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A Família na Toxicomania – Experiência em grupo de apoio

Pâmela Mara Benevides Felício


Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
pamelambf@hotmail.com

Resumo:
Não podemos subestimar a importância da família no que tange ao tratamento do
dependente químico. Corrobora para o presente entendimento o fato de que, inegavelmente, o
uso de drogas é, em sua grande maioria, um fator gerador de conflitos, sobretudo por não
envolver somente o usuário, mas todo o núcleo familiar em que ele está inserido.
Diante do exposto, torna-se necessário problematizar a dependência das drogas e seus
reflexos no ambiente familiar desde o primeiro atendimento, objetivando, assim, verificar os
efeitos de sua atuação.
O núcleo familiar, neste contexto, tem um papel fundamental na formação dos seus
membros, haja vista que esta é a primeira fonte de socialização relacionada aos valores e
normas da sociedade. A partir dessa concepção, o individuo se constitui, consolidando sua
identidade.
O uso abusivo de drogas somente poderá ser compreendido quando analisado o tripé:
indivíduo - contexto - substância, o que nos faz perceber o engano cometido por muitos em
caracterizar o presente problema como sendo de ordem individual.
Neste trabalho pretende-se discutir sobre a importância do tratamento das famílias dos
dependentes químicos, bem como propor uma reflexão crítica sobre os conflitos vivenciados,
a partir da análise de um grupo de familiares dos residentes de uma Comunidade Terapêutica.
Estes dados foram obtidos em experiência de Estágio Supervisionado 1 .
O grupo de apoio com famílias de dependentes teve como objetivo propor,
primordialmente, a exposição dos conflitos presentes na estrutura de cada uma das famílias,
para que assim estas pudessem elaborar a situação vivida e trocar experiências adquiridas.
Os encontros, com duração de uma hora e trinta minutos, foram realizados aos sábados
na parte da tarde em uma Comunidade Terapêutica no centro de Belo Horizonte. O grupo
contava com a participação de aproximadamente vinte familiares e a condução das discussões

