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Educação Matemática com as Escolas da Educação Básica: interfaces entre pesquisas e salas de aula

ALGUMAS CONEXÕES ENTRE A MÚSICA E A MATEMÁTICA


COM CRIANÇAS DE BERÇÁRIO

Cinthia Peres Pacífico Gonçalves1


Marta Cristina Cezar Pozzobon2

Eixo 2 – Pesquisas em Educação Matemática


Subeixo – Pesquisas em Práticas Escolares

Resumo:
O presente trabalho se desafia a investigar algumas conexões entre a música e a
matemática com crianças de berçário, a partir de alguns episódios envolvendo a sala de
aula. Os caminhos metodológicos se organizaram a partir de filmagens de situações
espontâneas e de intervenção docente de três crianças em sala de aula, com o uso de
músicas infantis. A partir dos registros audiovisuais, da transcrição dos vídeos de três
situações, que denominamos de episódios, analisamos, considerando as aproximações
com as noções matemáticas. Identificamos que as vivências em sala de aula mostram que
as crianças trazem vivências com o uso da música, que auxiliam na memorização, na
resolução de problemas e na desenvoltura linguística. As conexões da música e da
matemática estão ancoradas em práticas pedagógicas que consideram as múltiplas
linguagens, que envolvem as diferentes ações como a verbal, a corporal, as gestuais, a
partir de brincadeiras, de interações entre os sujeitos, da manipulação e exploração de
materiais.

Palavras-Chave: Música; Matemática; Educação Infantil; Linguagens.

1. Introdução
O presente trabalho se desafia a pensar sobre as conexões entre a música e a
matemática com crianças de berçário3. Para tanto, mobilizamos algumas vivências de uma
das pesquisadoras com crianças pequenas, problematizando e analisando, na perspectiva

1
Mestranda em Educação, Universidade Federal do Pampa/UNIPAMPA, Jaguarão, Rio Grande do Sul,
Brasil, cinthiapacifico@hotmail.com.
2
Doutora em Educação, Docente na Universidade Federal do Pampa/UNIPAMPA, Jaguarão, Rio Grande
do Sul, Brasil, marta.pozzobon@hotmail.com.
3
Denominação do município de Pedro Osório para a creche, que é oferecida para crianças de zero a três
anos de idade, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, n. 9394, de 1996.
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de produzir outros olhares para as práticas pedagógicas com a Educação Infantil. Nas
vivências, que envolvem a música, a dança, os diversos movimentos rítmicos e corporais,
percebemos o interesse e o entusiasmo das crianças, pois exploram o espaço da sala de
aula e se expressam corporalmente, trazendo saberes já adquiridos em outros lugares.
Essas ideias estão pautadas na discussão sobre a matemática como uma das
linguagens que pode ser considerada na Educação Infantil, no sentido de possibilitar a
ação da ação da criança, o seu protagonismo. Nesta abordagem, “a palavra linguagem é
utilizada no sentido amplo de compartilhar sentidos e comunicar significados, ou seja, de
leitura, de interpretação, de expressão e de produção de significados simbólicos e não no
sentido restrito de linguagem verbal, oral ou escrita” (BARBOSA, 2009, p. 85). Isto quer
dizer que as linguagens são aprendidas pelas crianças a partir de diferentes ações, como
as ações simbólicas, materiais, que envolvem os gestos, o choro, a fala, o movimento e
outras (BARBOSA, 2009).
Com base em tais ideias, as discussões ocorrem a partir da atuação docente, com
uma turma de berçário no ano de 2018, bem como da pesquisa intervencionista, que está
sendo planejada no curso de Mestrado em Educação pela Universidade Federal do Pampa.
O projeto de intervenção centra-se no desenvolvimento de ações envolvendo as múltiplas
linguagens, mas principalmente os usos da música e da matemática. Neste artigo, fizemos
um recorte da pesquisa em desenvolvimento e pretendemos investigar algumas conexões
entre a música e a matemática com crianças de berçário, a partir de alguns episódios
envolvendo cenas de sala de aula. Para isso, nas próximas seções consideramos as
discussões teóricas, os caminhos metodológicos, as descrições, as análises e as
considerações finais.

