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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS

Arthur Depauli e Djulie Wieliczko


Inclusão e acessibilidade em contextos profissionais

Resenha Fílmica

O filme escolhido pela dupla para ser visto e discutido no presente trabalho
foi “Nise: o coração da loucura”. O filme se passa nos anos de 1950 e conta a
história de uma médica psiquiátrica que revolucionou a forma de tratar seus clientes
(como ela mesma os chamava). Nesse viés, percebemos no filme que as
identidades daqueles sujeitos são apagadas, eles deixam de ser Carlinhos, Adelina
ou Lúcio e passam a ser os “malucos” que são agressivos, que falam sozinho,são
apenas os esquizofrênicos, sendo assim, perdem totalmente sua subjetividade e
são vistos como um só termo pejorativo. Dito isso, Magalhães e Cardoso (2010),
trazem que :
Novos e múltiplos processos de identificação e diferenciação passam a
influenciar, assim, a construção das identidades. Tais processos são
permeados pelas relações de poder que passam a ditar o alvo das
identificações e diferenciações e, portanto, o que será incluído e o que deve
ser excluído de tais processos. “ (p. 8).

Com apoio nessa idéia, podemos dizer que esses sujeitos tinham suas
identidades arrancadas de si, configurados como menos nas relações de poder que
iam se construindo ao longo de suas vidas. Muitas dessas pessoas internadas eram
mulheres ou pessoas pretas, que sempre foram negligenciadas e postos à margem
da sociedade, excluídos dos processos de criação e sustentação de uma identidade
que fosse para além do estereótipo tido sobre esses grupos.
No filme uma das falas de uns dos personagens nos chamou muita a atenção
que foi a de Carlinhos, logo após arrumarem o local que ocorreria os encontros da
terapia ocupacional, Nise encontra Carlinhos mexendo na lixeira e ele fica repetindo
“o homem decide o que é lixo”, levados a pensar por isso, percebemos que
Carlinhos pode estar falando para além do lixo concreto que o que ele está vendo
em sua frente, mas falando também sobre eles, pois lá dentro eles eram tratados
como “lixos” no qual a grande parte dos funcionários trabalhava de forma
negligente, Magalhães e Cardoso (2010) apontam que:
A identificação e a diferenciação, como produções culturais e simbólicas do
sujeito inserido num determinado contexto, não podem ser apreendidas à
margem dos sistemas de significação social vigentes. Ter características ou
comportamentos apontados pela audiência como indesejáveis pode suscitar
sanções e reprimendas manifestadas por um sistema aperfeiçoado, porém
questionável, de controle social. (p. 9)”

O que os internos aprendiam lá, era de que eles eram pessoas sem
“salvação”, que eram menos, eram o lixo da sociedade. Dito isso, percebemos como
os médicos queriam ter o controle social sobre tudo que seus pacientes faziam ou
deixavam de fazer, e a partir do momento que Nise entra mudando aquilo que já
estava imposto - tratar os internos como nada - eles preocupam-se e passam a
fazer de tudo para seu trabalho dar errado, inclusive matar os co-terapeutas dos
clientes de Nise.
Nesse contexto podemos notar o machismo que atravessa as relações do
hospital. Desde a primeira cena a narrativa da obra já nos dá algumas pistas sobre
essa relação assimétrica entre os homens e as mulheres nesse local. Percebemos
isso no início do filme com Nise batendo na porta do hospital diversas vezes para
ser atendida e entrar no local. Outro ponto é o fato dela ser a única médica mulher
no local. E também como suas colocações eram invalidadas pelos colegas de
trabalho. Para além dos clientes, a própria Nise sofria a pressão da exclusão.
Entretanto, isso não a intimidou. Segue firme em seus posicionamentos, mas,
infelizmente, a consequência é ela ser isolada em uma ala abandonada do hospital.
E esse movimento se relaciona muito com a definição de exclusão trazida no texto
“Inclusão, exclusão, in/exclusão” de Alfredo Veiga-Neto e Maura Corcini Lopes
(2011) em que os autores trazem a ideia de Rafael Castel para tratar o conceito:

Robert Castel diz que o excluído é aquele que por sua invisibilidade não
perturba, não mobiliza e não altera a rotina do mundo. Para ele, os excluídos
são os que estão fora das estatísticas, escapam aos sistemas
previdenciários e de assistência, que são retirados de seus territórios, que
são depositados em asilos, que vivem vagando em não-lugares nos quais
sua presença não é notada porque não influem em nada e para nada.
(p.130)

Perante a isso, fica claro uma questão que circula a temática inclusão até os
dias de hoje: se não há como calar as vozes que insistem em gritar, então, vamos
afastá-las para não serem ouvidas. Nise quebra o fluxo que a organização seguia, o
que incomoda muito o restante da equipe. Logo, a ação imediata é excluí-la. E nisso
conseguimos ver o in/exclusão em que ela segue no hospital, mas afastada de
todos e sem o mínimo de suporte. E são diversas as tentativas ao longo do filme
para fazê-la desistir e dificultar o seu trabalho. Felizmente, a protagonista reforça
uma importante lição para nós: Não podemos desistir das nossas lutas. Para isso
vai em busca dos resultados necessários a fim de provar a sua tese. É, então, que
ela põe em prática coisas simples que fazem toda a diferença. Destaco a que mais
nos chama atenção: Nise humaniza os seus clientes. Sendo o próprio fato de
chamá-los de “Clientes” uma atitude que os retira do lugar passivo e os põem como
protagonistas.
A partir disso ela cria um ambiente seguro para que seus clientes sejam eles
mesmos. Rompe as correntes que o diagnóstico impõem e naturaliza alguns
comportamentos. Em determinado momento do filme um dos personagens tem uma
crise ciúmes e ao ser questionada a médica não hesita em dizer: “Foi só uma crise
de ciúmes, isso pode acontecer com todo mundo”. Fica claro que entender que o
sujeito vai para além da sua deficiência e ele ainda continua sendo alguém que tem
suas características como todos os outros é um movimento essencial para prática
da inclusão. Isso possibilita que o sujeito respire e dá a possibilidade dele poder
vivenciar as experiências humanas que todos nós temos sem o menor
questionamento. A partir disso é que se faz a prática de inclusão.
Por fim, não podemos deixar de destacar um ponto muito importante que o
filme aborda. Durante toda a obra podemos acompanhar a trajetória de um dos seus
auxiliares, o que iniciou bastante resistente às práticas adotadas e demonstrando
comportamentos exclusivos para com os clientes. Mas no decorrer do tempo ele vai
apresentando mudanças em seu comportamento. Agindo de modo mais
colaborativo e de fato se envolvendo com os clientes. Esse recorte apresenta um
importante elemento do trabalho da inclusão, que é pôr em contato diferentes
pessoas para que eles notem no final que não são tão diferentes assim e formar
novas perspectivas sobre essa temática.
Perante ao exposto, entendemos que essa obra aborda de modo exemplar a
temática da nossa atividade acadêmica. Trazendo reflexões importantes sobre
inclusão em um contexto desafiador. E que apesar de se passar em outra época,
ainda é completamente atual quando olhamos para o contexto que estamos
inseridos. Apesar dos avanços que tivemos, como a Lei Brasileira de Inclusão da
Pessoa com Deficiência (Lei N° 13.146, de 6 de julho de 2015) que diz no Art 1°:
“destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos
direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua
inclusão social e cidadania” (Brasil, 2015), ainda as pessoas com deficiência
encontram condições desiguais. O que nos leva refletir sobre a relevância de estar
discutindo sobre esse tema, pois, somente assim conseguiremos ampliar ainda
mais.

REFERÊNCIAS:

VEIGA-NETO, Alfredo. LOPES, Maura C. “Inclusão, exclusão, in/exclusão” Verve.


p. 121 - 135. 2011.

BRASIL, Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão


da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13146.htm >. Acesso
em 28 set. 2022.

CARDOSO, Lima. MAGALHÃES, Paiva. “A pessoa com deficiência e a crise das


identidades na contemporaneidade”. Cadernos de pesquisa. Janeiro de 2010.
Disponível em:
<https://www.scielo.br/j/cp/a/ffFYWJh6bDCH3JnPHm7tScP/?format=pdf&lang=pt>.
Acesso em 28 set 2022.

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