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O aluno universitário: aprender a

auto-regular a aprendizagem sustentada por


dispositivos participativos

Ana Margarida Veiga Simão*


Maria Assunção Flores**

Resumo:
Neste artigo apresentam-se dados de dois estudos de caso realizados em duas universi-
dades no sentido de analisar e compreender as implicações de dois processos de forma-
ção sustentados por dispositivos participativos integrados no processo de ensino/aprendi-
zagem: um utilizando o portfolio, outro recorrendo ao ensino/aprendizagem baseado em
projectos. Aprendizagem activa e cíclica que se desenvolve em três fases principais –
prévia, realização/controlo volitivo e auto-reflexão –, desenvolvimento de competências
(disciplinares mas também transversais), trabalho em equipa e articulação universidade/
contexto profissional são alguns dos eixos norteadores dos referidos dispositivos. Os
dados preliminares sugerem uma melhor compreensão do ensino e da aprendizagem em
contexto universitário, nomeadamente em termos de processos e resultados de aprendi-
zagem, de competências desenvolvidas e de mudanças quer conceptuais, quer atitudinais.
Neste artigo, discutimos as percepções dos estudantes face aos dispositivos, os factores
que contribuem para o envolvimento activo dos alunos e as variáveis que contribuem para
a sua utilização efectiva.

Palavras-chave: Ensino Superior. Portfolio. Projecto. Aprendizagem auto-regulada.

Introdução

A Universidade para os tempos modernos deve ser capaz de desen-


volver competências humanas, cognitivas, pessoais e interpessoais
(Barnett, 1997). Para tal, salienta o autor, é necessária a adopção de um
padrão educativo de Universidade que se aproxime do exame, contínuo e

* Professora Auxiliar na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade


de Lisboa, - ana.simao@fpce.ul.pt
** Professora Auxiliar no Instituto de Educação e Psicologia Universidade do Minho,
Portugal. aflores@iep.uminho.pt
252 Ciênc. let., Porto Alegre, n.40, p.252-270, jul./dez. 2006
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sistemático, da (re) construção do “self”, da sociedade e da cultura, nos
quais estejam incluídos os nossos meios de conhecimento e compreensão
do mundo relativamente a nós próprios e aos outros, bem como à forma
como agimos sobre ele. É, portanto, uma educação para o advir em toda a
acepção do termo, que se exige numa formação universitária, que permite
activar e desenvolver meta-competências do conhecimento, da auto-com-
preensão e de comunicação com o mundo incognoscível.
Qualquer agenda educativa universitária deve, segundo Levine
(1989), ter presente quatro dimensões: a) providenciar as competências e
os conhecimentos necessários para viver no nosso mundo, que inclui não
só a educação de competências básicas, mas também uma educação que
enfatize a aprendizagem partilhada, que realce temas relacionados com
valores e éticas e que promova e desenvolva verdadeiramente o pensa-
mento “crítico”, a “criatividade” e a “continuidade” na aprendizagem; b)
dar esperança, ajudando os estudantes a confrontarem-se consigo pró-
prios; c) orientar para a responsabilidade e d) fornecer aos alunos um
sentimento de confiança e eficácia, conduzindo-os à identidade, à autono-
mia, à tomada de decisão, à regulação e à diferenciação das suas atitudes,
procedimentos, pensamentos, etc.
A este respeito, surge uma questão central que se prende com a
necessidade de equilibrar duas realidades: o individualismo que, no ex-
tremo, significa isolamento, atomismo e solidão e a “comunalidade”, que
pode, no extremo, corresponder a massificação, sufocação e aniquilação.
Acreditamos que as práticas dos docentes universitários podem tentar
ajudar os jovens a encontrar o equilíbrio entre estas duas realidades.
Não é possível, hoje em dia, continuar a aceitar o papel do Ensino
Superior como um mero adicionador de conhecimentos teóricos e cientí-
ficos. Actualmente, concebe-se a aprendizagem como um processo activo,
cognitivo, construtivo, significativo, mediado e auto-regulado (Beltran,
1996). Para além da transmissão dos conhecimentos, o Ensino Superior
tem um papel no crescimento global dos estudantes desenvolvendo com-
petências que lhes permitam ter um papel activo e construtivo na apren-
dizagem.
Como salientam Lopes da Silva, Sá, e Veiga Simão (2006, no prelo)
“Os investigadores têm escolhido a aprendizagem em contexto escolar
como um dos principais campos de aplicação da auto-regulação, porque
se considera cada vez mais que os estudantes devem ser ensinados a
compreender e utilizar os recursos pessoais que lhes permitem reflectir
sobre as suas acções, exercer um maior controlo sobre os seus próprios
processos de aprendizagem e reforçar as suas competências para apren-
der; e que os professores, por sua vez, devem saber estimular nos seus
alunos uma utilização mais competente, eficaz e motivada dos processos
de aprendizagem e dos meios tecnológicos e culturais a que podem ter
acesso”.
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Os estudos sobre a auto-regulação da aprendizagem procuram in-
vestigar a interacção entre variáveis cognitivas, emocionais e volitivas
com os contextos socio-educativos (Zimmerman, 2000, Pintrich, 2000).
A auto-regulação da aprendizagem processa-se através de diferen-
tes fases e faz apelo a diferentes processos psicológicos (Pintrich, 2000;
Zimmerman, 2000). A maior parte dos teóricos da auto-regulação vê a
aprendizagem como um processo multidimensional, que abrange com-
ponentes pessoais (cognitivas e emocionais), comportamentais e
contextuais (Zimmerman, 1998) e como um processo aberto exigindo do
aprendente uma actividade cíclica que se desenvolve em três fases princi-
pais: prévia, realização ou controlo volitivo e auto-reflexão.
Em geral, os estudos (Corno, 2001; Weinstein, Husman e Dierking,
2000; Zimmerman 1998, 2000, 2001, 2002 in Montalvo e Torres, 2004)
assinalam as características que a seguir apresentamos como as que di-
ferenciam os alunos que auto-regulam a aprendizagem dos que não o
fazem. Assim, os primeiros: a) conhecem e sabem aplicar estratégias
cognitivas; b) sabem como planificar, controlar e dirigir os seus proces-
sos mentais para atingirem metas pessoais (metacognição); c) apresen-
tam um conjunto de crenças motivacionais e emocionais adaptativas,
tais como um alto sentido de auto-eficácia escolar, a adopção de metas de
aprendizagem, o desenvolvimento de emoções positivas perante as tare-
fas, assim como a capacidade para controlá-las e modificá-las, ajustan-
do-as aos requisitos da tarefa e da situação concreta de aprendizagem; d)
planificam e controlam o tempo e o esforço que vão utilizar nas tarefas e
sabem criar e estruturar ambientes favoráveis à aprendizagem; e) mos-
tram intenção, na medida em que o contexto lhes permita, em participar
no controle e regulação das tarefas escolares, no clima e na estrutura da
aula e f) mobilizam uma série de estratégias volitivas, orientadas para
evitar as distracções externas e internas no sentido de manter a concen-
tração, o esforço e a motivação durante a realização das tarefas escolares.
Muitas têm sido as intervenções para ajudar os estudantes a auto-
regularem a sua aprendizagem. Actualmente, os modelos de ensino des-
tacam a importância da prática auto-reflexiva, a aprendizagem
colaborativa e o scaffolding1. Uma outra preocupação é que a intervenção
nesta área seja realizada no ambiente natural utilizando tarefas autênti-
cas e contextualizadas, atendendo aos interesses e necessidades dos estu-
dantes, que lhes permitam generalizar o aprendido a situações da sua
vida pessoal, académica e social. Para tal é fundamental um “ensino que
favorece a autonomia de aprendizagem, entendendo autonomia como a

