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Futebol, Cultura

e Sociedade
Material Teórico
História Cultural do Futebol

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Dr. Antônio Carlos Vaz

Revisão Textual:
Prof. Me. Claudio Brites
História Cultural do Futebol

• Introdução;
• O Futebol Nascente e as Transformações
Culturais e Sociais;
• O Futebol Chega ao Brasil;
• O Futebol Chega ao Profissionalismo.

OBJETIVO DE APRENDIZADO
• Conhecer o caldo cultural que originou o futebol, as práticas corporais e sua introdução
nas escolas. O futebol como prática esportiva amadora.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.

Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.

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de se alimentar
Assim: e de se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como seu “momento do estudo”;

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo;

No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos
e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você tam-
bém encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua
interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados;

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus-
são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o
contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e de
aprendizagem.
UNIDADE História Cultural do Futebol

Introdução
Nesta Unidade, veremos como uma prática corporal, ou diferentes tipos de prá-
ticas corporais, vão se incorporando, se condensando e se transformando em ou-
tras. As diferentes pessoas, os diferentes grupos, com diferentes interesses, vão
produzindo uma coisa nova a partir do emaranhado cultural a que estão ligados.

Veremos ainda como uma prática corporal, que ganha importância cultural e
social, vai se moldando aos diversos cenários sociais em que é exposta e, ao mesmo
tempo, influenciando essa paisagem e promovendo alterações na vida social.

Esse caso pode ser percebido no processo de profissionalização dos atletas de


futebol, que abriu um universo de possibilidades para os jovens das camadas mais
pobres da população.

O Futebol Nascente e as
Transformações Culturais e Sociais
O futebol não foi uma simples invenção, não saiu da cabeça de uma pessoa. Essa
importante manifestação contemporânea da cultura humana, praticada hoje em qua-
se todos os rincões do planeta, é resultado de variadas práticas corporais que marca-
ram a cultura dos povos britânicos, e dos povos que constituíram os povos britânicos.

Evidentemente que as práticas corporais em que as pessoas brincavam com algo


parecido com uma bola, em suas múltiplas possibilidades – como com uma bexiga
de boi, ou de algum outro animal grande, ou uma produzida a partir do látex, ou
as confeccionadas de bambu –, e que se usava os pés para controlar ou tocar esse
objeto, não foi exclusividade dos bretões.
Explor

Futebol nas civilizações orientais, disponível em: https://goo.gl/WuH9kW

Há registros dessas práticas entre várias civilizações, como entre os chineses,


os japoneses, os povos originários das Américas – Ameríndios, como são também
conhecidos –, além, evidentemente, de povos que se movimentavam dentro do
próprio território hoje conhecido como Europa.

Ameríndios: denominação dada aos habitantes do continente americano começaram após


Explor

a chegada dos navegadores europeus.

Fonte: https://bit.ly/2Id35dZ

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Entre várias tentativas de nomear os povos da América estão nativo americano,
indígena e índio. Porém, até hoje ainda não se sabe como estes povos chegaram ao
continente. As teorias são diversas, mas, a de maior aceitação indica que eles chega-
ram pelo Estreito de Bering, localizado ao Norte da Ásia. Esta faixa de terra faz uma
divisão entre os E.U.A. e a Rússia. Na época da movimentação dos povos até a Amé-
rica, o mar estava em um nível mais baixo graças à  glaciação. Desta forma, uma
passagem de gelo natural foi formada entre a América e a Ásia, pela qual esta popu-
lação chegou à América. [...] Outra hipótese indica que os povos ameríndios tenham
chegado atravessando o oceano Pacífico. Assim, teriam vindo de partes da Ásia e
da  Oceania. De acordo com alguns historiadores, os primeiros povos da América
teriam feito a migração há aproximadamente 70 mil anos e, devido à grande quanti-
dade de pessoas, não poderiam ter utilizado apenas um caminho.

