforme”, como citou um dos
grupos, os grupos 4 e 5 tomaram a média das taxas de crescimento no intervalo
para descobrir a taxa de variação do 50º dia para o 57º. Sem querer julgar o mérito
de a resolução estar certa ou errada, ficamos felizes ao perceber que, de um jeito
próprio, todos os grupos fizeram uma análise das representações para embasar
suas respostas.

Quanto às respostas dadas à letra “d”, com exceção de um grupo que, tentando
lembrar o que aconteceu na realidade do experimento, mencionou equivocadamente
que já no 50º dia não havia mais nenhum pé de alface no canteiro do campo, todos
os outros grupos demonstraram não enxergar regularidade (pelo menos observado
no gráfico) no comportamento do comprimento da raiz da alface do campo.
Julgamos importante apresentar um exemplo que não apresenta regularidade para
que os alunos se conscientizem de que nem tudo segue padrões.

A seguir (Figura 31), exemplificamos com algumas respostas:

Figura 31 - Exemplo de resposta dada ao item “d” da Atividade III.

Resposta do grupo 1:

Resposta do grupo 2:
110

Resposta do grupo 3:

Resposta do grupo 6:

Fonte: Arquivo pessoal do autor, 2016.

Para fomentar discussões a respeito das ideias de domínio e imagem de uma


função, propusemos a atividade IV, em que utilizamos o gráfico que ilustra o
comportamento do diâmetro do caule dos pés de alface ao longo do tempo.

Atividade IV: O gráfico abaixo mostra a variação do diâmetro do caule dos pés alface
(campo e hidroponia) em função do tempo.

Diâmetro do caule (mm) em função


do tempo (dias)
19,1
18 14,2 17,1
13 9,8 12,5 Campo
6,9 9,1 Hidroponia
8 4,4 7,1
3 3,7
22 29 36 43 50

Discuta com seu grupo e responda as questões propostas.

a) Quais as grandezas envolvidas?


111

b) Pode-se dizer que existe alguma relação de interdependência entre a medida do


diâmetro do caule e o tempo? Explique. (Analise separadamente campo e
hidroponia)

c) Para a alface do campo, seria possível prever (estimar) o diâmetro do caule no


57º dia? E no 46º dia?

d) Em qual intervalo de tempo podemos estimar a medida do diâmetro do caule?

e) Nesse intervalo de tempo, qual foi a variação da medida do diâmetro do caule?

f) O grupo consegue perceber alguma regularidade no crescimento do diâmetro do


caule? (Analise separadamente campo e hidroponia).

De forma geral, os alunos não encontraram maiores dificuldades nos itens “a” e “b”.
Gostaríamos de evidenciar a resposta do grupo 6 que, de forma mais completa, fez
uma análise comparativa entre alface do campo e de hidroponia. A referida resposta
encontra-se na Figura 32 a seguir.

Figura 32 - Exemplo de resposta dada ao item “a” da Atividade IV.

Fonte: Arquivo pessoal do autor, 2016.

Quanto ao item “c”, observamos que dois grupos consideraram não ser possível tal
estimativa. Inferimos que essas respostas, ao menos com relação ao 57º dia,
resultaram do elevado índice de perda de plantas nas últimas semanas do
112

experimento, pois um grupo respondeu que “Não é possível, pois não sabemos o
que vai acontecer com as plantas”. E o outro foi ainda mais enfático, respondendo:
“Não, pois as do campo morreram no 50º dia. Sim, pois no 46º dia elas ainda
estavam vivas”. Se por um lado esses grupos não procuraram identificar uma
regularidade no gráfico do diâmetro do caule em função do tempo, por outro não
perderam de vista a relação da representação gráfica com a realidade, vivenciada
por ocasião do experimento. Os outros quatro grupos que afirmaram ser possível tal
estimativa, não explicaram de forma adequada como chegar a esse valor. A
resposta dada pelo grupo 5 mostra que os alunos, apesar de utilizarem uma “taxa de
variação média” para encontrar a medida do diâmetro no 57º dia, entenderam que
esse processo só se aplica para intervalos de tempo iguais aos que separam os
pontos explicitados no gráfico. Veja a resposta do grupo a seguir, na Figura 33.

Figura 33 - Exemplo de resposta dada ao item “a” da Atividade IV.

Fonte: Arquivo pessoal do autor, 2016

A resposta mostrada acima indica que os alunos não consideraram a possibilidade


de utilizar a “média” da taxa de variação de forma proporcional.

Ao caminhar por entre os alunos para dar suporte na resolução da atividade,


notamos que, em sua maioria, os grupos apresentavam maior dificuldade para
responder os itens “d” e “e”, que sugerem as ideias de domínio e imagem de uma
função. Dois grupos haviam respondido que se poderia estimar o diâmetro do caule
“de 7 em 7 dias”, confirmando o pensamento exposto anteriormente de que os
alunos não atentam para valores de tempo e diâmetro diferentes dos explicitados no
gráfico, como se fosse possível determinar o diâmetro apenas para os tempos 22,
29, 36, 43 ou 50 dias ou a partir de 50 dias, somente de 7 em 7 dias. Para mediar a
discussão e conduzi-los a associar o que foi perguntado ao conceito de domínio de
113

uma função, fizemos a seguinte indagação: Vocês poderiam me explicar essa


resposta que deram para o item “d”? Por que de sete em sete dias?

De acordo com o gráfico, nós sabemos o diâmetro do caule a


cada 7 dias: no dia 22, no dia 29 ... (Tainara)

Só nesses dias? Vocês acham isso por causa desses pontos


do gráfico (mostrando os pontos da curva de coordenadas
conhecidas)? Mas e essa linha? Não temos mais pontos nesse
gráfico? Por exemplo, no dia 25 qual seria o diâmetro do
caule? (Pesquisador)

É verdade, professor! A linha é formada de infinitos pontos.


(Luciano)

Mas como vamos responder a pergunta se são infinitos


pontos? (Tainara)

Vejam só, a pergunta está mencionando intervalo. O que é um


intervalo? Vocês se lembram de que nós estudamos os
intervalos quando abordamos os conjuntos numéricos?
(Pesquisador)

Sim, eu me lembro. Tinha intervalos abertos e fechados.


(Luciano)

Ok, Luciano! E geralmente um intervalo tem início e fim, não é?


Por exemplo, o intervalo fechado de 1 a 5 é formado por todos
os números reais desde o 1 até o 5, certo? (Pesquisador)

Bom, professor, então, como a letra ”d” está perguntando em


que intervalo de tempo que podemos estimar o diâmetro,
olhando para o gráfico, acho que seria do dia 22 ao dia 50.
(Tainara)

Realmente! No dia 22 porque foi o início (se referindo às


medições) e o dia 50 foi o último dia que medimos os pés de
alface. (Samira)

Então, pessoal, acho que podemos ter uma ideia mais precisa
do valor do diâmetro nesse intervalo [22,50], ou seja, nesse
intervalo o gráfico deixa o valor do diâmetro ficar mais ou
menos definido. Fora disso não podemos “garantir” nada.
(Pesquisador)
114

Já que estamos analisando o gráfico, o que vocês me dizem


sobre a pergunta “e”, qual a amplitude de variação do diâmetro
nesse intervalo que falamos? (Pesquisador)

Você quer saber de quanto até quanto varia, professor? Isso é


fácil! É só ver o menor e o maior valor, Você quer da hidroponia
ou do campo, professor? Da hidroponia variou de 4,4 a 19,1.
(André)

Essa amplitude de variação do diâmetro, que é a variável


dependente, nos dá a ideia da imagem da função. Nesse caso,
o diâmetro variou de 4,4 mm até 19,1 mm. Ou seja, variou no
intervalo [4,4;19,1]. Esse intervalo representa o conjunto
imagem da função. (Pesquisador)

Constatamos que os alunos tiveram dificuldade para interpretar o que estava sendo
perguntado nos itens “d” e “e” e associá-los às noções de domínio e imagem de uma
função. Quase todos os grupos solicitaram a ajuda do professor e aqueles que não o
fizeram, responderam de forma errada. Apesar do aparente insucesso dos alunos ao
responderem principalmente as questões relacionadas às ideias de domínio e
imagem da função, consideramos a atividade positiva no sentido de que esses
conceitos foram discutidos em um contexto ligado à realidade vivenciada por eles. O
gráfico representava grandezas observadas por eles enquanto realizavam o
experimento e não duas variáveis x e y desconexas de sua realidade. Dessa forma,
ao fazer a mediação, percebemos que esses conceitos adquiriam mais significado
para o aluno, contribuindo na construção do conceito.

Posteriormente sistematizamos as definições de domínio e imagem de uma função e


mostramos como determiná-los nos gráficos através das projeções do gráfico sobre
os eixos cartesianos. Além das atividades relatadas acima, os alunos trabalharam
com outras atividades propostas, sempre com a intenção de promover discussões
em torno das ideias centrais para a construção do conceito de função: variável,
dependência, regularidade, generalização, domínio e imagem.

Depois de concluídas as atividades, os alunos tiveram duas aulas para discutir sobre
os dados obtidos no experimento e organizar suas respostas às questões propostas
na atividade de modelagem para apresentar em um momento posterior de
socialização das soluções encontradas. As questões foram: Quais as diferenças, em
termos de desempenho, entre a cultura da alface no campo (na terra) e a cultura da
115

alface em regime de hidroponia? Baseado nas diferenças observadas, quais as


vantagens e desvantagens em se usar a hidroponia para cultivar alface?

Solicitamos aos estudantes que, no momento da socialização, cada grupo


entregasse um relatório escrito e fizesse uma apresentação oral, expondo os
argumentos que sustentavam sua resolução. Durante as apresentações surgiram
algumas discussões sobre as diferenças entre as modalidades de cultivo da
hortaliça (no campo ou em hidroponia) quanto a: custo de investimento, para que
tipo de empreendimento (comercial ou familiar) cada modalidade seria mais
indicada, quanto ao desenvolvimento das plantas e quanto à sustentabilidade. Os
alunos participaram intensamente das discussões, o que indica que eles estavam
realmente envolvidos com a atividade.

