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Resumo:
O presente trabalho se desafia a investigar algumas conexões entre a música e a
matemática com crianças de berçário, a partir de alguns episódios envolvendo a sala de
aula. Os caminhos metodológicos se organizaram a partir de filmagens de situações
espontâneas e de intervenção docente de três crianças em sala de aula, com o uso de
músicas infantis. A partir dos registros audiovisuais, da transcrição dos vídeos de três
situações, que denominamos de episódios, analisamos, considerando as aproximações
com as noções matemáticas. Identificamos que as vivências em sala de aula mostram que
as crianças trazem vivências com o uso da música, que auxiliam na memorização, na
resolução de problemas e na desenvoltura linguística. As conexões da música e da
matemática estão ancoradas em práticas pedagógicas que consideram as múltiplas
linguagens, que envolvem as diferentes ações como a verbal, a corporal, as gestuais, a
partir de brincadeiras, de interações entre os sujeitos, da manipulação e exploração de
materiais.
1. Introdução
O presente trabalho se desafia a pensar sobre as conexões entre a música e a
matemática com crianças de berçário3. Para tanto, mobilizamos algumas vivências de uma
das pesquisadoras com crianças pequenas, problematizando e analisando, na perspectiva
1
Mestranda em Educação, Universidade Federal do Pampa/UNIPAMPA, Jaguarão, Rio Grande do Sul,
Brasil, cinthiapacifico@hotmail.com.
2
Doutora em Educação, Docente na Universidade Federal do Pampa/UNIPAMPA, Jaguarão, Rio Grande
do Sul, Brasil, marta.pozzobon@hotmail.com.
3
Denominação do município de Pedro Osório para a creche, que é oferecida para crianças de zero a três
anos de idade, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, n. 9394, de 1996.
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de produzir outros olhares para as práticas pedagógicas com a Educação Infantil. Nas
vivências, que envolvem a música, a dança, os diversos movimentos rítmicos e corporais,
percebemos o interesse e o entusiasmo das crianças, pois exploram o espaço da sala de
aula e se expressam corporalmente, trazendo saberes já adquiridos em outros lugares.
Essas ideias estão pautadas na discussão sobre a matemática como uma das
linguagens que pode ser considerada na Educação Infantil, no sentido de possibilitar a
ação da ação da criança, o seu protagonismo. Nesta abordagem, “a palavra linguagem é
utilizada no sentido amplo de compartilhar sentidos e comunicar significados, ou seja, de
leitura, de interpretação, de expressão e de produção de significados simbólicos e não no
sentido restrito de linguagem verbal, oral ou escrita” (BARBOSA, 2009, p. 85). Isto quer
dizer que as linguagens são aprendidas pelas crianças a partir de diferentes ações, como
as ações simbólicas, materiais, que envolvem os gestos, o choro, a fala, o movimento e
outras (BARBOSA, 2009).
Com base em tais ideias, as discussões ocorrem a partir da atuação docente, com
uma turma de berçário no ano de 2018, bem como da pesquisa intervencionista, que está
sendo planejada no curso de Mestrado em Educação pela Universidade Federal do Pampa.
O projeto de intervenção centra-se no desenvolvimento de ações envolvendo as múltiplas
linguagens, mas principalmente os usos da música e da matemática. Neste artigo, fizemos
um recorte da pesquisa em desenvolvimento e pretendemos investigar algumas conexões
entre a música e a matemática com crianças de berçário, a partir de alguns episódios
envolvendo cenas de sala de aula. Para isso, nas próximas seções consideramos as
discussões teóricas, os caminhos metodológicos, as descrições, as análises e as
considerações finais.
2. Discussão teórica
“favoreçam a imersão das crianças nas diferentes linguagens e o progressivo domínio por
elas de vários gêneros e formas de expressão: gestual, verbal, plástica, dramática e
musical”.
As formas de expressão e socialização que se dão no ambiente escolar desde a
creche, já são trazidas pelas crianças do contexto diário, produzidas no ambiente familiar,
“embora não nascemos sabendo nos relacionar com os demais (...) precisamos, no
convívio, aprender as formas de relacionamento” (BARBOSA, 2009, p. 13). Nestas
interações, aprendemos a nos comunicar e a fazer usos das diferentes linguagens, pois
“As crianças nascem com a possibilidade de construir linguagens: a linguagem do olhar,
a linguagem do gesto, a linguagem do toque. As linguagens são aprendidas pelas crianças
desde muito cedo nas interações que estabelecem com outros seres humanos”
(BARBOSA, 2009, p. 83).