Entretanto, apesar das variadas


práticas corporais com algo pareci-
do com uma esfera e tocada pelos
pés, por várias localidades do pla-
neta, ao longo do tempo, é na Grã-
-Bretanha que essa prática corporal
ganhará as primeiras tentativas de
tornar a regulamentação dessa práti-
ca mais ampla, de forma a propiciar
o jogo entre grupos de diferentes lo-
calidades, de diferentes escolas, de
diferentes universidades, de diferen- Figura 1
tes clubes sociais etc. Fonte: iStock/Getty Images

A questão da origem desse elemento da cultura corporal não pode ser deter-
minada como se tivesse vindo diretamente das práticas corporais bretãs. Há con-
trovérsias quanto a isso. Os italianos, por exemplo, chamam essa manifestação da
cultura corporal de Calcio, como podemos observar pela imagem a seguir, da Copa
do Mundo de 1934.

Figura 2
Fonte: iStock/Getty Images

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UNIDADE História Cultural do Futebol

Para os italianos, as práticas corporais que deram início ao que hoje chamamos
de futebol, teve origem a partir de uma manifestação da cultura corporal presente
entre a população do Império Romano chamada de Calcio. Essa prática teria sido
levada por todo o Império, por seus soldados e colonos em suas ocupações, os quais
ocuparam os mais distantes locais do território europeu, inclusive a Grã-Bretanha.

Você Sabia? Importante!

Existem raízes históricas que explicam isso: o futebol, o rúgbi e o futebol americano
evoluíram de um mesmo jogo de bola – de regras variáveis ao longo do tempo e de
lugar para lugar – que teve seu primeiro registro com o nome de football na Escócia
do século 15, segundo o dicionário etimológico de Douglas Harper. [...] Harper acres-
centa que, por volta de 1630, aquele football primitivo tinha virado febre na Inglaterra.
A primeira sistematização de regras foi feita na universidade de Cambridge em 1848,
mas sua validade expirou em menos de duas décadas. Logo ocorria uma cisão funda-
mental para o panorama esportivo como o conhecemos. Aquilo que logo ficaria conhe-
cido como rugger (gíria formada a partir de Rugby, nome de uma cidade inglesa que se
distinguia nessa modalidade) foi para um lado, com sua bola oval e sua permissão do
uso das mãos, enquanto soccer (palavra composta com uma das sílabas de association,
“associação”) passava a nomear informalmente o jogo da turma que aderiu à Football
Association, a liga dos pés.

Fonte: https://bit.ly/2VnHVNK

Em 1969, nos Estados Unidos, houve uma comemoração do centenário do pri-


meiro código de regras do futebol. Entretanto, essa celebração se dirigia mais a um
“futebol” mais próximo daquele praticado nas várias partes do mundo, do que pro-
priamente àquele praticado em seu território, como o, conhecido por nós, futebol
americano, ou mesmo o rúgbi (MURRAY, 1999).

A forma de jogar futebol na Grã-Bretanha, e em alguns países de língua inglesa,


na década de 1860, era apenas mais uma das formas que os jovens de classe média
tinham de jogar chutando uma bola.

Figura 3
Fonte: iStock/Getty Images

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O primeiro jogo de futebol disputado entre universidades se deu entre as de
Princeton e Rutgers:
Realizado em um grande campo com 25 jogadores de cada lado, os
pontos eram marcados quando os jogadores colocavam a bola dentro
de uma baliza. Correr com a bola na mão, como no rúgbi, era proibido.
Havia muitos rapazes praticando futebol na década de 1860, portanto,
precisava-se estabelecer uma regulamentação. (MURRAY, 1999, p. 19)

Como se pode ver, em cada canto havia uma forma de se jogar. Essas formas podiam
variar conforme o tamanho do campo, o número de jogadores, entre outras coisas.

Foi em 1863, em Londres, que surgiu o primeiro código que procurava regula-
mentar essa prática esportiva, tentando, assim, criar a possibilidade de unificar as
regras para que os times pudessem participar de torneios. Essa prática esportiva veio
a ser chamado de Association Football. É da expressão Association Football que o
termo Soccer, como é chamado nos Estados Unidos, é derivado (MURRAY, 1999).