4.3 ANÁLISE DA ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA

Dando continuidade, convidamos os seis alunos que foram os líderes dos grupos
para uma entrevista semiestruturada, que foi realizada algumas aulas após o
término da atividade de modelagem. Para desenvolver uma análise de conteúdo
temática, elegemos algumas categorias de codificação: mediação (ou interação)
para construção de conhecimento, aproximação com a realidade contribuindo para
produção de significados, promoção de zona de desenvolvimento proximal.

Muito importante para nós era a percepção dos alunos quanto ao trabalho
desenvolvido no que tange às contribuições da modelagem para a aprendizagem em
matemática e, mais especificamente, para a construção do conceito de função. O
objetivo de obter a compreensão dos alunos é entender como foi realizado o
trabalho na perspectiva dos participantes da pesquisa, o que é primordial, segundo
Bogdan e Biklen (1994), e fazer uma interseção com outros instrumentos de coleta
de dados, de modo a dar mais sustentação às análises. A seguir retratamos os
questionamentos e algumas respostas que foram numeradas em ordem crescente
de algarismos romanos, o que não significa que não tenha eventualmente ocorrido a
repetição de estudantes entre as respostas. Fizemos o esforço para transcrever os
depoimentos na íntegra, na tentativa de ser o mais fiel possível à ideia que o aluno
116

desejava transmitir. Em alguns momentos suprimimos parte da resposta do aluno,


atentando, no entanto, para não descaracterizá-la. A transcrição completa da
entrevista encontra-se no Apêndice B.

O primeiro questionamento proposto aos alunos foi: Quais são os aspectos


positivos e negativos que vocês gostariam de destacar na atividade de
modelagem realizada?

I) Eu acho que o aspecto mais positivo é justamente o aspecto prático. Porque


alguns alunos ficam meio dispersos porque a forma como eles aprendem requer
algo mais prático. E essa atividade dá isso pra esses alunos. Essa praticidade que
alguns necessitam mais que outros. Então, eu acho que nesse ponto esse tipo de
atividade é superior às demais.

II) E também os aspectos positivos são que, principalmente na nossa área técnica,
às vezes, a gente acha que algumas matérias estão muito distantes delas, e com
trabalhos que juntem mais as matérias do ensino médio comum com as matérias
técnicas, você vê que na verdade elas não são separadas, e sim, são todas ... vão
complementando as outras e no final a gente tem um conhecimento melhor sobre
todas.

III) Acho que um aspecto negativo talvez da pesquisa foi que houve ataque de
doenças e pragas e talvez tenha alterado em alguma coisa o resultado da pesquisa.
Mas, em questão à relação do desenvolvimento da atividade, isso não alterou nada.
Talvez, o resultado somente. Mas foi muito legal fazer essa atividade.

IV) Então ..., é ... pra alunos, como eu falei, para alunos que precisam ...de “apalpar’’
a matéria, digamos assim ... é uma atividade boa. Agora, pra alunos que querem o
conhecimento em si pra aplicar numa prova, já a parte mais teórica, já não é
eficiente, vamos dizer assim. Um aluno que quer estudar para um concurso, um
aluno que quer aprender a matéria para um ENEM, por exemplo, esse tipo de
atividade ela requer um tempo maior, pra aplicar o conhecimento.

V) Mas, às vezes, você perde alguns conteúdos, tipo assim, não menos importantes,
mas você fixa alguns conteúdos mais importantes. Que a gente também tem que
saber, que não tem como a gente aprender todos os conteúdos, né? Então, se você
se empenhar nos que você já ensinou e juntar tanto o teórico, e depois mostrar
como isso acontece no prático, vira algo bom que ajuda todo mundo a aprender.

Percebemos pelas respostas que, na percepção dos alunos entrevistados, a


atividade de modelagem tem esse aspecto prático, provavelmente por se basear em
um problema da realidade. Realidade esta que, preferencialmente, deve estar em
117

consonância com o contexto dos alunos. No caso específico da nossa atividade,


existiu também “o colocar a mão na massa”, pelo fato de os estudantes participarem
ativamente da coleta e da manipulação dos dados para resolver o problema
proposto, o que atribui mais ainda um caráter prático à atividade de modelagem.
Outro aspecto positivo salientado foi a aproximação oportunizada entre a disciplina
de Matemática (do núcleo comum) com uma das disciplinas da área técnica. Em um
depoimento, um dos estudantes vislumbra que trabalhar as disciplinas de forma
mais próxima, não como disciplinas estanques, favorece a aprendizagem, no que
concordamos. É possível essa “integração” da matemática com muitos dos
componentes curriculares, principalmente os técnicos. Esse fato, considerando o
contexto da turma pesquisada, é muito relevante.

Quanto aos aspectos negativos levantados pelos alunos, o tempo necessário para
se implementar a atividade de modelagem figurou como um fator desfavorável.
Verificamos que essa preocupação relaciona-se com o tempo hábil para se
desenvolver os conteúdos programáticos previstos para o ano letivo, já que foi
mencionada a preocupação com o Enem, com o vestibular ou concursos. Em nosso
entendimento, essa questão apontada como aspecto negativo, na verdade remete a
uma discussão ainda maior a respeito do currículo adotado. Apontamos para a
possibilidade de se discutir o currículo de forma a utilizar a modelagem como
abordagem metodológica, para que esta funcione como um agente integrador entre
as disciplinas e possibilite o alcance dos conhecimentos considerados essenciais?
D’Ambrósio (1986, p. 96), em uma reflexão sobre a integração no ensino das
ciências, categoricamente afirma que “[...] a integração exige que se abra mão da
quantidade de conhecimentos que, erroneamente, são julgados básicos e essenciais
para se concretizar um progresso científico ou tecnológico [...]”. Baseado nesse
pressuposto, uma discussão entre os responsáveis pelas diversas áreas do
conhecimento seria salutar para se definir quais seriam os conhecimentos realmente
essenciais, na perspectiva de um currículo integrado.

Entretanto, reconhecemos ser a proposta bastante ousada. Desse modo, ainda nos
domínios de sua própria disciplina, conforme salienta Almeida (2012), compete ao
professor verificar qual é a melhor maneira de viabilizar as atividades de
modelagem. Se no âmbito das próprias aulas, em horários e espaços extraclasse ou
ainda uma combinação das duas anteriores, o profissional deverá considerar as
118

especificidades do contexto educacional no qual os alunos estão inseridos. Vale


lembrar também que, parafraseando o argumentado na resposta V, nem sempre é
possível apreender todos os conteúdos. Mais importante do que isso é que seja
aplicada a “metodologia de acesso a conhecimentos”, no dizer de D’Ambrósio
(1986), em que o homem esteja apto a analisar uma situação global e extrair, de um
volume de conhecimentos acumulados por ele e por todas as gerações que o
antecederam, os instrumentos de que necessita para não somente compreender o
fenômeno, mas, se possível, agir sobre ele ou pelo menos ter consciência da própria
posição em relação ao mesmo. Diante disso, nos arriscamos a postular mais um
ganho proporcionado pela modelagem: o incentivo a uma postura investigativa e
crítica por parte do aluno, o que o ajudará a aprender a aprender.

O ponto negativo apontado na resposta III foi realmente um aspecto ruim para o
experimento em si, mas, como o próprio estudante reconheceu no final de sua
resposta, considerando o viés metodológico da atividade, a ocorrência das pragas
não trouxe nenhum empecilho. Muito pelo contrário, foi importante para que os
alunos visualizassem que na prática nem tudo sai como planejado. É importante que
se tenha flexibilidade e criatividade na resolução dos problemas.

A segunda pergunta proposta foi: Como é que vocês viram ou o que vocês
acharam da ideia de desenvolver uma atividade matemática juntamente com
outra disciplina da área técnica? Neste caso, destacamos quatro respostas:

VI: “... uma matéria que é possível perceber que as matérias não são totalmente
separadas, umas são ligadas com as outras”.

VIII: E também há mais facilidade de você entender vários conteúdos porque, você
vai ter praticamente dois professores com seus conhecimentos diversos juntando os
dois conhecimentos e passando pra gente de uma maneira diferente e mais fácil que
a gente vai aprender, com conteúdos diferentes no mesmo momento, e não vai ficar
nem cansativo e vai facilitar.

IX: ... é bom que esse tipo de aula que você mescla né, essa interdisciplinaridade,
ela é boa porque é menos cansativa, se comparado com as outras aulas separadas.
Então, essa é uma grande vantagem, porque se torna algo mais prático ...
119

De modo unânime os estudantes entrevistados aprovaram a iniciativa de se


trabalhar de forma conjunta uma disciplina do núcleo comum (no caso a matemática)
com outra disciplina do núcleo técnico. Parecem se inteirar da relação entre as
disciplinas de Matemática e Produção Vegetal I, ou seja, perceber que alguns
conhecimentos matemáticos podem contribuir para interpretar alguns fenômenos
que ocorrem dentro do contexto abordado na disciplina técnica. O problema a ser
resolvido por meio da atividade de modelagem mobilizou alguns conhecimentos das
disciplinas envolvidas ou, conforme evidencia o segundo depoimento, “vários
conteúdos”. Nesse sentido, Bassanezzi (2006) afirma que a modelagem pressupõe
multidisciplinaridade e defende que a matemática precisa estabelecer relações com
outros campos do conhecimento, evitando modos de pensar estanques.

