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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS


CURSO DE METODOLOGIA NO ENSINO SUPERIOR
DISCIPLINA: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
PROFª: DRA. LIA FONTELES E DRA. MARILDA MARTINS
DISCENTE: RAFAELA DOS SANTOS SILVA

RELATO AUTOBIOGÁFICO: VIVÊNCIAS NA PANDEMIA DO COVID-19

SÃO LUÍS
2022
O presente relato traz uma descrição das experiências vividas por mim, Rafaela
Silva durante o período de quarentena devido á Pandemia da Covid-19, iniciada em
meados de março de 2020. Pois para mim que sou educadora as escolas foram as
primeiras instituições a cancelar suas aulas.
Antes, no início do mês de fevereiro eu havia acabado de iniciar a Pós-
Graduação em Metodologia no Ensino Superior ofertada pela Universidade Federal do
Maranhão, e encontrava-me muito empolgada em retornar à instituição a qual graduei
em dois cursos (Educação Artística e Pedagogia). Além de estar trabalhando em dois
turnos em escolas da Rede Municipal de São Luís.
Acompanhava as notícias e a cada país que informava casos da doença, eu fazia
muitas orações pedindo que não chegasse ao Brasil. Mas foi algo quase impossível de
acontecer, pois nossas fronteiras continuavam abertas e não havia ainda muito controle
e protocolos de como prevenir que a Covid se alastra-se em nossa nação.
Com isso, fiquei exatos 3 meses confinada em casa com minha filha de 2 anos
sem ter certeza de nada, com aulas suspensas sem ainda nem saber que trabalharíamos
no sistema remoto. Na minha casa apenas meu esposo continuou a trabalhar
normalmente, pois como militar seu serviço era visto no momento como essencial.
Durante esses três meses de confinamento aproveitei para organizar a casa,
retirar roupas, brinquedos, sapatos, livros e outros itens para doação, pois me vi com
tantas objetos que antes eram usados e até mesmo ostentados sem ter agora utilidade
nenhuma, pois não tinha para onde sair. Foram sacolas e mais sacolas retiradas, isso fez
um bem tão grande para minha mente, pois já estava iniciando o processo de stress. Até
meu carro foi vendido, pois estava parado sem uso e já apresentando problemas.
Busquei fazer e aprender coisas novas: receitas culinárias, brincadeiras
pedagógicas para desenvolver com minha filha, aprendi a arte do Macramê, passei a
cultivar plantas, fiz vários cursos na área da Educação e também ingressei em clubes de
leitura que foram fundamentais para a organização da minha vida intelectual.
Mesmo desenvolvendo tantas tarefas a rotina já estava consumindo minhas
energias, deixando-me irritada, com dificuldades para dormir e com muita ansiedade.
Eu já não assistia mais telejornais ou qualquer outra fonte de notícias, pois estavam me
adoecendo com o bombardeio de informações desencontradas. A esperança parecia não
existir mais: será que seria o fim de tudo, será que teria oportunidade de ver minha filha
crescer, e os planos e as viagens programadas? Por alguns momentos tudo perdeu
sentido, a vida já não era como eu imaginava.
Na minha área de trabalho ainda não havia certeza de nada. Desde a segunda
quinzena de março/2020 tivemos aulas suspensas, e apenas em junho tivemos uma
reunião virtual para informes do que a Secretaria de Educação estava tentando
organizar. Mas uma coisa já tínhamos como certa: não voltaríamos às aulas no sistema
presencial.
Ainda no mês algumas atividades começaram a ser flexibilizadas, mas já com
protocolos de higienização, distanciamento, uso obrigatório de máscaras, entre outros.
Passamos então a sair apenas para casa de familiares, mas com muito receio, não
somente pela nossa saúde, mas também dos nossos familiares.
Em julho gozei das minhas férias (no caso férias coletivas na educação
municipal) e viajei junto com minha filha e marido para a casa da minha sogra no
interior, mais precisamente na região dos Lençóis Maranhenses. Foi uma libertação para