1
O conceito de scaffolding de Vygotsky que se pode traduzir por andaimar (a lembrar o
andaime que se usa na pintura de paredes exteriores) constitui um processo que fornece
ajudas, ou seja, proporciona apoio para se chegar mais longe.

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possibilidade que tem o estudante de auto-regular o seu processo de estu-
do e aprendizagem em função dos objectivos que persegue e das condi-
ções do contexto que determinam a consecução desses objectivos” (Veiga
Simão, 2004, p.82).
Tendo em atenção os pressupostos referidos, organizámos dois dis-
positivos integrados no processo de ensino/aprendizagem com o objectivo
de desenvolver nos estudantes ferramentas de comunicação intrapessoal
e interpessoal e contribuir para os ajudar a préfigurar as competências e
saberes úteis no universo profissional da sua licenciatura, no campo da
educação e da formação, incrementando o seu desenvolvimento contínuo
enquanto aprendentes.
Aprendizagem activa e cíclica que se desenvolve em três fases prin-
cipais – prévia, realização ou controlo volitivo e auto-reflexão –, desen-
volvimento de competências (disciplinares mas também transversais),
trabalho em equipa e articulação universidade/contexto profissional são
alguns dos eixos norteadores dos referidos dispositivos participativos.
Na figura 1 sintetizamos esses eixos norteadores.

Figura 1 Eixos norteadores dos dispositivos participativos

Articulação Atitude investigativa


universidade e estratégia de
contexto profissional resolução de problemas

Auto-interrogação Planear
Dispositivos monitorizar
metacognitiva participativos e reflectir

Ø
Desenvolvimento Auto-regulação Auto-reflexão
de Auto-avaliação
competências
(disciplinares
transversais) Cooperação

Aprendizagem
activa

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Uma das estratégias que privilegiámos foi a utilização de guias ou
guiões metacognitivos onde colocamos as interrogações mais relevantes
para que o estudante, ao formulá-las e através das suas decisões, alcance
o objectivo pretendido. O objectivo é auxiliar os alunos a construírem,
através da reflexão, os seus guias, adaptando-os às suas características
pessoais. Neste sentido, os primeiros guias/questionários servem de mo-
delos para a construção de outros de uma maneira personalizada e
contextualizada. A sua construção desenvolve-se através de um processo
de progressão.
Acreditamos que as mudanças passam, em grande parte, pela ca-
pacidade que a comunidade académica e todos os seus actores manifes-
tam para pensar, de forma crítica e reflexiva, as suas práticas e as formas
de as melhorar.
Neste artigo apresentam-se dados de dois estudos de caso realiza-
dos em duas universidades no sentido de analisar e compreender as im-
plicações de dois processos de formação sustentados por dispositivos
participativos integrados no processo de ensino/aprendizagem: a) Estu-
do 1 – Portfolio e b) Estudo 2 – Projecto.

