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14/10/2019 A Ypióca, comprada pela Diageo, está na mão do ex-dono | EXAME

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REVISTA EXAME

A Ypióca, comprada pela Diageo, está na mão do ex-


dono
A gigante de bebidas Diageo pagou quase 1 bilhão de reais para comprar a marca de cachaça
Ypióca. Dois anos depois, ainda tenta diminuir o poder do ex-proprietário da empresa
Por Tatiana Bautzer
 23 ago 2014, 08h00

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O empresário Everardo Telles: ele ainda manda muito na Ypióca (Drawlio Joca/EXAME/)


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14/10/2019 A Ypióca, comprada pela Diageo, está na mão do ex-dono | EXAME

São Paulo – O empresário cearense Everardo Telles deve sua fortuna — que supera facilmente
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bilhão de reais — à cachaça. No longínquo ano de 1846, seu bisavô fundou a destilaria Ypióca
em Maranguape, no sertão do Ceará.

Ao longo das décadas, os Telles se sucederam no comando e conseguiram a proeza de aliar


volumes imensos de produção a qualidade e preço superiores aos concorrentes. Foi até certo
ponto natural que, há dois anos, a multinacional britânica Diageo, maior fabricante de
destilados do mundo e dona de marcas como Johnnie Walker e Smirnoff, tenha feito uma
proposta para comprar a Ypióca.

Eram tempos em que os acionistas de multinacionais de consumo exigiam uma presença


maior em mercados emergentes. Comprar a Ypióca significaria dobrar, de uma só vez, de
tamanho no Brasil. Quando a Diageo colocou um cheque de 900 milhões de reais à frente de
Everardo Telles, não houve como recusar. Para o empresário de 71 anos, foi sem dúvida o
negócio de sua vida. Já para a Diageo…

O anúncio da compra da Ypióca foi carregado daquela euforia típica. O Brasil era um mercado
“atraente”, que crescia “rapidamente” e, com a Ypióca, a empresa estaria pronta para dar um
salto no país. Mas não demorou para que, passada a euforia — pense num inglês que acaba de
tomar cinco caipirinhas —, crescesse a suspeita de que a Diageo exagerara na dose.

O tal mercado que crescia diminuiu, e a cúpula responsável pela compra foi substituída. O
cerne do problema é o próprio Telles — que vendeu, mas ainda manda muito em sua ex-
empresa. O contrato entre ele e a Diageo deixou nas mãos de Telles uma variável crucial para o
sucesso do negócio — o preço da matéria-prima.

Das três fábricas da Ypióca no Ceará, só uma, junto com a fazenda próxima que produz cana-
de-açúcar, foi vendida à Diageo. Telles manteve duas destilarias que produziam 50% da
aguardente usada pela Ypióca como base para suas diferentes cachaças. Ele também é dono
das fazendas de cana que abastecem as duas fábricas.

Para complicar um pouco mais as coisas, a Diageo topou que Telles decida a que preço vai
fornecer. Ou seja, ele cobra quanto quer. A Diageo pode até comprar de outros fornecedores.
Mas os grandes produtores estão muito distantes da fábrica, e comprar cana deles é
impraticável, já que o produto estragaria no caminho.

A Diageo logo percebeu que estava nas mãos do antigo dono da empresa comprada por eles.
Procurado, Telles não deu entrevista. O diretor de suprimentos da Diageo, Marcelo Pimenta, diz
que o contrato de fornecimento está “dentro dos padrões globais” da empresa.

O primeiro embate aconteceu três meses depois do anúncio da aquisição, quando Telles
colheria a primeira safra de cana. Surpresos com o preço pedido por Telles pelo litro de
aguardente (mais de 2 reais por litro, quando a média do custo na região é 1 real), os diretores
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se apavoraram.

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Só então procuraram fornecedores alternativos, mas os únicos com capacidade suficiente


 em Pernambuco, a mais de 500 quilômetros da fábrica, o que resultaria
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num frete
superior a 1 real por litro, inviabilizando a compra. A Diageo acabou comprando de Telles.
Desde então, vem conduzindo uma estratégia para depender menos dele. 