Apenas em 1871, oito anos mais tarde, o rúgbi, que se originou das mesmas
manifestações da cultura corporal que o futebol, e que guardou certas características
daquelas práticas, como o correr com a bola nas mãos, tem suas regras estabelecidas.
Antes que Walter C. Camp definisse as regras finais para um único fute-
bol americano, esse esporte evoluiu das regras do soccer às do rúgbi. Em
1866, no estado de Vitória, na Austrália, uma outra forma de futebol foi
regulamentada e logo criou raízes. Por isso, a confusão sobre a “primei-
ra” forma de futebol é compreensível. (MURRAY, 1999, p. 20)

Assim, não se pode firmar uma trajetória determinada para o surgimento do


futebol como um esporte independente de outros esportes, como o rúgbi, o futebol
americano ou o futebol australiano, tal como o vemos hoje. Não há um primeiro
futebol, todas as práticas corporais que antecederam e influenciaram a prática do
futebol têm suas origens nas sociedades pré-industriais (MURRAY, 1999).
Essas práticas corporais, características do período pré-industrial, faziam parte
da vida cultural da população pobre das aldeias, não havia regras escritas e faziam
parte de celebrações religiosas, rituais de fertilidade ou ainda para marcar as mu-
danças de estações do ano.
Embora essas práticas, que se caracterizavam por qualquer bola chutada com
o pé, fossem eminentemente populares, havia pessoas apaixonadas pelo futebol e
que tiveram grande responsabilidade na difusão desse, como clérigos anônimos e
algumas pessoas importantes na estrutura social (MURRAY, 1999).
Entretanto, devido à sua grande simplicidade, era menosprezado pe-
los que podiam praticar atividades mais caras, principalmente esportes
equestres. Além disso, condenava-se o uso do futebol por ser inútil ao
treinamento militar, por ameaçar o espírito com sua licenciosidade e por
colocar em risco a vida e a propriedade, por causa de sua violência. Mas
outros consideravam o futebol um esporte inofensivo, e não viam razão
para privar os pobres de um prazer simples. (MURRAY, 1999, p. 20)

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UNIDADE História Cultural do Futebol

Figura 4 – Sátira britânica, Londres, caricatura de quadrinhos: jogo de futebol


Fonte: iStock/Getty Images

A transformação da Inglaterra de uma sociedade agrária para uma sociedade


industrial trouxe importantes contribuições para o desenvolvimento de novas prá-
ticas corporais.

Os jogos disputados antes nas zonas rurais, em campos abertos, vão sendo
adaptados para as características da nova zona urbana, com suas ruelas e pequenos
terrenos. O tempo de não-trabalho da população trabalhadora, antes fixado pelo
sol, pelas estações do ano e pelas obrigações feudais, é agora entendido como
tempo de lazer, mais limitado e agora determinado pela luz artificial e pelas neces-
sidades de seus patrões (MURRAY, 1999).

No bojo do desenvolvimento urbano estão os investimentos em transporte e em


estradas. Tais transformações na organização da sociedade produziram também
maiores possibilidades para o desenvolvimento da padronização das práticas es-
portivas, como o futebol, uma vez que facilitou o deslocamento de uma cidade para
outra, possibilitou, ao mesmo tempo, os jogos entre os diferentes grupos populacio-
nais, o que, por certo, acelerou o processo de uniformização das regras do esporte.

Com essa expansão da sociedade urbana e das novas possibilidades para as


práticas culturais de caráter esportivo, começa a se fazer necessária a criação de
um órgão que dirija e coordene essas práticas, de modo a permitir que as pessoas
de localidades diferentes possam se relacionar e praticar juntos o mesmo esporte.

Esse movimento se iniciou na Grã-Bretanha muito antes do que em outros pa-


íses. Antes mesmo da regulamentação do futebol, as regras para as corridas de
cavalos já haviam sido fixadas por volta de um século antes, em meados do século
XVIII, assim como o golfe e o críquete. Na segunda metade do século XIX, além
do futebol, o alpinismo, o atletismo, a natação, o iatismo, o ciclismo, a patinação
no gelo, o remo e o tênis também tiveram suas normas fixadas (MURRAY, 1999).

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O futebol, no período de sua regulamentação, ainda estava dividido entre a
Association Football e o rúgbi. Assim, como nos Estados Unidos, as regras foram
determinadas por estudantes de universidades e faculdades que desejavam jogar
entre si e precisavam dessa padronização (MURRAY, 1999).

Todavia, não foram as escolas inglesas a regulamentarem o futebol, mas seus


alunos que, depois da escola, quando já estavam trabalhando, mas queriam conti-
nuar com aquela prática, deram um grande impulso para a elaboração dos primei-
ros regulamentos.