Metodologia

O presente estudo decorreu em duas Universidades (de Lisboa e do


Minho) Os resultados apresentados neste artigo correspondem ao pri-
meiro momento de um projecto mais alargado num quadro metodológico
da investigação-acção. Pretendeu-se, assim, na primeira etapa do estudo
analisar as implicações de dois processos de formação sustentados por
dispositivos participativos integrados no processo de ensino/aprendiza-
gem, cujos objectivos principais consistiam em:

• Desenvolver ferramentas de comunicação intrapessoal e


interpessoal
– Visibilidade do processo de aprendizagem
– Discussão sobre a aprendizagem
– Fornecimento de feedback
• Contribuir para ajudar a préfigurar as competências e saberes
úteis no universo profissional da sua licenciatura, no campo da
educação e da formação
• Promover o desenvolvimento contínuo do estudante como
aprendente
– Incremento da reflexibilidade
– Estimulação da auto-regulação da aprendizagem

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Para concretizar os objectivos referenciados, utilizámos alguns
guias de apoio ao trabalho dos estudantes. Apresentamos, seguidamente,
exemplos desses instrumentos.
No estudo 1 utilizámos o portfolio. Os estudantes registaram a sua
trajectória de aprendizagem, todos os passos percorridos ao longo do seu
percurso de aprendizagem na disciplina como “uma espécie de filme onde
o processo de aprendizagem fica registado quase que com movimentos”,
incluindo “rotas alternativas de reflexão, comentários a partir de situa-
ções particulares, todas as que, afinal, são o somatório de experiências e
vivências dos indivíduos” (Pernigotti, Saenger, Goulart e Ávila, 2000, p.55).
Desta forma, o portfolio constituiu o instrumento de trabalho que permitiu
aos alunos analisarem, organizarem e explicitarem processos de apren-
dizagem de carácter diverso, desde conceitos científicos até conceitos mais
pessoais de natureza auto-reflexiva. Sendo um instrumento flexível per-
mitiu que cada estudante revelasse características mais autênticas e mais
autónomas no seu processo de aprendizagem, aumentando o seu nível de
auto-implicação. Deste modo, utilizámos o portfolio como estratégia de
auto-regulação da aprendizagem que permite ao aluno tornar-se mais
participativo, autónomo e motivado para a aprendizagem.
No estudo 2, os alunos foram convidados a realizar um Projecto
que consistia na construção (e fundamentação) de um dispositivo de for-
mação para um contexto profissional à escolha. Esta metodologia de ensi-
no-aprendizagem assume como vectores centrais o trabalho em equipa, a
integração de conhecimentos, competências, capacidades e atitudes, a
articulação com um problema real/contexto profissional, a natureza com-
plexa, aberta, global do trabalho pedagógico (fomentando a capacidade
de iniciativa, a autonomia e a criatividade dos estudantes, associadas à
definição progressiva das actividades e ao sentido de responsabilidade).
Neste contexto, surgiram três questões que pretendemos com este
estudo compreender:

• Quais são as percepções dos estudantes face aos dispositivos


portfolio e projecto?
• Quais são os factores que contribuem para o envolvimento activo
dos estudantes?
• Que variáveis contribuem para uma utilização efectiva destes
dispositivos?

Participantes

• Estudo 1
Os participantes sobre os quais incidiu este estudo são 55 estudan-
tes do 1º ano do Curso de Ciências da Educação, da UL, 51 do sexo femini-
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no e 4 do sexo masculino, tendo o dispositivo sido introduzido na disci-
plina de Práticas Educativas II.

• Estudo 2
Os participantes sobre os quais incidiu este estudo são 45 estudan-
tes do 4º ano da Licenciatura em Educação, da UM, 42 do sexo feminino e
3 do sexo masculino, tendo o dispositivo sido introduzido na disciplina
Desenho Curricular de Acções de Formação.

Procedimentos

No caso do Estudo 1, o portfolio foi construído ao longo da disciplina


de Práticas Educativas II, disciplina que visa introduzir os alunos no es-
tudo real das práticas em educação. Pretende-se que estes estudantes
universitários alarguem a amplitude da sua “visão” sobre o universo da
educação. Para tal contactam com práticas de licenciados em Ciências da
Educação, pois tal poderá contribuir para ajudar a préfigurar as compe-
tências e saberes úteis no universo profissional da sua licenciatura, no
campo da educação e da formação.
Para apoiar os estudantes na construção do portfolio promovendo a
tomada de decisão de acordo com as tarefas e atendendo ao contexto,
utilizámos um guia de interrogação metacognitiva em momentos críti-
cos do processo. Ao fornecermos guias de interrogação metacognitiva
pretendíamos desenvolver a observação sistemática, a classificação e a
identificação de uma forma orientada, como se se tratasse de um treino
de auto-instrução. Desta forma, utilizámos um guia onde colocámos as
interrogações mais relevantes para que o estudante, ao formulá-las e com
base nas suas decisões, alcance o objectivo pretendido. A reflexão, que
esta metodologia incentiva, leva por um lado, o estudante a uma melhor
compreensão, tomando consciência do que faz e para que faz, podendo
conduzir a mudanças no sentido do(s) objectivo(s) definidos, por outro,
pode funcionar como um feedback interno, que lhe permite auto-regular a
sua aprendizagem.

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Quadro 1 Guia de ajuda à planificação, concretização e
avaliação do portfolio