mim, poder sair do ambiente da cidade, respirar ar puro, ter contato com a natureza. De
fato, foi uma experiência significativa e pude perceber o quanto nós seres humanos
fomos feitos para ter liberdade.
Ainda em julho pudemos celebrar os 3 aninhos de vida da minha Helena em casa
mesmo apenas com os avós maternos e 3 priminhos dela. Havíamos planejado uma festa
em uma casa de festas infantis que já estava toda paga, mas adiamos para o ano
seguinte. Foi frustrante, mas Deus nos deu consolo e nos fez ver que outras coisas eram
mais importantes no momento.
Iniciando o mês de agosto retornamos as aulas na Rede Municipal de São Luís
de forma remota, sem nenhum tipo de suporte material da Secretaria, ou seja, passei a
utilizar meu celular, minha internet, meu notebook e todo meu tempo disponível para
trabalhar em um sistema a qual não estava preparada. Foi desesperador, cansativo e
frustrante. Muitas exigências da Secretaria, muitas promessas não cumpridas, muitas
reclamações dos pais e uma estafa generalizada.
Tinha que realizar aulas/atividades para os grupos de WhatsApp (pois era esta
nossa forma de ensino Remoto), e outras para a impressão para os alunos que não
tinham acesso à rede de Internet. Trabalho dobrado, muitas Formações ao mesmo tempo
que juntaram-se com a maternidade, vida conjugal, trabalhos de casa, e para mim
mesma não sobrava tempo para nada. Ao fim do dia estava exausta tanto mentalmente
quanto fisicamente.
Em meio a tudo isso, comecei a perceber que minha filha apresentava atraso na
fala, ela entendia tudo o que falávamos, mas a oralidade das palavras estava muito ruim.
Fomos então buscar apoio de uma fonoaudióloga e Helena iniciou as sessões,
apresentando boa evolução ao longo do tratamento.
Durante este período de 2020 algumas pessoas da minha família foram
acometidas pelo Covd-19, mas todas recuperaram-se muito bem.
Ainda no mesmo ano no mês de outubro tive a perda de um tio por conta de um
câncer no estômago, o que trouxe muita tristeza para minha família, pois entre descobrir
a doença e o falecimento foi apenas um mês. Muito triste e devastador. Foi exatamente
após este episódio que as crises de ansiedade em mim começaram a apresentar sintomas
mais graves, fazendo com que eu fosse buscar atendimento em emergências
hospitalares, por apresentar taquicardia, sensação de desmaio, muitas dores de cabeça,
entre outros sintomas.
Busquei logo tratamento com neurologista e desde os resultados dos exames
iniciei medicações para controle da ansiedade e de crises epiléticas, pois já estava com
alterações neurais sem ainda nem perceber fisicamente. Eu poderia estar dirigindo ou
até mesmo caminhando na rua e de repente ter um episódio epilético.
Iniciei também por indicação do meu neurologista algumas sessões de terapia
que também ajudaram-me a lidar com os quadros de ansiedade. Acabei não continuando
com as sessões devido os horários de trabalho e outras atividades que estavam
deixando-me exaustas (novamente a sobrecarga).
O ano de 2020 findou-se e a esperança de todos é que a vacina pudesse chegar o
mais rápido possível.
Com o início de 2021, novos casos de Covid voltaram novamente e agora ainda
mais devastador. Muitas pessoas próximas da minha família e a de meu esposo
faleceram por conta da doença. Os três primeiros meses do ano foram marcados por
muita dor, principalmente por ter perdido minha vó para esta terrível doença, em menos
de 15 dias ela faleceu, sozinha, na madrugada, colocada em uma pedra fria. Minha irmã
fez o reconhecimento do corpo e mesmo pedindo muito não deixaram com que
vestissem minha vozinha.
Ela foi colocada em um saco e depois em um caixão, que foi levado para o
interior. Não pudemos nos despedir, nem chorar direito sua morte, ficamos sem ter o
que dizer uns aos outros. foi um dia chuvoso, triste e cinza. Jamais esquecerei o dia 19
de março de 2021.
Nesse mesmo período iniciamos o ano letivo de 2021 ainda na modalidade de