Muitas das vezes, por questões sociais e culturais, as crianças não são entendidas,
nem respeitadas pelos adultos em suas manifestações e maneiras de se expressarem, mas
segundo Barbosa (2009), cabe ao adulto ter a clareza de traduzir a linguagem corporal
produzida pela criança, desde seus primeiros dias de vida, para satisfazer suas
necessidades, pois a linguagem corporal não é menos importante que a linguagem verbal
e também é uma forma de diálogo, podendo dizer muito a respeito da criança. Estas
experiências sonoras podem se manifestar desde o princípio da vida do bebê, ainda no
ventre da mãe, até mesmo com o uso da música, pois esta tem a capacidade de estreitar
os laços desde bem cedo, no contato com diferentes sons,
Sons estes produzidos pela própria mãe como o som do coração, som da voz,
entre outros, que mesmo sem perceber está estabelecendo um tipo de
linguagem com seu filho. Quando a criança nasce se depara com um universo
de sons produzidos pelos seres vivos e por objetos, pois, na maioria dos povos
é muito comum que a mãe cante para seu bebê e assim passa acontecer os
Como apontam os autores, a música pode propiciar uma forte conexão entre a mãe
e o bebê antes do nascimento e posteriormente em seus primeiros anos de vida por meio
de estímulos que serão desenvolvidos durante a infância. Este processo pode ser
experimentado em toda a trajetória de vida, e em vivências escolares posteriores, pois se
relacionam intimamente com questões sociais e culturais. Neste caminho, os Referenciais
Curriculares Nacionais para a Educação Infantil – RCNEI já propunha no final da década
de 1990 que
Neste sentido, conforme Moura (2006, p. 489), a matemática pode ser entendida
como “produto da atividade humana e que se constitui no desenvolvimento de solução de
problemas criados nas interações que produzem o modo humano de viver socialmente
num determinado tempo e contexto”. Sendo produto da atividade humana, a matemática
é uma linguagem que precisa fazer parte da vida das crianças, transcendendo a contagem
oral, é importante que tenham contato com a resolução de problemas, com a lógica, com
noções de espaço e formas, com as medidas. Ou seja, é importante que a matemática faça
sentido à vida das crianças, que se relacione com o dia a dia, seja aprendida de maneira
lúdica, nas interações e nas brincadeiras.
Na continuação, na próxima seção descrevemos os caminhos metodológicos.
2. Caminhos Metodológicos
A filmagem foi realizada com três crianças, de uma turma de berçário, na faixa
etária de 1 a 3 anos de idade, na qual uma das autoras atua como docente na cidade de
Pedro Osório/RS4. Para fins de análise, denominaremos as crianças como criança A,
criança B e criança C. Realizamos a filmagem de três situações, que denominamos de
episódio 1, episódio 2 e 3, conforme o quadro 1. De acordo com Pedrosa e Carvalho
(2005, p. 432) “episódio é uma sequência interativa clara e conspícua, ou trechos do
registro em que se pode circunscrever um grupo de crianças a partir do arranjo que
formam e/ou da atividade que realizam em conjunto”.
Quadro 1 – Os episódios
4
Situa-se a cerca de 300 km da cidade de Porto Alegre, capital do estado do Rio Grande do Sul, fazendo
divisa com os municípios de Cerrito, Arroio Grande e Capão do Leão.
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Quadro 2 - Episódio 1
A criança A está cantando e se movimentando levemente em cima de um tapete azul, com um guarda-chuva em
uma das mãos e balançando um brinquedo luminoso na outra. Escutamos a voz da criança A e da docente
cantando a seguinte música:
Criança A: Tá chovendo.
Criança A e docente: Tá chovendo.
Criança A: Sem paia!5
A criança A para de cantar e esfrega o nariz com a mão que está com o brinquedo luminoso.
Docente: Que fazer?
Criança A, com voz de outras crianças ao fundo: O que fazê? Abe o guada-chuva, abe o guada-chuva é pa
se estocode.6
A Criança A agora está segurando o guarda-chuva com a mesma mão do brinquedo luminoso e está girando o
guarda-chuva olhando para o gancho onde se segura o mesmo e para a docente alternadamente. Alguns sons de
risadas.
Criança A: É isso.
Docente: Para se esconder. Muito beeeem.
A Criança A retorna a trocar o guarda-chuva de mão, voltando a ficar com um objeto em cada mão.
Criança A: Eeee! Muito bem.
Aparece a criança B em pé ao lado do tapete azul batendo palmas para cima.
Docente: Muito bem.
Fonte: filmagem em 09 de outubro de 2018.
Quadro 3 – Episódio 2
5
Sem praia!
6
O que fazer? Abre o guarda-chuva, abre o guarda-chuva é para se esconder.
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A criança B para de cantar e de tocar o instrumento de brinquedo e olha para a janela da sala e passa a cantar: e
o o lala qui.
Criança B: bila bila e etelila7.
A criança B para de cantar e de tocar e olha para a televisão, no qual está sendo reproduzido um vídeo musical.
Se escuta alguns sons musicais e a criança B retorna a cantar e a tocar os instrumentos, reproduzindo a música
que escuta.8
Criança B: Uiu io.9
A criança B acompanha a música, tocando o teclado de brinquedo e em seguida se retira da mesa na qual estava
brincando.
Quadro 4 - Episódio 3
A criança C encontra-se sentada no chão em cima de um tapete tocando com uma baqueta em um tambor feito
de lata. Ao redor do tapete a criança A passa ao fundo, carregando uma almofada. A criança C tenta se levantar
tocando o instrumento e acaba sentando novamente e pegando o instrumento e o colocando entre as pernas.
