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Reflexões sobre o sofrimento humano e a Análise

Clínica Comportamental

DE SOUZA CONTE, Fátima Cristina. Reflexões sobre o sofrimento humano e a Análise Clínica
Comportamental. Temas em Psicologia, v. 18, n. 2, p. 385-398, 2010.
Disponivel em: https://www.redalyc.org/pdf/5137/513751436013.pdf.

[...] o sofrimento humano é analisado enquanto fenômeno altamente complexo e


verbal, sendo, dessa forma, único para a espécie humana e, idiossincrático.
1 As vinhetas aqui apresentadas são baseados em atendimentos clínicos realizados,
sendo que as informações que poderiam identificar seus protagonistas foram
alteradas, de maneira a garantir a sua privacidade e anonimato. (DE SOUZA CONTE,
2010, p 2)

Ao falarem de seu sofrimento, os clientes podem incluir sensações corporais,


sentimentos, emoções, pensamentos, tendências comportamentais, respostas
públicas aos eventos privados, atribuições causais, entre tantas outras respostas
humanas possíveis. (DE SOUZA CONTE, 2010, p 2)

Os clientes querem parar de sofrer e querem compreender por que sofrem ou


sofreram e, para a maioria, compreender já os leva a sofrer menos, ter esperanças e
colaborar no processo de mudança. (DE SOUZA CONTE, 2010, p 2)

Todo o sofrimento, portanto, compõe-se de respostas e comportamentos que se


modificam continuamente. (DE SOUZA CONTE, 2010, p 3)

As contingências filogenéticas selecionaram respostas, geralmente reflexos


incondicionados, que foram úteis para a sobrevivência da espécie. (DE SOUZA
CONTE, 2010, p 3)

A dor é a primeira estimulação que se relaciona ao sofrimento. (DE SOUZA CONTE,


2010, p 3)
Mas, além da dor, o indivíduo também responde a desconforto, restrição e a outros
estímulos que podem ser ou não nocivos ou que têm implicações na determinação do
sofrimento humano, como ilustrado em seguida para a raiva. (DE SOUZA CONTE,
2010, p 3)

Para Skinner, a aversividade de um estímulo não seria definida por suas


características físicas, simplesmente, e nem toda a estimulação que gerasse dano
seria, necessariamente, dolorosa ou sentida como aversiva. Segundo ele, uma dada
estimulação só poderia ser considerada aversiva se a sua remoção fosse reforçadora,
isto é, aumentasse a força da resposta que a retira. (DE SOUZA CONTE, 2010, p 3)

No entanto, além de todos esses processos, os humanos são capazes de realizar


outros que determinam, de maneira especial, a particularidade de seu sofrimento.
Esses estão relacionados ao comportamento verbal e à linguagem. O comportamento
verbal operante e a linguagem permitem a cada indivíduo tanto acelerar o seu
desenvolvimento comportamental adequado, quanto favorecer o desenvolvimento do
sofrimento. (DE SOUZA CONTE, 2010, p 4)

O sofrimento psicológico, o sofrimento humano, é verbal. Começa pela fuga e esquiva


da dor física ou de outra estimulação aversiva incondicionada, amplia-se através do
condicionamento operante e respondente e, como demonstram os estudos, torna-se
mais complexo e ampliado de forma especial em decorrência de processos verbais.
(DE SOUZA CONTE, 2010, p 4)

O comportamento de responder a estímulos arbitrariamente relacionados como classe


funcional decorre de vários treinos prévios de aprendizagem operante. (DE SOUZA
CONTE, 2010, p 4)

Os processos de equivalência e de quadros relacionais estariam imbrincados no


desenvolvimento do comportamento “simbólico” e do sofrimento humano, verbal. (DE
SOUZA CONTE, 2010, p 4)

Em decorrência desses processos, estímulos verbais podem desenvolver funções


aversivas, eliciar respondentes e evocar comportamentos de fuga e esquiva, que, por
reforço negativo, fortalecem encadeamentos e/ou amplas redes comportamentais de
sofrimento. . (DE SOUZA CONTE, 2010, p 5)
O contexto socioverbal e até mesmo os “modismos” sociais agregam a determinadas
classificações ou rótulos um valor e um julgamento que, em si mesmos, podem gerar
ainda mais sofrimento ao cliente e afetar um importante repertório altamente privado
que se denomina Self. . (DE SOUZA CONTE, 2010, p 6)