Fases da auto- Categoria Exemplos das questões


regulação

Antevisão Objectivo Para que serve construir um portfolio? (Pen-


sa sobre isso durante uns minutos) Quais
são os teus objectivos? Regista-os. Quais as
implicações desses objectivos? (na forma
como vais estruturar o portfolio, nas evidên-
cias a escolher...)
Planeamento Planificação Quais as competências de que quero dar
Estratégico conta no meu portfolio?Como o posso fazer?
O que decidi fazer? Quando? Como? Por-
quê? Para quê? Elaborei um plano? (registo
o plano)De que recursos disponho? (mate-
riais, pessoais,...)
Monitorização Tomada de Que decisões já tomei? Justifiquei-as? (ex-
Execução Decisão periências anteriores, interesse, adequação
ao projecto de turma,..) Por que quero apren-
der isto?
Conteúdos Fundamentei teoricamente o portfolio? Iden-
tifiquei os saberes percebidos como adqui-
ridos na licenciatura, no estágio e no local
de trabalho? Identifiquei as áreas e/ou os
espaços de intervenção dos licenciados?....
Testemunhos Quais são as evidências/testemunhos obri-
gatórios? (ficha de leitura, documento sínte-
se sobre um artigo, glossário de conceitos
fundamentais, análise dos debates, registo/
análise /reflexão sobre os diversos traba-
lhos realizados em situação de sala de aula,
reflexão final...) Quais as evidências/teste-
munhos da minha iniciativa? Registo-os. (Já
os concretizei? Justifiquei a sua inclusão?)
Tive dificuldades? Quais? Como as ultrapas-
sei? Gostei de as realizar? Porquê? O que
aprendi?...).
Controlo Tensões Quais os factores que estão a afectar a cons-
Volitivo trução do meu portfolio? (o tempo? a falta de
uma estrutura que guie a selecção e a refle-
xão? Estilos e valores de ensino?...). Identifi-
co quais são esses factores, analiso-os e re-
firo como os estou ou penso vir a ultrapas-
sar. Partilho as minhas dificuldades com os
meus colegas.
Reflexão Reflexão O que se pretende com a reflexão? Reflectir
Reacção sobre o quê? (processos de aprendizagem,
motivação, contextos das práticas dos licen-
ciados…) O que fiquei a saber? O que fiz
bem? Porquê? Como me sinto relativamen-
te ao meu desempenho? Qual o papel da
disciplina no curso?
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O portfolio constituiu o interlocutor do aluno onde este registou os
seus pensamentos em palavras de forma a mais tarde poder fazer a pas-
sagem das palavras a pensamentos. Quando o discurso é interiorizado, é
possível a auto-direcção, a auto-regulação do comportamento. O discur-
so interno estará na base dos sub-processos das fases da auto-regulação;
planeio antes, monitorizo durante e reflicto a seguir sobre a prática (Veiga
Simão, 2005).
No caso do estudo 2, estes princípios foram também tidos em con-
sideração, sobretudo nos momentos de monitorização e de desenvolvi-
mento dos projectos, nomeadamente no que refere às estratégias de
regulação da aprendizagem e de revisão, à introdução de ajustes no pla-
no de desenvolvimento do projecto e ao processo de concretização dos
projectos e de reflexão (a meio e no final de cada semestre). Aos alunos era
deixada a definição do plano de acção e de concretização dos projectos de
formação, em função das metas, dos recursos e dos timings existentes. A
monitorização semanal (realizada na aula teórico-prática) através de
registos descritivos e de fichas de auto-regulação do trabalho de grupo
tinha como principal objectivo estimular a reflexão sobre o trabalho de-
senvolvido de modo a melhorar o desempenho individual e da equipa,
bem como o produto final.
Os resultados que aqui apresentamos decorrem não só da análise
dos portfolios e dos projectos realizados pelos alunos em equipa ao longo
de um ano, mas também dos dados recolhidos nos momentos de
monitorização e de acompanhamento dos trabalhos. Os dados incluem
ainda a reflexão final elaborada, no caso dos projectos, por cada grupo de
alunos e a reflexão individual realizada no final do 1º e do 2º semestre e,
no caso dos portfolios, integrada ao longo do processo e no momento da
entrega, incidindo essencialmente sobre os seguintes aspectos: aprendi-
zagens realizadas, dúvidas e dificuldades surgidas e formas de supera-
ção, sugestões/estratégias de alteração (caso iniciasse o projecto ou o
portfolio novamente) e pontos mais fortes e menos conseguidos no âmbito
do projecto.

Resultados

Dado que uma das questões do estudo se prendia com a percepção


dos estudantes face aos dispositivos portfolio e projecto, sintetizamos no
quadro 2 as principais dimensões encontradas.

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Quadro 2 – Resultados:categorias emergentes

DIMENSÕES CATEGORIAS

Aprendizagens Pensar criticamente/ ReflectirTrabalhar


Realizadas em equipa Comunicar Ser crítico/
problematizador Auto-motivar-se
Conteúdos/conhecimentos científicos
Clarificação do perfil profissional
Seleccionar, analisar e interpretar a
informaçãoRegular a aprendizagem

Desenvolvimento de Selecção, análise e interpretação de


Competências informaçãoAuto-regulatórias
Investigação

Mudanças ao Nível Importância da reflexão sobre a


Conceptual e aprendizagemAlteração de formas de
Atitudinal pensar Forma de entender os conteúdos
Concepção do papel do aluno
(e do professor) no processo de ensino-
aprendizagem
Dúvidas e Aspectos ligados aos conteúdos (e
Dificuldades conhecimentos prévios)Articular teoria e
práticaConfrontar modelos e
perspectivas Gestão do trabalho da
equipa (reuniões, realização de tarefas)
Formas de Superação Leituras complementaresExercícios
das Dúvidas e realizados nas aulas teórico-práticas e
Dificuldades seu modo de organizaçãoDiscussão e
partilha no grupo Explicação, apoio e
acompanhamento da docente e dos pares

