JUSNATURALISMO– Antiguidade c) o realismo Aristotélico 2.
O jusnaturalismo cosmológico foi Sócrates
a doutrina do direito natural que Sócrates defendia a obediência às caracterizou a Antiguidade leis e seus ensinamentos eram greco-latina. Funda-se na ideia de gratuitos em contraposição aos que os direitos naturais sofistas. Atribuía ao ceticismo e ao corresponderiam à dinâmica do relativismo filosófico dos Sofistas a próprio universo, refletindo as leis temeridade de não orientar a ação eternas e imutáveis que regem o humana de maneira correta, no funcionamento do cosmos1. sentido da ética e do bem. Desde o século VI a. C, no período A expressão conhece-te a ti denominado cosmológico, já se representa a pedra fundamental admitia a ideia de uma justiça para a construção do humanismo natural, oriunda de uma ordem socrático. Para tanto, Sócrates cósmica, que marca a relação entre utilizava-se de um método, qual natureza, justiça e direito. seja: a maiêutica. Os Sofistas Por meio desse método, permeado Os sofistas dedicavam-se à arte da de sucessivos questionamentos, de retórica, cujos ensinamentos eram tal forma que revela ao seu cobrados das classes abastadas da interlocutor que ignora o que época. Abordavam temas como: acreditava saber, o que chamou de política, democracia, direito, ironia. justiça, equidade e a moral. O que fazia de Sócrates de tão sábio Pouco lhes importava a veracidade era o fato de continuar fazendo dos fundamentos, mas tão-somente perguntas e de estar sempre o processo de convencimento, pois disposto a debater suas ideias. A a verdade para os Sofistas era vida, declarava ele, só vale a pena relativa e (relativismo filosófico e ser vivida quando pensamos no que da justiça), portanto, dependia da estamos fazendo. Uma existência capacidade do orador em persuadir sem análise é adequada para o seu interlocutor. gado, mas não para os seres humanos3. Em contraposição aos Sofistas, desenvolveu-se o pensamento Por isso, para conhecer a realidade jusnaturalista a partir de 3 (três) objetiva pressupunha o conhecer a vertentes: a) humanismo si mesmo. Em consequência, a Socrático; b) idealismo Platônico; e, 2 Ricardo Maurício Soares, apud Machado Neto (1987, p. 339). 1 3 SOARES, Ricardo Maurício, in WARBURTON, Nigel. Uma Breve Elementos de Teoria Geral do Direito, História da Filosofia, Porto Alegre, RS: São Paulo; Saraiva, 2013, p. 134. L&PM, 2013, p. 4. formação ética resultaria na busca Divisão política da sociedade pelo conhecimento e pela felicidade. (estratificação): Ao contrário dos Sofistas, que a) artesãos, dos quais a justiça sustentavam a relatividade, exige temperança; contingência e efemeridade das leis, b) os militares, de quem a justiça Sócrates se dedicou a restabelecer exige coragem; o ideal cívico, que caracteriza a relação entre o indivíduo e a c) os chefes (filósofos), de quem sociedade. a justiça exige sabedoria. Com efeito, Sócrates creditava ao Infelizmente, seu modelo de saber e à verdade a virtude da sociedade era profundamente justiça e, portanto, da felicidade, pois antidemocrático e manteria as se o homem conhecesse a pessoas sob controle por meio da verdadeira justiça, jamais cometeria, combinação de força e mentiras4. voluntariamente, o mau, configurando o saber como forma de O Estado ideal tem dois elevação espiritual. atributos-chave5:
Platão (i) funda-se na justiça;
Platão foi discípulo de Sócrates e (ii) todos os cidadãos que
muito do que se conhece deste foi nele vivem são felizes. informado por Platão. Platão é considerado um idealista, A JUSTIÇA, PORTANTO, segundo essa visão filosófica o REFLETE, NESSE CONTEXTO, A mundo sensível seria uma espécie ADEQUAÇÃO DA CONDUTA verdades perfeitas do mundo das HUMANA À ORDEM IDEAL DO ideias (teoria das formas/ mito da COSMO, LEI SUPREMA DA caverna) SOCIEDADE ORGANIZADA COMO A justiça refletiria uma hierarquia ESTADO. harmônica das partes que compõem a alma: a sensibilidade, a vontade e o espírito. Aristóteles
A justiça, enquanto virtude maior, Divergência com Platão quanto ao