Estudantes da Rugby School, por terem grandes campos gramados e espaços


abertos, preferiam jogar um tipo de futebol que permitia agarrar o adversário e
correr com a bola nas mãos.

Na Harrow School, jogava-se com 11 jogadores, num campo frequentemente


enlameado. Em outras escolas, jogava-se em locais fechados que impossibilitavam
chutes e lançamentos longos, o que abria espaço para uma um futebol de mais
troca de passes e dribles. Enquanto os estudantes permaneciam jogando apenas
entre si, não havia problemas, mas, assim que saíam das escolas, isso virava um
problema (MURRAY, 1999).

Em meados da década de 1840, já havia sido necessária a combinação de al-


gumas regras entre ex-alunos de escolas diferentes. Uma delas, proibia chutar os
adversários com botas revestidas de aço (MURRAY, 1999) – dá para se imaginar o
nível de violência que imperava nessa prática corporal e, evidentemente, na socie-
dade inglesa como um todo.
Porém em 1848, uma primeira tentativa séria de se criar um conjunto
uniforme de regras realizou-se em Cambridge. Essas normas nunca fo-
ram oficialmente registradas. [...] representantes de diversos internatos
particulares sentaram-se em uma sala do Trinity College, munidos de
caneca, tinta e papel, e anotaram as regras de sua escola. Depois des-
se encontro, que durou até quase meia-noite, surgiram as Regras de
Cambridge. Nenhuma cópia da ata original sobreviveu, mas essas nor-
mas continuaram a ser revisadas e reapareceram publicadas em 1863.
(MURRAY, 1999, p. 22)

É desse regulamento que as ideias básicas das regras do futebol se elevaram


e foram postas em discussão por alunos de diversas escolas particulares, em um
evento histórico realizado em uma Taverna Londrina em 26 de outubro de 1863 e
em cinco encontros subsequentes.

As maiores dificuldades para a definição final das regras dessa prática corporal
se referiam ao uso da mão e ao jogo violento. Alguns representantes desejavam
manter a violência, alegando que, ao aboli-la do futebol, ameaçavam a essência
dessa prática: a virilidade. Diziam que a sua supressão transformaria o esporte
em uma prática para afeminados, deixando, assim, o esporte mais apropriado aos
franceses (MURRAY, 1999).

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UNIDADE História Cultural do Futebol

Em toda a Grã-Bretanha, e em algumas colônias, discutia-se a necessidade de


tornar o esporte menos violento. Jovens, profissionais liberais, queriam praticar sua
atividade favorita, mas não queriam estar em seu trabalho, no dia seguinte, com os
olhos roxos ou os braços quebrados. Dessa forma, um conjunto de regras foi esta-
belecido em 1866, tornando o jogo menos bruto (MURRAY, 1999).

Figura 5
Fonte: iStock/Getty Images

Em 1871, o jogo violento foi banido do rúgbi, mas carregar a bola com a mão
tornou-se sua característica principal. Nessa mesma época, foram proibidas as pou-
cas situações em que o toque de mão ainda era permitido pelas primeiras regras da
Association Football de Londres.
Enquanto isso, nos Estados Unidos, o futebol americano desenvolvi-
do por Walter Camp triunfava sobre todas as outras formas de futebol.
Na Inglaterra, a regulamentação do rúgbi enfrentava a crise similar à do
futebol, envolvendo questões ligadas à adoção do profissionalismo e ao
controle do esporte pelos amadores do sul do país, o que levou à cisão
de 1895 e à fundação da Liga do Rúgbi, que começou a desenvolver um
jogo significativamente diferente. (MURRAY, 1999, p. 23)

Ao longo do século XX, diferentes formas de uma prática corporal, generica-


mente chamada de futebol, se desenvolveram por todos os países de língua inglesa,
sob o manto do Império Britânico. De toda as variações de práticas corporais em
que se usava os pés para jogar a bola, aquela que mais se desenvolveu e passou a
ser praticada em praticamente todo o mundo foi o Association Football.
Os ex-alunos dos internatos particulares Ingleses deram ao mundo as
regras do futebol e também fomentaram o espírito de um esporte não
maculado pela recompensa material. As origens sociais do futebol ainda
se verificam no que se considera ‘conduta inadequada’, ou seja, um com-
portamento que corresponde a uma grande variedade de ofensas, desde
palavrões e cusparadas até práticas antiesportivas, como, por exemplo,
enganar o adversário, pedindo o passe de bola. No século passado, os
homens recusavam-se a considerar seriamente aqueles que não perten-
ciam à sua classe e nacionalidade. (MURRAY, 1999, p. 23)

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Além da Association Football, havia outra organização localizada em Sheffield,
que também desenvolveu normas para sua prática. Os times das diferentes associa-
ções jogavam entre si e um acordo geral entre os clubes, acertando definitivamente
uma norma para todos os clubes de futebol, deu-se em 1877.