[...] uma série de eventos contextuais socioverbais, tais como regras e conceitos
arbitrários, colaboram para a peculiaridade do sofrimento humano e para os processos
de fuga e esquiva. (DE SOUZA CONTE, 2010, p 7)

Hayes (1987) observou que seus clientes acreditavam que seus problemas
psicológicos eram causados por suas cognições, sensações e emoções
desagradáveis. Ainda, postulavam que os problemas encobertos eram passíveis de
controle direto e que, quando falhavam em conseguir tal feito, consideravam-se
pessoalmente incompetentes. Pela lógica acima descrita associada à outra regra
generalizada socialmente de que se resolvem os problemas afetando suas causas,
deveriam remover o “sofrimento encoberto”, direta e prioritariamente, uma vez que
erroneamente acreditavam que este era a causa de seus problemas. (DE SOUZA
CONTE, 2010, p 7)

Além disso, muitas emoções desagradáveis são consideradas ruins em si mesmas ou julgadas
moralmente ruins em nossa cultura. Somando-se esse aspecto ao que foi acima exposto,
agregam-se mais fontes de sofrimento para o qual só há uma saída: a esquiva e fuga dos
encobertos [...] (DE SOUZA CONTE, 2010, p 7)

Tais respostas de fuga e esquiva tendem, em longo prazo, a fortalecer o sofrimento, tanto pelo
reforçamento negativo que as mantém, como por impedirem que o indivíduo se exponha às
contingências que poderiam ajudar na extinção de seus respondentes condicionados, na
ampliação de seu repertório global, da presença de reforçadores positivos em sua vida e o
aumento do seu bem-estar. (DE SOUZA CONTE, 2010, p 7)

E, como se isso não bastasse, aprende-se, com o comportamento verbal, a descrever e analisar
a experiência vivida. (DE SOUZA CONTE, 2010, p 7)

Vendo-se presos, dada a miopia, em gaiolas abertas, os humanos sofrem também por verem o
que perderam e que poderão perder “presos” ao sofrimento verbal arbitrariamente
construído. (DE SOUZA CONTE, 2010, p 7)

Ainda, estes processos se propõem a afetar classes comportamentais mais amplas, ao invés de
afetar queixas menores, como por exemplo, a forma com a qual os indivíduos lidam com seu
sofrimento, humano, verbal, de maneira geral e com os seus reforçadores e valores. P10

Assim, contrariamente ao que propõe o contexto socioverbal vigente que considera que o
“normal“ é ter uma vida sem sofrimento e que aqueles que não o conseguem estão
fracassando na “arte de bem conduzir a vida”, os analistas do comportamento compreendem
que sofrimento e prazer são os dois pontos finais em um contínuo que, de acordo com
Luciano, Valdivia, Gutiérrez e Páez-Blarrina (2006), se ampliam e se transformam quando se
trata de seres verbais. Em consonância, refuta com mais força a noção de que o sofrimento
humano seria um estado atípico ou “anormal”, em paralelo ao que se conhece sobre as
“doenças físicas” e os mitos das causas internas. As “causas” estão nas contingências
ambientais. P10

A linguagem humana, enquanto conjunto de práticas verbais que são compatilhadas por uma
comunidade, é considerada mais que uma mera vocalização ou forma de comunicação P10

A ACT tem como objetivo o manejo de encobertos. Contudo, ao invés de afetar seu conteúdo,
pretende alterar a função arbitrária automática, rígida ou generalizada que os eventos
privados assumem na determinação dos comportamentos e na organização das cadeias
comportamentais e colocar o responder do cliente sob controle de contingências ambientais
externas relacionadas aos seus valores P 11

Em resumo, mais do que lidar com um sofrimento específico, a ACT pretende dar ao cliente um
instrumental que o ajude a lidar, de forma mais eficaz e continuamente, com o sofrimento que
é fortemente determinado e mantido por contingências verbais e reforçamento negativo. P12

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