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INTRODUÇÃO
O pâncreas apresenta funções exócrinas e endócrinas, e 95% dos tumores malignos
se originam do pâncreas exócrino. Adenocarcinoma é a principal histologia e será tema
deste capítulo. Dentre os tumores exócrinos, 90% têm origem no ducto pancreático, e 85%
deles são adenocarcinomas ductais. Entre os tipos histológicos menos frequentes, estão o
carcinoma de células acinares, o pancreatoblastoma, o carcinoma sólido pseudopapilífero e
o cistoadenocarcinoma seroso.1 As neoplasias endócrinas do pâncreas serão abordadas em
capítulo específico.
O câncer de pâncreas é a neoplasia mais letal do trato gastrointestinal. No momento do
diagnóstico, menos de 20% dos casos são ressecáveis; os demais são irressecáveis ou metas-
táticos.2 A detecção precoce e o tratamento cirúrgico são as únicas opções curativas, porém
as taxas de recorrência beiram os 80%, e a sobrevida global (SG) em cinco anos para esses
pacientes é de apenas 14%.2 Apenas 20% a 30% das recorrências são locais; a maioria recorre
sistemicamente.3 No cenário metastático, ou de neoplasia inoperável, a doença é fatal e
mesmo com a incorporação de novas drogas nas últimas décadas, a sobrevida mediana
permanece inferior a um ano.4
O tabagismo é um dos principais fatores de risco para o câncer de pâncreas. Estima
se que 26% a 30% dos casos estejam relacionados ao tabagismo.5 O risco de desenvolvi-
mento da doença também aumenta com a idade: 80% dos casos ocorrem em pacientes
entre 60 e 80 anos; raramente ocorre antes do 40 anos de idade.5 A obesidade [índice de
massa corporal (IMC) > 30] também aumenta o risco em 2,08 vezes em relação a pessoas
com IMC < 25.5 Diabetes, tanto do tipo I quanto do tipo II, aumenta em cerca de duas vezes
o risco desenvolver a doença.5 Outros fatores com resultados contraditórios em estudos são
a infecção por Helicobacter pylori (H. pylori) e a ingestão excessiva de carne processada.5
Cerca de 5% a 10% dos casos podem estar relacionados a uma causa hereditária.5 Indiví-
duos com pelo menos dois parentes de primeiro grau com câncer de pâncreas têm o dobro
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EPIDEMIOLOGIA
O câncer de pâncreas é responsável por 2% das neoplasias malignas e corresponde a 4%
do total de mortes por essa doença. Em cerca de dois terços dos casos, o tumor acomete a
cabeça pancreática e em um terço, o corpo e a cauda.6
Os casos de câncer de pâncreas têm aumentado com o passar dos anos, sendo regis-
trado um aumento de 87% da estimativa de incidência ao longo do período de 2005 a 2012.
Foram estimados, para 2012, 6.284 casos, atingindo de maneira semelhante homens e
mulheres (51% dos casos ocorrem em homens).7 A incidência estimada da doença varia de
acordo com a idade, passando de 10 casos para cada 100.000 habitantes entre os 40 e 50
anos para 116 para cada 100.000 habitantes acima dos 80 anos.6 As maiores taxas de inci-
dência foram encontradas nas regiões Sul e Sudeste, seguidas pelo CentroOeste e, final-
mente, pelo Nordeste e Norte.7
Metástase à distância
M0 Sem evidência de metástase a distância
M1 Presença de metástase a distância
com envolvimento menor que 180 graus da artéria mesentérica superior ou tronco celíaco
ou com pequeno envolvimento da artéria hepática, da veia mesentérica superior, da veia
porta ou da confluência desses vasos. 11 Aqueles considerados irressecáveis são os que
envolvem em mais de 180 graus a artéria mesentérica superior ou o tronco celíaco ou no
caso de qualquer outro envolvimento vascular não passível de reconstrução.11
Para os tumores ressecáveis, o tratamento padrão consiste em ressecção cirúrgica,
realizada por equipe cirúrgica especializada, seguida de quimioterapia adjuvante, sendo
esse o único tratamento potencialmente curativo. Dessa forma, o tratamento cirúrgico
radical nesse cenário sempre deve ser oferecido a todos os pacientes. A quimioterapia adju-
vante é considerada o tratamento padrão após a cirurgia. A radioterapia tem papel questio-
nável. O uso da gencitabina baseia-se no estudo de fase III CONKO-001, que demonstrou
ganho em SG para o braço que recebeu seis ciclos de gencitabina adjuvante em relação ao
grupo que permaneceu em observação (22,8 meses vs. 20,2 meses, p = 0,005); em cinco
anos a SG estimada era de 21% versus 9%, respectivamente12 (grau de recomendação 1iA).