A partir daí a Association Football tornou-se, praticamente, a única autoridade


de futebol na Inglaterra. Aos poucos, outras associações locais passaram a se filiar
a ela. Em 1867, havia apenas 10 membros; em quatro anos, subiu para 50 associa-
dos; em 1888, chegou ao número de mil associados; atingindo, em 1905, dez mil
associados (MURRAY, 1999).

Atualmente, a Federação Internacional de Futebol Associado (FIFA) se gaba


de haver mais países afiliados do que à própria Organização das Nações Unidas
(ONU), como o caso do reconhecimento da Palestina, entre outros.

A Association Football inaugurou seu primeiro escritório permanente em 1880.


Iniciou um processo de liquidação das associações regionais e foi se tornando o
órgão oficial de regulamentação do futebol para todo o território britânico e, em
seguida, para todo o mundo.

O principal motivo que levou a Association Football a estabelecer seu controle


sobre as outras associações foi a popularidade alcançada pela Copa Desafio,
criada em 1871, também chamada de FA Cup (Copa do Futebol Associado). Ela
foi criada por Charles William Alcock, primeiro capitão a levantar o troféu e se-
cretário da Association Football de 1870 a 1895. Ainda hoje, é uma competição
muito popular, embora desde 1994 tenha recebido o nome de um patrocinador
(MURRAY, 1999).

Parte do fascínio das pessoas pelo futebol se deve à própria natureza do jogo.
Por ser difícil se marcar um gol, times mais fracos, mas com determinação e orga-
nização tática, podem dificultar a vida de adversários mais fortes.
A influência escocesa no desenvolvimento do futebol é de suma impor-
tância, não só na Inglaterra, onde os escoceses entravam livremente sem
abandonar seu sentimento anti-inglês, mas em todas as possessões co-
loniais britânicas e nos outros países em que os interesses comerciais e
industriais britânicos estavam estabelecidos. Os ‘professores escoceses’
mudaram a natureza do futebol, substituindo o jogo de dribles pelo de
passes. Antes, a estratégia de jogo era o time ficar atrás do jogador que
detinha a posse da bola e avançar em massa, tentando levar a bola ao
gol. Os escoceses perceberam que a bola pode se deslocar mais rápida e
eficientemente que um homem; desse modo, deslocaram mais jogadores
para a defesa, espalharam os atacantes (incluindo dois pontas) e ensi-
naram a importância da troca de passes precisos, desdenhando a tática
baseada no chutão e na corrida para alcançar a bola. ‘Dar chutão e cor-
rer’ é um insulto que o futebol europeu mais habilidoso frequentemente
dirige à estratégia britânica. Assim, o estilo escocês, passe curto, troca
de posições frequentes e bola rolando na grama, acabou influenciando os
outros times europeus. (MURRAY, 1999, p. 27)

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Vê-se que, desde o início do futebol, como esporte regulamentado, já havia


diferentes escolas técnicas. Os escoceses e os ingleses, por exemplo, jogavam
de forma diferente. O futebol foi conquistando cada vez mais o interesse dos
trabalhadores que, com a organização do trabalho, contando com a tarde do
sábado e o domingo livres, passaram a ter a oportunidade de participar dos
times de futebol.
O público era constituído por um número cada vez maior de operários,
que nas últimas décadas do século XIX, conquistaram o direito a uma
menor jornada de trabalho, sobretudo com a tarde do sábado livre. Assim
criou-se o final de semana britânico. (MURRAY, 1999, p. 28)

Ao final da década de 1870, um jogo entre dois clubes locais, realizado durante
a semana, podia paralisar uma fábrica (MURRAY, 1999). Esse problema não era
exclusivo da Inglaterra ou da Grã-Bretanha, ocorria também em outros lugares do
mundo em que as empresas inglesas se instalavam e para onde levavam certo con-
tingente de técnicos e trabalhadores, que levavam junto o material para a prática
do futebol. No fim da década de 1920, alguns empregadores na América do Sul já
percebiam a dificuldade para fazer com que seus operários trabalhassem em dias
de jogos importantes, só restava o consolo de que a produção melhorava quando
o time local ia bem.