Uma análise cuidada dos seus registos revela a existência de vários


tipos de aprendizagens, que passamos a enunciar, através de extractos
que procuram exemplificar a natureza das mesmas.
No que diz respeito à dimensão “aprendizagens realizadas”, a gran-
de maioria dos estudantes diz ter aprendido a pensar criticamente/
reflectir. Nos seus discursos perpassa a ideia da reflexão como centro das
actividades de aprendizagem, da tomada de consciência, da tomada de
decisão e respectiva fundamentação: “Esta disciplina foi deveras impor-
tante para a minha formação pessoal e profissional. Permitiu-me ser mais
flexível, ser mais crítica e problematizadora.(A6); “Permitiu avaliar e
reflectir sobre o meu trabalho de forma mais cuidada”(B8);”Aprendi a
tomar decisões de forma mais consciente e a justificá-las teoricamente e
na minha experiência” (B9).
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O reconhecimento da importância do trabalho em equipa emergiu
claramente da análise dos registos dos estudantes ao enfatizarem a
interacção entre pares e com as professoras como fonte de conhecimento
e de motivação, como suporte no gerir conflitos e no confronto de pers-
pectivas. “Os debates com o grupo permitiram-me crescer e ver que as
pessoas têm pontos de vista diferentes e não menos válidos, que é neces-
sário ceder para que um grupo trabalhe num bom ambiente.” (A1); “Du-
rante este período aprendi a lidar com diferentes opiniões, a fundamen-
tar a minha e a aceitar a dos outros.”;”Aprendi a ouvir os colegas e opinar
de forma crítica e construtiva acerca da fundamentação que utilizam.”
(A5); “Aprendi que além do consenso em qualquer tipo de discussão ou
interacção é necessário que haja conflito e por vezes desacordo pois só
assim podemos ter em conta as opiniões e experiências dos outros”. (A4);
“Apesar do registo no portfolio ser pessoal o percurso de trabalho foi feito
a pares sempre com troca e partilha no grupo turma o que ajudou na
compreensão do que se pretendia” (B30); “Quer a professora quer os alu-
nos partilharam responsabilidades durante todo o processo confrontan-
do perspectivas o que nos levou a crescer” (B12).
A necessidade de comunicar o conhecimento através da escrita
(relatório do projecto, reflexões individuais) e da exposição oral (argu-
mentação...) foi valorizada pelos estudantes que afirmam: “Com este tra-
balho aprendi mesmo como se faz um projecto do início ao fim, o que para
mim foi muito enriquecedor”. (A5); “Escrever quer para dar conta do
caminho, das dificuldades, das aprendizagens quer para reflectir sobre
elas permitiu olhar a escrita como instrumento de aprendizagem e de
construção” (B25); “A responsabilidade de ajudar a avançar o outro aju-
dando-o a comunicar oralmente no grupo foi, sem dúvida, uma novidade
para mim” (B31);”Bom, a partir de agora sei que não posso mais argu-
mentar somente dizendo porque eu acho. Bem argumentar é uma tarefa
complexa” (B28).
Foram identificadas pelos estudantes aprendizagens de conheci-
mentos científicos/conteúdos em diversos domínios, complementares e
convergentes, para compreender situações, com relevância, sentido, apro-
priação, utilidade e transferência. Sublinham a utilidade e relevância das
aprendizagens, a conciliação entre a teoria e a prática e a aplicação práti-
ca dos conteúdos. “Eu aprendi muito, pois os conhecimentos que adquiri
nas aulas permitiram-me passar para a prática esses conhecimentos com
uma maior facilidade. No fim da realização deste trabalho posso dizer
que aprendi realmente a conciliar a teoria com a prática. “ (A1); “Aprendi
a articular sistematicamente os pressupostos teóricos que norteiam a
formação com o contexto real, aprendi que a formação é um processo
muito complexo, contextualizado que visa a transformação dos sujeitos
em formação, que ao desenhar uma acção de formação temos que seguir
um conjunto de etapas mais ou menos sistematizadas (...)” (A2);”Aprendi

