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A LINGUAGEM POÉTICA EM HAMLET

Cecy Barbosa Campos

A linguagem como meio de expressão teatral. Efeitos da ação, desempenho e linguagem sobre o espectador.
Símiles, metáforas, personificações e imagens na manifestação do pensamento e sentimento. A importância de
trocadilhos e palavras de duplo-sentido dentro do contexto. A linguagem poética complementando a sugestão
visual e a atmosfera emocional.

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Mestre em Teoria da Literatura
Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora
UFJF (aposentada)
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A LINGUAGEM POÉTICA EM HAMLET

A genialidade de Shakespeare tem sido louvada através dos tempos, tanto em relação ao
desenvolvimento dos temas abordados, quanto à sua capacidade de desencadeamento da ação ou à habilidade de
atingir a vários tipos de audiência, aliados ao emprego adequado dos recursos cênicos de que dispunha na época.
Entretanto, é no uso da linguagem como meio de expressão teatral que reside seu
maior valor tornando-o uma figura proeminente não só na literatura inglesa mas na literatura
mundial.
Shakespeare foi capaz de através de símbolos, metáforas, imagens e personificações
crirar uma complexa expressão do pensamento, manipulando a linguagem de modo a torná-la
agradável e sugestiva aos ouvidos dos mais e dos menos letrados. Com a palavra supria tudo
aquilo que a percepção visual não teria condições de suprir pela falta de iluminação artificial
ou deficiências do palco, transmitindo ao espectador a possibilidade de perceber todas as
nuances com a imaginação suscitada pela adequação da linguagem.
O dramaturgo deve pensar não apenas em termos da fala, pois o texto não existe por si
só. Há uma ligação que o situa dentro do conjunto do teatro. Assim, linguagem, ação e
desempenho de um grupo no palco interagem de modo a atingir a audiência. Shakespeare
esteve sempre atento a esta interação e através das figuras e imagens aliadas às propriedades
do som, ritmo e intonação, criava a atmosfera adequada à peça e ao envolvimento com o
espectador.
Na cena de abertura da peça Hamlet, Shakespeare faz com que a audiência entenda
que é noite e perceba o silêncio e a austeridade do momento. Na troca da guarda, Francisco
fala de seu período de trabalho, afirmando que nada se ouviu, “Not a mouse stirring” (1).
Passa, com estas palavras, a sensação de silêncio total onde até o movimento de um
camundongo seria percebido.
Outras figuras usadas por Shakespeare asseguram a intensidade da emoção e o
suspense criado pela aparição do fantasma. Ao incrédulo Horatio, Barnardo insiste contando o
que viu e pelo uso da catacrese, sugestiona o espectador: “And let us once again assail your
ears, / that are so fortified against our story. / What we have two nights seen.” (H, I, 1, p.33).
Na mesma cena, Barnardo fala sobre o momento da aparição do espectro, usando a
elisão ou sinalefa para obter o efeito acústico desejado: “When yon same star that`s westward
from the pole, / Had made his course t’illume that part of heaven.” (H, I, 1, p.33).
Criador de palavras. Shakespeare combina “climate” e “temperature”, na fala de
Horatio: “... Have heaven and earth together demonstrated / Unto our climatues and
countrymen.” (H, I, 1, p.39).
Os pássaros e aves em geral, representam papel significativo na obra shakespeariana,
seja pela sua música, forma ou colorido. O galo traz em si a metáfora militar. É a trombeta
que anuncia a manhã, com sonoridade límpida e penetrante: “The cock, that is the trumpet to
the morn, / Doth with his lofty and shrill sounding throat / Awake the good of day,” (H, I, 1,
p.41).
A poesia no drama contribui para o enriquecimento da emoção e tanto mais poética a
linguagem, mais dramática ela se torna. O verso pode chegar a sutilezas que passariam
despercebidas numa linha em prosa.
A cena 2 começa com Claudius falando sobre os últimos acontecimentos do reino. Em
jogo antinômico contrapõe imagens de otimismo e de pessimismo: “an auspicious and
dropping eye”, “funeral and marriage”, “delight and dole” (H, I, 2, p.45) e outras.
O rei menciona Fortinbras, o príncipe da Noruega, que, segundo Claudius, supõe estar
a Dinamarca “disjoint and out of frame” (H, I, 2, p.45), imagem que sugere algo fora do lugar,
com funcionamento precário. Tomando providências contra isto, o rei dá incumbências a
Cornelius e Voltemand, usando a figura da enálage ou transposição: “Giving to you no further
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personal power / To business with the king more than the scope / Of these delated articles
allow” (H, I, 2, p.45).
Ao se dirigir a Hamlet, o rei refere-se ao duplo parentesco que há entre os dois. O
