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2022v1n60ID31172
Didier Fassin1
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Collège de France, Paris/Institute for Advanced Study, Nova Jersey, USA
Tradução: Annye Cristiny Tessaro
Esta obra está licenciada sob uma licença Creative Commons Attribution-
NonCommercial-ShareAlike 4.0 International License.
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outros lugares, em particular nos Estados Unidos, ocorreu principalmente
quando a escola africanista francesa retorna no seu país, estreitando sua
perspectiva que lhe permitiu encontrar seu lugar, se distinguindo de
outras disciplinas que lidam com a política na França. Como explicar
essa singularidade da antropologia política francesa? O que ganhamos
e o que perdemos nesse posicionamento intelectual? Esta é a dupla
pergunta para a qual eu tento dar algumas respostas. Em sua riqueza
e complexidade, a obra de Marc Augé, que vou iluminar com obras de
autores próximos a ele, me parece ser exemplar desta singularidade e de
suas apostas. Claro que, como qualquer campo científico, a antropologia
política francesa apresenta uma diversidade de abordagens e não pode
ser totalmente compreendida em nenhuma delas: pode-se evocar, em
particular, por meio das recentes pesquisas – aliás, quer se afirmem ou
não ser uma antropologia política – outras maneiras que estão emergindo
ao se afastarem do paradigma que analiso aqui. No entanto, a linha aberta
por Georges Balandier, na qual Marc Augé ocupa uma posição central
e original, me parece suficientemente importante, mesmo dominante,
para merecer uma reflexão sobre as escolhas teóricas – mas também, em
última análise, as escolhas políticas – que determinaram, na França, o
que se pode chamar a política dos antropólogos.
O TERRITÓRIO DO ETNÓLOGO
O exotismo do próximo
Seus novos temas de investigação – os políticos, nesse caso – certamente
os encorajam a fazê-lo pela própria maneira como os consideram. Assim,
Laurent Fabius (ABÉLÈS, 2000, p. 1) se maravilha, não sem humor,
com a chegada de um etnólogo à Assembleia Nacional que ele presidiu
durante muito tempo: “Ele veio uma manhã. Ele não usava nem chapéu
colonial nem equipamento de proteção. Ele largou seus microscópios e
enciclopédias. Dos jardins privados do Kikouyou, onde são produzidos os
feijões verdes do Quênia, agora pareciam distantes. África, Ásia, Oceania,
UM DESVIO TRANSATLÂNTICO
– por mais modernos que sejam, se quisermos usar uma qualificação antiga,
não devem deixar de despertar paixões, inclusive entre os antropólogos.
Talvez seja aqui que reside o problema. Ao reduzir a política ao ritual,
ao simbólico e à instituição, essa antropologia se distanciou tanto dela, no
sentido eliasiano de um desprendimento epistemológico, que as obras que
afirmam basear-se nela perderam, se não sua dimensão apaixonada, pelo
menos seu alcance crítico. Se compararmos Théorie des pouvoirs et idéologie
(AUGÉ, 1975) com Pour une anthropologie des mondes contemporains
(AUGÉ, 1994), não é apenas o assunto que mudou, como vimos: é também
o estilo e, antes de tudo, o estilo de crítica. Provavelmente foi esquecido,
REFERÊNCIAS
ABÉLÈS, Marc. Anthropologie de l’État. Paris: Armand Colin, 1990.
ABÉLÈS, Marc. Un ethnologue à l’Assemblée. Paris: Odile Jacob,
2000.
ABÉLÈS, Marc. Politique de la survie. Paris: Flammarion, 2006.
ARENDT, Hannah. Qu’est-ce que la politique? In: LUDZ, Ursula.
(ed.). Paris: Le Seuil, 1995.
ASAD, Talal. “Where are the Margins of the State”. In: DAS, Veena;
POOLE, Deborah (ed.). Anthropology in the Margins of the State.
Santa Fe, School of Arnerican Research Press/Oxford, James Currey,
2004. p. 279-288.
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Didier Fassin
dfassin@ias.edu
Didier Fassin é antropólogo e sociólogo. Inicialmente formado como médico
na Universidade Pierre et Marie Curie de Paris, ele praticou medicina
interna e ensinou saúde pública no Hospital de La Pitié Salpétrière, antes de
se voltar para as ciências sociais. Com mestrado na Sorbonne e doutorado
na EHESS, a École des Hautes Études en Sciences Sociales, tornou-se
professor da Universidade de Paris Norte e, posteriormente, diretor de
estudos da EHESS, cargo que ainda ocupa. No CNRS, o Centre National
de la Recherche Scientifique, foi o diretor fundador do IRIS, o Instituto
de Pesquisa Interdisciplinar em Ciências Sociais. Em 2009, foi nomeado
professor do Instituto de Estudos Avançados James D. Wolfensohn. Em
2019, foi eleito para a Cátedra Anual de Saúde Pública no Collège de
France, onde sua palestra inaugural foi intitulada “A Desigualdade das
Vidas”. Em 2021, foi eleito para a Academia Europea. Em 2022, foi eleito
Professor no Collège de France sob a disciplina de “Questions morales
et enjeux politiques dans les sociétés contemporaines”.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7684-2410
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