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a conciliar a teoria com a prática, pois até então, embora as diversas
disciplinas englobassem a teoria e a prática dava-me sempre uma ideia
fragmentada, no entanto, com esta disciplina isto não sucedeu” (A3);”Com
a frequência desta disciplina, pude obter uma visão mais abrangente e
aprofundada de como pode ser construída a formação. Reconheci que o
processo de formação não é linear, é complexo e apresenta várias etapas.
Aprendi várias perspectivas de formação (...) e os vários pressupostos
teóricos que devem nortear a acção de formação, explicados de forma
profunda nas aulas teóricas.” (A4);”Aprendi que as acções não podem ser
projectadas de modo linear, sem ter em consideração quer o contexto, os
indivíduos, as motivações, as expectativas dos formandos...” (A5); “Con-
segui transferir esta minha atitude activa face a aprendizagem para as
outras tarefas, ajudando-me a perceber e a adaptar-me às mudanças de
ser aluno universitário”(B16).
Para além de realçarem ter aprendido um conjunto de conheci-
mentos científicos, emerge dos seus relatos, de modo muito significativo,
a necessidade de ser crítico/problematizador, construindo o conhecimento
a partir das diversas perspectivas, questionando a informação/conheci-
mento dado por adquirido - “Se me perguntarem o que aprendi, é claro
que não posso restringir aos elementos que posso elencar como meros
conhecimentos científicos. O ano de trabalho que agora se finaliza repre-
senta igualmente aprendizagens ao nível das competências de trabalho
de grupo, de reflexão, de crítica construtiva, de investigação...;”A con-
frontação de todas as perspectivas, paradigmas e teorias deu-me a opor-
tunidade de olhar para a realidade de modo diferente (...) Verifico agora
que por detrás de uma realidade que é apresentada, existem outras (ou
não) implícitas e que esta maneira de desconstruir e construir a realidade
fez com que esta disciplina fosse muito importante na minha formação.”
(A6); “O que mais me marcou foi a oportunidade que nos foi dada para
desconstruir e desocultar as representações e os discursos dominantes
que são muitas vezes incoerentes.” (A9).
Constatou-se existirem aprendizagens ao nível das competências
de selecção, análise e interpretação de informação, “Na medida em que
na realização do trabalho de grupo tivemos de fazer uma busca constan-
te de informação, conheci e reconheci a importância de pesquisar e anali-
sar profundamente cada informação com que nos confrontamos.” (A4);
“Ajudou na procura, organização e estruturação dos saberes”(B4).
Um outro enfoque importante é a frequente referência à maior cla-
rificação do perfil profissional, relacionado com as suas competências,
funções, papéis, e articulação com o contexto profissional - “Fiquei com
uma ideia mais clara do que um Licenciado em Educação pode realmente
fazer com a elaboração deste trabalho. Esta disciplina permitiu-me ter
uma visão mais concreta e directa da realidade (...) Este trabalho permi-
tiu-me reflectir sobre o que eu posso fazer um dia numa instituição.” (A1);
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“Aprendi que o licenciado em Educação pode ter um papel central em
todo este processo, de gestor dos processos formativos dos indivíduos ao
longo de toda a sua vida.” (A2); “Aprendi um conjunto de teorias,
paradigmas, modelos, perspectivas e modos que poderão ser uma mais
valia no meu futuro profissional. (...) Esta disciplina tem uma importân-
cia fulcral no meu percurso académico e profissional.” (A5); “Permitiu
para além das aprendizagens mais formais ficar com uma ideia do papel
do licenciado em Ciências da educação, da importância da sua função na
educação e na formação ao longo da vida” (B10).
É ainda referido um aspecto que poderemos considerar interligado
com a competência em auto-regular a aprendizagem, o auto-motivar-se,
ou seja, a possibilidade de fixar as suas próprias metas, auto-gerir as
suas motivações, o que conduziu a uma maior implicação na aprendiza-
gem, à motivação intrínseca, ao comprometimento com a aprendizagem
- “A possibilidade de sermos nós próprias a construir uma acção de for-
mação permitiu que nos envolvêssemos mais nas aulas teóricas como
também permitiu um maior entendimento da dinâmica das diferentes
fases de construção, organização e avaliação dos dispositivos de forma-
ção.” (A9); “Poder questionar, definir o meu percurso ao longo do portfolio,
foi aumentando a minha vontade de continuar” (B33); “Experimentei pela
primeira vez uma metodologia de trabalho que possibilitou auto moti-
var-me, ser criativo, acreditar que sou capaz de construir conhecimento”
(B27). Por último, destaca-se o desenvolvimento de competências que
permitem ao estudante gerir a sua aprendizagem de forma mais
autónoma e diferenciada em diferentes momentos: a) planeamento es-
tratégico (elaborar um plano, recolher e seleccionar a informação, avaliar
recursos …); b) execução/controlo volitivo (empenhar-se na tarefa, con-
trolar a atenção, procurar ajuda, rever e corrigir, …) e c) reflexão (avaliar
os resultados, rever o plano e as estratégias…), como se pode constatar
nas seguintes afirmações: “Aprendi a buscar sozinha o material indis-
pensável à realização de um documento fundamentado” (A5); “Aprendi a
estar atenta a pequenos pormenores que podem pôr em risco a coerência
de todo o trabalho.” (A7); “Podemos dizer que o portfolio permitiu uma
sistemática e organizada colecção de testemunhos da minha aprendiza-
gem e uma monitorização dos meus conhecimentos, do meu percurso”
(B1); “Ao elaborar o portfolio tive necessariamente de ir analisando e
reflectindo, foi diferente”(B2); “Aprendi a estabelecer objectivos pessoais,
a verificar em todos os momentos os progressos, as dificuldades, a encon-
trar soluções e a não ficar eternamente à espera” (B36) e “Aprendi a auto-
avaliar constantemente o meu trabalho”(B7).
Estes resultados reforçam as conclusões de Paris, Byrnes e Paris
(2001), pois mostram como as características do contexto e as suas solici-
tações afectam a aprendizagem e a motivação dos estudantes. Salienta-
mos a importância de continuar a investigar e a desenvolver modelos de

