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LEITURA NAS ENTRELINHAS:

COMO SE PROCESSA
Projeto de Pesquisa

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Autor: Reinaldo da Silva Fernandes

Levantando inicialmente a hipótese da existência de três níveis de leitura, distintos


entre si -    compreensão, interpretação e leitura nas entrelinhas-, a pesquisa investiga os
processos que permitem a existência desses níveis, em especial a leitura nas entrelinhas.
Analisa manuais escolares e a literatura, constatando que há muita confusão e lacunas sobre o
assunto. A pesquisa discute, ainda, o papel das inferências na leitura, dos conhecimentos
prévios e dos objetivos do leitor.

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Mestrando em Estudos Lingüísticos da Linha de Pesquisa “A”, “Aquisição da Fala e da


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Escrita”, da FALE – Faculdade de Letras da UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais

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LEITURA NAS ENTRELINHAS:
COMO SE PROCESSA
Projeto de Pesquisa

INTRODUÇÃO:

1- Contextualização do Projeto de Pesquisa

Os alunos têm mostrado dificuldades    para ler textos, em um sentido amplo da


palavra "leitura". Não raro    se ouve reclamações do tipo: "Li o livro/texto mas não entendi!"
Junte-se a isso a reclamação quase geral deles por encontrarem dificuldades em ler nas
"entrelinhas" do texto. O processo ensino-aprendizagem desse tema apresenta dificuldades
tanto para o professor quanto para o aluno.
Se tomarmos, por hipótese, que existem três níveis de leitura, veremos que pouca
atenção é dada à leitura nas entrelinhas e que há discordâncias entre diversos teóricos que
tratam da "compreensão" e "interpretação" de um texto. Alguns consideram que
“compreensão” e “interpretação” se trata de um mesmo nível de leitura. Há os que, como
LAGES (1995:39), postulam níveis diferentes. Não é à toa que enquanto certos manuais
escolares fazem uma separação entre tipos de exercícios, outros não o fazem. Para mostrar
estas discrepâncias, mostraremos a seguir o resultado da análise que fizemos de uma série
desses manuais.

    1.1- Os livros didáticos e os níveis de leitura

Há autores que não classificam explicitamente as questões propostas para os textos, ou seja, as colocam
em um mesmo bloco, independentemente se elas são ou não de tipos diferentes. Analisamos exemplos de
BISOGNIN (1991); ALMEIDA e FERREIRA (1994); TESOTO e DISCINI (1994); CARNEIRO (1995); e
NERY, VIEIRA e AMARAL (1990). Há, por outro lado, aqueles que classificam as questões, ou seja, as colocam
em blocos diferentes — separando em “compreensão e interpretação, por exemplo — como TUFANO (1991);
FARACO e MOURA (1994); e PRATES (1984). Vejamos os que não fazem uma classificação explícita das
questões propostas.

1.1.1- Níveis de leitura: classificação não-explícita

Os exercícios de CARNEIRO (1995), em todos os manuais, independente da série


escolar a que eles se destinam, são, segundo o autor, de “Interpretação”. Quando analisamos
as questões deste manual, podemos perceber que são perguntas que exigem do leitor que ele
faça o que certos autores (SCOTT, 1985; ECO, 1986;HAYAKAWA,1963; McLEOD,1977;
BRIDGE,1977; DREDERIKSEN, 1977 e outros) vão chamar de inferências. No caso, não
seriam inferências muito simples. As respostas não se encontram explicitamente na superfície
do texto. O mesmo acontece com as questões propostas no “volume 4” do mesmo autor, que,
no entanto, exigem do leitor,    nos parece, um trabalho mais complexo em busca de resposta
do que    o trabalho que ele deveria fazer no manual da 5ª série. Isso mostra que há uma
evolução das questões de série para série.
Outro autor que não faz nenhuma separação em relação às questões propostas para a
leitura dos textos é BESOGNIN (1991). Há apenas uma seção, “Estudo do texto”, em todos os
manuais, independentes da série. Apesar de ser apenas esta seção, há uma mistura de
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perguntas: aquelas cujas respostas    estão na superfície do texto e outras que podem ser
“pessoais”, ou que exigem do leitor que ele faça alguma inferência.
Já ALMEIDA e FERREIRA    (1994), no seu manual para a 7ª série, propõe o
“Entendimento do texto”, em que, eles também, apresentam questões de tipos diferentes,
apesar de não explicitarem isso. Um tipo, com respostas explícitas na superfície do texto;
outro tipo, para as quais podem ser dadas “respostas pessoais”.
Outro manual de 7ª série, o de TESOTO e DISCINI (1994), propõe uma seção
intitulada de “Trabalhando com o texto - compreensão e debate”, bastando ao leitor percorrer
o texto para encontrar a resposta.
Analisamos também o manual de 7ª série de NERY, VIEIRA e AMARAL (1990). As
questões propostas são, segundo as autoras, de “Compreensão”, com perguntas que, ora, têm
resposta explícita no texto, exigindo pouco trabalho do leitor; ora, exigem do leitor que pense
um pouco mais, buscando uma resposta que não está no texto.
Estudamos também o segundo caso, o dos que fazem uma separação explícita para as
questões propostas.