2. Discussão teórica

As expressões e as diferentes linguagens corporais ou verbais são a todo o


momento experienciadas no ambiente educacional por meio das práticas pedagógicas,
que buscam articular os saberes e as experiências das crianças (BRASIL, 2009). Nestas
práticas, as crianças exploram as diferentes linguagens, a partir das interações e da
brincadeira. Como apontam as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil
– DCNEI (2009, p. 4), as práticas pedagógicas precisam garantir experiências que

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“favoreçam a imersão das crianças nas diferentes linguagens e o progressivo domínio por
elas de vários gêneros e formas de expressão: gestual, verbal, plástica, dramática e
musical”.
As formas de expressão e socialização que se dão no ambiente escolar desde a
creche, já são trazidas pelas crianças do contexto diário, produzidas no ambiente familiar,
“embora não nascemos sabendo nos relacionar com os demais (...) precisamos, no
convívio, aprender as formas de relacionamento” (BARBOSA, 2009, p. 13). Nestas
interações, aprendemos a nos comunicar e a fazer usos das diferentes linguagens, pois
“As crianças nascem com a possibilidade de construir linguagens: a linguagem do olhar,
a linguagem do gesto, a linguagem do toque. As linguagens são aprendidas pelas crianças
desde muito cedo nas interações que estabelecem com outros seres humanos”
(BARBOSA, 2009, p. 83).

As linguagens podem se constituir nas interações sociais, no meio em que se vive,


e dentro das instituições, a partir das interações, dos estímulos, das vivências entre as
crianças e os adultos. Podemos dizer que a linguagem está intrinsicamente vinculada ao
protagonismo infantil, que é trazido por Souza (2016, p. 21), ao considerar “a criança
como alguém potente, capaz de criar formas de se comunicar e de se relacionar com o
mundo desde o início da vida”, e a partir de então construir novas percepções, saberes e
significados para as suas vivências.

Muitas das vezes, por questões sociais e culturais, as crianças não são entendidas,
nem respeitadas pelos adultos em suas manifestações e maneiras de se expressarem, mas
segundo Barbosa (2009), cabe ao adulto ter a clareza de traduzir a linguagem corporal
produzida pela criança, desde seus primeiros dias de vida, para satisfazer suas
necessidades, pois a linguagem corporal não é menos importante que a linguagem verbal
e também é uma forma de diálogo, podendo dizer muito a respeito da criança. Estas
experiências sonoras podem se manifestar desde o princípio da vida do bebê, ainda no
ventre da mãe, até mesmo com o uso da música, pois esta tem a capacidade de estreitar
os laços desde bem cedo, no contato com diferentes sons,

Sons estes produzidos pela própria mãe como o som do coração, som da voz,
entre outros, que mesmo sem perceber está estabelecendo um tipo de
linguagem com seu filho. Quando a criança nasce se depara com um universo
de sons produzidos pelos seres vivos e por objetos, pois, na maioria dos povos
é muito comum que a mãe cante para seu bebê e assim passa acontecer os

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primeiros contatos com a música (AMARAL; SOARES; SOUZA, 2011, p.


29).

Como apontam os autores, a música pode propiciar uma forte conexão entre a mãe
e o bebê antes do nascimento e posteriormente em seus primeiros anos de vida por meio
de estímulos que serão desenvolvidos durante a infância. Este processo pode ser
experimentado em toda a trajetória de vida, e em vivências escolares posteriores, pois se
relacionam intimamente com questões sociais e culturais. Neste caminho, os Referenciais
Curriculares Nacionais para a Educação Infantil – RCNEI já propunha no final da década
de 1990 que

Ouvir música, aprender uma canção, brincar de roda, realizar brinquedos


rítmicos, jogos de mãos, etc., são atividades que despertam, estimulam e
desenvolvem o gosto pela atividade musical, além de atenderem a necessidades
de expressão que passam pela esfera afetiva, estética e cognitiva. Aprender
música significa integrar experiências que envolvem a vivência, a percepção e
a reflexão, encaminhando-as para níveis cada vez mais elaborados (BRASIL,
1998, p. 48).