príncipe replica: “A little more than a kin, and less than a kind” (H, I, 2, p.47), deixando clara
a incompatibilidade entre ambos. Esta conversa trocadilhesca continua até que Hamlet, ao ser
chamado de filho, responde: “I am too much i’ th’ sun” (H, I, 2, p.47), o que pode ser uma
reação ao fato de ter ficado exposto, sem abrigo, já que o trono lhe fora tomado.
As metáforas militares vão aparecer novamente na fala de Claudius quando procura,
junto com Gertrude, convencer o príncipe a reagir ao pesar pela morte do pai. Ele diz: “It
shows a will most incorrect to heaven, / A heart unfortified, a mind impatient”. (H, I, 2, p.47)
O primeiro grande solilóquio é rico em imagens que fluem naturalmente dos
acontecimentos que são narrados pelo príncipe. À carne poluída, manchada pelo incesto
materno, contrapõe a imagem do orvalho renascedor: "O that this too too solid flesh would
melt, / Thaw, and resolve itself into a dew.” (H, I, 2, p.51).
A degradação do homem, que é sobretudo de caráter moral, é apresentada pela
degradação fisica, pela doença, e se estende à degradação do mundo. As antíteses se
apresentam com frequência. O mundo é um jardim, mas de ervas daninhas, isto é, vil,
corrupto e vergonhoso: "Fie on't, ah, fie- 'tis an unweeded garden / That grows to seed."(H, I,
2, p.53). Hamlet não exclui nem a sua mãe, que é retratada em imagens de sensualidade e
amor físico: "Why she would hang on him / As if increase of appetite had grown / By what it
fed on". Continuando fala das falsas lágrimas da mãe que são imediatamente seguidas pela
alegria do casamento e exclama: O most wicked speed to post / With such dexterity to
incestuous sheets!" (H, I, 2, p.53 ).
O conhecimento que tinha Shakespeare, da mitologia grega, se evidencia em algumas
das imagens por ele escolhidas. O rei Hamlet é Hyperion e tambem Hércules, contrastando
com Claudius que é uma Sátiro, companheiro de Dionisius, deus do vinho e dos prazeres
carnais. A rainha, pelas lágrimas copiosas que chorou, é comparada a Níobe, rainha de Tebas.
Deste solilóquio, tornou-se f amosa a frase: "Frailty, thy name i s woman - " (H, I, 2, p.53).
Horatio visita Hamlet e diz ter vindo a Elsinore para os funerais. Sarcasticamente, o
príncipe responde que ele poderia ter vindo para as bodas, já que foram tão próximas que o
banquete de um foi servido no outro: "The funeral baked meats / Did coldly furnish forth the
marriage tables" (H, I, 2, p.55). 0 alimento se apresenta, muitas vezes, como a imagem da
podridão, neste mundo corrupto que tudo contamina.
A terceira cena é toda constituída de preceitos e conselhos, de Laertes para a irmã, de
Polonius para Laertes e de Polonius para Ophelia. Todos eles prescrevem, minuciosamente,
atitudes a serem tomadas, caracterizando a figura de retórica denominada diatipose, que
consiste na representação de um acontecimento e suas consequências. Dentro destes preceitos
encontram-se diversas metáforas, como quando Laertes compara a afeição de Hamlet por
Ophelia a uma violeta: "A violet in the youth of primy nature, / Forward, not permanent;
sweet, not lasting, / The perfume and suppliance of a minute, / No more." (H, I, 3, p.61).
Na cena 4 dá-se o encontro de Hamlet com o espectro e daí surge o silogismo
disjuntivo. O espectro é um espírito de luz ou é um demônio. Se é um anjo, traz aragens
celestiais e tem intenções caridosas, logo, não virão com ele os malefícios do inferno: "Be
thou a spirit of health or goblin damned, / Bring with thee airs from heaven or blasts from hell
/ Be thy intents wicked or charitahle," (H, I, 4, p.73).
A imagística referente a animais, que já aparecera anteriormente, vai reaparecer aqui,
reforçando a idéia de pavor que causaria ao jovem o conhecimento dos males do purgatório:
"... each particular hair to stand on end / Like quills upon the fretful porpentine." (H, I, 5,
p.79). Tambem reaparecem as imagens relativas a pássaros, como na afirmação de Hamlet
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sobre a rapidez com que pretende agir, "with wings as swift / As meditation or the thoughts of
love, / May sweep to my revenge" (H, I, 5, p.79).
Claudius é identificado com a serpente que representa a dissimulação pois é aquela
que muda várias peles, assumindo diferentes aspectos. Em sua forma ofídica atinge a
Dinamarca como a um corpo humano, envenenando todos os seus órgãos. A descrição do
crime apresenta uma imagem que aparece vigorosamente por toda a peça: a doença que se
propaga por todo o corpo. O organismo saudável que é destruído de dentro para fora, sem
oportunidade de se defender, é o reino da Dinamarca, destruído pelo veneno da corrupção.
Este nrocesso de destruição torna-se o "leit-motif" da imagística e é bem exemplificado neste
trecho:

      A serpent stung me; so the whole ear of Denmark


      Is by a forged process of my death
      Rankly abused. But know, thou noble youtht
      The serpent that did sting thy father's life
      Now wears his crown.
                                                                                                      (H, I, 5, p.79)
As divergências entre as concepções filosóficas da época levam à hesitação quanto à
natureza do espectro, o que explica as mudanças na linguagem usada por Hamlet ao se dirigir
ao espírito do Rei, seu pai. A cerimônia respeitosa em alguns momentos passa a zombaria, o
que reflete o estado de confusão do príncipe que às vezes chega a pensar estar na presença de
um ser do mal, dirigindo-se a ele por epítetos desrespeitosos como, "truepenny", "old mole",
"boy".
A dúvida na compreensão do fenômeno leva Hamlet a fazer esta ponderação: "There
are more things in heaven and earth, Horatio, / Than are dreamt of in your philosophy." (H. I.
5, p.89).
A cena termina com Hamlet meditando sobre a certeza de que o reino vai mal e que
nada está no lugar certo, reforçando a imagem daquilo que está desajustado "out of joint", e
que aparecera na cena 2.
No segundo ato, a espionagem é geral. Hamlet espiona o rei e vice-versa. Polonius
espiona Hamlet e manda espionar Laertes. Claudius incumbe Guildenstern e Rosencrantz de
espionarem o príncipe.
Enquanto espera o momento adequado para vingar o pai, Hamlet faz-se passar por
louco, e as imagens que usa não são entendidas por aqueles que o cercam, atribuindo-as à sua
mente insana.
O espectador, ciente de que o príncipe fingiria loucura a fim de confirmar a verdade do
crime e matar o rei, cumprindo a determinação do espectro, compartilha ativamente da
emoção de Hamlet, identi.ficando-se com ele
Ophelia, impressionada com o estado de desalinho e incoerência de Hamlet, conta ao
pai sobre um estranho encontro que teve com o príncipe. Polonius chega.à conclusao que o
jovem enlouqueceu em virtude de seu amor por Ophelia não ter sido correspondido. Usando
redundâncias e figuras de repetição, diz ao rei o que pensa sobre a loucura do príncipe.
De acordo com o casal real, Polonius decide-se a usar Ophelia como isca, para provar
sua tese de que a loucu ra do príncipe é proveniente do amor não correspondido. O trio ignora
a presença de Hamlet, que a tudo escutara, e por isso não entende as expressões insultuosas do
príncipe para com a moça e também alusões que faz ao pai dela, como ao chamá-lo de
“fishmonger", palavra que, com conotação sexual inverte a situação de Polonius, não mais o
guardião das virtudes da filha, mas aquele que é capaz de negociá-la para atender às
finalidades do rei.
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Decadência, corrupção e sexualidade continuam a manter a linha imagística da peça,