Ao lançar a terceira pergunta, almejávamos captar a percepção dos alunos com


respeito às interações entre eles e entre eles e o professor/pesquisador durante os
diversos momentos da atividade de modelagem. A intenção era identificar, na visão
dos mesmos, as contribuições dessas interações. Assim, perguntamos: Quando
vocês estavam lá na horta, em todas as atividades que vocês realizaram lá, ou
quando estavam no laboratório de informática, fazendo as planilhas, os
gráficos, ou até mesmo quando estavam na sala de aula, desenvolvendo todas
aquelas atividades, quando encontravam alguma dificuldade ou esbarravam
em algum obstáculo, como foi o fato de vocês estarem ali em grupo, com
outros colegas, para poder discutir, debater, até mesmo com o professor que
estava ali como um orientador? Como é que vocês viram essa questão de
poder discutir com o colega ou com o professor?

X: Primeiramente, eu acho que trabalhar em grupo é sempre muito bom, porque


você não pensa sozinho, se você está fazendo e encontra dificuldade você
consegue dialogar com outra pessoa, talvez a ideia dela é diferente da sua. Então,
se unindo as duas, você consegue superar a sua dificuldade.

XI: Caso não, aí recorre ao professor porque ele explica as nossas dúvidas. (risos)

XII: É também uma troca de conhecimento, porque, às vezes, numa matéria, por
exemplo, funções, que é uma matéria muito grande e extensa, às vezes, um tem
mais facilidade em um lugar específico e outro tem mais facilidade em outro lugar
específico, então, quando vai juntando tudo, as facilidades e as dificuldades de cada
um vão sendo mais que transformadas numa média e todo mundo vai se ajudando,
porque, cada um sabe um pouquinho ou quando ninguém sabe nada, o professor
120

sabe. (risos) Então, vai acontecendo uma média, então, a gente consegue saber que
a gente também está fazendo isso, porque quando você tá no seu caderno ou na
sua mesa, você só sabe as suas dificuldades, as suas limitações, quando você tá
em grupo, você também vê a do outro, e que você pode ajudar a dele e ele pode
ajudar você a superar a sua. Então, isso que é bom!

XIII: Um ponto muito importante é que algumas pesquisas apontam que uma das
formas mais eficientes de se estudar é ajudar outra pessoa. É nesse ponto esse tipo
de atividade em grupo ganha muitos pontos, porque você ao ajudar a pessoa que
está perto de você, você vai estar estudando. Entre aspas, né? E é excelente. Você
poder ajudar , você usar o conhecimento que já está em você, você praticar esse
conhecimento que você já adquiriu, ensinando, é um ponto muito positivo nesse tipo
de atividade.

Aqui vemos uma das principais contribuições que uma atividade de modelagem
pode oferecer ao processo de ensino e aprendizagem de matemática: a mediação
ou interação entre alunos ou entre aluno e professor na produção de conhecimento.
Notamos no depoimento relatado sob o número XII o que Vygotsky (2007) chama de
diferentes níveis de desenvolvimento. O que para um aluno pode estar no seu nível
de desenvolvimento real, para outro pode estar no nível de desenvolvimento
potencial. Sendo assim, as interações proporcionadas pelo ambiente de modelagem
vão permitir que aquele que já domina uma determinada tarefa auxilie o que ainda
não consegue realizá-la sozinho, mas sim com a ajuda de alguém.

A realização de trabalhos cooperativos que fomenta a interação, na perspectiva de


Almeida (2012), se configura como um dos aspectos que o desenrolar de atividades
de modelagem nas aulas de matemática pode propiciar. Segundo a autora, a
interação é um elemento primordial à vida dos seres humanos em comunidades e,
no cenário educacional, essa interação se torna ainda mais importante, pois ensinar
e aprender são atos sobremaneira comunicativos e interativos. Confirmando tal
pensamento, Skovsmose (2001) sustenta que aprender é uma experiência pessoal,
mas que ocorre em contextos sociais e rodeados de relações interpessoais.

A última resposta relatada acima evidencia dois pontos importantes: o primeiro se


mostra no trecho: “uma das formas mais eficientes de estudar é ajudar outra
pessoa”. A atividade de modelagem é um momento privilegiado de interação entre
alunos e/ou entre aluno e professor na construção de conhecimento. Quando os
121

alunos estão juntos, tentando resolver o mesmo problema, pode acontecer


discussões que, segundo Barbosa (2009), são: referentes a ideias, conceitos,
conteúdos e algoritmos matemáticos (matemáticas); relacionadas à tradução das
informações coletadas para a linguagem matemática, na busca de um modelo
matemático (técnicas) e aquelas que se referem aos parâmetros usados na
composição dos modelos e os resultados decorrentes (reflexivas). Em todas essas
discussões pode haver negociações entre estratégias de resolução e opiniões que
podem concorrer substancialmente para a aprendizagem dos conceitos implicados.
O segundo ponto, diretamente ligado ao primeiro, vai ao encontro do que pondera
Vygotsky (2007), quando adverte que, para entender satisfatoriamente o
desenvolvimento de uma criança, deve-se atentar também para o seu nível de
desenvolvimento potencial, que é determinado pelas tarefas que a criança não faria
sozinha, mas que, com a ajuda de outra pessoa com o desenvolvimento mais
avançado, ela seria capaz de realizar. Este que ajuda já domina a tarefa, ou seja,
para ele, a tarefa é fruto de processos de desenvolvimento consolidados. Está em
seu nível de desenvolvimento real.

Dessa forma, quando o aluno diz “você usar o conhecimento que já está em você”
para ajudar o outro a construir um conceito ou um determinado conhecimento, essa
ajuda alcançará êxito quando atuar na “zona de desenvolvimento proximal” desse
outro, isto é, alguém que possui esse conceito em seu nível de desenvolvimento real
em interação com alguém que o possui em seu nível de desenvolvimento potencial.
Por isso, o nível de desenvolvimento potencial revela um momento em que, ao invés
de retratar as etapas já consolidadas, capta etapas posteriores, nas quais a
intervenção do outro influencia significativamente o resultado da atividade individual.
As atividades de modelagem propiciam diversos momentos de interação como os
qualificados anteriormente e cabe ao professor ter a sensibilidade para atuar e
promover a atuação nessas “zonas de desenvolvimento proximal” evidenciadas nos
momentos de discussão entre os alunos ou entre ele e os alunos e contribuir de
maneira significativa na produção de conhecimento. Além disso, na concepção de
Vygotsky (2007), o aprendizado devidamente organizado resulta em
desenvolvimento mental e põe em movimento vários processos de desenvolvimento
que, de outra maneira, seriam impossíveis de ocorrer.
122

Na quarta pergunta, abordamos o tema função dentro da perspectiva da


modelagem: Como é que vocês viram a ideia de estudar o conteúdo função
através dessa atividade de modelagem? Como foi essa experiência?

XIV: É, como foi falado nas questões anteriores, porque tem alguma coisa a ver, ... é
você vê a função na prática porque às vezes você pega um livro, um exemplo que
não tá no seu contexto, que você não consegue ver ele no seu dia a dia. Então, você
faz ele apenas como uma fórmula, ou alguma coisa do tipo. Aí quando você vai no
seu ambiente, onde você estuda ou onde você trabalha, e utiliza esse conteúdo,
você primeiramente vê o quão importante é aprender porque ele vai te ajudar e
depois você meio que, ao ser meio que obrigado a descobrir aquele resultado, você
aprende porque você vai ver que aquilo vai estar no seu dia a dia, e não apenas em
livros e exemplos que você não vai achar no seu dia a dia.

XV: Complementando o que o colega falou, acho que tem muitos alunos que quando
o professor explica uma matéria nova, de matemática principalmente, eles ficam
assim perguntando: onde isso vai entrar na minha vida? Então, acho que essa
atividade serviu justamente pra isso, foi pra mostrar onde é que isso serve na vida
da gente. Mostrar que a matemática, ela não é só um cálculo de caderno, você pode
usar ela pra fazer diversas coisas, como calcular o tamanho de um pé de alface ao
longo do tempo.

XVI: Eu, por exemplo, eu fiquei surpreendido, né, porque ... sei lá ... eu nunca
pensava que eu ia usar uma matéria de matemática no campo. Nunca. Nunca
passou na minha mente que eu ia utilizar um conhecimento da forma como foi
utilizado. E ... é justamente isso, essa surpresa, né, essa ... e isso até ajudou
porque eu realmente queria saber onde ele quer chegar? Aquele monte de cálculo,
aquele monte de pesquisa, e foi muito bom!

A resposta XIV aponta a diferença entre uma abordagem de objetos matemáticos


desconexa da realidade e uma experiência que a matemática é desvelada nos
fenômenos presentes em nossa vida. A primeira parece não agregar significado aos
conceitos trabalhados, pois o estudante diz que “então você faz ele apenas como
uma fórmula ou alguma coisa do tipo”. Em contraste, quando se busca no contexto
do aluno os saberes matemáticos que podem ajuda-lo a entender, dialogar e até
transformar esse mesmo contexto, a matemática passa a ter mais significado para o
aluno. Aí “você primeiramente vê o quão importante é aprender porque ele vai te
ajudar ... depois ... você aprende porque você vai ver que aquilo vai estar no seu dia
a dia, e não apenas em livros e exemplos que você não vai achar no seu dia a dia”.
No segundo depoimento, vemos surgir a inquietação percebida e relatada na
introdução desse relatório que diz respeito à falta de conexão, na perspectiva do
123

aluno, entre a matemática que ele tem contato em sala de aula, que ele chama de
“matemática de caderno” e sua vida. Este pensamento é confirmado na terceira
resposta que revela que o aluno nunca imaginou que pudesse haver algo
relacionado a funções nas atividades de produção de hortaliças, verduras e legumes
implementadas no setor de Horticultura ou no campo. Ou seja, o aluno não
conseguia enxergar os objetos matemáticos (em especial aqueles relacionados às
funções) estudados nas aulas de matemática em contextos de sua vida que estavam
repletos de situações práticas em que esses objetos estavam presentes.