Nestas relações, a matemática também é considerada como uma linguagem


importante nas vivências das crianças, como alude Pacheco (2017, p. 73) “para as crianças
pequenas, não é a matemática que acontece desde bem cedo”, mas ela é “uma das
linguagens que podem auxiliar a criança nesse processo de aprender e de se desenvolver”,
sendo a matemática uma linguagem que corrobora para o desenvolvimento da criança, é
necessário promover na Educação Infantil um contato com diversas experiências
envolvendo os espaços, os tempos, as quantidades as relações e as transformações
(BRASIL, 2017).

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Neste sentido, conforme Moura (2006, p. 489), a matemática pode ser entendida
como “produto da atividade humana e que se constitui no desenvolvimento de solução de
problemas criados nas interações que produzem o modo humano de viver socialmente
num determinado tempo e contexto”. Sendo produto da atividade humana, a matemática
é uma linguagem que precisa fazer parte da vida das crianças, transcendendo a contagem
oral, é importante que tenham contato com a resolução de problemas, com a lógica, com
noções de espaço e formas, com as medidas. Ou seja, é importante que a matemática faça
sentido à vida das crianças, que se relacione com o dia a dia, seja aprendida de maneira
lúdica, nas interações e nas brincadeiras.
Na continuação, na próxima seção descrevemos os caminhos metodológicos.

2. Caminhos Metodológicos

Nesta parte, consideramos que adotamos a pesquisa de cunho qualitativo, pois


para Godoy (1995, p. 21), esta abordagem “[...] enquanto exercício de pesquisa, não se
apresenta como uma proposta rigidamente estruturada, permite que a imaginação e a
criatividade levem os investigadores a propor trabalhos que explorem novos enfoques”.
A partir disso, destacamos que a pesquisa qualitativa permite trabalhar com diferentes
abordagens para uma mesma situação, pois depende dos modos de olhar de cada
pesquisador.
Diante de tais ideias, descrevemos algumas situações envolvendo o uso da
música, a exploração de objetos, na perspectiva de analisarmos algumas conexões com a
matemática. As práticas pedagógicas com a Educação Infantil primam pela consonância
com as noções de aprendizagem lúdica, com a finalidade de garantir experiências
prazerosas para as crianças (BRASIL, 2009). A partir disso, adotamos como ferramenta
de coleta de dados a filmagem de situações espontâneas em que as crianças a partir da
intervenção docente se expressavam por meio da música. Assumimos juntamente com
Pinheiro, Kakehash e Angelo (2005, p. 721) que “[...] o vídeo constitui um instrumento
valioso para a coleta e geração de dados em pesquisas qualitativas”.

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A filmagem foi realizada com três crianças, de uma turma de berçário, na faixa
etária de 1 a 3 anos de idade, na qual uma das autoras atua como docente na cidade de
Pedro Osório/RS4. Para fins de análise, denominaremos as crianças como criança A,
criança B e criança C. Realizamos a filmagem de três situações, que denominamos de
episódio 1, episódio 2 e 3, conforme o quadro 1. De acordo com Pedrosa e Carvalho
(2005, p. 432) “episódio é uma sequência interativa clara e conspícua, ou trechos do
registro em que se pode circunscrever um grupo de crianças a partir do arranjo que
formam e/ou da atividade que realizam em conjunto”.

Quadro 1 – Os episódios

Episódios Data Crianças envolvidas e


idade

Episódio 1 9/10/2018 Criança A – 2 anos e 4


meses
Criança B – 1 ano e 8
meses

Episódio 2 10/09/2018 Criança B - 1 ano e 8


meses

Episódio 3 22/11/18 Criança C - 2 anos e


Criança A – 2 anos e 4
meses

Fonte: material das pesquisadoras.


A partir da filmagem de vídeos, os quais retratam momentos de expressão das
crianças através da música, realizamos as transcrições, que foram lidas e analisadas a
partir de nossos referenciais teóricos. Os registros retratam as noções rítmicas e artísticas
que as crianças possuem, demonstrando que, assim como previsto em nossas discussões
teóricas, a expressão por meio da música é algo inerente ao ser humano e manifesta-se
desde os primeiros anos de vida. E, também, percebe-se uma aproximação as noções
matemáticas, como mostramos na próxima seção.