1.1.2- Níveis de leitura: classificação explícita

TUFANO (1991), nos manuais de 5a a 8a séries, traz três seções de leitura: “Relendo o
texto”, com questões cujas respostas estão na superfície do texto, bastando ao aluno fazer uma
nova leitura; “Refletindo sobre o texto” e “Dê sua opinião”, em ambos os casos, com questões
para as quais se espera “resposta pessoal”
FARACO e MOURA (1994, p. 67-8) traz exercícios de “compreensão” (com respostas
quase sempre explícitas, tais como responder o número de versos de um poema), de
“interpretação” (com respostas não-explícitas). Como há ainda uma terceira seção, o “Ponto
de Vista” que pede uma “resposta pessoal”, podemos perceber que os autores trabalham com
o pressuposto de que há três níveis de leitura ou, pelo menos, dois.
Os manuais da 6ª e 7ª séries seguem o mesmo modelo. É interessante notar que no
manual da 7ª série, na seção de “compreensão” aparece questão que envolve a relação causa e
conseqüência. No da 5ª, esse tipo de questão aparece na seção “interpretação”. Isso mostra
que há alguma confusão, segundo esses autores, do que seja compreensão e interpretação.
Além disso, há questão que pede para que sejam indicadas causa e conseqüência, exigindo
certo tipo de inferência que não é exigido em outras questões de “compreensão”.
PRATES (1984) divide o estudo do texto em duas seções: 1)“Vamos discutir o texto”,
com respostas que não estão todas explícitas no texto e 2)“A sua interpretação crítica do
texto”, em que se exige do leitor que ele faça inferências com algum nível de complexidade.
Esta seção propõe também questões que permitem “respostas pessoais”, apesar de trazer, “nas
entrelinhas” uma resposta que o autor gostaria de ter.     

1.1.3- A confusão nos livros didáticos

Após essas análises, percebemos que há muita confusão no que respeita à


possibilidade de existência de níveis distintos de leitura e qual classificação seria feita desses
possíveis níveis.
Há dois grupos de autores: 1) o grupo dos que trabalham explicitamente com questões
de um tipo; e 2) o grupo dos que trabalham com questões de mais de um tipo.
No grupo “1”, mesmo trabalhando com a idéia, pelo menos explicitamente, de que há apenas
um nível de leitura, o tratamento dado a esse nível é diferenciado. Dos cinco autores
analisados, quatro trabalham com perguntas cujas respostas estão explicitamente colocadas na
superfície do texto, em um tipo de questão; em outro tipo, com perguntas que não têm

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respostas explícitas no texto, exigindo do leitor habilidade de raciocínio, capacidade de
relacionar informações de seu conhecimento prévio com informações do texto.
No grupo “2”, o dos autores que trabalham com o pressuposto de que há níveis
diferentes de leitura, nem sempre há convergências. Dos três autores analisados, dois
(TUFANO; e FARACO e MOURA) trabalham com três tipos de questões. Apesar do nome do
exercício ser diferente ( “Relendo o texto” X “Compreensão”; “Refletindo sobre o texto” X
“Interpretação”; “Dê sua opinião” X “Ponto de Vista”), o tipo de exercício é o mesmo. No
primeiro tipo, as respostas estão explícitas no texto. No segundo e terceiro tipos, não há
respostas explícitas, exigindo uma “resposta pessoal” (TUFANO) ou não.
Concluímos que, tanto no caso do primeiro quanto do segundo grupo de autores,
todos, de forma explícita (segundo grupo) ou não (primeiro grupo) trabalham com o
pressuposto de que existem mais de um nível de leitura.
Discutiremos a seguir a opinião de teóricos para, depois discutir a relação entre os
livros didáticos e as teorias.