com os jogos de palavras e o duplo sentido aparecendo com frequência.
A natureza e a essência das coisas preocupam Shakespeare. Pelas palavras de
Guildenstern o autor chama a atenção para o contraste entre o sonho e substância: "For the
very substance of the ambitious is merely the shadow of a dream" (H, II, 2, p.117).
Demonstrando seu pessimismo em relação ao mundo, Hamlet compara-o a um promontório estéril
envolto em vapores pestilentos e através de antíteses fala no homem como modelo de perfeição pela sua
capacidade intelectual, ressaltando entretanto, que só o intelecto não é o bastante:

      "... it goes so heavily with my disposition that this goodly frame the earth seems to
me a sterile promontory. (...) it appeareth no other thing than a foul and pestilent
congregation of vapours. What a piece of work is a man. How noble in reason, how
infinite in faculties. (...) Man delights not me - no, nor woman neither."
                                                                                                                              (H, II, 2, p.120-121)

Além das alusões referentes à mitologia grega, Shakespeare sempre no momento


adequado, vai usando seus conhecimentos de história, religião, etc. Polonius vai ser chamado
de Jephthah por Hamlet, visto que, como o velho está disposto a usar a própria filha na trama
idealizada para descobrir a veracidade ou mnentira da loucura do príncipe, é comparável ao
juiz de Israel que sacrificou a própria filha.
O estado emocional de Hamlet é muitas vezes demonstrado pela quebra do metro ou
pela escolha de assonâncias e aliterações que vão demonstrar desgosto ou decisão do
personagem, como em "I should    'a fatted all the region kites /    With this slave's offal.
Bloody, bawdy villain. / Remorseless, treacherous, lecherous kindless villain." (H, II, 2,
p.137).
No terceiro ato já está evidente que o rei teme a loucura de Hamlet e propõe-se a
vigiá-lo mais intensamente. Apesar disto, os planos do príncipe de apresentar uma peça
semelhante ao fato real, dão resultado e Claudius cai na "ratoeira". Confirmando-se o que
disse o espectro, resta agora a vingança.
Na cena 1 do ato III, tem relevo o solilóquio em que Hamlet expressa alternativas,
demonstrando o conflito mental em que se encontra buscando uma conclusão a respeito do
Ser (a essência, imaterial, eterna e imutável) e o não-Ser (material, substituível, mutável e
transitório).
O príncipe já não sabe se deve lutar ou entregar-se, passivamente, à adversidade.
Pensa na morte: "To die, to sleep, no more", e dormindo "-perchance to dream" (H, III, 1,
p.143).
Os solilóquios são de grande importância para a peça. Sua finalidade principal é
“envolver o espectador diretamente, desafiá-lo frente a frente, para concordar ou discordar:
são um lembrete de tudo que está em andamento na peça. No solilóquio acima citado, a
angústia é o sentimento predominante. O ritmo pausado reflete o questionamento e o fluxo
dos pensamentos de Hamlet. A poesia shakespeariana cumpre bem a sua função dramática de
atingir o imaginário da audiência, estimulá-lo e criar a atmosfera emocional necessária para
suprir as deficiências de recursos cênicos. Os "olhos da mente” tornam-se, sob o estímulo da
linguagem poética, capazes de enxergar o que falta em percepção visual concreta.
A cena 2 tem início com o príncipe discorrendo sobre teatro, interpretação e a
finalidade da arte, aconselhando moderação e naturalidade nos gestos "For anything so
o’erdone is from the purpose of playing" (H, III, 2, p.153).
Antes de começar a encenação Hamlet conversa com Horatio, falando de seu horror à
bajulação, subserviência e falsidade, usando várias imagens para representá-las. Refere-se
com desprezo àqueles facilmente manejáveis que esquecem "That they are not a pipe for
Fortune`s finger / To sound what stop she please". (H, III, 2, p.155). Explica-lhe que pretende
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comprovar a culpa de Claudius através de sua reação à peça e pede-lhe que se mantenha
observando o rei. Pela figura denominada metalepse estabelece uma relação de antecedente e
consequente. Isto é, o efeito presente (resultado da encenação) definirá a causa remota e daí
ficará claro se o rei é culpado ou se o espectro é demoníaco e mentiu. Na proposição
hipotética, muitas vezes se declara um importante problema do enredo: "If his occulted guilt /
Do not itself unkennel in one speech, / It is a damned ghost that we have seen", (H, III, 2,
p.157).     
Observe-se que neste mesmo trecho aparece mais uma vez a imagística referente a
animais. Para expressar a probabilidade da culpa do rei aparecer, Hamlet usa “unkennel”,
equivalente a “sair do canil". A personificação do mal, sob a forma de animais,
principalmente, de cães, é muito frequente em Shakespeare.
A reação de Claudius no decorrer da peça é de evidente auto acusação, o que justifica
o fato de Hamlet ter se referido à peça como se o título fosse The Mouse-trap em vez de The
Murder of Gonzago.
Cônscio de que Hamlet o considera culpado, Claudius toma providências para se livrar
do príncipe. Conversa com Rosencrantz sobre a necessidade de enviar o príncipe a Inglaterra,
afastando-o da Dinamarca por considerar sua loucura prejudicial ao reino. As imagens
representativas de queda reaparecem e constituem um significativo prenúncio de desgraça:

      -...The cease of majesty


      Dies not alone, but like a gulf doth draw
      What's near it with it. It is a massy wheel,
      Fixed. on the summit of the highest mount,
      To whose huge spokes ten thousand lesser things
      Are mortised and adjoined; which when it falls,
      Each small annexment, petty consequence,
      Attends the boist'rous ruin.
                                                                  (H, III, 3, p,l79)

A força poética de Shakespeare aumenta quando ele leva uma palavra, mais
frequentemente verbo ou adjetivo, de sua aplicação própria para outra, numa metáfora
implicada a que chamamos de catacrese: "For we will fetters put about this fear / Which now
goes to freefooted" (H, III, 3, p.l79).
Usando termos legais - process, warrant, tax, audience, numa forma metafórica,
Polonius combina com o rei espionar a conversa da rainha com Hamlet. Percepções olfativas,
gustativas e auditivas também são muito usadas pelos personagens da peça, como quando o
rei, num breve momento de arrependimento, reflet,e: "O, my offense is rank, it smells to
heaven.” (H, III, 3, p.181)
Wolfgang Clemen nota que as imagens usadas por Hamlet são mais espontâneas
enquanto que as usad.as por Claudius são mais elaboradas, dando um tom acentuadamente
formal às falas do rei. Isto vai ajudar a cercá-lo de uma aura de falsidade bastante adequada ao
seu caráter .
A imagem do sangue que mancha as mãos do criminoso aparece geralmente seguida
pela imagem de limpeza transmitida pela água, que sob diferentes formas, é sempre um
símbolo de purificação. É o que acontece quando o atormentado Claudius clama:

      ... What if this cursed hand


      Were thicker than itself with brother`s blood?
      Is there not rain enough in the sweet heavens
      To vaash it white as snow?
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                                                                                                                  (H. III, 3, p.181)

A angústia do rei por compreender a vileza de seus crimes e ao mesmo tempo querer
usufruir daquilo que conseguiu, o poder e a rainha, aumentam o seu conflito. Sabe que o
arrependimento e o perdão não são para ele e em sua aflição usa a imagem do pássaro cativo
na agonia de se debater tentando permanecer livre, enquanto ajoelha-se para tentar rezar:

      O wretched state. O bosom black as death.


      O limed soul that struggling to be free
      Art more engaged! Help, angels. Make assay.
      Bow stubborn knees, and heart with strings of steel
      Be soft as sinews of the new born babe.
      All may be well.
                                                                  (H, III, 3, p,183)