4
Situa-se a cerca de 300 km da cidade de Porto Alegre, capital do estado do Rio Grande do Sul, fazendo
divisa com os municípios de Cerrito, Arroio Grande e Capão do Leão.
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4. A música e a matemática com crianças do berçário

Nas discussões acerca das linguagens, em que consideramos a música e a


matemática é importante destacar que as crianças ouvem, cantam músicas, exploram
materiais, contam histórias, como forma de expressão, em que manifestam situações
vivenciadas. Através da música, as crianças demonstram que a partir dos sons já podem
manifestar suas visões de mundo, pois aprendem e ensinam sobre coletividade e
divertimento. Nesta perspectiva, é a partir da dimensão lúdica, que as crianças se
defrontam com “situações físicas ou matemáticas” (BARBOSA, 2009, p. 51), que
vivenciam outras linguagens. Diante disso, abaixo trazemos os episódios 1, 2 e 3.

Quadro 2 - Episódio 1

A criança A está cantando e se movimentando levemente em cima de um tapete azul, com um guarda-chuva em
uma das mãos e balançando um brinquedo luminoso na outra. Escutamos a voz da criança A e da docente
cantando a seguinte música:
Criança A: Tá chovendo.
Criança A e docente: Tá chovendo.
Criança A: Sem paia!5
A criança A para de cantar e esfrega o nariz com a mão que está com o brinquedo luminoso.
Docente: Que fazer?
Criança A, com voz de outras crianças ao fundo: O que fazê? Abe o guada-chuva, abe o guada-chuva é pa
se estocode.6
A Criança A agora está segurando o guarda-chuva com a mesma mão do brinquedo luminoso e está girando o
guarda-chuva olhando para o gancho onde se segura o mesmo e para a docente alternadamente. Alguns sons de
risadas.
Criança A: É isso.
Docente: Para se esconder. Muito beeeem.
A Criança A retorna a trocar o guarda-chuva de mão, voltando a ficar com um objeto em cada mão.
Criança A: Eeee! Muito bem.
Aparece a criança B em pé ao lado do tapete azul batendo palmas para cima.
Docente: Muito bem.
Fonte: filmagem em 09 de outubro de 2018.

Quadro 3 – Episódio 2

A criança B está cantando e tocando um teclado de brinquedo e latas forradas na mesa.


Criança B: Lililo, ni no lilili tato tato bi.
A criança B olha para o lado, para uma colega que não aparece no vídeo e continua cantando.
Criança B: Bilo bilo lilili alou.

5
Sem praia!
6
O que fazer? Abre o guarda-chuva, abre o guarda-chuva é para se esconder.
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A criança B para de cantar e de tocar o instrumento de brinquedo e olha para a janela da sala e passa a cantar: e
o o lala qui.
Criança B: bila bila e etelila7.
A criança B para de cantar e de tocar e olha para a televisão, no qual está sendo reproduzido um vídeo musical.
Se escuta alguns sons musicais e a criança B retorna a cantar e a tocar os instrumentos, reproduzindo a música
que escuta.8
Criança B: Uiu io.9
A criança B acompanha a música, tocando o teclado de brinquedo e em seguida se retira da mesa na qual estava
brincando.

Fonte: filmagem em 10 de setembro de 2018.

Quadro 4 - Episódio 3

A criança C encontra-se sentada no chão em cima de um tapete tocando com uma baqueta em um tambor feito
de lata. Ao redor do tapete a criança A passa ao fundo, carregando uma almofada. A criança C tenta se levantar
tocando o instrumento e acaba sentando novamente e pegando o instrumento e o colocando entre as pernas.
Aparece a criança A caminhando, também tocando um tambor de lata, ela senta no tapete juntamente com a
criança C e tocam juntos.
A criança C começa a cantar com balbucios.
Criança C: A le a le a, a lelea, a le a, o iu a leia oa aa fu u tem.
A criança A toca um pouco o tambor e vira o mesmo de cima para baixo e assim o faz repetidas vezes. Ela
levanta o tambor e coloca nas costas.
Criança C: piu a le o labaca10
A criança C para de bater no tambor e olha para a docente e diz: Ão, fu u tem!11
Docente: O trem... Vamos cantar a música do trem?12
Uma outra criança ao fundo ao qual não aparece no vídeo, grita: Vamooooo.
Docente: Então vamos cantar.
A criança C volta a tocar seu instrumento e a criança A manuseia um tecido amarelo.