A esse respeito Almeida (2012, p. 30) pontua que “situações de ensino que
proporcionam ao aluno contato com o contexto real podem motivá-lo para o
envolvimento nas atividades e para a construção do conhecimento”. D’Ambrósio
(1986) aponta que em modelagem se promove soluções efetivas para problemas
reais. Contrastando com práticas em que se busca soluções formais para problemas
artificiais sem nenhum significado para o aluno. Bassanezzi (2006) defende que, a
busca de soluções para os diversos problemas reais de variadas áreas do
conhecimento através da modelagem matemática, vai permitir aos estudantes
enxergar o conhecimento matemático como algo muito útil no seu cotidiano. Para
Resende e Lorenzoni (2013), dependendo da forma como é trabalhada pelo
professor, a modelagem pode ser uma estratégia metodológica que estimula o
estudante a fazer matemática, levando-o a compreender e dialogar com os
fenômenos que o cercam, diminuindo a distância entre a matemática que ele utiliza
enquanto personagem do mundo e aquela que vivencia na sala de aula. A esse
respeito, Schliemann, Carraher e Carraher (1993) salientam a importância da
aprendizagem de Matemática ser um momento de interação entre a Matemática
formal, acadêmica e a Matemática cotidiana enquanto atividade humana.

Em nossa atividade de modelagem, percebemos através de nossas observações,


que utilizar atividades de modelagem como abordagem metodológica pode contribuir
para reduzir a distância entre a matemática utilizada pelos alunos em sala de aula e
a que ele pratica no seu dia a dia. Construindo seu conhecimento matemático
através da interação com outros alunos ou professores, o estudante é estimulado a
investigar, selecionar e coletar dados do mundo real, “converte-los” para a
linguagem matemática, mobilizando conhecimentos consolidados ou em andamento
124

em sua estrutura psicológica, resolver o problema, validar a solução no mundo real,


interpretando e dialogando com os fenômenos que o cercam.

Como já dissemos anteriormente, não queremos passar a ideia de que o


desenvolvimento das aulas de matemática deve apenas se basear em aplicações
práticas, mas suscitar uma reflexão sobre uma atuação totalmente alheia às
manifestações desse conhecimento no mundo real em que o estudante está
inserido. No nosso contexto específico de ensino médio integrado ao ensino técnico,
essa ligação da matemática com o conhecimento produzido na área técnica é
também muito almejada.

Então passamos à quinta pergunta, buscando enxergar a percepção dos alunos


quanto à presença do conhecimento matemático nos fenômenos à sua volta,
sobretudo nas atividades desenvolvidas no seu contexto de formação técnica. O que
a nossa atividade de modelagem, acarretou sobre sua visão sobre a utilização
ou a aplicação da matemática dentro da área técnica de vocês, no caso a
agropecuária?

XVII: É ... a gente só fez isso no alface, mas às vezes a pessoa .. ela ao ver que tá
ali naquele negócio, vai abrindo um leque de possibilidades em várias áreas, ...
Porque se você pode usar na horticultura, você vai poder usar lá na piscicultura
(aquicultura), você poder usar na avicultura e, às vezes, com esse primeiro impacto
de apenas uma matéria, você pode ver que a matemática está presente em tudo e o
que vai te ajudar a compreender como ela também está em todas as outras e não
apenas aqui na sala ...

XVIII: Por exemplo, na piscicultura mesmo, esses dias a gente estava vendo como
fazer um tanque. Pra isso você precisa calcular, porque tem que ter um ambiente
adequado e pra você chegar às vezes a algum resultado, você não pode ir só pelo
seu conhecimento ou só no “olhômetro”, você tem que saber pelo menos alguma
base matemática pra você fazer várias coisas, como cálculo de volume da água ou a
densidade do peixe, então, a gente vê que a matemática não está só aqui na sala,
isso que é o bom, às vezes também da matéria técnica, porque você vai aplicar a
matemática em vários outros lugares.

Notamos nas respostas anteriores que a atividade desenvolvida despertou o


interesse dos alunos para o conhecimento matemático que permeia as atividades
125

técnicas e pode ajudar na compreensão dos fenômenos observados. Evidencia-se


no segundo depoimento como eles percebem em vários setores da área técnica, por
exemplo, na aquicultura, a evocação de conhecimentos matemáticos para resolver
problemas reais. Diante disso, consideramos que um trabalho integrado entre a
matemática e as disciplinas técnicas em ambiente de modelagem pode preencher a
lacuna (na perspectiva de muitos alunos) da aplicabilidade do conhecimento
matemático, propiciar uma maior motivação e apoiar a compreensão dos conteúdos
da matemática escolar. Embora não seja o foco do nosso trabalho a referida
integração, vislumbramos a abordagem metodológica da modelagem matemática
como uma “mola mestra” para possibilitar um trabalho no ensino integrado no qual
haja mais diálogo entre as disciplinas.

Na visão de vocês, que contribuições a atividade de modelagem forneceu para


o seu aprendizado sobre funções?

XIX: É .., eu acho que esse aprendizado ... como a gente, desde lá, a gente já sabia
que ia estudar função praticamente o ano todo, eu acho que foi meio que uma boa
introdução porque no início era uma matéria mais simples, funções .. você só tem de
saber as coisas... tipo assim ... saber como olhar uma função. Então, essa atividade
... foi bom ter sido no início também porque deu uma introdução pra gente ao
conteúdo bom porque a gente chega a estar numa função um pouco mais complexa,
com cálculos um pouco mais complexos do que era antes. Então, você vê isso no
início de um novo conteúdo, além de estudar, você aprende a base de uma maneira
mais adequada.

XX: Essa parte de ... Porque o trabalho em si, naquelas folhas de perguntas,
aqueles questionários que você passou, eles abordavam é ... vários conceitos
chave: o domínio, a imagem, é ... como que é o gráfico se ... e ... eles foram muito
bem trabalhados, então a gente realmente, com esse trabalho, com essa forma de
aprendizado que a gente teve, teve a garantia de uma base sólida. A gente ver,
rever, de tá calculando, de tá fazendo, a gente conseguiu essa base. Adquiriu uma
base boa.

XXI: Eu acho que, assim como o colega falou, quando você precisar de um conceito,
aquela foi uma atividade que gerou muitos conceitos pra gente e eles foram
fundamentais no conteúdo de função. E, quando eu tiver dúvida de um conceito, eu
vou lembrar daquilo que eu fiz com aqueles dados, e assim eu vou poder aplicar
novamente pra poder gerar um novo conceito.
126

O primeiro ponto levantado foi que a atividade de modelagem se tornou uma


alternativa adequada para introduzir o conceito função. Caraça (1984) afirma não ser
interessante começar o estudo de função iniciando a abordagem com a definição de
função, utilizando a linguagem formal. Contudo, não se pode negligenciar os motivos
que determinaram o surgimento do conceito de função: necessidade de analisar
fenômenos, identificar e descrever regularidades, interpretar interdependências e
generalizar (CARAÇA, 1984). É importante trabalhar antes algumas ideias
fundamentais para construir o conceito de função. Um trabalho publicado por um
grupo de professores e alunos da graduação da Universidade Federal do Rio de
Janeiro ligados ao Projeto Fundão, intitulado Construindo o conceito de função,
salienta a importância de se trabalhar ideias, como variável, dependência,
regularidade e generalização. Percebemos nas respostas de dois alunos uma
referência às atividades propostas aos alunos após a construção dos gráficos. Elas
foram elaboradas com dois objetivos principais: auxiliá-los na interpretação das
informações produzidas pelas duas culturas (campo e hidroponia) e colocar em
discussão alguns elementos importantes para construir o conceito de função.
Julgamos, então, pelos depoimentos dados, ter alcançado os objetivos almejados.
Já caminhando para o final da entrevista, lançamos outro questionamento intentando
descobrir de forma mais específica quais elementos trabalhados a respeito de
função por ocasião da atividade de modelagem eles haviam sedimentado e
poderiam citar. Assim, perguntamos: Quais elementos sobre função vocês se
lembram que foram trabalhados durante essa atividade?

XXII: A gente começou com ..., a gente aprendeu meio que visualizar gráficos, que
foi fundamental porque em funções a gente vê vários gráficos e ... eu acho que
visualizar gráficos foi ...

XXIII: Aprendemos também a construir gráficos, e construir as tabelas pra gerar os


gráficos, que é importante.

XXIV: Aprendemos a construir a função (a aluna se referia a obter a lei de formação


da função).

XXV: ... obter a lei da função, acho que é a parte mais complicada porque você tem
que visualizar um gráfico ou uma tabela e ver qual a relação entre esses pontos, que
é a função, relacionar coisas diferentes ... e essa é a parte mais complicada ... você
127

saber porque aquele gráfico é daquela maneira (outros alunos sinalizaram concordar
com a afirmação do aluno)

Ao analisar as respostas dadas, notamos a ausência de alguns elementos que


consubstanciam a construção do conceito de função: variável, dependência,
regularidade e generalização. Apesar de terem sido discutidos com os alunos
durante as atividades, não apareceram nas respostas. Os alunos também não
citaram o domínio e a imagem da função, aspectos fundamentais a respeito de
função e que foram trabalhados em até mais de uma das atividades propostas após
a construção dos gráficos. É bem verdade que esses dois últimos elementos
apareceram em outras respostas, mas ficamos com a dúvida sobre a efetividade na
apreensão dos mesmos. Notamos que os alunos mencionaram os objetos mais
utilizados, como gráficos e tabelas. Apesar de explicar que gráficos, tabelas,
fórmulas matemáticas e outros são apenas diferentes formas de representação das
funções, não percebemos nas respostas essa indicação. Com exceção do último
depoimento, que parece sinalizar uma diferenciação entre a função e suas formas
de representação. Talvez seja importante frisar melhor essa informação para que o
aluno não tome essas representações como sendo a própria função. Evidenciadas
em algumas respostas e confirmadas em nossas observações anotadas em caderno
de campo, a tradução da relação entre duas grandezas na linguagem algébrica ou,
poderíamos dizer, a obtenção da lei de formação da função não é uma tarefa trivial
para a maior parte dos alunos pesquisados. Isto parece indicar a necessidade de
permanecer um pouco mais nessa parte do processo de interpretação da
interdependência entre fenômenos ou grandezas e sua representação na linguagem
algébrica.