1
Disciplina ministrada pela professora Izabela Saraiva durante o 7º período do curso de Psicologia no segundo
semestre de 2007, na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
era feita por duas ou três estagiárias. Estas, por sua vez, trabalhavam a fim de promover o
acolhimento da demanda, a escuta e a construção de sentido a partir de questões levantadas
pelos próprios participantes do grupo. Isso fazia com que os significantes circulassem e de
certa forma propiciassem o questionamento no intuito de direcionar as discussões e transmitir
o conhecimento científico para apoio na construção e reflexão da elaboração.
Neste contexto, foi constatado que cada sujeito fazia, à sua maneira, uma apropriação
e montagem particular a partir das experiências e inscrições do outro.
Dessa forma, o acolhimento das famílias, a escuta e o direcionamento das reuniões
pelas estagiárias foi fundamental para a organização do grupo, bem como para a reflexão
sobre as questões levantadas por seus membros. A experiência, o sofrimento e os anseios dos
familiares foram pontos que mobilizaram o grupo e despertaram a cada encontro a
necessidade da discussão de uma questão.
Conforme podemos denotar, o sentimento preponderante surgido nas discussões das
famílias relaciona-se ao sentimento de culpa dos familiares, sobretudo para os pais dos
toxicômanos, que se culpavam pelas atitudes tomadas por seus filhos.
Vale ressaltar que, a família quando toma conhecimento que um dos seus membros é
dependente, incorpora uma parcela de culpa, num processo nítido de tomada de
responsabilidade.
Neste contexto, foi problematizada e amplamente discutida a questão da criação dos
filhos. Os pais, por sua vez, relataram que ao descobrirem a dependência do filho se
questionaram sobre o porquê dessa ocorrência e “onde erraram na criação”. Em relação a este
sentimento de culpa, os próprios familiares foram construindo saídas para a culpabilização a
que eles estavam submetidos, já que perceberam que este sentimento não promove mudança e
sim vitimiza e enfraquece.
Enfatizado este tema, surgiram indagações inerentes a melhor forma sobre como
trabalhar esta culpabilização quer seja pela via da responsabilização, quer seja pelo
desenvolvimento da autonomia.
Diante das discussões, o grupo se conscientizou de que nem sempre os pais ou os
demais familiares são os culpados pelas decisões dos parentes. A partir da idéia de que
existem caminhos a serem seguidos e ainda que haja orientação para agir, o livre arbítrio para
as atitudes e decisões são inerentes à pessoa, de modo que cada um deve se responsabilizar e
se haver com suas escolhas.
Outro fator relevante foi a preocupação dos familiares com a “volta” do residente,
tema este amplamente discutido. A volta citada se refere a uma característica do tratamento,
que obedecendo normas internas da Comunidade, diz que o residente pode ficar em casa por
quinze dias, após cinco meses de tratamento, retornando depois à comunidade, onde ficará por
mais quatro meses.
Os familiares levantaram vários questionamentos sobre como deveriam se portar
frente à chegada do residente em casa. As preocupações de como agir, pensar e tratar o
familiar faziam com que eles sempre buscassem uma maneira correta de se comportar. De tal
forma, acreditavam na existência de uma receita a ser seguida, para que não “errassem
novamente”. Eles precisavam saber das experiências dos outros a fim de tirar as dúvidas,
aprender e principalmente diminuir a ansiedade.
É importante ressaltar que, ao longo do processo de formação grupal, as pessoas
perceberam que por mais que almejassem tal receita, esta não existia e que cada um deveria
descobrir e construir uma nova forma de lidar com os conflitos que permeavam as relações
com o dependente químico.
A partir das observações feitas, pudemos perceber a necessidade que cada pessoa tinha
de falar, expondo os sentimentos que causavam sofrimento (angústia, tristeza, frustração,
medo e dúvidas), no intuito de saírem aliviados.
Diante das discussões, a temática que nos fez propor um trabalho específico foi a
relacionada à questão da identidade e conseqüentemente à felicidade, percebida pelos
membros dos grupos familiares a partir dos problemas vividos.
Percebeu-se nitidamente que a maioria dos participantes dos encontros agia como se
tivesse perdido a própria identidade, passando a ser única e exclusivamente parente do
denominado dependente. Com isso, a felicidade para eles aparece somente quando o
dependente está bem, ou seja, a felicidade é dirigida ao bem do outro. Este sentimento existe
somente a partir da concepção de uma terceira pessoa, caracterizando uma despersonificação.
Ao propormos o tema de felicidade e identidade, vimos que o grupo não agiu
conforme o esperado, isto é, a demanda que imaginamos que teria uma maior repercussão não
foi realmente demanda do grupo. Isso nos leva a pensar em uma negação ou uma alienação
muito grande em relação aos temas propostos. Eles falavam de um jeito, mas agiam de outro,
como se não percebessem o direcionamento de suas vidas somente para o problema do
dependente e vivessem em função deste, alienados de seus próprios sentimentos, desejos e
suas próprias vidas. A realidade é tão distorcida que dentro da sua ilusão o familiar acredita
que a sua felicidade depende do outro.
Tal vinculação aos sentimentos do outro nos remete a uma co-dependência, ou seja,
estes familiares são emocionalmente dependentes, não reconhecendo sua própria realidade.
Com isso, o co-dependente não consegue estabelecer seus limites e perde sua identidade,
passando a viver em função do dependente.
Pode-se perceber também que por serem co-dependentes, estes familiares acreditam
que são responsáveis pela felicidade e necessidade do outro, trazendo à tona os sentimentos de
culpa, medo, insegurança, frustração e responsabilidade sobre o dependente.
Assim, os sentimentos próprios são desconhecidos e remetidos ao toxicômano, seus
desejos e sonhos não são seus, mas do dependente que o “coloca” nesta situação.
Ao mesmo tempo existe uma negação instaurada na realidade destas pessoas
dificultando o tratamento tanto do dependente, quanto do familiar (co-dependente).
Enfatiza-se então, que é de extrema importância que, além do dependente químico ser
tratado, seu familiar também deve buscar novos sentidos e significações para sua vida. Tal
feito será possível somente através da conscientização de sua própria vida, seus desejos,
sonhos e principalmente em relação ao que lhe faz feliz, independente da existência do outro.
Nossa experiência no grupo de apoio aos familiares fez com que refletíssemos a
respeito da relação familiar, a importância da família no tratamento de dependentes e
principalmente o quanto a família necessita de um apoio neste contexto vivenciado.
Dizemos isto por percebermos o alívio dos participantes do grupo ao saírem das
reuniões, simplesmente por exteriorizar suas angústias e também por construírem uma
elaboração conjunta, com pessoas que possuem a mesma experiência deles, bem como a
própria autonomia construída pelo grupo diante das problemáticas levantadas.
Acreditamos que o trabalho com a família é também uma maneira de preparação, não
só para o conflito presente, mas também para uma total percepção do meio familiar, atitudes,
demandas e o cotidiano de cada uma.
Conclui-se que a experiência do Estágio Supervisionado, através dos temas trazidos
pelos familiares e a exposição de sofrimento por parte destes, foi de grande importância, não
somente para eles, como também para o crescimento acadêmico e conseqüentemente
profissional das estagiárias, no sentido em que nos possibilitou um outro olhar sobre a
realidade até então desconhecida e nos lançou portanto a um outro lugar, o lugar de querer
saber.
Neste sentido, a neutralidade se faz necessária como forma de evitar uma mistura com
os conflitos do outro e um julgamento de valores, bem como uma maneira de atribuir a esse
outro, o lugar de sujeito, de ator da sua própria história.
Sessões Temáticas
Tema: Processos Organizativos, Comunidade e Práticas Sociais