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ensino centrados na aprendizagem que satisfaçam as necessidades de
competência, autonomia e ligação afectiva dos estudantes favorecendo a
sua auto - motivação e a aprendizagem auto-regulada.
Da análise dos relatos dos estudantes ressaltaram as aprendiza-
gens referenciadas (quadro 2) que estão directamente relacionadas com
mudanças a nível das atitudes e ao nível conceptual: i) importância da
reflexão sobre a aprendizagem (visão crítica e reflexiva do processo de
aprendizagem); ii) alteração de formas de pensar (perspectiva do traba-
lho de grupo, maior complexidade, amplitude e compreensão); iii) forma
de entender os conteúdos (mudança na concepção/entendimento dos con-
teúdos: de uma lógica de reprodução para uma lógica de transformação;
mudança ao nível das representações sobre os conteúdos: sua complexi-
dade, não linearidade e natureza contextual); iv) concepção do papel do
aluno (e do professor) no processo de ensino aprendizagem (isto é, a for-
ma como encara a aprendizagem com um papel mais activo, forma como
se vê enquanto aprendente, implicando um questionamento sistemático
e uma maior autonomia e capacidade de iniciativa).
Não obstante o limite temporal, foi possível encontrar testemu-
nhos que ilustram o sentido das mudanças referenciadas quer a nível
conceptual, quer atitudinal.
Reflectindo no papel do aluno e do professor no processo de ensino
aprendizagem um dos estudantes “considera que a realização deste tra-
balho foi um processo de autonomia pois foi-nos dada a liberdade de o
construir sem controlos de acordo com as nossas percepções e ideias,
tendo por base as matérias dadas nas aulas teóricas. A avaliação da dis-
ciplina foi justa e participativa, pois a definição dos critérios, dos
parâmetros foi realizado tendo por base as opiniões dos alunos. “ (A4).
Outra aluna enfatiza que o projecto a levou à alteração de formas de
pensar “apercebi-me que o facto de o trabalho ter sido elaborado em
grupo fez com que as minhas ideias entrassem em confronto com as ideias
das outras colegas. Nada que não se resolvesse, contudo por vezes tive
que alterar no trabalho as minhas perspectivas.” (A7). Uma outra mu-
dança prendeu-se com a forma de entender os conteúdos “no final do ano
lectivo e após frequentar as aulas, posso afirmar que a minha concepção
de formação mudou bastante em relação ao início do ano lectivo. Isto
porque tinha uma concepção muito funcionalista da formação, apenas
direccionada para o contexto de trabalho (...) neste momento tenho uma
concepção mais alargada. Vejo a formação como um processo de interacção
entre todos os intervenientes.” (A8).
Muitas foram as ansiedades e dúvidas inerentes à mudança que a
introdução destes dispositivos provocaram. O caminho percorrido foi
acompanhado por uma verificação permanente do processo de aprendi-
zagem e do produto esperado, o que implicou um processo auto-
regulatorio. Quer durante a realização das tarefas, quer ao analisarem a
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sua própria actuação, os estudantes foram efectuando deliberadamente
mudanças, identificando e superando dificuldades em parceria com os
colegas e a professora. Emergiram, assim, quatro categorias: i) aspectos
ligados aos conteúdos (e conhecimentos prévios); ii) articulação teoria/
prática; iii) confrontação de modelos e perspectivas e iv) gestão do traba-
lho em equipa (reuniões, visitas, realização de tarefas). Relativamente
aos aspectos ligados aos conteúdos (conhecimentos prévios), alguns dos
estudantes salientaram “as dificuldades que senti foi na construção dos
objectivos, na medida em que no ano anterior isso não ficou muito claro
para o meu grupo de trabalho.” (A1), e ainda “senti dificuldades na esco-
lha dos pressupostos teóricos...” (A4); “Tive dificuldades na elaboração
do portfolio pois inicialmente não sabia o que era” (B3); a articulação teo-
ria/prática que “as dificuldades que senti prendem-se sobretudo com a
articulação entre a teoria e a prática visto que não tinha uma ideia global
dos conteúdos.” (A3); a confrontação de modelos e perspectivas “as dúvi-
das iam surgindo quando era para confrontar e escolher modelos e pers-
pectivas...” (A6), e “outro ponto complicado foi ter de gerir as diferentes
representações e confrontações das ideias e dos diferentes elementos do
grupo.” (A9) e a gestão do trabalho da equipa “os menos do trabalho de
projecto foram o facto de o grupo nem sempre se poder reunir e isso
implicar dividir o trabalho pelos diferentes elementos do grupo. Prejudi-
ca o rendimento do trabalho e obriga a cada elemento a explicar todos os
passos que tomou para fazer a parte que lhe competia.” (A7); “os menos
do trabalho de projecto foram essencialmente as discussões em grupo,
pois, por vezes, passávamos uma tarde a debater questões que, na reali-
dade, até estávamos de acordo, o que faltava mesmo era o modo como nos
estávamos a exprimir. Também um outro aspecto foi o facto de dois ele-
mentos do grupo serem trabalhadoras-estudantes, o que acabava por
dificultar o trabalho delas com os horários para trabalhar em grupo.”
(A1). Gerir o tempo e gerir o contributo individual e o necessário
envolvimento nas tarefas grupais, partilhando responsabilidades foi uma
questão amplamente assinalada pelos estudantes, tal como é patente na
afirmação de um deles “conjugar o meu ritmo individual, as exigências
para com a tarefa, os compromissos com o meu grupo provocou mudan-
ças nem sempre fáceis de ultrapassar, foi uma aprendizagem ao longo de
todo o processo” (B4).
Foi possível identificar algumas estratégias dos estudantes para
superar as dúvidas e dificuldades tais como: o recurso a leituras comple-
mentares “superei as dificuldades empenhando-me ao máximo com lei-
turas que a docente recomendou, com as pistas e exercícios que fizemos
nas aulas teórico-práticas (...)” (A1); a reflexão sobre os exercícios realiza-
dos nas aulas teórico-práticas e seu modo de organização; discussão e
partilha no grupo “claro que o debate em grupo ao longo da construção
dos objectivos do nosso trabalho também ajudou muito.” (A1), “um ou-

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tro ponto que me ajudou a esclarecer as dúvidas foi a discussão com o
grupo sobre os diversos conteúdos” (A3) e a explicação, apoio e acompa-
nhamento da docente “estas dificuldades foram ultrapassadas quer pela
docente que fazia um acompanhamento semanal, quer pela leitura acon-
selhada pela docente.” (A3), “... foram superadas através de conversas
com o grupo, com a professora e através da leitura das obras dos vários
autores.” (A4), “... tudo foi-se superando devido a diversos factores tais
como a exposição realizada pela professora, bem como a disponibilidade
e o modo de abordar os temas, o que fez com que este processo de conhe-
cimento fosse cada vez mais interessante (...) O modo como as aulas teóri-
co-práticas foram concebidas foi óptimo pois tínhamos o acompanha-
mento da professora para qualquer dúvida e conseguíamos realmente
trabalhar nas aulas, chegando ao fim do ano com o trabalho pronto.”
(A6).
Em síntese, podemos inferir que a implementação destes dispositi-
vos participativos contribuiu para o desenvolvimento das seguintes com-
petências:

• Desenvolvimento de competências de investigação ou, pelo me-


nos, de interrogação rigorosa do real, o fomento de capacidades
de análise e de pensamento crítico;
• Desenvolvimento de competências de selecção, análise e inter-
pretação de informação;
• Desenvolvimento de competências que permitem aos estudan-
tes gerir a sua aprendizagem de forma mais autónoma e diferen-
ciada em diferentes momentos a) planeamento estratégico (ela-
borar um plano, recolher e seleccionar a informação, avaliar re-
cursos …) b) execução/controlo volitivo (empenhar-se na tarefa,
controlar a atenção, procurar ajuda, rever e corrigir, …) e c) re-
flexão (avaliar os resultados, rever o plano e as estratégias…);
• Desenvolvimento de competências de comunicação – apresenta-
ção e justificação do trabalho realizado (processo e produto).