Na tentativa de obter uma avaliação dos alunos da atividade , identificando possíveis


pontos falhos na abordagem, emitimos o seguinte questionamento: Suponha que
eu vá fazer uma atividade de modelagem com outros alunos. Se você fosse me
dar uma sugestão para melhorar a atividade, o que na opinião de vocês,
poderia ter sido feito diferente?
128

XXVI: Eu acho que, como nosso canteiro foi feito uma vez só e em decorrência da
praga talvez tenha afetado algum resultado, eu acho que você poderia fazer,
começar no começo do ano e fazer o mesmo processo acho que umas 3 ou 4 vezes
e seria mais legal, os resultados seriam mais sólidos.

XXVII: E também calcular um pouco o tempo, porque, às vezes você acaba


perdendo algumas aulas. Então, eu acho que ... fazer um cálculo mais detalhado de
quanto tempo você vai gastar pra isso e, às vezes, os alunos mesmo ... aceitam e tal
pegar um pouco depois do horário pra ... porque às vezes também falta um tempo
de tá no quadro. Isso também você pode pegar ... um restante de tempo.

XXVIII: E também fazer, por exemplo, com uma planta um pouquinho mais
resistente pra não ter essa interferência tanto de doenças e pragas.

XXIX: Acho que ... mais do que é ... você ... fazer a atividade condensada né, toda
agrupada, tudo junto ... eu acho que ... ao meu ver ... durante a própria explicação
da matéria ... você decorrer esse projeto durante a explicação. Quando você for
explicando ... por exemplo, os conceitos né, domínio, imagem, contradomínio ...
você pegar a parte do trabalho relacionado a isso e aplicar lá dentro.

Algumas respostas analisaram melhorias para o experimento realizado, como a


utilização de uma planta mais resistente ou a repetição do experimento outras vezes
de modo a ter mais confiabilidades nos dados. De certa forma, essas respostas
demonstram capacidade de análise crítica sobre o experimento no sentido de pensar
em como otimizá-lo para ter resultados que representem melhor a realidade. Em
outra resposta, novamente surgiu a preocupação com o tempo gasto na atividade de
modelagem. Imaginamos que esse posicionamento se relacione com a preocupação
com o conteúdo programado para o ano letivo. Entretanto, talvez não seja somente
isso, pois quando o estudante diz “... porque às vezes também falta um tempo de tá
no quadro”, somos levados a refletir sobre a questão da sistematização do
conhecimento produzido. Será que o tempo reservado para a sistematização foi o
suficiente? Consideramos ser essa uma ponderação importante, pois é uma etapa
fundamental do processo, que não pode ser negligenciada. Outro aluno sugeriu que
o processo de modelagem fosse realizado de forma mais diluída, paralelo à
explicação dos conceitos. Entendemos que há várias formas de se utilizar a
modelagem. Em nosso caso, optamos por utilizá-la de tal forma que a própria
atividade mobilizasse conhecimentos ainda não adquiridos ou a retomada de outros
não completamente consolidados.
129

Outros apontamentos não diretamente relacionados à pergunta colocada, mas com


sua relevância surgiram no debate. Um dos temas levantados foi o benefício
proporcionado em termos de conhecimento técnico pelo trabalho realizado. Veja a
fala de um aluno: “Foi muito importante também porque a gente pôde conhecer um
tipo de praga. Já que vamos ser técnicos, nós vamos trabalhar nessa área ... Tinha
muita gente que nunca tinha visto nem um pé de alface, quem dirá uma praga de
alface”. Outro aluno falou sobre a importância de se aprender a trabalhar em grupo e
conviver com as diferenças: “E também tem um lado ... tirando o lado só de ... você
fazer o cálculo e tal ... também tem o lado tipo assim ... humano ... você aprende
também que na vida você vai conviver com pessoas que você não tinha planos de
conviver”. Esse aluno ainda acrescentou que, normalmente, nas aulas de
matemática “não tem muitos trabalhos, então, nunca vai ter muita interação em
grupo, sempre vai ser você, o seu caderno, a sua calculadora, no máximo ... então,
você aprende que as pessoas também estão ali para passar conhecimento ... pra
você passar conhecimento pra elas”. A fala desse aluno sugere que ele percebeu a
importância das interações entre os alunos para a construção do conhecimento
matemático, mas infelizmente elas não são muito presentes nas aulas de
matemática, o que predomina é a dinâmica do trabalho individual.

Para finalizar a entrevista, perguntamos se eles gostariam de participar de outros


projetos de modelagem e todos responderam que gostariam sim de participar de
outras atividades como aquela. Embora tenhamos percebido que alguns alunos não
se empolgaram tanto com a nova proposta de trabalho, a resposta afirmativa desse
grupo de alunos e o entusiasmo da maioria deles, observada no decorrer do
processo, parece indicar uma boa receptividade à essa abordagem metodológica.

Ao concluirmos este tópico, é importante salientar que a entrevista foi muito


produtiva. Os alunos ficaram bastante desinibidos e não só respondiam aos
questionamentos, mas debatiam entre si argumentando sobre algumas divergências
de opiniões sobre determinados assuntos. Dessa forma, acreditamos que foi
possível “captar” a percepção dos alunos a respeito da atividade de modelagem
vivenciada junto com a turma.
130

4.4 PRODUTO EDUCACIONAL

Pensamos que a experiência vivenciada ao desenvolver atividade de modelagem


explorando as potencialidades do contexto das atividades da área técnica foi muito
fértil na produção de significados referentes às ideias-chave para construir o
conceito de função. Assim, acreditamos ser importante desenvolver um produto final
para compartilhar essa experiência com os pares da Educação Matemática,
propondo mais uma reflexão sobre a abordagem do conceito função, fundamental
dentro da matemática.

Partindo desse pressuposto, elaboramos um guia didático dirigido a professores de


matemática da Educação Básica com o objetivo de oferecer um material de apoio
que, além de relatar a experiência vivenciada, possa servir de inspiração para a
criação e implementação de novas atividades de modelagem que estejam em
sintonia com os diversos contextos de seus alunos. No entanto, é importante
destacar que não esperamos que o material seja uma receita pronta, mas que seja
apenas uma reflexão, um ponto de partida que vai fomentar novas ideias de
atividades de modelagem.
131

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo deste trabalho foi identificar as contribuições da Modelagem Matemática


como abordagem metodológica para a aprendizagem do conceito de função em uma
turma de ensino médio integrado ao técnico em agropecuária. O contexto vivenciado
pelos alunos desse curso técnico, em termos das atividades desenvolvidas nos
denominados de setores de produção, seja na área da agricultura ou da pecuária,
compõe um cenário bastante favorável à integração de atividades de modelagem na
perspectiva de Educação Matemática. Dessa forma, o que propusemos foi
aproveitar essas potencialidades para tentar promover a construção de
conhecimentos matemáticos com base na realidade vivenciada pelos alunos no
contexto de seu curso técnico. Entretanto, isso não significa que alunos e
professores em outras circunstâncias não possam usufruir dessa abordagem
metodológica. A realidade a nossa volta está repleta de situações que apresentam
problemas reais que podem instigar o interesse dos alunos por investigá-los e
resolvê-los.

Ao ponderarmos sobre os objetivos específicos da investigação, alicerçamo-nos na


análise dos dados reunidos e nos referenciais adotados; notamos, ao realizar esta
pesquisa, a possibilidade de uma maior aproximação entre o conhecimento
matemático e conhecimento que perpassa as disciplinas técnicas. Tal aproximação
tende a favorecer a integração curricular, superando o tipo de abordagem estanque,
removendo ou amenizando as fronteiras entre as disciplinas e incentivando o aluno
a observar os fenômenos em sua totalidade.

Na atividade de modelagem realizada, tendo por base a observação de um


fenômeno ocorrido no contexto da agricultura – evolução das características da
alface cultivada em regime de hidroponia em contraste com a cultivada no campo -
alguns conhecimentos matemáticos foram retomados e outros tiveram sua
construção iniciada por meio das interações entre os alunos e entre estes e o
professor/pesquisador. Além disso, conceitos ligados à área técnica também foram
mobilizados. Acreditamos que a abordagem inicial do conceito de função por meio
de uma atividade em que se analisa um fenômeno, buscando identificar
interdependências, regularidades pode agregar mais significado ao conceito.
132

Esse “princípio de integração” não seria possível se não houvesse por parte dos
professores das disciplinas técnicas a disponibilidade para o diálogo, o planejamento
conjunto e a cooperação na realização de atividades que buscassem romper com o
isolamento das disciplinas. Ainda estamos muito longe de alcançar a almejada
integração, mas é preciso começar. Reiteramos a importância da conscientização
por parte de todos os professores (núcleo comum ou técnico) de uma busca por um
trabalho integrado. Não temos a fórmula para alcançar tal objetivo, mas acreditamos
que mediante o diálogo e a vontade de utilizar diferentes metodologias, os
resultados começarão a aparecer.

Ao analisar as práticas pedagógicas propostas e executadas, fundamentadas na


perspectiva da Modelagem, observamos que foi possível abordar, tendo como ponto
de partida uma situação dentro do contexto da área técnica dos alunos, alguns
elementos essenciais à construção do conceito de função. Com as atividades
propostas a partir dos gráficos elaborados pelos alunos, foram discutidas ideias
sobre dependência, variável, regularidade, generalização, domínio e imagem.
Notamos que esse tipo de abordagem apresenta potencial de conferir um significado
maior ao conhecimento matemático do que a abordagem realizada em situações
puramente matemáticas ou fora do contexto dos alunos. Esse pensamento foi
confirmado pelos relatos dos alunos por ocasião da entrevista.