reflete-se nas virtudes particulares: conhecimento sensível e as ideias a) temperança = sensibilidade puras enquanto formas verdadeiras. regulada segundo a justiça; b) coragem = justiça da verdade; c) 4 Ibid, p. 7. sabedoria = justiça do espírito. 5 MORRISON, Wayne. Filosofia do Direito, dos Gregos ao A Justiça Política Pós-Modernismo, São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 41. Aristóteles, ao contrário, as ideias claro, então, que o respeitador da lei seriam imanentes às coisas, como e o honesto serão justos. Justo, essências que conformam a matéria. portanto, refere-se àquilo que respeita à lei, que é o honesto ou Assim, nas perspectivas de uma equitativo, e injusto é o ilegal, o visão realista, os objetos só desonesto e o parcial (Aristóteles, poderiam ser conhecidos a partir da Ética a Nicômaco, 1129ª). unidade forma e matéria. O Justo Político Para Aristóteles, o homem é um ser gregário, portanto, um ser que vive a) Justo natural: imutável, sem a em sociedade e, por isso, interferência humana; igualmente, deve ser considerado b) Justo legal = lei que tem um animal político. Assim, a justiça origem no legislador, limitada não pode ser separada da polis. no espaço e no tempo. Com efeito, há a necessidade A justiça é a principal virtude e se natural do ser humano, em divide em: sociedade, buscar o bem comum, por isso a polis pode ser a) geral; considerada, igualmente, uma necessidade, local de cuidado da b) particular. existência humana. Justiça Geral Daí a necessidade de regulação da Quando o homem age segundo a lei, vida em sociedade por meio da lei, mas nem sempre, pois poderão respeitando-se, sempre, a justiça. existir leis injustas, podendo ser E, afinal, o que seria a justiça para desrespeitadas. Justiça legal. Aristóteles? Justiça Particular A justiça é uma virtude adquirida a) Justiça distributiva: é o direito pelo hábito reiterado de ações que a uma parte dos bens sociais seguem um mesmo sentido. relativa à função que uma Trata-se do justo meio, contraposto pessoa exerce no corpo ao vício da injustiça, por excesso ou social. Princípio da igualdade por defeito6. proporcional ou da desigualdade proporcional, Considera-se que o termo injusto se não se trata de expressar aplica ao homem que infringe a lei e preferências subjetivas de um àquele que toma mais do que lhe é homem a outro, mas modo de devido, o homem ímprobo. Fica recompensa que deve ser justificado segundo critérios 6 identificáveis e SOARES, Ricardo Maurício, in Elementos de Teoria Geral do Direito, consensualmente aceitos, São Paulo; Saraiva, 2013, p. 138. segundo as diferentes funções do homem no corpo a) Justiça comutativa: social. reciprocidade de trocas na malha social – contratos; Quais então os critérios para se estabelecer as diferenças? b) Justiça reparativa: implica o retorno à situação anterior, Aristóteles sugere o critério do reprimir injustiça, reparar mérito está relacionado à concepção danos, aplicar punições. geral do objetivo da sociedade ou da cidade-Estado grega. (...) Segue-se daí que Aristóteles pode classificar a A equidade em Aristóteles importância das profissões e dos tipos de trabalhadores de acordo Cabe à equidade adequar a lei a com o modo como contribuem para uma situação concreta e, com isso, tal objetivo7. Reconhecimento de iguala equidade à ideia de justiça. dessemelhanças naturais, modalidades de vida e padrões de Não seria um justo segundo à lei, excelência. mas um critério corretivo geral da justiça legal, uma vez que em (...) Ser livre é governar e ser algumas situações que a lei de governado alternadamente (...) não ordem geral não corresponde a estar sob as ordens de quem quer certos aspectos particulares. que seja, em hipótese alguma, a não ser em um sistema de rotatividade do poder. O homem livre participa da criação política das leis, é parte da livre formação do Estado. O direito é um instrumento da ordem, mas de uma ordem livre e natural8. Justiça Corretiva É aquela que provê um princípio corretivo nas transações privadas, sendo exercida pelo juiz para pôr fim a disputas e punir infratores9. Divide-se:
7 MORRISSON, Wayne. Filosofia do Direito, dos Gregos ao Pós-Modernismo, São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 57. 8 Ibidem, p. 57. 9 Ibidem, p. 56.