Considerações finais

O trabalho desenvolvido, utilizando os dois dispositivos


formativos, com todas as suas possibilidades e constrangimentos, mais
do que encontrar respostas pretende levantar questões e reflectir sobre a
pedagogia no ensino superior. Revelando-se bastante rico a esse nível,
constituiu também uma oportunidade adicional para o crescimento, a
reflexão e o desenvolvimento das investigadoras como profissionais.
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Os resultados estimulam-nos a propor algumas reflexões. Dois as-
pectos merecem uma atenção especial pelas implicações que têm ao nível
do ensino universitário: os factores que contribuem para uma utilização
efectiva dos dispositivos e o desafio que consiste em estruturar ambien-
tes de aprendizagem, no âmbito do ensino superior, que permitam aos
estudantes construir conhecimento e mobilizar recursos para aprende-
rem a auto-regular as suas aprendizagens a fim de as transferirem e apli-
carem na sua futura actividade.
Relativamente ao primeiro aspecto, salientamos os factores que
podem contribuir para uma utilização efectiva dos dispositivos: i) res-
tringir as evidências/testemunhos/documentos a incidentes críticos; ii)
focar no processo de aprendizagem e sua articulação com o produto; iii)
discutir regularmente (com o professor; em grupo; a pares…); iv) propor-
cionar feedback atempado (nível individual e de grupo); v) manifestar uma
atitude neutral ou positiva sobre o portfolio/projecto (professor e alunos);
vi) garantir um suporte activo por parte dos professores.
Quanto ao segundo aspecto, globalmente, estes resultados realçam
a importância de estudar o impacto dos diferentes contextos nas variá-
veis pessoais do estudante que favorecem a auto-regulação da aprendi-
zagem. Os dados preliminares sugerem uma melhor compreensão do
ensino e da aprendizagem em contexto universitário, nomeadamente em
termos de processos e resultados de aprendizagem, de competências de-
senvolvidas e de mudanças quer conceptuais, quer atitudinais.
O conhecimento experienciado das componentes cognitiva/
metacognitiva, motivacional/volitiva, em interacção com o contexto, cons-
titui uma ferramenta útil para os estudantes desenvolverem experiênci-
as de aprendizagem mais eficazes. A interacção estudante - estudante,
suportada pelos dispositivos participativos, promoveu o seu desenvol-
vimento, pois estes partilharam e reforçaram entre si valores e compor-
tamentos que são apropriados ao papel de estudante: estudar, aprender e
prosseguir uma carreira. Os dispositivos utilizados foram considerados
atractivos pelos estudantes, mas exigindo uma grande disponibilidade
temporal e um esforço elevado. Contudo, reconhecem que os conduziram
a níveis elevados de interesse e satisfação dentro e fora da sala de aula.
Sabemos que níveis elevados de envolvimento são considerados óptimos
promotores da aprendizagem e do desenvolvimento.
Chickering e Reisser (1993), por exemplo, procuraram compreen-
der os processos que os estudantes do Ensino Superior experimentam
durante os anos em que frequentam a Universidade. O desenvolvimento
não resulta apenas de um processo de maturação interno, mas envolve
também desafios e oportunidades proporcionados pelo ambiente de
aprendizagem. Nesta perspectiva, o desenvolvimento ocorre sempre que
se verifica uma congruência e ajustamento entre as motivações internas
do indivíduo e as solicitações sociais, culturais e institucionais experi-

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mentadas. Os autores consideram que, se a frequência do ensino superior
proporcionar aos jovens um ambiente estimulante, diversificado,
desafiante e promotor de crescimento, pode contribuir significativamen-
te para o desenvolvimento psicossocial e académico.
Consideramos que as mudanças que se verificaram nos estudantes
resultaram das suas características, da interacção com os agentes de so-
cialização e da qualidade do esforço que eles investiram para aprender e
para se desenvolverem enquanto aprendentes, rentabilizando as oportu-
nidades oferecidas pelo contexto tal como salientam Chickering e Reisser
(1993). Para além disso, o desenvolvimento e os resultados do presente
estudo proporcionaram, tal como já referimos, um questionamento de
processos de ensino e de aprendizagem com base nas práticas das inves-
tigadoras envolvidas, que se revelou estimulante e construtivo no senti-
do do auto-estudo e cujas implicações e desenvolvimentos se discutem
no âmbito da segunda fase deste projecto.

Recebido em agosto de 2006.


Aprovado em setembro de 2006.

Title: The higher education student: how to self-regulate learning through participative methods

ABSTRACT
This paper presents findings from two case studies carried out in two Portuguese universities
in order to analyse and understand the implications of two participative methods of
teaching and learning: portfolio and project led-education. Active and cyclical model of self-
regulation learning according to three phases: forethought, performance (volitional) control,
and self-reflection; development of competencies (disciplinary and non-disciplinary); team
work; and articulation university/professional context are some of the key aspects of these
methods. Preliminary data suggest a better understanding of teaching and learning at
higher education, namely in regard to processes and outcomes of learning, competencies,
and changes both conceptual and attitudinal. In this paper, students’ perceptions about
participative methods are discussed, as well as the factors which contribute to the active
engagement of students and promote their effective use.

Key words: Higher Education. Portfolio and Project-led education. Self-regulated learning,
reflection.

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