   1.2- Níveis de leitura: o que dizem os teóricos

         1.2.1- Compreensão, interpretação e leitura nas entrelinhas

Compreensão e interpretação são, para nós, níveis diferentes, e a interpretação


depende de que haja antes a compreensão. Assumimos também que a diferença entre os dois
níveis é tênue. A interpretação precisa da compreensão; e esta pode ou não levar à outra.
Portanto, não podemos tratá-las de forma dicotômica mas em uma relação em que uma
(interpretação) parte da outra (compreensão). A leitura nas entrelinhas, postulamos, é um
terceiro nível de leitura, posterior à compreensão e à interpretação.         
Analisando diversos autores, vemos que há conceituações vagas de compreensão,
como as de PLATÃO e FIORIN, DUCROT, e KLEIMAN. Há conceituações que apresentam
algum critério, ou critérios definidores do que seja compreensão. Há critérios comuns entre os
autores e critérios que os afastam.
Entre os critérios de proximidade, está o conhecimento prévio, que aparece em quatro
dos sete autores analisados. O conhecimento prévio é considerado como necessário
( KLEIMAN), fundamental (RUPLEY e WILLSON), responsável pela relativização da leitura
(SMITH e DELL’ISOLA).
Outro critério é a atitude ativa, de procura (KLEIMAN), de reflexão (ORLANDI), de
fazer um trabalho inferencial (DELL’ISOLA), o fazer questões e ter respostas (BARBOSA e
SMITH).
KLEIMAN defende a compreensão como “união das partes discretas”, na mesma
direção de PRETORIUS, que postula a necessidade dos conectivos causais    para que o leitor
compreenda.
Entre os critérios que afastam os autores, temos, de um lado, DELL’ISOLA e SMITH,
que postulam a compreensão como acesso a um dos sentidos do texto, e, discordando deles,
ORLANDI, que defende que compreender “não é atribuir um sentido, mas conhecer os
mecanismos pelos quais se põe em jogo um determinado processo de significação.”
Se se diz pouco sobre o que seja compreensão, menos ainda se diz sobre o que seja
interpretação. KLEIMAN (1989) nem faz referência ao termo; em KLEIMAN (1993), o
termo aparece como a atribuição de intencionalidade ao autor (p. 94), mas sem definição mais
clara. BARBOSA não faz distinção entre compreensão e interpretação. SCOTT (1985), ao
defender que “os textos nos dizem explicitamente qual é a função a ser interpretada ‘nas
linhas’”, também não faz a distinção. Ou, pelo menos, não explicita o que seja interpretação.
RUPLEY e WILLSON; DUCROT; PLATÃO e FIORIN não discutem o assunto e