Neste trabalho pretende-se discutir sobre a importância do tratamento das famílias dos
dependentes químicos, bem como propor uma reflexão crítica sobre os conflitos vivenciados,
a partir da análise de um grupo de familiares dos residentes de uma Comunidade Terapêutica.
Estes dados foram obtidos em experiência de Estágio Supervisionado 2 , que corroborou para
um enorme crescimento profissional e, sobretudo, pessoal das estagiárias envolvidas em tal
proposta .
O intuito inicial do estágio era atender, através de um grupo de apoio, familiares dos
residentes de uma Comunidade Terapêutica da Cidade de Belo Horizonte – Minas Gerais.
Essa proposta estaria vinculada a uma exigência da Comunidade, em que a família teria de
participar do grupo como condição para visitar o parente em tratamento, mas de certa forma,
este trabalho acabou por propiciar uma maior implicação da família no processo, assim como
pôde possibilitar um lugar para esse acolhimento e essa escuta.
De tal modo, através de uma parceria entre essa instituição e a Universidade, os grupos
de apoio de familiares, o processo de triagem dos dependentes para o tratamento e o
atendimento individual aos residentes teriam como condutores estagiários do curso de
Psicologia, que em estágio supervisionado, contavam com o direcionamento de um professor
responsável.
O grupo em questão teve como objetivo propor, primordialmente, a exposição dos
conflitos presentes na estrutura de cada uma das famílias, para que assim estas pudessem
elaborar a situação vivida e trocar experiências adquiridas. Os encontros, com duração de uma
hora e trinta minutos foram realizados aos sábados na parte da tarde, em um espaço da
Comunidade Terapêutica, no centro de Belo Horizonte.
O grupo contava com a participação de aproximadamente vinte familiares e a
condução das discussões era feita por duas ou três estagiárias, que por sua vez, trabalhavam a
fim de promover o acolhimento da demanda, a escuta e a construção de sentido a partir de
questões levantadas pelos próprios participantes do grupo. Isso fazia com que os significantes
circulassem e de certa forma propiciassem o questionamento na intenção de direcionar as

