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EMBOLIA GASOSA EM NEUROCIRURGIA

PEDRO GARCIA LOPES*;


JUVENAL DE SOUZA ROGÉRIO*;
OSWALDO RICCIARDI-CRUZ**

A embolia gasosa por via venosa é uma complicação das intervenções


neurocirúrgicas realizadas com o paciente em posição sentada. Michenfel-
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der e col. , em 1.114 intervenções feitas nesta posição, sendo 418 craniecto-
mias occipitais, observaram embolias em 11 destes últimos casos. Altenburg
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(cit. por Michenfelder e col. ) em 635 intervenções assinalou embolia em
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3,8% dos casos. Em revisão da literatura, Tisovec e Hamilton encontra-
ram incidências que variavam de 2,6 a 15%. A mortalidade nos casos de
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embolia é grande; Ericson e col. verificaram que nos casos relatados na li-
teratura, a mortalidade foi de 73%.
Na Clínica Neurológica da Faculdade de Medicina da Universidade de
São Paulo, dentre 394 intervenções neurocirúrgicas feitas com os pacientes
em posição sentada, ocorreu embolia gasosa determinando êxito letal em
três casos. A freqüência e a gravidade dessa complicação, que deve ser
considerada em virtude da crescente utilização da posição sentada nas in-
tervenções neurocirúrgicas, motivam a apresentação deste trabalho.

O B S E R V A Ç Õ E S

C A S O 1 — Z . J . C . , sexo masculino, branco, com 38 anos de idade (Registro H . C .


909.163), internado com o diagnóstico de processo expansivo no ângulo ponto-cerebelar
esquerdo. E x a m e s de rotina confirmaram a presença da neoplasia.
Intervenção cirúrgica — Anestesia geral com nesdonal ( 2 , 5 % ) , inovai e protó-
xido de azoto ( 6 6 % ) , entubacão endotraqueal e controle do ritmo cardíaco com este-
tocópio pré-cordial. Paciente colocado em posição sentada e incisados os planos
superficiais. Craniectomia occipital, utilizando-se cera de osso, irrigação contínua
com soro fisiológico e rigorosa hemostasia. A l g u n s minutos após o início da craniecto-
mia ocorreram alterações circulatórias e parada cardíaca sem que, previamente, a
a u s c u l t a indicasse qualquer alteração do ritmo cardíaco; imediatamente, o paciente
foi colocado em decúbito dorsal, sendo feita m a s s a g e m cardíaca externa sem resultado.
A necropsia mostrou colapso pulmonar parcial e enfizema pulmonar, a l é m de u m neu-
rinoma do nervo acústico esquerdo.

C A S O 2 — G . C . O . , sexo masculino, branco, com 3 0 anos de idade (Registro H . C .


3 1 1 . 6 4 6 ) , admitido com o diagnóstico de m a l f o r m a ç ã o occípito-cervical.
Intervenção cirúrgica — Anestesia geral com nesdonal ( 2 , 5 % ) , inovai e protó-
xido de azoto ( 6 6 % ) , entubacão endotraqueal e controle do ritmo cardiaco com es-
tetoscópio pré-cordial. Paciente colocado em posição sentada e incisão dos planos

Clínica Neurológica, D e p a r t a m e n t o de Neuro-Psiquiatria, Faculdade de Medicina


da Universidade de São Paulo. * M é d i c o e s t a g i á r i o ; ** D o c e n t e .
superficiais. Craniectomia occipital, usando-se cera de osso, soro fisiológico e rigo-
rosa hemostasia. Pouso tempo depois de iniciada a craniectomia, foi ouvido, por
meio do estetoscópio pré-cordial, u m ruído forte e, imediatamente após, ocorreu queda
da pressão arterial e aceleração do pulso, seguido de parada cardíaca. Colocado o
paciente em decúbito dorsal, foi feita m a s s a g e m cardíaca externa e, logo depois, to-
f a c o t o m i a para m a s s a g e m cardíaca a céu aberto, tudo sem resultado. A necropsia
demonstrou invaginação basilar, nada sendo encontrado de a n o r m a l no coração e
nos pulmões.

C A S O 3 — J . A . C . , sexo masculino, branco, com 5 anos de idade (Registro H . C .


9 2 0 . 9 4 0 ) , internado com diagnóstico de processo expansivo no v e r m e cerebelar. E x a -
mes de rotina confirmaram o diagnóstico.