Aparece a criança A caminhando, também tocando um tambor de lata, ela senta no tapete juntamente com a
criança C e tocam juntos.
A criança C começa a cantar com balbucios.
Criança C: A le a le a, a lelea, a le a, o iu a leia oa aa fu u tem.
A criança A toca um pouco o tambor e vira o mesmo de cima para baixo e assim o faz repetidas vezes. Ela
levanta o tambor e coloca nas costas.
Criança C: piu a le o labaca10
A criança C para de bater no tambor e olha para a docente e diz: Ão, fu u tem!11
Docente: O trem... Vamos cantar a música do trem?12
Uma outra criança ao fundo ao qual não aparece no vídeo, grita: Vamooooo.
Docente: Então vamos cantar.
A criança C volta a tocar seu instrumento e a criança A manuseia um tecido amarelo.
7
Brilha, brilha estrelinha.
8
A música que a criança B escuta do vídeo e reproduz cantando é o “Sapo Cururu” disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=ZrxjmULA9Ug
9
Na beira do rio...
10
Piuí, piuí, piuí abacaxi...
11
Eu fui no trem!
12
A música sugerida pela docente a ser cantada era “Piuí abacaxi”. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=kUH15yq6Eto
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Tais situações podem parecer muito simples em uma primeira análise, mas se
pensarmos a fundo estamos estimulando as crianças pequenas, de uma turma de berçário,
a mobilizar o raciocínio, a resolver problemas, a explorar objetos e materiais, podendo
desenvolver experiências matemáticas, pois “a educação matemática possibilita o
desenvolvimento das capacidades de generalizar, formular hipóteses, analisar, sintetizar,
inferir, deduzir, refletir, argumentar e etc.” e desde a primeira infância estes
conhecimentos poderão ser explorados, pois são “conhecimentos necessários à vida de
qualquer ser humano em sociedade” (QUARESMA, 2015, p. 11875).
5. Considerações finais
A partir das reflexões mobilizadas a partir das transcrições, bem como das análises
e das discussões teóricas, entendemos que conexões da música e da matemática estão
ancoradas em práticas pedagógicas que consideram as múltiplas linguagens, que
envolvem as diferentes ações como a verbal, a corporal, as gestuais, a partir de atividades
desencadeadas pelas brincadeiras, interações entre os sujeitos, manipulação e exploração
de materiais e outros. Essas ações possibilitam desenvolver inúmeras habilidades nas
crianças, desencadeando um desenvolvimento integral. Pautando-nos nestas
considerações e partindo das vivências das crianças com a utilização de diversas
linguagens em sala de aula, é possível depreender diversas conclusões sobre a importância
da formação cultural e social das crianças. Percebemos que através da utilização de
propostas lúdicas em sala de aula, estaremos contribuindo com outros processos de
aprendizagem, instigando a memorização, a criticidade, a aquisição da linguagem verbal,
entre outras.
Vale ressaltar que, em nosso contexto de trabalho e pesquisa, na Educação
Infantil, o que permite tal desenvolvimento é a valorização de momentos espontâneos de
aprendizagem, a possibilidade de que as crianças se expressem livremente. Dessa
maneira, vemos como uma prática assertiva o fato de não termos aulas planejadas de
maneira fechada, reconhecendo que, ao tratarmos de práticas com crianças pequenas,
precisamos garantir o espaço das interações, das brincadeiras e do lúdico. Dessa forma,
os momentos em sala de aula garantem o prazer, estimulam o gosto musical, promovem
aprendizagens e a interação entre as crianças.
Este cenário compõe um imaginário diferente sobre a escola e consequentemente
sobre a matemática, mostrando a necessidade de desenvolvermos praticas pedagógicas
envolvendo as diferentes linguagens. As conexões entre a matemática e a música podem
contribuir para a produção de sentido às aprendizagens cotidianas das crianças, na
perspectiva de que mobilizem recursos e exemplos vivenciados, para que enxerguem em
suas vivências escolares uma relação com sua vida, ampliem sua visão de mundo.
6. Referências
AMARAL, Maria Luiza Feres; SOARES, Laísa Carvalho da Silva; SOUZA, Eduardo
Venturini. Construção de Instrumentos de Percussão: uma experiência na educação
infantil. In,: Seminário Brasileiro de Educação Musical Infantil (2.: 2011: Salvador, BA)
BRASIL. MEC. CNE. CEB. Revisão das Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Infantil. Parecer CNE/CEB 20/2009. Diário Oficial da União, Brasília, 09 de
dezembro de 2009a, Seção 1, p. 14. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=13449&Ite
mid=935. Acesso em 12 de março de 2019.
PACHECO, Ana Luisa Viana. Matemática na creche? Uma reflexão sobre as práticas
pedagógicas em um centro municipal de educação infantil em contagem. 164 f.
Dissertação de (Mestrado Profissional Ensino e Docência) - Universidade Federal de
Minas Gerais, Belo Horizonte, 2017.