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PRETORIUS discute brevemente o que ela chama de reinterpretação, associando o conceito a
uma forma pessoal de fazer um reconto (p. 397). Na passagem do seu texto em que a autora
trata de interpretação, não é dito o que se entende pelo termo (p.399).
Aqui também há autores que se aproximam. Assim, TREVISAN, BARBOSA e
SCOTT igualam interpretação à compreensão. KLEIMAN (1993) e ECO estariam em um
mesmo grupo, vendo a interpretação em relação com a produção do texto, com o que o texto
tem a dizer como estratégia.
Uma visão diferenciada é a que postula a interpretação como ‘um jeito próprio de
entender o texto” (KATO), determinada pelos conhecimentos prévios (TREVISAN), na
mesma direção de ORLANDI, e ZILBERMAN e SILVA. Não nos parece ser possível unir os
dois pontos de vista: um jeito próprio de entender o texto pode não ser entendê-lo tal como o
autor o pretendeu através da estratégia textual.
A questão da leitura nas entrelinhas é, entre os três níveis, o que é menos discutido
pelos teóricos2. SMITH, KLEIMAN (1989), BARBOSA, RUPLEY e WILLSON, e
PRETORIUS não discutem o assunto. KLEIMAN (1993) admite que o texto é portador
daquilo que “ não é dito” (p. 13) e associa esse tipo de leitura à intencionalidade do autor,
chamando-o de “interpretação”. Diz que é possível fazer isso “analisando o texto na procura
de marcas lingüísticas dessa    intencionalidade.”
Analisando diversos autores que tratam da questão, concluímos que, de modo geral, há
concordância quanto ao fato de a leitura nas entrelinhas ser uma leitura do “não-dito”
(ORLANDI, KLEIMAN). PLATÃO e FIORIN, e DUCROT associam, no nosso entender,
esse tipo de leitura à leitura de subentendido e pressupostos. Para DUCROT, essa leitura pode
“estar ausente do próprio enunciado.”
Outro critério seria o de associar essa leitura nas entrelinhas à intencionalidade do
autor, como o fazem KLEIMAN, DUCROT e SCOTT, e com o que discorda ECO, pelo
menos no que ele chama de “interpretações sociológicas ou psicanalíticas dos textos.” Além
disso, o que ECO chama de “interpretações nas entrelinhas” aconteceria em textos “muito
abertos”— portanto não aconteceria em todos textos.
Os conhecimentos prévios entram como critério fundamental na leitura nas
entrelinhas. Nisso concordam SCOTT, ECO e DELL’ISOLA. Para esta, essa leitura consiste
da integração dos dados do texto com os conhecimentos prévios. Para DELL’ISOLA, o leitor
faz inferências (ou lê nas entrelinhas) de acordo com esses conhecimentos, de acordo com seu
‘background”. A autora faz também uma diferenciação entre leitura nas entrelinhas e outra,
em que o leitor aprecia, deprecia, critica e julga.
Concordamos, em parte, com essas posições sobre leitura nas entrelinhas, e questionamos
outras. Concordamos com a defesa de que a leitura nas entrelinhas é uma leitura do “não-
dito”. Mas postulamos que uma leitura nas entrelinhas pode ser feita também em decorrência
dos conhecimentos prévios, da memória pessoal do leitor, do seu conhecimento sobre o
evento comunicativo, do seu conhecimento histórico socialmente formado ( KINTSCH e
FRANZKE, 1994, citados por VAN DIJK, 1997, in press), além de seus objetivos, intenções,
propostas, relação e afiliação social, sua ideologia (VAN DIJK, 1995). Isso vai além do que
perceber apenas o que está implícito. Mesmo um texto mais    explícito pode permitir leitura
nas entrelinhas.
Os conhecimentos prévios, concordamos, exercem papel fundamental na leitura nas
entrelinhas, determinando leituras diferenciadas de leitor para leitor, que, ao fazer perguntas
nas entrelinhas do texto, levantará hipóteses diferentes.
Quanto à associação dessa leitura à intencionalidade do autor, postulamos idéia um
pouco diferente. Embora concordemos com KLEIMAN (1993) quando essa autora defende
que é possível analisar o texto à “procura de marcas lingüísticas” da intencionalidade do
autor, postulamos que nem tudo que pode ser lido foi intenção do autor de que fosse lido. Essa

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leitura poderá acontecer, inclusive, contra a vontade do autor.
Discordamos de ECO quando esse autor defende a leitura nas entrelinhas apenas para
textos “muito abertos”. Nossa hipótese é a de que mesmo em textos “menos abertos”, é
possível essa leitura. Discordamos, também, de DELL’ISOLA quando a autora separa a
leitura nas entrelinhas de uma outra, em que o leitor “aprecia, deprecia, critica e julga”. Para
nós, ler nas entrelinhas    é também apreciar ou depreciar, julgar e criticar.
Postulamos, então, a leitura nas entrelinhas como a leitura do “não-dito”, dos textos
em geral, determinada pelos conhecimentos prévios — incluindo aí a visão de mundo — do
leitor e feita a partir dos objetivos desse leitor.

1.2.2- Níveis de leitura: critérios para classificação

1.2.2.1- Inferências

Se há níveis diferentes de leitura, há de existir critérios que definam a diferença entre