2
Disciplina ministrada pela professora Izabela Saraiva durante o 7º período do curso de Psicologia no segundo
semestre de 2006, na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
discussões e transmitir o conhecimento científico para apoio na construção e reflexão da
elaboração.
Dessa forma, o acolhimento das famílias, a escuta e o direcionamento das reuniões
pelas estagiárias foi fundamental para a organização do grupo, bem como para a reflexão
sobre as questões levantadas por seus membros. A experiência, o sofrimento e os anseios dos
familiares foram pontos que mobilizaram o grupo e despertaram a cada encontro a
necessidade da discussão de uma questão.
Neste sentido, a metodologia de trabalho por parte das estagiárias era um tanto quanto
flexível, pois faziam com que o grupo por si só fosse construindo sentido e respostas para
suas demandas e questionamentos. Os temas trabalhados eram escolhidos pelos participantes,
o que gerava certo sentimento de responsabilidade e implicação no processo de tratamento,
agora não somente dos parentes dependentes químicos, mas deles próprios, não apenas
familiares, mas acima de tudo um a - mais no mundo.
O núcleo familiar, neste contexto, tem um papel fundamental na formação dos seus
membros, haja vista que esta é a primeira fonte de socialização relacionada aos valores e
normas da sociedade. A partir dessa concepção, o individuo se constitui, consolidando sua
identidade. Dessa forma, o uso abusivo de drogas somente poderá ser compreendido quando
analisado o tripé: indivíduo - contexto – substância, o que nos faz perceber o engano cometido
por muitos em caracterizar o presente problema como sendo de ordem individual. O modo
como a família transmite os valores pode interferir, ou não, no uso de drogas. Na verdade, o
uso de substâncias psicoativas pode ser fruto de uma outra forma de organização familiar.
Diante disso, é significativo destacar a importância de engajar a família no tratamento de
toxicômanos.
A partir do que foi mencionado anteriormente, pode-se destacar que a maneira como a
família irá transmitir os valores sociais a seus filhos é o que pode propiciar, ou não, o uso
abusivo de substância psicoativas por eles. Sabe-se também que, no universo familiar, são
vislumbrados diversos fatores que desencadeiam o uso de substâncias psicoativas, dentre elas
o desequilíbrio do núcleo familiar (ou melhor, a forma encontrada pelo sistema familiar de se
organizar, manter o equilíbrio - homeostase) e os pais como modelos no que diz respeito ao
uso de drogas.
É importante enfatizar que o uso abusivo de drogas pelos jovens é, muitas vezes,
caracterizado como um problema de ordem individual, ligado, normalmente, à personalidade
do indivíduo ou a uma questão de doença física ou psíquica, o que nos remete à idéia de que
nem sempre a família será um dos fatores contribuinte para a toxicomania. Entretanto, não se
pode deixar de levar em consideração que o uso de substâncias psicoativas, em determinados
casos, pode se relacionar a forma pela qual se estrutura a família, evidenciando que a
toxicomania não está restrita apenas ao campo individual, mas se refere a um sintoma
familiar, pois este sintoma (o filho toxicômano) pode ser o efeito de conflitos familiares,
recebendo a culpa de toda problemática familiar. O jovem toxicômano configura-se como o
“bode expiatório” das tensões familiares. A família, ao descobrir a dependência de um dos
membros, passa a se concentrar apenas no sintoma “droga”, recusando em enxergar que,
muitas vezes, o membro toxicômano está sinalizando algum desajuste familiar. Segundo
Lehnen (1996), o drogadícto cumpre a função de ocultação dos conflitos familiares e assim
garante a homeostase familiar.
Quando a família está ciente desse processo, como no caso dos integrantes do grupo
pais dos residentes, passam a incorporar que possuem uma parcela de culpa no que se refere
ao uso de drogas por seus filhos. Esse é o momento em que, muitas vezes, os pais não sabem
o que fazer, o que pode ser visto no relato de vários pais presentes nos encontros.
A toxicomania pode se referir, como dito anteriormente, a um sintoma individual,
como também um sintoma familiar, o que se faz necessário destacar a importância da família
no tratamento de toxicômano, uma vez que o uso de drogas pode ser um sinal de conflitos
familiares, sendo, desta forma, pertinente averiguar o significado desse sintoma na estrutura
familiar.
A grande tarefa do grupo, portanto, não é a eliminação do sintoma, mas compreender
ao que ele serve. O sintoma nem sempre pode ser retirado, eliminado. Ele, por vezes, é a peça
que faz funcionar o sistema. Ele sustenta. A intervenção terapêutica não consistiria,
insistimos, em retirar o sintoma, mas situá-lo em um novo contexto.
Ante o exposto, podemos dizer que é de grande importância da família no tratamento
de dependência química. Não só pelo fato de que o uso de drogas pode ser um sinal de
conflitos familiares, sendo, desta forma, pertinente averiguar o significado e a função desse
