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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS

Arthur Depauli e Djulie Wieliczko


Processos de Avaliação Psicológica: Técnicas Projetivas

O grupo observou uma criança de 4 anos enquanto brincava com o irmão e


os primos. Para preservação da identidade da criança a chamaremos pelo nome
fictício “Theo”. Os demais nomes das crianças que aparecerem na escrita também
serão nomes fictícios. O acompanhamento teve dois momentos. Um inicial em que
estávamos no pátio de casa e lá estava a família - mãe, irmão, tia, e avó, os quais
foram chegando com o tempo. E um outro momento que foi em uma praça na qual a
dupla observou Theo e seu irmão brincarem. A escolha de mudar o local se deu em
função da necessidade de analisar como a criança se comportaria longe de tantos
adultos. Para a análise do brincar nos baseamos em alguns itens das listas
presentes no texto “Critérios de análise do brincar infantil” e também no texto
“Entrevista lúdica diagnóstica”.

Assim como na avaliação se inicia a “observação” já na escuta diagnóstica


(KRUG, BANDEIRA, TRENTINI, 2016), iniciamos a nossa observação desde o
primeiro momento do contato com a cuidadora. Dessa forma, em primeiro momento
conversamos um pouco com a mãe de Theo, que acabou por relatar algumas
dificuldades que estava passando com o menino, uma delas, por exemplo, foi a
queixa de que Theo estava batendo em seus coleguinhas de escola, e disse que já
havia avisado ao mesmo que se agredisse mais algum coleguinha na escola iria
“levar uns tapas” ao chegar em casa, fazendo com que criássemos a hipótese de
que a origem da agressão de Theo a seus colegas era justamente o comportamento
que adultos tinham com ele.

O primeiro contato com o Theo foi a chegada dele no pátio da casa que
fizemos a observação. Ele estava acompanhado da mãe, dos dois irmãos (um um
mês e outro de 3 anos), os primos de 16 anos, outro de 11 anos e um terceiro de 11
meses. No começo eles ficaram um pouco tímidos e desconfiados, próximos da
mãe. Mas aos poucos, conforme os adultos sentaram em um canto do pátio e/ou se
dispersaram para o interior da casa, as crianças começaram a explorar o local.
Segundo Greenspan e colaboradores (1993), o desenvolvimento físico e
neurológico é um dos tópicos a ser observado na análise do brincar. Dito isso, o
primeiro local que Theo se dirigiu foi o escorregador, subia e descia com facilidade.
Na sequência pegava as pedras e atirava para o alto. Corria de volta ao escorrega e
repetia isso algumas vezes. A partir disso podemos constatar que a criança
demonstra boa motricidade. Então, podemos afirmar que ele está dentro do
esperado neste tópico. Além disso, Kernberg (1998) traz que o parâmetro descritivo
está dentro a avaliação da atividade motora, a iniciativa do jogo da criança (buscar o
escorregador), interação com o terapeuta (Théo pegou da mão de um dos
observadores um brinquedo), o domínio do corpo, de pequenos brinquedos e dos
arredores, os quais notamos que Théo buscou explorar quase todos pontos, menos
os arredores.

Dito isso, a maior parte da observação no pátio da casa onde pode-se notar
que a criança ficou em volta de algum adulto, havendo disputa com os demais sobre
quem conseguiu mais contato com a mãe. Quando não conseguia contato com a
cuidadora, então, ia para o colo da avó ou da tia. Isso pode indicar pouca facilidade
em explorar o local, ia e voltava de dentro da casa com brinquedos. Entretanto, as
brincadeiras de Theo sempre se restringiam a ficar em volta de algum adulto, tal
como citado por Greenspan (1993) esse é um critério a ser avaliado, visto que
percebemos que a qualidade de vinculação e o relacionamento com a mãe eram
muito profundos, o que pensamos que pode demonstrar uma baixa capacidade de
agir por si próprio.

Kernberg (1998) traz que deve-se analisar os componentes dinâmicos da


atividade lúdica sendo um deles o uso da linguagem. Nesse sentido, percebemos
que a linguagem de Theo é pouco desenvolvida. Percebemos a utilização de “xexe”
para peixe e “teteto” para brinquedo. O grupo traz a hipótese de que isso tem
relação com esse vínculo citado anteriormente com a mãe, onde diversas vezes
acabava-se por não entender o que Theo queria dizer e logo a mãe se colocava em
cena para explicar sua fala, sem pedir para que ele tentasse novamente repetir o
que queria que quem estivesse à sua volta ouvisse, ela acaba explicando a sua fala,
parecendo que há uma linguagem entre mãe-filho a qual nós de fora não
entendemos, e Theo, por ter sua mãe ali, não busca exercitar essa fala.
O grupo ao notar que as crianças estavam mais voltadas para os adultos do
que para o brincar, sugerimos levar os dois irmãos à praça próxima da casa. As
crianças não demonstram hesitação com o convite, indicando facilidade em
separação com os adultos (ESQUIVEM, 1994). Efron (1979) traz como um dos
critérios a ser analisado a tolerância à frustração, e dentro desse critério se tem o
desenvolvimento da atividade lúdica, acatamento de instruções e seus limites e a
fonte da frustração. A dupla notou que Theo aparentava possuir uma baixa
capacidade de tolerância à frustração, visto que quando não conseguia o que queria
acabava gritando, chorando. Houve um momento na observação no qual Theo
queria a bola que seu irmão estava brincando e ao ver que não ia ter, gritou com o
mesmo. Outro ponto que nos chamou a atenção para analisar esse fator, foi o fato
de que quando seu primo mais novo, de onze meses, não entendia os seus “não”
ele segurava o braço do menino, restringindo a movimentação do bebê, e
mostrava-se bravo.