Hamlet vendo o rei ajoelhado, supõe-no arrependido, o que equivaleria à sua salvação
se fosse morto naquele momento e assim a vingança é adiada pela prece salvadora.
Indo aos aposentos da rainha, o príncipe procura despertar-lhe a consciência para seus
erros. Algo se move atrás da cortina, e num impulso, Hamlet atinge o espião e o mata.
Identificando o velho conselheiro Polonius, lamenta que não fosse alguém de mais
importância, e logo esquece a sangrenta ação.
Quando a rainha pergunta o que fez para ser tão censurada, Hamlet mantém a linha
imagística pela qual um tumor é indicativo de degradação moral e como fez anteriormente em
conversa com Ophelia, vai por meio de antíteses, contrapor castidade X depravação.
Esta conversa faz com que Gertrude se conscientize do pecado. Hamlet fala na
corrupção e na imoralidade representando-as pela imagem da úlcera corrosiva que vai se
propagando por todo o corpo ou pela erva daninha que destrói o terreno no qual lança raízes.
Esta é sua visão do mundo.
O ato V consta de sete pequenas cenas que serão abordadas em conjunto. Várias
imagens se repetem estabelecendo uma ligação que lhes dá unidade. A imagística relativa a
doenças aparece novamente neste ato, seja enunciada por Claudius referindo-se a Hamlet ou
pelo príncipe falando da doença da ambição que ele observa não só em seu caso pessoal como
pela maneira como atinge a humanidade, com os homens se destruindo e as nações se
devorando umas às outras. Daí, sua hesitação quanto à natureza do homem que o leva a
perguntar: "... What is a man, / If the chief good and market of his time / Be but to sleep and
feed? A beast, no more" (H, IV, 4, p.213). Neste solilóquio ele se refere ao passado e ao
futuro, à sua dilação em cumprir as ordens do espectro e à sua determinacao de vingança.
Neste momento Hamlet se acha a caminho da Inglaterra, retornando contra a vontade do rei e
disposto a cumprir seus sangrentos desígnios: "... O, from th.is time forth, / My thoughts be
bloody, or be nothing worth." (H, IV, 5, p.215)
Gertrude, tocada pela censura do filho mostra seu arrependimento falando de sua alma
doente e retratando seus temores por meio de fatos cotidianos, às vezes por meio de
provérbios.
Ophelia, atingida pela morte do pai, enlouquece. Em canções desconexas fala sobre
Polonius e sobre um amor perdido. Claudius, referindo-se à insanidade diz que, o homem fora
da razão se reduz a meio animal: "Divided from herself and her fair judgement, / Without the
which we are pictures, or mere beasts." (H, IV, 5, p.223)
Laertes, ao saber da morte do pai, retorna da França e, conseguindo aliados, insufla a
revolução e pensa em matar o rei para se vingar até saber que não era ele o culpado. A rainha,
revoltada com a atitude de Laertes e seu bando, chama-os de "Danish dogs", mantendo a
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imagem do cão, como símbolo teriomorfo, em oposição ao cão doméstico, isto é, com
valorização negativa e considerado devorador do tempo humano,
Ao presenciar a loucura de 0phelia, Laertes faz um discurso em que o uso excessivo
de apóstrofes dá um tom de insinceridade, não deixando que a emoção se transmita ao
espectador. Depois, com uma pergunta retórica afirma o absurdo da perda da razão. A
afirmação através da pergunta ganha em vivacidade e é isto que acontece quando ele diz: "O
heavens! isn't possible a young maid's wits / Should be as mortal as an old man's life?” (H, IV,
5, p.229).
Inquirido a respeito de sua não reação contra o crime de Hamlet, Claudius explica a
Laertes que sua atitude era justificada por dois motivos: em consideração à rainha e devido ao
grande afeto que o povo devotava ao príncipe e que poderia causar uma reação contra si
mesmo:

      .. the great love the general gender bear him,


      Who, dipping all his faults in their affection,
      Work like the spring that turneth wood to stone,
      Convert his gyves to graces. So that my arrows,
      Too lightly timbered for so loud a wind,
      Would have reverted to my bow again,
      And not where I have aimed them.   
                                                                                                (H, IV, 7, p.237)

A concepção elizabetana do sol, planetas e estrelas movendo-se em torno da terra,


aparece várias vezes na imagística de Shakespeare, principalmente indicando perturbações ou
desastres.   
Recebendo notícias sobre a volta de Hamlet, Claudius planeja matá-lo, escolhendo o
veneno que se espalha e toma conta de todo o organismo.
O quarto ato termina com a notícia da morte de Ophelia, que envolta em flores busca
na água o descanso de sua alma atormentada.
No ato V, Hamlet volta à Dinamarca. No cemitério faz suposições sobre as caveiras e,
indiretamente, refere-se a Claudius. Filosofa sobre a morte, que torna a todos iguais.
Na conversa dos coveiros aparecem várias figuras, como o equívoco, que é o uso de
um termo médio com dois sentidos diferentes. É o que acontece com "arms":