sintoma na estrutura familiar, como também partir da premissa que a família adoece junto
com o usuário de substâncias químicas, e deve ser trabalhada desde o atendimento inicial.
Desse modo, a partir do processo terapêutico com familiares a dinâmica que estava
centrada na culpa pode se romper. Igualmente em situações há muito tempo amarradas,
repetitivas, crônicas. A terapia familiar possibilita que seja construída a resiliência destes
indivíduos, estando esta ligada à noção da resiliência familiar, que é aquela que concerne os
recursos do grupo por ele mesmo enquanto conjunto, e pelos membros que o constituem.
Podemos então definir a resiliência, sob o olhar da psicologia, como “a capacidade
humana universal de superar as adversidades da vida e ser fortalecido por elas”
(GROTBERG apud YUNES, 2001, p 13) ou “a capacidade do indivíduo, ou família, de
enfrentar as adversidades, ser transformados por elas, mas conseguir superá-las”
(PINHEIRO, 2004,p 2).
Em relação à dinâmica familiar para promoção de resiliência em famílias de
toxicômanos, Silva e Gouveia (2004) sustentam que existem certos fatores de proteção
fazendo com que os membros sejam resilientes, ou até mesmo promovam a construção desta.
Esses fatores podem ser :
• Fatores individuais: capacidade interna de se relacionar consigo mesmo e com o
mundo, otimismo, busca de sentido para a vida;
• Fatores familiares: pais competentes, atenção aos estudos, vantagens sócio-
econômicas, afiliação religiosa, harmonia conjugal;
• Fatores sociais: boas escolas, senso de comunidade, modelos adequados de princípios,
regras e normas, amigos, oportunidades de emprego, oportunidade de pertencer a atividades
comunitárias;
• Fatores culturais: forte identidade étnica, ativismo étnico, resistência à opressão,
identificação a valores e crenças tradicionais, cultivo de raízes.
De certo, a existência da resiliência na constituição do homem e dos grupos oferece a
possibilidade de experienciar a vida de maneira mais saudável e melhor. Traz a constatação da
força vital que impulsiona todo ser humano à saúde e ao restabelecimento de uma ordem
psíquica saudável e adequada.
Os encontros, nesse sentido, tem como proposta servir de fator de apoio para as
famílias em busca de resiliência e consequentemente ao toxicômano, isto é, a família ao
construir a resiliência e obtendo um equilíbrio sistemático conseguirá se reestruturar para que
assim sejam superadas as adversidades vividas.
Conforme pudemos denotar, o sentimento preponderante surgido nas discussões das
famílias relaciona-se ao sentimento de culpa dos familiares, sobretudo para os pais dos
toxicômanos, que se culpavam pelas atitudes tomadas por seus filhos. Vale ressaltar que, a
família quando toma conhecimento que um dos seus membros é dependente, incorpora uma
parcela de culpa, num processo nítido de tomada de responsabilidade.
Nesse contexto, foi problematizada e amplamente discutida a questão da criação dos
filhos. Os pais, por sua vez, relataram que ao descobrirem a dependência do filho se
questionaram sobre o porquê dessa ocorrência e “onde erraram na criação”. Em relação a este
sentimento de culpa, os próprios familiares foram construindo saídas para a culpabilização a
que eles estavam submetidos, já que perceberam que este sentimento não promove mudança e
sim vitimiza e enfraquece.
Enfatizado este tema, surgiram indagações acerca da melhor forma sobre como
trabalhar esta culpabilização quer seja pela via da responsabilização, quer seja pelo
desenvolvimento da autonomia.
Diante das discussões, o grupo se conscientizou de que nem sempre os pais ou os
demais familiares são os culpados pelas decisões dos parentes. A partir da idéia de que
existem caminhos a serem seguidos e ainda que haja orientação para agir, o livre arbítrio para
as atitudes e decisões são inerentes à pessoa, de modo que cada um deve se responsabilizar e
se haver com suas escolhas.
Outro fator relevante foi a preocupação dos familiares com a “volta” do residente,
tema este amplamente discutido. A volta citada se refere a uma característica do tratamento,
que obedecendo normas internas da Comunidade, diz que o residente pode ficar em casa por
quinze dias, após cinco meses de tratamento, retornando depois à comunidade, onde ficará por
mais quatro meses.
Os familiares levantaram vários questionamentos sobre como deveriam agir frente à
chegada do residente em casa. As preocupações de como agir, pensar e tratar o familiar
faziam com que eles sempre buscassem uma maneira correta de se comportar. De tal forma,
acreditavam na existência de uma “receita” a ser seguida, para que não “errassem
novamente”. Eles precisavam saber das experiências dos outros a fim de tirar as dúvidas,
aprender e principalmente diminuir a ansiedade.
É importante ressaltar, que ao longo do processo de formação grupal, as pessoas
perceberam que por mais que almejassem tal “receita”, esta não existia e que cada um deveria
descobrir e construir uma nova forma de lidar com os conflitos que permeavam as relações