Uma tônica que perpassou todas as etapas do processo de modelagem foi a


mediação na produção de conhecimento. Consideramos que o ambiente de
modelagem criado foi muito fértil para promover interações/mediações na medida
em que havia grupos de alunos envolvidos na tarefa de solucionar um problema e,
em geral, os alunos se encontravam em estágios diferentes quanto aos
conhecimentos consolidados. Além das muitas mediações realizadas pelo
professor/pesquisador, em vários momentos durante a atividade de modelagem
pudemos perceber situações em que estudantes que dominavam determinado
conceito ou procedimento auxiliavam os colegas na construção do conhecimento.
Contudo, algumas vezes foi necessário orientar os alunos no sentido de não
fornecer respostas prontas, mas sim por meio de questionamentos apropriados, para
conduzir o colega na direção de encontrá-las.
133

Este trabalho permite apontar o que consideramos ser uma grande contribuição das
atividades de modelagem, ou seja, as interações entre os alunos e entre os alunos e
o professor evidenciam de forma singular “zonas de desenvolvimento proximal”,
permitindo que o professor ou um colega (que possui aquele conhecimento em seu
nível de desenvolvimento real) atue promovendo o aprendizado, promovendo o
desenvolvimento do aluno. Constatamos que, nesses grupos menores de alunos, a
própria discussão em torno de um objeto de conhecimento favorecia o surgimento
de dúvidas que eram expressas sem receio ou timidez. E quando não conseguiam
sanar a dúvida dentro grupo, convocava-se o professor para fazer a mediação.

Buscávamos por uma abordagem diferente do modelo tradicional por entendermos


que a educação deve primar pela formação de um cidadão mais autônomo, crítico e
reflexivo. Alguém que tenha a capacidade de ser ativo na busca do conhecimento,
criticidade para entender o mundo ao seu redor e possa atuar para transformá-lo.
Julgamos que a perspectiva da modelagem no viés da Educação Matemática e
enquanto abordagem metodológica contempla esse princípio na medida em que
provoca uma mudança na postura do aluno. Este passa a ter mais protagonismo na
construção do conhecimento, visto que, quando colocado diante de um problema, é
impelido a se inteirar sobre a problemática proposta, discutir e negociar estratégias,
mobilizar conhecimentos consolidados e construir novos conhecimentos para
solucioná-lo, validar e comunicar/argumentar a solução encontrada. Isso é o que
D’Ambrósio chama de “metodologia de acesso ao conhecimento”.

Consideramos ter alcançado os objetivos propostos na pesquisa dado que, ao longo


das várias etapas do processo, identificamos algumas contribuições da abordagem
por meio da modelagem para o aprendizado de algumas ideias fundamentais para a
construção da noção de função. Importante salientar que não temos neste estudo a
pretensão de finalizar as discussões realizadas, pois com certeza há pontos que
podem ser explorados em pesquisas futuras. Até mesmo porque, utilizando a
expressão de Oliveira (2002), neste “palco de negociações” em que vivemos,
estamos em um constante movimento de reinterpretação e recriação de conceitos e
significados.
134

Por fim, como resultado ao longo do processo, elaboramos o produto educacional,


na perspectiva de que esse material seja um apoio àqueles professores que
desejam integrar práticas de modelagem as suas aulas de matemática, explorando
problemas da realidade, fazendo com que o conhecimento trabalhado se torne mais
significativo para o aluno. Com esse produto, não se pretende fornecer modelos
para trabalhar com atividades de modelagem, mas socializar uma experiência
vivenciada de forma a contribuir para a reflexão e o debate em torno da temática.
Também fornecer subsídios para que outros professores busquem seus caminhos
no fértil, prazeroso e amplo campo que é a Modelagem Matemática na Educação
Matemática.
135

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140

APÊNDICE A - Formulário de coleta de dados da alface cultivada no solo e na


hidroponia.

BLOCO I – CAMPO

Planta Nº de folhas Altura da parte Comprimento de Diâmetro do caule


aérea raiz
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12

BLOCO II – HIDROPONIA

Planta Nº de folhas Altura da parte Comprimento de Diâmetro do caule


aérea raiz
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
141

APÊNDICE B - Transcrição da entrevista semiestruturada

Anderson: Vamos lá, pessoal, já estamos gravando, então. Então, a primeira


pergunta que eu queria fazer pra vocês é a seguinte: Quais são os aspectos
positivos e negativos que vocês gostariam de destacar na atividade que nós
fizemos? Tenta lembrar ... aí; vocês podem citar à vontade aspectos positivos e
negativos que vocês perceberam na atividade que nós fizemos?

Abraão: Eu acho que o aspecto mais positivo é justamente o aspecto prático. Porque
alguns alunos ficam meio dispersos, porque a forma como eles aprendem requer
algo mais prático e essa atividade dá isso pra esses alunos. Essa praticidade que
alguns necessitam mais que outros. Então, eu acho que nesse ponto esse tipo de
atividade é superior às demais.

Anderson: Beleza!

Bruno: E também os aspectos positivos são que, principalmente na nossa área


técnica às vezes a gente acha que algumas matérias estão muito distantes delas, e
com trabalhos que juntem mais as matérias do ensino médio comum com as
matérias técnicas, você vê que na verdade elas não são separadas, e sim, são ...
todas ... vão complementando as outras e no final a gente tem um conhecimento
melhor sobre todas.

Anderson: É isso aí, legal isso. ... Mais alguém gente, gostaria de destacar, nós
falamos aqui de dois aspectos positivos, mas de repente tem alguma coisa também
de negativo que...

Guilherme: Acho que um aspecto negativo é talvez da pesquisa foi que houve
ataque de doenças e pragas e talvez tenha alterado em alguma coisa o resultado da
pesquisa. Mas, em questão a relação do desenvolvimento da atividade isso não
alterou nada. Talvez, o resultado somente. Mas foi muito legal fazer essa atividade.

Anderson: Sim.

Isabela: Não só as pragas como também o tempo, porque o tempo da colheita, por
exemplo, a alface já tinha passado, então, muitos acabaram também morrendo por
causa disso.

Anderson: Também influenciou, é verdade. Mais alguma coisa, gente, vocês


gostariam de acrescentar a respeito dessa pergunta?

Abraão: Então ... é ... pra alunos, como eu falei, para alunos que precisam de ...
dessa ..., de “apalpar’’ a matéria, digamos assim ...

Anderson: Uma coisa mais concreta, não é?


142

Abraão: É uma atividade boa. Agora, pra alunos que querem o conhecimento em si
pra aplicar numa prova, já a parte mais teórica, já não é eficiente, vamos dizer
assim. Um aluno que quer estudar para um concurso, um aluno que quer aprender a
matéria para um ENEM, por exemplo, esse tipo de atividade ela requer um tempo
maior, pra aplicar o conhecimento.

Anderson: É verdade, o fato que você falou é verdade. Essa atividade de


modelagem ela requer um tempo maior pra você concluir, com isso de repente você
deixa de abarcar outros conteúdos, vamos dizer assim.

Bruno: Mas às vezes você perde alguns conteúdos, tipo assim, não menos
importantes, mas você fixa alguns conteúdos mais importantes. Que a gente
também tem que saber, que não tem como a gente aprender todos os conteúdos,
né? Então, se você se empenhar nos que você já ensinou e juntar tanto o teórico, e
depois mostrar como isso acontece no prático, vira algo bom que ajuda todo mundo
a aprender.

Anderson: Beleza, gente. Podemos passar então à próxima pergunta? Então a


próxima pergunta é o seguinte:, como nós fizemos no caso lá da produção vegetal?
Como é que, como vocês viram ou o que vocês acharam da ideia (o Bruno de
certa forma já comentou um pouquinho sobre essa pergunta aqui que eu vou
falar agora) a ideia de desenvolver uma atividade matemática juntamente com
outra disciplina da área técnica. Como vocês viram essa questão de você fazer
esse trabalho, essa dobradinha, esse trabalho em conjunto? Uma disciplina
do núcleo comum, né? Com a disciplina técnica?

Lucas: Foi o que o Bruno disse mesmo, é ... uma matéria que é possível perceber
que as matérias não são totalmente separadas, umas são ligadas com as outras.

Vinícius: É uma matéria complementa a outra, usando a aula do outro professor


tendo um equilíbrio assim entre os horários de aulas, por exemplo.

Anderson: OK! Isso aí. É, o Bruno já citou, se quiser complementar ...

Bruno: E também há mais facilidade de você entender vários conteúdos porque,


você vai ter praticamente dois professores com seus conhecimentos diversos
juntando os dois conhecimentos e passando pra gente de uma maneira diferente e
mais fácil que a gente vai aprender, com conteúdos diferentes no mesmo momento,
e não vai ficar nem cansativo e vai facilitar.

Abraão: Exatamente, esse ponto que o Bruno citou é bom, que esse tipo de aula que
você mescla né, essa interdisciplinaridade, ela é boa porque é menos cansativa, se
comparado com as outras aulas separadas. Então, essa é uma grande vantagem,
porque se torna algo mais prático, algo mais múltiplo se é que eu posso assim dizer,
e menos cansativo. Justamente por tá ali naquela, você meio que ficar variando aqui
em um e em outro, é um ponto muito bom.
143

Anderson: É verdade, por exemplo, vocês lembram que a Isabela citou (aluno 4) a
questão de que houve aquela doença, né? Aí a gente, aí quem é que estava apto
pra poder dizer o que estava acontecendo? A professora de produção vegetal, né?
Então, tinha coisas que, aí vocês recorrem ao professor de matemática, depois
recorrem ao professor de produção. Beleza! Mais alguma coisa que vocês querem
acrescentar, gente?

Isabela: A como aprender, né, tanto função tanto como alface na hidroponia e no
campo, né.