Ensino Remoto com mais promessas que não foram cumpridas. Nós os professores da
Rede Municipal de São Luís continuamos mantendo todo o funcionamento desta
modalidade, mesmo com toda indignação assumimos este compromisso por conta dos
nossos alunos.
Ainda permanecia sem as aulas no CEMES, pois estavam mudando chefes de
setores e nem tínhamos a certeza se concluiríamos o curso. Mas após muita espera nos
foi apresentado uma nova coordenação que conseguiu articular as disciplinas pendentes,
professores para ministrarem as aulas e enfim, pudemos retornar aos nossos estudos
acadêmicos. Muitos da turma inicial abandonaram o curso por diferentes fatores, mas os
demais têm permanecidos firmes até então.
Eu e meu marido decidimos matricular Helena em uma escola de Natação, pois
como ela ainda não ia para a escola, a natação seria uma boa atividade para que ela
participasse. E até hoje tem sido muito bom pode acompanhar toda a evolução dela
nesta atividade.
Em agosto Helena iniciou suas atividades escolares no período matutino, as
quais trouxeram a ela independência, sentimento de cooperação, habilidade motora,
criatividade e uma rotina. Foi desde então uma ótima experiência para ela e para nós,
enquanto pais.
A vacina então chegou, para alguns de forma tardia infelizmente. Medo das
reações, medo das variantes, mas sempre com um sentimento de fé e esperança que me
fez continuar de pé cumprindo com tantos papeis que desempenho. Não foi fácil todo
este período mais crítico da doença, ainda permanecem os desafios diários, mas o
conhecimento que obtive com tantas experiências foram o divisor de águas na minha
vida.
A partir destas vivências e tomando como referência teórica Vigotsky
compreendo que todo o processo de desenvolvimento pelo qual passei, pois muitas
coisas mudaram em meus pensamentos e atitudes, foi um processo que não dependeu
apenas de mim, mas também de todos os fatores que estavam a meu redor. Questões
estas que afetaram outras pessoas, nas quais cada um teve um processo diferente de
desenvolvimento. Posso assim afirmar que somos sujeitos dotados de experiências
biológicas e também socioculturais, somos assim uma diversidade.
Considero ainda que este processo de aprendizagem que obtive aconteceu de
forma concomitante ao meu desenvolvimento intelectual, profissional e pessoal. Eu já
não sou a mesma Rafaela lá de 2019 antes da eclosão da pandemia, e até hoje me pego
analisando, avaliando pensamentos, atitudes que desenvolvo todos os dias.
Ainda cito Jean Piaget, pois segundo ele o conhecimento só é possível quando
encontramos o equilíbrio entre a assimilação e a acomodação, ou seja, quando
conseguimos entender a situação a qual estamos vivendo e como agimos em relação a
ela. E neste ponto cito o quanto foram necessárias as sessões de terapia para que
buscasse esse conhecimento de mim mesma e como eu devo agir diante das situações
em que sou submetida. Se algo não está em meu controle devo parar, respirar e tentar
ver outras possibilidades. Nada é certo ou fechado, podemos encontrar diferentes
aspectos, novas experiência e assim poder viver novos aprendizados.
Assim, deixo nestas linhas um pouco do que vi e vivi nestes dois anos de
pandemia, mesmo sabendo que a doença circula (agora mais controlada devido o
avanço da vacina e outros fatores), posso continuar vivendo com meus familiares, vendo
o desenvolvimento de Helena, posso continuar exercendo a missão de educadora
adquirindo cada vez mais experiências e podendo ajudar outras pessoas que ainda não
conseguiram reergue-se depois do advento da Covid-19. Que possamos dessa forma,
superar os obstáculos que a vida nos coloca, sendo resilientes e sábios em nosso pensar
e agir.

REFERÊNCIA
SALVADOR, César Coll; MESTRES, Mariana Miras; GONI, Javier Onrubia;
GALLART, Isabel Solé. Origem e evolução da psicologia da educação. In: Psicologia
da Educação. Porto Alegre: Editora Penso, 2015.

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