Intervenção cirúrgica — Anestesia geral com nesdonal ( 2 , 5 % ) , inovai e protó-


xido de azôto ( 6 6 % ) , entubação endotraqueal e controle do ritmo cardíaco com este-
toscópio pré-cordial. Paciente colocado em posição sentada e incisados os planos su-
perficiais. Graniectomia occipital, fazendo-se uso de cera de osso, soro f i s o l ó g i c o e
rigorosa hemostasia. Durante a craniectomia, ocorreu alteração da pressão arterial
seguida de parada cardíaca, que não regrediu com o decúbito dorsal e m a s s a g e m car-
díaca externa. U m e x a m e radiológico do t ó r a x feito após o óbito mostrou haver
grande quantidade de ar ao nível das áreas cardíacas. A necropsia mostrou a pre-
sença de um meduloblastoma no v e r m e cerebelar, nada sendo encontrado de anormal
no coração e nos pulmões.

C O M E N T Á R I O S

A posição sentada determina, nos vasos cranianos de pacientes subme-


tidos à intervenções neurocirúrgicas, uma pressão subatmosférica; visto que
os vasos da diploe não se colabam, há entrada de ar que vai localizar-se no
coração direito. Várias eram as hipóteses sobre o mecanismo que provocava
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os sinais e sintomas da embolia gasosa. Bierhans e Hintze (cit. por Emeri ),
mediante trabalho experimental com cães, concluiram que o mecanismo res-
ponsável é a obstrução mecânica, excluindo a ação reflexa, visto que os dis-
túrbios não são afastados pela vagotomia bilateral ou pela atropinização
do animal.
Não existem meios seguros para prevenir este tipo de embolia, mas al-
gumas medidas podem ser tomadas para diminuir as possibilidades de ocor-
5 8 9 n 1 2
rência desta complicação. Diversos autores . . . . consideram úteis para
a prevenção da embolia, os seguintes cuidados; utilizar respiração controlada
com pressão positiva durante a anestesia; evitar o uso de protóxido de azôto
na anestesia ou, então, usá-lo em baixa concentração (menos de 50%), de-
vendo sua administração ser interrompida no início da craniectomia pois
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Munson e Merrick , em trabalho experimental, demonstraram que quando
é usado este anestésico, a quantidade de ar necessária para provocar a morte
é menor; aumentar a pressão venosa alguns minutos antes da craniectomia
(circuito fechado de anestesia, ventilação com pressão positiva intermitente,
meias elásticas, macacões pressurizados); usar durante a craniectomia, cera
de osso e soro fisiológico.
Quando ocorre a embolia, é importante o diagnóstico precoce. De res-
ponsabilidade única e exclusiva do anestesista, este diagnóstico baseia-se
nos primeiros sinais de embolia: alteração da ausculta cardíaca, aparecendo
um som forte e rude ("mill-wheU"); alterações hemodinâmicas (aumento da
pressão venosa e queda da arterial); modificações nas concentrações dos
gases no sangue arterial e no bióxido de carbono e nitrogênio espirados. O
"mill-whell", embora seja o sinal mais característico da embolia, não é o
mais freqüente e só se produz quando é grande a quantidade de ar. Maroon
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e col. , realizando experiências em cães, necessitaram injetar, rapidamente,
30 a 40 ml de ar na veia para obterem o "mill-whell", coincidindo estes dados
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com os de Shivpuri (cit. por Maroon e col. ). Michenfeider e col. , em 11
casos de embolia, constataram a presença de "mill-whell" em apenas três.
Nos casos relatados neste trabalho, somente um apresentou o "mill-whell".
Algumas providências podem ser tomadas visando a facilitar o diagnós-
tico da embolia gasosa: estetoscópio esofágico, cateterização do átrio direito
para controle da pressão venosa, eletrocardiograma durante o ato cirúrgico
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e dosagem dos gases inspirados e espirados - . . ultimamente, está sendo
usado um monitor cardíaco ultrasónico que registra alterações do murmú-
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rio cardíaco com quantidade mínima de a r - .
O tratamento da embolia visa impedir a entrada de ar no sistema venoso
(tamponamento dos vasos da diploe; aumento da pressão venosa) e esva-
ziamento das câmaras cardíacas, sendo recomendadas: a aspiração do ar
através do cateter intra-cardíaco; a manobra de Durant que consiste em
colocar o paciente em decúbito lateral esquerdo e com a cabeça em nível
inferior; a interrupção no uso do protóxido de azoto, substituindo-o por oxi-
gênio a 100% com pressão positiva; o uso de vasopressores com ação ino-
trópica positiva; a massagem cardíaca externa. A aspiração direta do co-
ração e a massagem cardíaca a céu aberto não dão resultado, devido ao tempo
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necessário para ser feita a toracotomia. Michenfelder e col. não assinala-
ram caso algum de óbito dentre os 11 que apresentaram embolia, utilizando
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principalmente a aspiração do ar por cateter intra-cardíaco. Ericson e col. ,
em 7 casos, recuperaram 5 pacientes com massagem cardíaca externa e ma-
nobra de Durant. Nossos casos foram todos fatais, apesar de usarmos a
manobra postural e massagem cardíaca externa e, em um deles (caso 2),
massagem cardíaca direta mediante toracotomia.
Analisando todos os dados relatados, verifica-se a grande importância
da cateterização do coração, seja para diagnóstico precoce, seja para o tra-
tamento. Por outro lado, a utilização do monitor cardíaco ultrasónico pode
ser de grande valia no diagnóstico precoce da embolia gasosa.