      1st clown – There is no anciente gentlemen but gard`ners, ditchers, and


gravemakers.
                                                                  They hold up Adam`s profession.
      2nd clown - Was he a gentleman?
      lst clown - He was the first that ever bore arms.
      2nd clown - Why, he had one.
      lst clown - What, art a heathen? How dost thou understand the Scripture? The
                                        Scripture says Adam digged. Could he dig wihtout arms?
                                                                                      (H, V, l, p.251)

No cemitério, Hamlet é surpreendido pelo enterro de Ophelia. Laertes, revoltado


porque não foi feita a encomendação da alma, vê no sacerdote um animal que uiva: "A
minist`ring angel shall my sister be / When thou liest howling". (H ,V, l, p.265),
Tomando conhecimento da presença de Hamlet, Laertes agride-o, verbal e fisicamente.
Hamlet demonstra profundo sentimento pela morte da amada, mas ironiza o irmão da jovem,
pois a dor não requer estardalhaço e pergunta-lhe o que fará: "Woo't weep, woo't fight, woo't
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fast, woo't tear thyself, / Woo't drink up eisel, eat a crocodile?". (H, V, 1, p.267) e suas
palavras finais "Let Hercules himself do what he may, / The cat will mew, and dog will have
his day". (H, V, l, p.269), vem confirmar suas palavras, da cena 1, sobre a igualdade do ser
humano, independentemente de sua condição.
Hamlet conta a Horatio o destino de Rosencrantz e Guildenstern, que levando-o de
encontro à Morte, tiveram a Morte ao seu encontro, refletindo sobre a inutilidade de nossas
intenções quando algo já esta traçado: "There's a divinity that shapes our ends, / Rough-hew
them how we will". (H, V, 2, p.269). Nesta reflexão filosófica, ele demonstra a crença em um
poder superior que define os nossos destinos.
Chega Osric, afetado cortesão, que fala em estilo empolado com vícios de linguagem e
redundâncias. Hamlet, propositadamente, fala no mesmo estilo, o que traz comicidade ao
diálogo: "Sir, his definement suffers no perdition in you; though, I know, to divide him
inventorially would dozy th'arithmetic of memory..." (H, V, 2, p.277), e zombeteiramente, diz-
lhe que pode transmitir sua mensagem ao rei, com palavras próprias: "To this effect, sir, after
what flourish your nature will". (H, V, 2, p.279). Em sua observação final, Hamlet compara
Osric às bolhas produzidae na fermentação da cerveja: têm bom aspecto mas nenhum
conteúdo: "a kind of yesty collection..." (H, V, 2. p.281).
No decorrer da peça, Hamlet tem sempre se mostrado capaz de pensamento e de ação,
alternadamente. Em seus momentos de reflexão, nos solilóquios, na peça dentro da peça é
admirável    o uso que o personagem faz da linguagem, mas a ação desenvolve-se lentamente.
Neste ato e, principalmente, nesta cena, a ação sobrepuja as palavras.
Claudius tramando a morte de Hamlet combina com Laertes de modo que este fique
com uma espada envenenada. Assim, certamente, o príncipe será ferido mortalmente. Além
disto coloca poderoso veneno na taça de vinho destinada a Hamlet. Ao mesmo tempo
incentiva sua vítima à luta usando várias imagens militares: "... And let the kettle to the
trumpet speak, / The trumpet to the cannoneer without, / The cannons to the heavens, the
heaven to earth," (H, V, 2.p.270).
Tendo sido ferido por sua própria espada, I.aertes se considera "a woodcock", a mais
estúpida das aves, pois como diz "I am justly killed with mine owm treachery". A ação parece
voltar-se contra aquele que a planeja e é isto que Laertes reforça mais uma vez: "The foul
practice / Hath turned itself on me," (H, V, 2, p.291). O mesmo acontece com Claudius que foi
obrigado a beber do veneno que preparou além de ser ferido pela espada que foi envenenada
por ele mesmo.
Hamlet, também ferido e prestes a morrer, recomenda a Horatio que esclareça os fatos
para que seu nome não fique manchado e escolhe Fortinbras para seu sucessor. Naquele
momento já se ouve o barulho das tropas e o príncipe da Noruega entra em cena. Reconhece-
se com direitos sobre o trono e, numa homenagem àquele que não foi, mas que, de direito,
deveria ter sido o rei da Dinamarca, ordena que Hamlet seja enterrado com honras militares:

                              Let four captains


      Bear Hamlet like a soldier to the stage;
      For he was likely, had he been put on,
      To have proved most royal; and for his passage
      The soldier's music and the rite of war
      Speak loudly for him.
      Take up the bodies. Such a sight as this
      Becomes the field, but here shows much amiss.
    Go, bid the soldiers shoot.
                                                                                    (H, V, 2, p.292)
10

Com o cumprimento da determinação de Fortinbras, ouve-se uma salva de canhões ao


som da marcha fúnebre; o aparato militar que marca o término de uma ordem,
simultaneamente    marca o nascimento de outra ordem que a substitui.
Shakespeare conseguiu através do uso da língua atingir o nível máximo de beleza e
perfeição da obra de arte. O brilho da linguagem poética shakespeariana é rnarcante em suas
peças e especialmente chamamos atenção para a maneira como ela foi usada em Hamlet.
As imagens vistas individualmente, podem não parecer tão importantes mas, em sua totalidade,
contribuem consideravelmente para criar a atmosfera e o clima emocional adequados, pois é dentro do contexto
que a imagística adquire sentido, complexidade e força. Daí vem seu magnetismo, que se projeta do innterior
para o exterior, atingindo o espectador, não só pelo dito, mas pela riqueza de significado que encerra. Mais do
que isto, as imagens são revelação do homem;    são elas que lhe desvelam o Ser, muito mais que uma
autobiografia.
Através de imagiítica sustentada, Shakespeare mantém a coerência da peça,
obedecendo a uma imagem principal de doenças (úlcera, tumores, câncer), que se liga a outras
com elas estreitamente relacionadas (sujeira, podridão, esterilidade). Esta conexão vai
representar a corrupção que grassava nao só na Dinamarca, mas no mundo e cria o clima
adequado, de pessimismo em relação ao Homem.
A peça é em prosa e em verso, sendo que a linguagem poética a atinge em toda sua
extensão. As belas sonoridades, os floreios sofisticados, as sutilezas e as indiretas, os
trocadilhos e duplos-sentidos tornam muitas vezes difícil o alcance da verdade, tanto para os
personagens entre si como para o espectador. Esta dificuldade atende ao objetivo do autor de
passar a atmosfera de intriga e dissimulação que existe no enredo.
Os textos shakespearianos são textos poéticos dos quais grande parte tem validade
também fora do contexto teatral. Entretanto, na peça encenada, a poesia reforça a
dramaticidade e estende o âmbito e o poder do significado, atingindo a mente da audiência de
maneira a criar sentimentos e emoções que de outra forma seriam inatingíveis.

BIBLIOGRAFIA
11

CLEMEN, Wolfang. The deveopment of Shakespeare`s imagery. London: Methuen,


            1951.
DURAND, Gilbert. Les structures anthropologiques de l`imaginaire. Paris: Bordas, 1973.
JOSEPH, Sister Mirian. Shakespeare`s use of the arts of language. New York: Columbia
            University Press, 1949.
SHAKESPEARE, William. Hamlet. London: Macmillan, 1975.
SPURGEON, Caroline. The Shakespeare`s imagery. London: Cambridge University
            Press, 1949.
STYAN, J. L. Drama, stage and audience. London: Cambridge University Press, 1975.

NOTAS
12

(1) SHAKESPEARE, William. (1975) p.31. A partir daqui, todas as citações desta peça
                      serão indicadas no próprio trabalho, pela abreviatura H, seguida da indicação do
                      ato, cena e número da página.

(2) STYAN, J.L. (1975) p.153.

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