Anderson: Pois é, sobre função: aí vem a pergunta número 3: Quando o grupo


encontrava (não sei se isso aconteceu com vocês, né) é ... alguma dificuldade ,
aí eu falo assim: seja naqueles três momentos que eu citei , quando vocês
estavam lá na horta, naquela medição, em todas as atividades que vocês
realizaram lá na horta, ou quando estávamos no laboratório de informática,
fazendo as planilhas, os gráficos, ou até mesmo quando estavam na sala de
aula, desenvolvendo todas aquelas atividades que nós propusemos pra vocês,
quando vocês encontraram alguma dificuldade, esbarrava em algum
obstáculo, eu queria que vocês relatassem como é que foi o fato de vocês
estarem ali em grupo, com outros colegas, pra poder discutir, debater, ou até
mesmo o professor como ali um orientador né, alguém pra dar uma orientação
pra vocês, como é que foi isso aí? Como é que vocês viram essa questão de
estar podendo discutir com o colega ou com o professor?

Guilherme: Primeiramente, eu acho que trabalhar em grupo é sempre muito bom,


porque você não pensa sozinho, se você está fazendo e encontra dificuldade você
consegue dialogar com outra pessoa, talvez a ideia dela é diferente da sua. Então,
unindo as duas, você consegue superar a sua dificuldade.

Vinícius: Caso não, aí recorre ao professor porque ele explica as nossas dúvidas.

(RISOS)

Anderson: Se ele não puder, ele recorre a outra pessoa, né?

Bruno: É também uma troca de conhecimento, por que às vezes numa matéria, por
exemplo, funções, que é uma matéria é muito grande e extensa, às vezes um tem
mais facilidade em um lugar específico e outro tem mais facilidade em outro lugar
específico, então, quando vai juntando tudo, as facilidades e as dificuldades de cada
um vão sendo mais que transformadas numa média e todo mundo vai sair ajudando,
porque, cada um sabe um pouquinho ou quando ninguém sabe nada, o professor
sabe (risos) Então, vai acontecendo uma média, então, a gente consegue saber que
a gente também está fazendo isso, porque quando você tá no seu caderno ou na
sua mesa, você só sabe as suas dificuldades, as suas limitações, quando você tá
em grupo, você também vê a do outro, e que você pode ajudar a dele e ele pode
ajudar você a superar a sua. Então, isso que é bom!
144

Abraão: E um ponto muito importante é que algumas pesquisas apontam que uma
das formas mais eficientes de se estudar é ajudar outra pessoa. E nesse ponto esse
tipo de atividade em grupo ganha muitos pontos, porque você ao ajudar a pessoa
que está perto de você, você vai estar estudando. Entre aspas, né? E é excelente.
Você poder ajudar, você usar o conhecimento que já está em você, você praticar
esse conhecimento que você já adquiriu, ensinando, é um ponto muito positivo
nesse tipo de atividade.

Anderson: Você também aprende mais com isso.

Abraão: Com certeza!

Anderson: Ok! Tudo bem? Mais alguma contribuição nessa parte aí? É ... muito
bem. Bom, pergunta número 4 gente: Como é que você viu, como é que vocês
viram a ideia de estudar (a Isabela citou anteriormente o conteúdo função)
Como é que vocês viram a ideia de estudar função através dessa atividade de
modelagem que a gente fez? Como é que foi essa experiência?

Bruno: É, como foi falado nas questões anteriores, porque tem alguma coisa a ver, é
você vê a função na prática porque às vezes você pega um livro, um exemplo que
não tá no seu contexto, que você não consegue ver ele no seu dia a dia. Então você
fazer ele apenas como uma fórmula, ou alguma coisa do tipo. Aí quando você vai no
seu ambiente, onde você estuda ou onde você trabalha, e utiliza esse conteúdo,
você primeiramente vê o quão importante é aprender porque ele vai te ajudar e
depois você meio que, ao ser meio que obrigado a descobrir aquele resultado, você
aprende porque você vai ver que aquilo vai estar no seu dia a dia, e não apenas em
livros e exemplos que você não vai achar no seu dia a dia.

Guilherme: Complementando o que o Bruno falou, acho que tem muitos alunos que
quando o professor explica uma matéria nova, de matemática principalmente, eles
ficam assim perguntando: onde isso vai entrar na minha vida? Então acho que essa
atividade serviu justamente pra isso, foi pra mostrar onde é que isso serve na vida
da gente. Mostrar que a matemática, ela não é só um cálculo de caderno, você pode
usar ela pra fazer diversas coisas como calcular o tamanho de um pé de alface ao
longo do tempo.

Abraão: Eu, por exemplo, eu fiquei surpreendido, né, porque ... sei lá, eu nunca
pensava que eu ia usar uma matéria de matemática no campo. Nunca. Nunca
passou na minha mente que eu ia utilizar um conhecimento da forma como foi
utilizado. E ... é justamente isso, essa surpresa né, essa ... e isso até ajudou porque
eu realmente queria saber onde ele quer chegar? Aquele monte de cálculo, aquele
monte de pesquisa, e foi muito bom!

Anderson: Legal! Que bom! Que bom que vocês gostaram!

Anderson: Mais alguma coisa gente? (os alunos balançam a cabeça negativamente)
Então, vamos adiante! Bom, na verdade a pergunta 5, talvez ela ... já comentamos
145

um pouquinho também sobre ela, as perguntas, elas ... de certa forma a gente vai
voltando ao mesmo tema. É o seguinte: O que a atividade, a nossa atividade de
modelagem, acarretou sobre sua visão sobre a utilização ou da aplicação da
matemática dentro da área técnica de vocês, no caso a agropecuária?

Bruno: É ... a gente só fez isso na alface, mas às vezes a pessoa .. ela, ao ver que
tá ali naquele negócio, vai abrindo um leque de possibilidades em várias áreas, né.
Porque se você pode usar na horticultura, você vai poder usar lá na piscicultura
(aquicultura), você poder usar na avicultura e, às vezes, com esse primeiro impacto
de apenas uma matéria, você pode ver que a matemática está presente em tudo e o
que vai te ajudar a compreender como ela também está em todas as outras e não
apenas aqui na sala ...

Anderson: É verdade, eu queria é, ... (só abrindo um parêntese aqui na entrevista),


mas só fazendo um ... é nós escolhemos aquela atividade pelo fato da cultura da
alface ser ...

Bruno: É! Ser algo do (nosso dia a dia)

Anderson: Isso! E também ser mais curta porque o período do mestrado o tempo é
pequeno. É, mas, por exemplo, eu encontrei alguns trabalhos, de outros
professores, que fizeram atividades na bovinocultura, por exemplo, não sei se vocês
já estão estudando essa parte aí, (alunos: não, só no 3º ano), mas ... é ... a lactação
das vacas lá, a curva de lactação é uma (num certo período) é uma (fazendo o gesto
de uma parábola) parábola. Ela tem um ponto, um período máximo, em que a vaca
vai dar mais leite e depois vai começar a diminuir. Então, realmente tem aplicações,
a matemática ... ela ... e aquilo que você falou Abraão é muito legal, é ... você ter
percebido isso, que a matemática ela realmente tem aplicações na área de vocês.
Muitas aplicações!

(13:12) Bruno: Por exemplo, na piscicultura mesmo, esses dias a gente estava
vendo como fazer um tanque. Pra isso você precisa calcular, porque tem que ter um
ambiente adequado e pra você chegar às vezes a algum resultado, você não pode ir
só pelo seu conhecimento ou só no “olhômetro”, você tem que saber pelo menos
alguma base matemática pra você fazer várias coisas como cálculo de volume da
água ou a densidade do peixe, então a gente vê que a matemática não está só aqui
na sala, isso que é o bom, às vezes também da matéria técnica, porque você vai
aplicar a matemática em vários outros lugares.

Anderson: Sim! Isso aí! ... Beleza? Tudo bem! Então, é ... a última pergunta
(pergunta 7) que eu vou fazer, depois eu vou deixar um espaço pra que se vocês
quiserem acrescentar alguma coisa, de repente alguma pergunta que você achou
que ia fazer, mas que eu não fiz ... de repente você quer fazer algum comentário e
tal ... Bom, mas a última pergunta é a seguinte: Que contribuições, ou em que
vocês acharam que essa atividade ...é aí agora eu queria que você falasse
assim de forma específica mesmo, dentro da matemática, tentasse se lembrar
146

.. é ... sobre o assunto função, então, que contribuições que essa atividade que
nós fizemos deu para o seu aprendizado sobre funções?

Bruno: E .. eu acho que esse aprendizado ... como a gente, desde lá, a gente já
sabia que ia estudar função praticamente o ano todo, eu acho que foi meio que uma
boa introdução porque no início era uma matéria mais simples, funções .. você só
tem de saber as coisas... tipo assim ... saber como olhar uma função. Então, essa
atividade foi bom ter sido no início também porque deu uma introdução pra gente ao
conteúdo bom, porque a gente chega a estar numa função um pouco mais
complexa, com cálculos um pouco mais complexos do que era antes. Então, você vê
isso no início de um novo conteúdo, além de estudar, você aprende a base de uma
maneira mais adequada.

Anderson: Ok!

Abraão: Essa parte de ... Porque o trabalho em si, naquelas folhas de perguntas,
aqueles questionários que você passou, eles abordavam é ... vários conceitos
chave: o domínio, a imagem, é ... como que é o gráfico se ... e ... eles foram muito
bem trabalhados então a gente realmente, com esse trabalho, com essa forma de
aprendizado que a gente teve, teve a garantia de uma base sólida. A gente ver,
rever, de tá calculando, de tá fazendo, a gente conseguiu essa base. Adquiriu uma
base boa.

Anderson: Pode continuar gente (os alunos pararam de falar porque eu comecei
anotar algo), eu só lembrei de uma coisa aqui só pra perguntar pra vocês, mas
podem ...