esses níveis. O processo de leitura pode exigir do leitor que ele execute um trabalho
inferencial. Assim, analisamos a literatura no que diz respeito à questão da inferência para
entender como ela é definida, como é classificada, para entender sua relação com os níveis de
leitura.
Muitos autores recorrem ao termo “inferência” e, de modo geral, não explicam o que
entendem por ele. Ou as definições são por demais vagas (KLEIMAN, 1993:67 e 74)
PRETORIUS (p. 386).
Estudando as definições de diversos autores, percebemos que é comum a eles
considerar a inferência como uma informação que não é dada explicitamente, e que é gerada
pelo leitor a partir do conhecimento dado pelo texto. Às informações do texto são
acrescentadas informações não-linguísticas (McLEOD) como base para geração de
inferências.
Novamente os conhecimentos prévios aparecem como ingrediente necessário,
apontados explicitamente por KLEIMAN e SCOTT. De forma implícita, a mesma idéia está
presente nas definições dos outros autores.
Estamos trabalhando com a idéia de que o processo de leitura pode exigir do leitor que
ele faça inferências e, para isso, precisamos ter claro o que é inferência. Note-se que ECO e
KLEIMAN apontam a inferência como necessária à compreensão e SCOTT a associa às
“habilidades de raciocínio” para ler o “não-dito” (leitura nas entrelinhas).

1.2.2.2- Níveis de leitura e sua relação com tipos de inferência

Se é verdade que o leitor executa um trabalho inferencial quando lê4, também é


verdade que ele fará isso seja qual for    o nível de leitura que ele esteja processando. E
também será verdade que o tipo de trabalho inferencial a ser feito será diferente de um nível
de leitura para outro. Parece-nos possível associar esses níveis aos tipos de inferências
apresentados por vários autores a partir de DELL’ISOLA (1988).
A compreensão seria possível através das inferências de primeiro estágio, conectivas,
estruturais e extensivas (FREDERIKSEN, C.; FREDERIKSEN, J.; HUMPHREY e
OTTSEN). No caso desta última, seria possível não pelo fato dela ser relacionada a idéias
espontâneas e associações do leitor, mas a outro tipo de conhecimento prévio (que tenha
ligação mais direta com o que vem explícito no texto).
Neste nível estariam ainda as inferências obrigatórias (REDER), as inferências como
processos de referência direta, referência indireta, referência indireta por associações,
referência indireta por caracterização e relações temporais e as inferências “autorizadas”

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(CLARK), as lógicas e as informativas — excluídas as elaborativas (WARREN, NICHOLAS
e TRABASSO).
A interpretação seria possível através de inferências avaliativas. Isso se tomarmos
interpretação como “um jeito próprio de o leitor entender o texto.”
A leitura nas entrelinhas aconteceria através de inferências extensivas
(FREDERIKSEN, C.; FREDERIKSEN, J.; HUMPHREY e OTTSEN), no que elas prevêem a
ligação do que foi lido a idéias espontâneas e associações; das elaborativas (WARREN,
NICHOLAS e TRABASSO), se considerarmos que são originadas de hipóteses do leitor e
desconsiderarmos o fato delas se referirem apenas a aspectos “irrelevantes”, considerando-as
também para aspectos relevantes.
Outros tipos que possibilitariam essa leitura seriam as avaliativas (WARREN,
NICHOLAS e TRABASSO), considerando o papel dos conhecimentos prévios, crenças e
valores; e as cognitivo-culturais (MARCUSCHI), marcadas pela interferência cultural do
indivíduo.
         
1.3- Os livros didáticos, as teorias de leitura e os níveis de leitura

Passando da análise dos autores de manuais para a análise dos teóricos, pode-se
perceber que nem tudo é convergente. Há teóricos que consideram apenas a compreensão;
teóricos que só consideram a interpretação; teóricos que consideram compreensão e
interpretação; poucos teóricos que consideram a leitura nas entrelinhas. Ou seja, nem tudo é
claro entre os teóricos.
Ora, se os teóricos não se entendem, o que pensar dos autores de livros didáticos, que,
por hipótese, se baseiam em algum teórico para elaborar sua pedagogia de leitura? Daí a
confusão que fica estabelecida nos manuais: um reflexo da própria confusão presente nas
diversas teorias.

2- OBJETIVO

Entre os objetivos da pesquisa, vale a pena ressaltar três: 1- Distinguir a existência de


três níveis de leitura; 2- Explicitar os processos que permitem a existência desses três
possíveis níveis de leitura, em especial a leitura nas entrelinhas; 3- Fornecer subsídios teóricos
para profissionais cujo objeto de trabalho é a leitura.