R E S U M O

São relatados três casos em que ocorreram embolias gasosas e êxito


letal em pacientes submetidos à intervenções neurocirúrgicas em posição
sentada. As medidas preventivas e os métodos de diagnóstico e tratamento
são comentados.
S U M M A R Y

Air embolism in neurosurgery: report of three fatal cases

Three fatal cases of air embolism in which the patients were operated
in the sitting position are reported. Preventive care, methods for diagnos-
tical purposes and tretment resources are discussed.
R E F E R Ê N C I A S

1. E M E R Y , E . R . J. — A i r e m b o l i s m : a r e p o r t o f t w o cases, o n e t r e a t e d sucessfully.
A n a e s t h e s i a 1 7 : 455 1 9 6 2 .
2. E R I C S O N , J. A . ; G O T T L I E H , J. D . & S W E T T , R . B . — C l o s e d c h e s t m a s s a g e in
t h e t r e a t m e n t o f v e n o u s air. N e w E n g . J. M e d . 2 7 0 : 1 3 5 3 , 1964.
3. H A M B Y , W . B . & T E R R Y , R . N . — A i r e m b o l i s m in o p e r a t i o n s d o n e i n t h e
sitting position. A report of five fatal cases and o n e o f rescue by a simple
manoeuvre. Surgery 31:212, 1952.
4. H E W E R , A . J. H . & L O G U E , V . — M e t h o d s o f i n c r e a s i n g t h e s a f e t y o f n e u r o a -
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5. H U N T E R , A . R . — A i r e m b o l i s m in t h e s i t t i n g p o s i t i o n . A n a e s t h e s i a 1 7 : 4 6 7 ,
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6. M A R O O N , J. G.; G O O D M A N , J. M . ; H O R N E R , T . G. & C A M P B E L L , R . L . —
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7. M A R O O N , J. G.; E D M O N D S - S E A L , J. & C A M P B E L L , R . L . — A n u l t r a s o n i c
m e t h o d f o r d e t e c t i n g a i r e m b o l i s m . J. N e u r o s u r g . 3 1 : 1 9 6 , 1969.
8. M A R X , G. F.; S T E E N , S. N . ; F O S T E R , E . S.; J A D W A T , C. M . & K E P E S , E . R . —
A i r e m b o l i s m d u r i n g n e u r o s u r g e r y . N . Y . S t . J . M e d . 68:2801, 1968.
9. M I C H E N F E L D E R , J. D . ; T E R R Y Jr., H . R . ; D A W , E . F . & M I L L E R , R . H . —
Air embolism during neurosurgery: a new method of treatment. Anesth. Analg.
45:390, 1966.
10. M I C H E N F E L D E R , J . D . ; G R O V E R T , G. A . & R E H D E R , K . — N e u r o a n e s t h e s i a .
A n e s t h e s i o l . 3 0 : 6 5 , 1969.
11. M U N S O N , E . S. & M E R R I C K , H . C . — Effect o f n i t r o u s o x i d e o n v e n o u s air
e m b o l i s m . Anesthesiol. 27:783, 1966.
12. T I S O V E C , L . & H A M I L T O N , W . K . — N e w c o n s i d e r a t i o n s in a i r e m b o l i s m d u r i n g
operation. J. A m . m e d . A s s . 2 0 1 : 3 7 6 , 1967.

Clínica Neurológica — Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo —


Caixa Postal 3461 - São Paulo, SP — Brasil.

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