Assim como citado por KRUG, BANDEIRA, TRENTINI (2016) “O contato


inclui o estabelecimento de alguns limites que proporcionarão o enquadre
necessário para o trabalho avaliativo”, a dupla fez um contrato para percorrer o
caminho até a praça. Antes de sairmos, combinamos de não soltar a mão até
chegar na praça e cuidar para não ir para a beira da rua, assim que saímos pelo
portão Theo já deu a mão para segurar, não soltando ela em nenhum momento,
apenas quando nós soltamos, dessa forma, seguindo todo o combinado durante o
caminho percorrido, o que indica também uma boa capacidade de aceitar instruções
(EFRON, 1979).

Ao chegar na praça podemos constatar ainda mais a baixa capacidade de


exploração no local (GREENSPAN,1993), Theo teve facilidade em ir para vários
locais sozinho, mas ficava pouco tempo em cada brinquedo, o que pensamos que
pode demonstrar uma inconstância no brincar e acabava ficando mais tempo em
volta do grupo do que explorando o local por conta própria. Além disso, não
podemos observar a ausência de atividade lúdica (KERNBERG, 1998) visto que a
imaginação dele está bem desenvolvida uma vez que havia cachorros presentes na
praça e eram chamados de “Lobo mau" por Theo.
Ainda na praça, retornaremos ao tópico sobre a dificuldade de Theo de
permanecer um determinado tempo em cada brinquedo. Kornblit (1979) traz que se
deve analisar o ritmo das sequências do brincar da criança, e percebemos em Theo
uma sequência curta (fantasia seguida de defesa) e repetição de pauta (alto grau de
ansiedade). Theo ia brincar na gangorra, após dois minutos saia ia para outro
brinquedo. Ao chegar no outro brinquedo, brincava um pouco e iria para outro, Theo
repetiu o processo gangorra > balanço > trepa-trepa, durante todo o tempo no qual
ficamos no local. Iniciava a brincadeira e logo em seguida para e buscava fazer
outra e assim seguiu.

Ademais, com essa ida a praça e na observação no pátio da casa notamos a


capacidade de se relacionar com humanos (GREENSPAN, 1993). Consideramos
que Theo possui uma boa capacidade de relação, visto que tinha indicadores
gestuais presentes em sua fala, dava beijo no irmão de um mês (expressão sutil de
afeto), fazia contato visual tanto com a família quanto com nós, observadores.
Demonstrava ter boa qualidade de vinculação na relação com as pessoas que
falava, estabelecia vínculos de forma prática. Um dos únicos fatores trazidos por
Greenspan (1993) que a dupla notou uma certa dificuldade foi a capacidade de
negociar baseada na lógica. Theo fazia muito aquilo que queria, não perguntava
antes se podia realizar determinado ato, apenas fazia o que tinha vontade, um
exemplo foi o de que ele entrou dentro de casa buscou por uma bolachinha
recheada e a comeu e após acabar jogou o pacote da bolacha no chão,
demonstrando, então, fazer aquilo queria, tendo um adulto consentindo ou não.

Arzeno (1995) instiga o pensamento sobre o simbolismo do material. Com


base nisso, a dupla pensou em algumas atitudes de Theo tidas durante a
observação. Theo agarrou-se ao brinquedo de “peixe-bola” logo que ele foi inserido
em cena e não quis mais largar, houve diversas brigas com seu irmão de três anos
sobre quem teria a posse daquele brinquedo. Pensamos então, na forma que Theo
agia com o irmão mais novo, de um mês, que também agarrava-se ao menor com
certa possessividade, não deixando que seu outro irmão se aproximasse tanto,
demonstrando o mesmo com esse brinquedo, nos fazendo pensar sobre qual
representação esse material tinha para ele.
Por fim, a dupla conseguiu avaliar diversos aspectos importantes no
comportamento de Theo durante essa uma hora de observação. Conversando sobre
o Theo, a dupla considerou diversas hipóteses e desdobramentos sobre o seu
comportamento nesse momento de observação, foi um exercício muito valioso e
que nos fez pensar de uma maneira mais profissional.

REFERÊNCIAS:
KRUG, J. S.; BANDEIRA, D. R.; TRENTINI, C. M. Entrevista lúdica diagnóstica. In:
HUTZ, C. S. et al. (Orgs). Psicodiagnóstico. Porto Alegre: Artmed, 2016. p.73-98.

KRUG, J. S.; BANDEIRA, D. R. Critérios de análise do brincar infantil. In: HUTZ, C.


S. et al. (Orgs). Psicodiagnóstico. Porto Alegre: Artmed, 2016. p.211-229.

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