                      3- HIPÓTESES

Vamos começar considerando que “compreender”, “interpretar” e “ler nas entrelinhas”


de um texto são níveis diferentes de leitura. Embora a diferença entre eles possa ser tênue. A
compreensão seria um primeiro nível, e dela dependeria a interpretação e a leitura nas
entrelinhas. Ou seja, é preciso, antes, compreender o texto. Na nossa visão, a compreensão
antecede a interpretação e a leitura nas entrelinhas.
A interpretação e a leitura nas entrelinhas, além de ser posteriores, vão além da
compreensão. A leitura nas entrelinhas fará com que o leitor faça perguntas ao texto e procure
respostas para essas indagações. O leitor procurará respostas que não estão ditas
lingüisticamente pelo texto. O leitor tentará dar respostas a suas perguntas, ainda que as
respostas que der sejam apenas uma “tentativa”, sejam hipóteses (ECO, 1986), ainda que não
sejam as corretas, não sejam as pretendidas pelo autor.
Essas respostas poderão não ser as mesmas respostas de um outro leitor, e, ao defender
isso, estamos postulando, então, que a leitura nas entrelinhas é, de certo modo, uma leitura
particular, baseada nos conhecimentos prévios, crenças, ideologia, experiência, valores etc do

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leitor.
Essa leitura não poderá ser feita se o leitor ficar apenas na superfície do texto, se não
tentar ver o que o texto tem por trás. Ou o que poderia ter. Daí postulamos que essa leitura
depende, dentre outros fatores, dos objetivos do leitor, de sua vontade de ler nas entrelinhas.
Portanto, de objetivos bastante específicos, dependendo de quão profunda o leitor queira fazer
essa leitura.
Explicitando, essa leitura dependerá de:
a) conhecimento e visão de mundo: os conhecimentos acumulados pelo leitor a
respeito da língua e a respeito    dos diversos assuntos. A ideologia que o leitor traz consigo, o
que ele defende, suas posições políticas, religiosas.
b)capacidade e vontade de ler nas entrelinhas: esse nos parece um aspecto
fundamental. Diríamos que o leitor precisará, após a compreensão do texto, ter o propósito de
ver além do que o autor quis mostrar, além do que ele registrou linguisticamente no texto.
Por fim, postulamos a possibilidade de ler nas entrelinhas mesmo nos casos em que os
textos não sejam “muito abertos” (ECO, 1986). Consideramos que essa não é uma limitação
necessária.

4- JUSTIFICATIVA

Há muitas razões para se estudar a existência dos níveis de leitura e os processos que
possibilitam que a leitura nas entrelinhas seja feita. Falta clareza sobre o que seja
compreensão e interpretação. Além disso, não está claro o que seja uma leitura nas entrelinhas
e como essa leitura acontece, pois a leitura nas entrelinhas ainda não foi objeto de muitos
estudos .
Nos manuais escolares reina muita confusão no que respeita a possibilidade de
existência de níveis distintos de leitura e qual classificação seria feita desses possíveis níveis.
A leitura nas entrelinhas não é nem mesmo mencionada.
Fica claro, então, que ainda não foi explicitado se há diferença entre os três níveis de
leitura,    em que proporção é essa diferença, o que justifica uma investigação a fim de que se
possa ter maior clareza sobre o assunto.
Outra questão que ainda não foi explicitada é em que medida as inferências afetam os
níveis de leitura, uma vez que a inferência em geral é um dos processos cognitivos envolvidos
na compreensão, fazendo parte da leitura (KLEIMAN), se relacionando também com a
interpretação e a leitura nas entrelinhas (ECO,1986).
Em termos de dados sobre o processamento de leitura nas entrelinhas, parece que eles
não existem, o que torna importante a coleta para que possa ser feita uma avaliação de como o
processo se dá.
O estudo desses níveis de leitura e do processamento da leitura nas entrelinhas tem,
também, conseqüências práticas, podendo contribuir para o trabalho dos profissionais de
leitura.