com o dependente químico.
A partir das observações feitas, pudemos perceber a necessidade que cada pessoa tinha
de falar, expondo os sentimentos que causavam sofrimento (angústia, tristeza, frustração,
medo e dúvidas), no intuito de saírem aliviados. Diante das discussões, a temática que nos fez
propor um trabalho específico foi a relacionada à questão da identidade e conseqüentemente à
felicidade, percebida pelos membros dos grupos familiares a partir dos problemas vividos.
Percebeu-se nitidamente que a maioria dos participantes dos encontros agia como se
tivesse perdido a própria identidade, passando a ser única e exclusivamente parente do
denominado dependente. Com isso, a felicidade para eles aparece somente quando o
dependente está bem, ou seja, a felicidade é dirigida ao bem-estar do outro. Este sentimento
existe somente a partir da concepção de uma terceira pessoa, caracterizando uma
despersonificação.
Ao propormos o tema “felicidade e identidade”, vimos que o grupo não agiu conforme
o esperado, isto é, a demanda que imaginamos que teria uma maior repercussão não foi
realmente demanda do grupo. Isso nos leva a pensar em uma negação ou uma alienação muito
grande em relação aos temas propostos. Eles falavam de um jeito, mas agiam de outro, como
se não percebessem o direcionamento de suas vidas somente para o problema do dependente e
vivessem em função deste, alienados de seus próprios sentimentos, desejos e suas próprias
vidas. A realidade é tão distorcida que dentro da sua ilusão o familiar acredita que a sua
felicidade depende do outro.
Tal vinculação aos sentimentos do outro nos remete a uma co-dependência, ou seja,
esses familiares são emocionalmente dependentes do outro, não reconhecendo sua própria
realidade. Com isso, o co-dependente não consegue estabelecer seus limites e perde sua
identidade, passando a viver em função do dependente. Pode-se perceber também que por
serem co-dependentes, estes familiares acreditam que são responsáveis pela felicidade e
necessidade do outro, trazendo à tona os sentimentos de culpa, medo, insegurança, frustração
e responsabilidade sobre o dependente. Assim, os sentimentos próprios são desconhecidos e
remetidos ao outro, seus desejos e sonhos não são seus, mas do dependente que o “coloca” na
situação.
Ao mesmo tempo existe uma negação instaurada na realidade destas pessoas
dificultando o tratamento tanto do dependente, quanto do familiar (co-dependente). Reside aí
o principal desafio no tratamento da família, fazer com que cada participante se perceba como
um, como um sujeito que deve a sua maneira fazer sua montagem particular das inscrições
vindas do Outro. É preciso, neste momento de vinculação e dependência do outro, mostrar ao
familiar, que “para além” do dependente, existem seus próprios sentimentos, medos, desejos e
acima de tudo sua vida.
Enfatiza-se então, que é de extrema importância que, além do dependente químico ser
tratado, seu familiar também deve buscar novos sentidos e significações para sua vida. Tal
feito será possível somente através da conscientização de sua própria vida, seus desejos,
sonhos e principalmente em relação ao que lhe faz feliz, independente da existência do outro.
Nossa experiência no grupo de apoio aos familiares fez com que refletíssemos a
respeito da relação familiar, a importância da família no tratamento de dependentes e
principalmente o quanto a família necessita de um apoio nesse contexto vivenciado.
Dizemos isso por percebermos o alívio dos participantes do grupo ao saírem das
reuniões, simplesmente por exteriorizar suas angústias e também por construírem uma
elaboração conjunta, com pessoas que possuem a mesma experiência deles, bem como a
própria autonomia construída pelo grupo diante das problemáticas levantadas.
Acreditamos que o trabalho com a família é também uma maneira de preparação, não
só para o conflito presente, mas também para uma total percepção do meio familiar, atitudes,
demandas e o cotidiano de cada uma.
Isso nos traz novamente a idéia de uma busca de construção da resiliência, o que foi de
maior percepção no grupo, já que esta se apóia, muitas vezes em grupos, para ser alcançada,
ou seja, existem fatores que sustentam a construção da resiliência e um deles é o fator social,
o senso de comunidade, amigos e principalmente a oportunidade e o sentimento de
pertencimento a atividades comunitárias.
De tal modo, não podemos subestimar a importância da família no que tange ao
tratamento do dependente químico. Corrobora para o presente entendimento o fato de que,
inegavelmente, o uso de drogas é, em sua grande maioria, um fator gerador de conflitos,
sobretudo por não envolver somente o usuário, mas todo o núcleo familiar em que ele está
inserido.
Diante do exposto, torna-se necessário problematizar a dependência das drogas e seus
reflexos no ambiente familiar desde o primeiro atendimento, objetivando, assim, verificar os
efeitos de sua atuação ao propor a construção de novos sentidos e significados na vida destes
sujeitos.
Referências Bibliográficas:

CAVALCANTE, Antonio Mourão. Quando a Família vai à Terapia.


Disponível em: <http://www.polbr.med.br/arquivo/mour0400.htm>Acesso em:02. Nov. 2006.

CIRINO,Oscar; MEDEIROS, Regina(Orgs). Álcool e outras drogas: escolhas, impasses e


saídas possíveis.Belo Horizonte:Autêntica, 2006.

LEHNEN, Lacete Maria. A toxicomania e a cadeia circular das interações familiares.In:


Psicologia Ciência e Profissão n.16,p.18-24,1996.

PINHEIRO, Débora Nemer. A resiliência em discussão. IN: Psicologia em Estudo, Maringá,


v. 9., n.1, p.1-5, jan./abril.2004.

SILVA, J.R; GOUVEIA, A. Resiliência e Aids. In: CONVENÇÃO BRASIL LATINO


AMÉRICA, CONGRESSO BRASILEIRO E ENCONTRO PARANAENSE DE
PSICOTERAPIAS CORPORAIS. 1, 4, 9, Foz do Iguaçu, Anais...Centro Reichiano,
2004.CD–ROM [ISBN–85-87691-12-0]
Disponível em<http://www.centroreichiano.com.br>.Acesso em 25.set.2006

SISSA, Giulia. O prazer e o mal: Filosofia da droga. Rio de Janeiro: Civilização


Brasileira,1999.

YUNES, M.A. M & Szymanski, H. Resiliência: noção, conceitos afins e considerações


criticas. In: Resiliência e Educação, São Paulo: Cortez, p. 13-42, 2001.

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