Guilherme: Eu acho que, assim como o Abraão falou, quando você precisar de um
conceito, aquela foi uma atividade que gerou muitos conceitos pra gente e eles
foram fundamentais no conteúdo de função. E, quando eu tiver dúvida de um
conceito, eu vou lembrar daquilo que eu fiz com aqueles dados, e assim eu vou
poder reaplicar ele pra poder gerar um novo conceito.

Anderson: Por falar em conceitos, então, já que o Guilherme puxou esse assunto, eu
queria perguntar pra vocês assim, é ... se vocês lembrarem ... podem ficar tranquilos
gente ... mas ... é ... que conceitos que vocês ... que elementos que essas
atividades, o Abraão citou aquelas atividades que ... é reforçaram os conceitos e tal,
o Guilherme também citou, que elementos que vocês se lembram, o Abraão falou
aqui domínio e tal algumas coisas, que elementos vocês se lembram assim que a
gente trabalhou durante essa atividade?

Bruno: A gente começou com, a gente aprendeu que meio que visualizar gráficos,
né que foi fundamental porque em funções a gente vê vários gráficos e ... eu acho
que visualizar gráficos foi ...

Guilherme: Aprendemos também a construir gráficos, né, e construir as tabelas pra


gerar os gráficos, que é importante.
147

Isabela: Aprendemos a construir a função.

Anderson: Obter a lei da função ... o que vocês acharam sobre esse processo de
obter a lei da função?

Guilherme: Um pouco trabalhoso, mas ..

Bruno: Obter a lei da função, acho que é a parte mais complicada porque você tem
que visualizar um gráfico ou uma tabela e ver qual a relação entre esses pontos, que
é a função, relacionar coisas diferentes ... e essa é a parte mais complicada você
saber porque aquele gráfico é daquela maneira.

Anderson: Bom gente, é ... ok! É ... quando vocês estavam falando, aí me veio uma
pergunta pra vocês, desculpa eu insistir, né ... é porque quando eu fiz a primeira
pergunta, dos pontos positivos e negativos, eu percebi que vocês citaram mais
pontos positivos. Mas, assim ... eu queria que você pensasse ... eu até espero vocês
pensarem um tempinho aí .. se você fosse me dar uma sugestão pra ... suponha que
eu vou fazer o ano que vem com outra turma de 1º ano, né ... eu fazer de novo uma
atividade de modelagem, o que que você me daria de sugestão pra fazer diferente ...
de repente né, o que poderia, na opinião de vocês, na visão de vocês poderia ter
sido feito diferente, de uma outra forma que de repente surtiria um efeito melhor?

Guilherme: Eu acho que, como nosso canteiro foi feito uma vez só e em decorrência
da praga talvez tenha afetado algum resultado, eu acho que você poderia fazer,
começar no começo do ano e fazer o mesmo processo acho que umas 3 ou 4 vezes
e seria mais legal, os resultados seriam mais sólidos.

Anderson: Verdade! Bem lembrado!

Bruno: E também calcular um pouco o tempo, porque, às vezes você acaba


perdendo algumas aulas. Então, eu acho que ... fazer um cálculo mais detalhado de
quanto tempo você vai gastar pra isso e às vezes os alunos mesmo ... aceitam e tal
pegar um pouco depois do horário pra ... porque às vezes também falta um tempo
de tá no quadro. Isso também você pode pegar ... um restante de tempo.

Anderson: Sim, sim ... entendo. Legal!

Lucas: E também fazer, por exemplo, com uma planta um pouquinho mais resistente
pra não ter essa interferência tanto de doenças e pragas.

Anderson: Você foi um dos últimos grupos ou foi logo no início?

Lucas: Um dos últimos.

Anderson: Aí já tinham morrido várias plantas, né? (Lucas faz sinal positivamente). É
isso ... eu percebi ... não sei se... quero que vocês confirmem pra mim ... eu percebi
que isso causou uma certa frustação, não foi?

Bruno: Ainda bem que na minha vez ... (risos)


148

Anderson: É! Os primeiros grupos não, né, mas os últimos grupos ...

Isabela: É ... a partir do 5º grupo ou 4º não sei ...

Bruno: Teve grupo que chegou e não teve nenhuma alface.

Anderson: O último grupo ... acho que só tinha uma planta?

Isabela: Por causa do tempo ... é que passou do tempo dela ... de ser recolhida ... aí
elas morrem ...

Anderson: Sim, sim ...

Vinícius: Como a gente não tá lá toda semana ... quer dizer a gente tá, só que uma
vez na semana ...assim que é na quarta-feira ... deixar as pessoas que trabalham lá,
os funcionários lá... pedir para os alunos que passam por lá tomarem cuidado para
destruírem os canteiros ... muitas vezes eles pisam em cima e ...

Anderson: É isso é verdade. Tem isso também. ... Agora eu queria só salientar uma
coisa que vocês falaram aqui ... eu lembro ... na fala do Guilherme ... sobre os
pontos positivos e negativos ... ele falou a questão da praga e tal ... mas eu queria
mostrar só pra vocês o outro lado. ... Isso mostra gente que ... é ... em ciência é
assim, não é tudo ... tipo assim, no papel é tudo perfeito, quando você planeja e tal
...

Bruno: E também você consegue perceber ... tipo ... que hora você vai colher? Se
você perceber que até certo ponto as alface vão começar a morrer, isso também
mostra pra gente o momento da colheita. ... Então, também tem os seus lados
positivos ... Se você perceber qual vai ser o auge da planta, quando que vai deixar
de ser vantajoso você deixar a planta maior, porém perder outras plantas ... Então,
se você for olhar por todos os lados, você também consegue aprender outros
aspectos ... a não ser só a quantidade de alfaces pelo tempo.

Guilherme: E vendo por esse lado também, já que você falou, foi muito importante
também porque a gente pôde conhecer um tipo de praga. Já que vamos ser
técnicos, nós vamos trabalhar nessa área ... Tinha muita gente que nunca tinha visto
nem um pé de alface, quem dirá uma praga de alface, então. ... Foi muito importante
conhecer isso, pra que quando a gente for sair pro mercado de trabalho, a gente for
consultar, a gente saber ... ó aqui tem uma praga. Isso é importante a meu ver.

Abraão: Acho que ... mais do que é ... você ... fazer a atividade condensada né, toda
agrupada, tudo junto ... eu acho que ... ao meu ver ... durante a própria explicação
da matéria ... você decorrer esse projeto durante a explicação. Quando você for
explicando o ... por exemplo, os conceitos né, domínio, imagem, contradomínio ...
você pegar a parte do trabalho relacionado a isso e aplicar lá dentro.
149

Anderson: Sim, perfeito ... ok! ... É ... eu estava pensando aqui uma coisa aqui agora
... fui prestar atenção no Abraão, acabei o que que eu ia ... mas tinha uma outra
coisa que ia colocar aqui ... o que que era mesmo? ... (Bruno pede para falar)

Bruno: E também tem um lado ... tirando o lado só de ... você fazer o cálculo e tal ...
também tem o lado tipo assim ... humano, né ... porque você vai trabalhar em grupo
... é ... na área técnica principalmente ... porque não tem como você aprender
apenas em grupo, porque quando a gente tá na sala de aula, é individualmente,
cada um por si, mas quando você vai pro dia a dia, você percebe que ... você não
tem como só como trabalhar em grupo e às vezes no seu grupo não tinha pessoas
que você mantém relações fora porque acabou que os grupos mesmo se misturaram
pela forma que eles foram montados, não se agrupando e sim por escolha. Então,
no final ... é acabou que você tinha no seu grupo pessoas que você não convivia e
você aprende também que na vida você vai conviver com pessoas que você não
tinha planos de conviver com elas, mas você tem que conviver porque você tem que
...

Anderson: Ok!

Abraão: Esse lado humano realmente é ...

Anderson: Ok! Legal!

Bruno: E você trabalha em grupo ... principalmente na matemática ... que você ... vai
ser sempre individual ... não tem muitos trabalhos, então, nunca vai ter muita
interação em grupo ... sempre vai ser você, o seu caderno, a sua calculadora, no
máximo ... então, você aprende que as pessoas também estão ali para passar
conhecimento ... pra você passar conhecimento pra elas ...

Anderson: Ok! A minha pergunta ... eu lembrei agora ... eu ia perguntar pra vocês o
seguinte: se eu ... vamos supor que nós ... nós já estamos já no final do ano e tal ...
mas ... o ano que vem ... vamos supor que eu seja o professor de vocês novamente.
Se eu fizesse o convite pra vocês, pra nós fazermos outras atividades de
modelagem, vocês topariam?

Os alunos: Sim, Claro!

Bruno: Abordando outros conteúdos, né?

Anderson: Sim, outros conteúdos, claro!

Bruno: Então..., sempre é bom, né!

Guilherme: Foi legal. Muito legal!

Anderson: Bom, gente ..., eu agradeço a vocês ... é ... acho que posso deixar
gravando o agradecimento também, né (risos) ... eu agradeço a vocês ... é ... pelo
fato de terem ... não só vocês ... é ... vocês aqui estão representando toda a turma
150

né ... vocês eram os líderes dos grupos. Agradeço a vocês a disponibilidade, né ... a
maneira como vocês realmente compraram a ideia, abraçaram, participaram, se
empenharam ... é ..., então, pra mim também foi gratificante. Eu aprendi muita coisa
com a atividade, com vocês ... é uma troca, é aquilo que o Bruno estava falando ...
na verdade Paulo Freire até fala isso, ... ele diz mais ou menos assim ... ninguém
educa ninguém ... ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si,
mediatizados pelo mundo ... eu tenho algo pra passar pra vocês, vocês também tem
algo pra passar . Então, é uma troca ... então, foi muito gratificante e eu aprendi
muito e ... sou grato a Deus por ter participado desse trabalho, tá. Espero que assim
que eu tiver concluído, eu quero mostrar pra vocês o trabalho e ... espero que vocês
também tenham ficado satisfeitos ... tá bom? ... Valeu gente! Obrigado!

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