METODOLOGIA

Coleta de dados

A pesquisa será feita com 20 sujeitos. Eles são alunos da 3ª série do 2º Grau. Estudam
em uma escola que, apesar de ser periférica e da rede pública (BH), é considerada de boa
qualidade, bem equipada e com práticas pedagógicas mais avançadas do que outras da mesma
rede.
Os alunos-sujeitos têm a mesma faixa etária (16 -17 anos). Estudam na Escola desde a

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antiga 5ª série. Tiveram o mesmo professor de português durante os 3 últimos anos do Ensino
Fundamental, período em que leram textos de jornais e textos literários curtos. Leram também
romances, livros de crônicas, de contos e de poesia. Quanto aos livros, nos 3 anos, cada aluno
leu em torno de 40 títulos diferentes. Já tiveram acesso ao que poderia ser uma “leitura nas
entrelinhas”. Muitos são trabalhadores    e fazem o curso noturno.
O material usado será dois textos. Um, “Assassino em nome do povo”, de Dalmo de
Abreu Dallari, que discute a implantação da pena de morte no Brasil, mais precisamente dos
problemas que ocorreriam na escolha do “carrasco”.
O outro texto, “Neblina é uma inimiga no caminho dos motoristas”, é um texto
informativo e “menos aberto”. Trata de problemas causados pela neblina, aponta alguns locais
no estado de São Paulo onde ela é mais comum e faz orientações aos motoristas no sentido de
como lidar com o fenômeno.
A aplicação dos testes tem por objetivo fazer o aluno mostrar para o pesquisador o
produto de sua leitura. É necessário captar esse produto e fazer uma análise destes dados para
entender os processos que levaram à leitura, em seus diversos níveis.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, Maria Aparecida. e FERREIRA, Givan. Falando a mesma língua: português: 7ª


série. São Paulo: FTD, 1994.

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3- BISOGNIN, Tadeu Rossato. Descoberta e Construção: 5ª série. São Paulo:                    FTD,


1991.

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5- DUCROT, Oswald. O dizer e o dito. Campinas: Pontes, 1987.

6- ECO, Umberto. Lector in fabula – A cooperação interpretativa nos textos narrativos. São
Paulo: Perspectiva, 1986.

7- FARACO e MOURA. Linguagem nova: 8ª série. 2. ed. São Paulo: Ática,


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8- KLEIMAN, Angela. TEXTO E LEITOR. 2. ed. Campinas: Pontes, 1989.

9- _______________. Oficina de Leitura: teoria e prática. Campinas: Pontes, 1993.


    
10- MARCUSCHI, Luiz Antônio. Contextualização e explicitude na relação entre fala e
escrita. ANAIS do I Encontro Nacional sobre Língua Falada e Ensino. Universidade Federal
de Alagoas, 1994.

11- MORAES, Lídia Maria de, e ANDRADE, Maria. Mundo Mágico – língua portuguesa –
livro 2. São Paulo: Ática, 1990.     

12- NERY, Alfredina., VIEIRA, Márcia Regina Choueri, e AMARAL, Suely Aparecida. Ponto
e contraponto, português: homem – ser social. São Paulo: Ed. do Brasil, 1990.

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13- ORLANDI, Eni Pulcinelli. Discurso e leitura. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1993.
  
14- PRATES, Marilda. Reflexão e Ação: Língua Portuguesa: 6ª série. São Paulo: Ed. do
Brasil, 1984.
  
15- PRETORIUS, Elizabeth J.. A profile of causal development amongst ten-years-olds:
Implications for reading and writing. In: Reading and Writing: An Interdisciplinary Journal 8:
385-406, 1996.

16- RICHE, Rosa Cuba e SOUZA, Denise M. Oficina de Textos: 4. São Paulo:    Saraiva,
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17- RUPLEY, William H. e WILLSON, Victor L. . Content, domain, and word knowledge:
Relationship to comprehension of narrative and expository text. In: Reading and Writing: An
Interdisciplinary Journal 8: 419-432, 1996.

18- SAVIOLI, Francisco Platão e FIORIN, José Luiz. Para entender o texto: leitura e redação.
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19- SCOTT, M. Lendo nas entrelinhas. In: Ilha do Desterro. Florianópolis. n. 13. p. 101-123,
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20- SMITH, Frank. Compreendendo a leitura: uma análise psicolinguística da leitura e do


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21- TESOTO, Lídio. e DISCINI, Norma. Novo texto e contexto: São Paulo: Ed. do Brasil,
1994.
     
22- TUFANO, Douglas. Curso Moderno de Língua Portuguesa: primeiro grau:
7ª série. 2. ed. São Paulo: Moderna, 1991.

23- VAN DIJK, Teun A. In: STAMENOV, Maxim. Cognition and Consciousness. Amsterdam:
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24- _________________. In: VAN OOSTENDORP, Herre. e GOLDMAN, Susan (Eds). The
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