Como o empresário convenceu os britânicos a aceitar essa condição? Representantes da


Diageo nas negociações lembram que a irredutibilidade de Telles nas reuniões semanais que
ocorriam em Fortaleza os levava ao desespero. Em determinado momento, desapareceu por
duas semanas.

Logo foi espalhado o boato de que Telles estava em conversas com a sul-africana Distell, uma
das grandes rivais da Diageo. A seu favor, Telles tinha a estratégia do então presidente da
Diageo, Paul Walsh, que pressionava por grandes aquisições nos mercados emergentes para
compensar a pasmaceira nos países desenvolvidos.

Além da Ypióca, investiu em outras duas empresas que produziam bebidas locais: a chinesa
Sichuan Shuijingfang e a turca Mey Icky. No último balanço, a Diageo registrou uma perda de
150 milhões de dólares no investimento na China.

Jogo duro

O jogo duro de Telles e a avidez da Diageo resultaram num negócio que, mesmo para os
padrões eufóricos da época, parecia ter custado caro demais aos ingleses. O preço de 900
milhões de reais da Ypióca correspondia a 18 vezes a geração de caixa da empresa, a maior da
história do setor no Brasil.

Em 2011, a japonesa Kirin pagara um múltiplo de 16 vezes pela cervejaria Schincariol. A própria
Diageo, por exemplo, vale em bolsa o equivalente a 12 vezes sua geração de caixa.   

O mercado não se comportou como a Diageo esperava. A venda de cachaça no país vem
caindo desde 2011 — o faturamento e o volume de vendas encolheram. No primeiro ano após a
aquisição, as vendas da Ypióca ficaram estagnadas.

A Diageo enfrentou problemas inicialmente ao definir uma estratégia para trazer para o
Sudeste a Ypióca, até então uma marca com forte sotaque regional. A Ypióca sempre custou
mais do que o dobro de marcas populares, como 51 e Velho Barreiro, e a Diageo tentou reduzir
os preços, mas a tentativa de concorrer com as marcas populares não deu certo.

“Foram testes feitos logo no início”, diz Grazielle Parenti, diretora de relações institucionais da
Diageo. No segundo ano após a aquisição, já sob a presidência da espanhola Olga Martinez, a
Ypióca voltou a crescer. Com a estratégia definida de marca premium, aumentos de preço e
esforço nas exportações, as vendas subiram.

Segundo dados
4 conteúdos do balanço
gratuitos da Diageo,
restantes o volume
neste mês. Assineaumentou 7% nailimitado
e tenha acesso comparação
» com 2012, e a
receita contabilizada em libras, 20%. De acordo com a Euromonitor, a Ypióca ganhou meio
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ponto percentual de participação de mercado em dois anos, chegando a 7,3% em 2013.


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A empresa está tentando compensar a estagnação do mercado local aumentando as
exportações: no primeiro semestre começou a levar a Ypióca para um novo mercado, o Reino
Unido (já exportava para Estados Unidos, França e Espanha). 

Todos os altos executivos envolvidos diretamente na compra da Ypióca deixaram a Diageo.


Walsh e o ex-presidente para a América Latina Randy Millan se aposentaram. O presidente no
Brasil, Otto von Sothen, saiu depois de seis meses e hoje preside a fabricante de tubos Tigre
(ele afirma ter deixado a empresa para tocar negócios pessoais).

A estrutura de cargos criada na Ypióca logo após a aquisição foi extinta e, desde o fim do ano
passado, 40 executivos foram demitidos. Só permaneceram um diretor de operações e um
comercial, responsável por todos os produtos da Diageo no Nordeste. Olga Martinez está,
agora, tentando diminuir o poder de Everardo Telles.

O grupo dobrou a capacidade da destilaria adquirida e começou a comprar cana diretamente


de pequenos produtores no Ceará. O diretor de suprimentos, Marcelo Pimenta, diz que está
comprando de 130 produtores próximos.

Mas a dependência do fornecimento do ex-dono da Ypióca ainda é grande. Oficialmente, a


Diageo diz ter uma “excelente relação” com o empresário. Em 2017, Everardo Telles estará
liberado para competir com a Diageo no mercado de cachaça.

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