Fonte: filmagem em 22 de novembro de 2018.

A partir dos episódios, destacamos que a música é uma forma de expressão


bastante presente no cotidiano das crianças, através dela se divertem, usam a imaginação,
a criatividade e desenvolvem noções de espaço, de coletividade, aprendem sobre o
próprio corpo, como podem utilizá-lo para interagir com os colegas e manifestar suas
ideias. Esse desenvolvimento possibilitado pelo uso da música permite às crianças usarem
as diferentes linguagens como a verbal, a corporal e a matemática. As situações
envolvendo a música possibilitam o uso de outras linguagens, como propõe Ferro (2016,
p. 59)

Compreendemos que, na linguagem matemática, estão


consubstanciados os signos constituídos na cultura que, quando

7
Brilha, brilha estrelinha.
8
A música que a criança B escuta do vídeo e reproduz cantando é o “Sapo Cururu” disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=ZrxjmULA9Ug
9
Na beira do rio...
10
Piuí, piuí, piuí abacaxi...
11
Eu fui no trem!
12
A música sugerida pela docente a ser cantada era “Piuí abacaxi”. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=kUH15yq6Eto
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incorporados pela criança, contribuem efetivamente no


desenvolvimento da abstração, do raciocínio lógico, da memória, da
linguagem falada e escrita e na formação do pensamento teórico.

Estas ideias se aproximam dos episódios trazidos acima, pois em diversos


momentos, em sala de aula as crianças expressavam-se espontaneamente através da
música, algumas vivenciando situações consideradas na escola pela docente e outras
trazendo de seu cotidiano familiar. Por isso, com as crianças pequenas “as linguagens são
aprendidas nas ações materiais e simbólicas significativas”, em diferentes ações, como
“corporais, gestuais, verbais que acontecem no encontro entre crianças e crianças, entre
crianças e adultos” (BARBOSA, 2009, p. 85).

As ações envolvendo a música podem possibilitar às crianças brincarem,


interagirem com outras crianças e com o adulto e resolverem problemas. No episódio 1,
a criança A canta a canção da chuva, numa tentativa de seguir a letra original. Percebe,
olhando através da janela, que chove sem parar e que naquele momento não poderia
brincar na rua, repensando uma nova estratégia, pega o guarda-chuva na intenção de se
proteger da chuva, pois naquele momento este objeto seria uma solução tanto para se
resguardar como poder brincar na rua.

No episódio 2, percebemos que a criança B canta, explora objetos, batendo em


latas que representam um teclado. Ao bater sobre as latas, descobre sons e relaciona com
a música. No episódio 3, a criança C utiliza um tambor de lata produzindo uma linguagem
musical juntamente com seus colegas, demonstrando assim suas vivências já construídas
fora da escola, pois fazia associações com o trem de cargas que passa na cidade, o qual
convive no dia a dia. No momento em que manuseava as latinhas, produzia sons e
cantava, fazendo referência ao trem e com a intervenção da docente as outras crianças e
a criança C começaram a cantar a música do trem.

Quaresma (2015, p. 11873) afirma que “o desenvolvimento infantil ocorre pela


apropriação da linguagem e de formas cognitivas que são estabelecidas considerando seu
entorno sociocultural”, a saber, quando as crianças associam o que está sendo dito com
as suas práticas fora do contexto escolar, está se apropriando de diferentes linguagens,
ampliando suas formas de ver o que há em seu entorno. Neste sentido, ainda segundo a
autora, “a matemática está conectada com a vida, sendo reflexo de leis sociais que