O uso de quimioterapia adjuvante com 5-fuorouracil (5-FU) e leucovorin (LV) foi
avaliado no estudo ESPAC-1, com ganho em SG para o braço que recebeu quimioterapia
versus o braço de observação13 (grau de recomendação 1iA). O estudo de fase III ESPAC-3
comparou os esquemas de 5-FU e LV com gencitabina. Nesse estudo, que incluiu 1.088
pacientes, não foi observada diferença estatística em SG para os dois braços (23 vs. 23,6
meses para os braços de 5-FU + LV e gencitabina, respectivamente; p = 0,39); mais pacientes
no grupo 5-FU e LV apresentaram efeitos adversos sérios em comparação com os que rece-
beram gencitabina (14% vs. 7,5%, p < 0,001)14 (grau de recomendação 1iD).
O estudo ESPAC-4 comparou, em 730 pacientes, a combinação de capecitabina +
gencitabina versus gencitabina monodroga. Houve ganho estatisticamente significativo em
SG para o braço da combinação em relação ao braço controle (28,0 vs. 25,5 meses, p =
0,032), com SG em cinco anos de 28,8% para o braço combinação versus 16,3% para o braço
que recebeu gencitabina monodroga15 (grau de recomendação 1iA).
No congresso da ASCO de 2018 foi apresentado o estudo de fase III PRODIGE 24/
CCTG PA.6. O estudo randomizou 493 paciente submetidos à ressecção de neoplasia de
pâncreas para gencitabina ou FOLFIRINOX modificado adjuvante por seis meses. A SG foi
maior no braço que recebeu mFOLFIRINOX [54.4 vs. 34.8 meses, HR = 0.66, intervalo de
confiança (IC) 95%, 0.49-0.89] assim como a sobrevida livre de doença que foi de 21.6 vs. 12.8
meses, HR = 0.59 (IC 95%, 0.47-0.74) 16 (grau de recomendação 1iA).
O papel da quimiorradioterapia (QRT) adjuvante é bastante debatido nessa doença e
ainda controverso. Estudos iniciais da década de 1980, com número pequeno de pacientes,
como o do Gastrointestinal Tumor Study Group (GITSG) (grau de recomendação 1iiA),
demonstraram que o uso da QRT com 5-FU (mantendo-se a droga por um período de dois
anos) apresentou ganho em SG em relação ao grupo observação (20 vs. 11 meses).17 Outros
estudos maiores não conseguiram reproduzir os mesmos resultados, sendo incapazes de
demonstrar ganho em SG para QRT.13,18,19 O estudo LAP07 avaliou o papel da QRT versus
quimioterapia em pacientes sem evidência de progressão após quatro meses de quimiote-
rapia de indução. Nesse estudo não foi observada diferença em SG para QRT em compa-
ração com quimioterapia (16,5 vs. 15,2 meses, respectivamente; p = 0,83)20 (grau de reco-
mendação 1iD).
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TÉCNICAS DE RADIOTERAPIA
A radioterapia, quando indicada de forma adjuvante em combinação com a quimiote-
rapia, deve ser prescrita em doses entre 45 e 50,4 Gy, com fracionamento de 1,8 a 2 Gy por
dia.32 Para os casos de tratamento definitivo, pode-se optar pelas mesmas doses, mas com
reforço sobre a doença grosseira até um total de 54 a 59,4 Gy.
Em relação às doses de SBRT (stereotactic body radiation therapy), ainda não se tem um
esquema de escolha. Há grande variação de esquemas de fracionamento entre os estudos
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ESTUDOS EM ANDAMENTO
Há vários estudos estão em andamento para câncer de pâncreas. Na doença locali-
zada, dois estudos comparam esquemas de adjuvância com três drogas versus gencitabina:
um avalia o esquema FOLFOXIRI versus gencitabina (NCT02355119) e o outro, o esquema
FOLFIRINOX versus gencitabina (NCT02172976). Outro estudo de fase III avalia a combi-
nação de FOLFIRINOX com radiocirurgia para tumores localmente avançados e irressecá-
veis (NCT01926197). Outro estudo compara a gencitabina adjuvante versus FOLFIRINOX
perioperatório (NCT02172976).
Na doença metastática, destacamos um estudo avaliando o papel do nimotuzumabe
(anticorpo monoclonal anti-EGFR – receptor do fator de crescimento epitelial) asso-
ciado à gencitabina como primeira linha de tratamento em pacientes KRAS selvagem
(NCT02395016). Na segunda linha, um estudo avalia o papel do nab-paclitaxel associado à
gencitabina versus o esquema OFF, após falha com a gencitabina (NCT02506842).
No cenário de doença metastática, alguns estudos têm abordado diferentes estra-
tégias de imunoterapia associada à quimioterapia: um deles compara a droga AM0010
com FOLFOX versus FOLFOX sozinho como segunda linha após falha com a gencitabina
(NCT02923921) e outro avalia a droga GV1001 associada à gencitabina + capecitabina versus
gencitabina + capecitabina sozinhos em primeira linha (NCT02854072).
CÂNCER DE PÂNCREAS 9
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