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colaboraram para o conhecimento do contexto” (QUARESMA, 2015, p. 11874). Neste


contexto Smole (2014, p. 01) destaca que

Na educação infantil a aprendizagem matemática se dá a partir da


curiosidade e do entusiasmo das crianças e cresce em função do tipo de
experiências vivenciadas nas aulas. Experiências desafiadoras
incentivam a explorar ideias, levantar e testar hipóteses, construir
argumentos de maneira cada vez mais sofisticados.
Neste sentido, podemos dizer que, embora as crianças tragam de seu cotidiano as
vivências adquiridas, o meio escolar e a intervenção do professor potencializa as
aprendizagens, que neste caso ocorreu pela resolução de problemas, pelo manuseio e
exploração de objetos. Percebemos que algumas noções matemáticas aparecem na
exploração de objetos, ao tocar tambor, com as ideias de sequência e repetição, no uso do
guarda-chuva (abrir e fechar), nas ideias de fora e dentro da sala (está chovendo lá fora).
As ações da criança levam ao aparecimento das primeiras ideias matemáticas, “os
primeiros indícios do pensamento lógico”, mas para que consiga se comunicar
matematicamente é necessário “a ajuda do adulto”, para que a criança seja capaz de fazer
“associações e estabelecer relações entre o que ‘fala’ e ‘faz’ com aquilo que de fato deseja
‘dizer’ ou ‘fazer’” (FERRO, 2016, p. 49).

Tais situações podem parecer muito simples em uma primeira análise, mas se
pensarmos a fundo estamos estimulando as crianças pequenas, de uma turma de berçário,
a mobilizar o raciocínio, a resolver problemas, a explorar objetos e materiais, podendo
desenvolver experiências matemáticas, pois “a educação matemática possibilita o
desenvolvimento das capacidades de generalizar, formular hipóteses, analisar, sintetizar,
inferir, deduzir, refletir, argumentar e etc.” e desde a primeira infância estes
conhecimentos poderão ser explorados, pois são “conhecimentos necessários à vida de
qualquer ser humano em sociedade” (QUARESMA, 2015, p. 11875).

Portanto, os episódios considerados estão na linha do que discute Pacheco (2017,


p. 71) ao destacar que “A criança entra em contato com o mundo interagindo diariamente
com inúmeras grandezas e objetos, produções humanas, materiais ou ideias, que podem
ser lidos por meio da linguagem matemática”. Como a autora pontua, “não se trata de
trabalhar o conhecimento matemático com a criança pequena, mas o inverso”,
identificando “nas brincadeiras espontâneas e sugeridas pela professora, os elementos que
compõem os conhecimentos matemáticos ou a linguagem matemática” (PACHECO,
2017, p. 72).
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5. Considerações finais

A partir das reflexões mobilizadas a partir das transcrições, bem como das análises
e das discussões teóricas, entendemos que conexões da música e da matemática estão
ancoradas em práticas pedagógicas que consideram as múltiplas linguagens, que
envolvem as diferentes ações como a verbal, a corporal, as gestuais, a partir de atividades
desencadeadas pelas brincadeiras, interações entre os sujeitos, manipulação e exploração
de materiais e outros. Essas ações possibilitam desenvolver inúmeras habilidades nas
crianças, desencadeando um desenvolvimento integral. Pautando-nos nestas
considerações e partindo das vivências das crianças com a utilização de diversas
linguagens em sala de aula, é possível depreender diversas conclusões sobre a importância
da formação cultural e social das crianças. Percebemos que através da utilização de
propostas lúdicas em sala de aula, estaremos contribuindo com outros processos de
aprendizagem, instigando a memorização, a criticidade, a aquisição da linguagem verbal,
entre outras.
Vale ressaltar que, em nosso contexto de trabalho e pesquisa, na Educação
Infantil, o que permite tal desenvolvimento é a valorização de momentos espontâneos de
aprendizagem, a possibilidade de que as crianças se expressem livremente. Dessa
maneira, vemos como uma prática assertiva o fato de não termos aulas planejadas de
maneira fechada, reconhecendo que, ao tratarmos de práticas com crianças pequenas,
precisamos garantir o espaço das interações, das brincadeiras e do lúdico. Dessa forma,
os momentos em sala de aula garantem o prazer, estimulam o gosto musical, promovem
aprendizagens e a interação entre as crianças.
Este cenário compõe um imaginário diferente sobre a escola e consequentemente
sobre a matemática, mostrando a necessidade de desenvolvermos praticas pedagógicas
envolvendo as diferentes linguagens. As conexões entre a matemática e a música podem
contribuir para a produção de sentido às aprendizagens cotidianas das crianças, na
perspectiva de que mobilizem recursos e exemplos vivenciados, para que enxerguem em
suas vivências escolares uma relação com sua vida, ampliem sua visão de mundo.

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6. Referências

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