A riqueza que havia nessas terras sul-americanas atraiu os interesses da maior


potência mundial: o Império Britânico. A partir da segunda década do século
XIX até a segunda década do século XX, logo após o final da Segunda Grande
Guerra, houve o período áureo da dominação britânica na América Latina.
Os britânicos lideraram os investimentos em infraestrutura e bens de capital,
promovendo um deslocamento de grupos de ingleses para os diferentes países
(GUTERMAN, 2010).

O Futebol Chega ao Brasil


O processo de industrialização, entre o final do século XIX e a primeira metade
do século XX, e a consequente urbanização da cidade e o desenvolvimento dos
meios de transporte, foi de grande importância para o surgimento das práticas
esportivas nas grandes cidades brasileiras.

O remo e a natação eram esportes muito praticados e admirados por setores


das classes médias paulistanas, que frequentavam clubes como o Tiete, o Esperia,
o Pinheiros, entre outros. Aos poucos, o futebol foi se tornando o esporte preferi-
do da população paulistana, não só entre as camadas médias da população, mas

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também caindo nas graças da população trabalhadora, que passava a utilizar de
terrenos vazios para a construção dos seus campos de futebol.

A difusão dos mais variados esportes pelo mundo tem relação com o empreen-
dedorismo do Império Britânico. Os jovens britânicos, ao saírem mundo afora a
trabalho, levam junto as novas práticas culturais, os novos esportes. E há também
os filhos de britânicos já estabelecidos em outros países, como no Brasil, que vão
estudar na Inglaterra e, ao regressarem ao seu país de origem, trazem junto os
elementos da cultura bretã.

Charles Miller, em São Paulo, Oscar Cox, no Rio de Janeiro, José Zuza Ferreira,
na Bahia, Vitor Serpa, em Minas Gerais, e Guilherme de Aquino Fonseca, em
Pernambuco, após concluírem seus estudos na Inglaterra, difundiram o futebol nos
seus estados, organizando as competições e fundando ligas.
Neste sentido, os nomes trazidos têm a ideia de apresentar o seguinte
contexto: há uma percepção que jovens da elite europeia, principalmente
inglesa, de pais radicados no Brasil, entraram em contato com o futebol
sistematizado e burocratizado, trazendo esta nova prática à luz dos docu-
mentos oficiais. O que não impede de perceber que marinheiros ingleses,
entre outros, poderiam já praticar o futebol de forma não sistematizada,
porém distante dos holofotes de jornalistas e de pessoas que escreveram
o cotidiano do fim do século XIX e começo do XX. (ALMEIDA;
FERREIRA, 2013, p. 14).

Os clubes esportivos tiveram uma relação muito íntima com os fatores acima
mencionados, mas outro fator de grande importância foi o fato da cidade de São
Paulo ser cortada por rios que serviam para a prática de lazer, de esportes aquá-
ticos, para banhos e brincadeiras, espe-
cialmente os rios Tietê e Pinheiros, onde
hoje são acompanhados pelas avenidas
Balneabilidade é a capacidade
marginais. O rio Tamanduateí também foi que um local tem de possibilitar o
significativo neste processo, mas menos banho e as atividades esportivas
por sua balneabilidade, e mais pela exten- em suas águas, ou seja, é a qualida-
de das águas destinadas à recrea-
são de sua várzea, especialmente na zona ção de contato primário. A balnea-
do Carmo, região onde se encontra hoje bilidade é determinada a partir da
o Parque Dom Pedro, onde proliferaram quantidade de bactérias do grupo
coliforme presentes na água.
os campos de futebol, que passaram a ser
chamados de Futebol de Várzea. Fonte: https://bit.ly/2Ueaxg2

Foi na chamada Várzea do Carmo, às margens do rio Tamanduateí, que foi


marcado o jogo entre os funcionários da Companhia de Gás, do London Bank e da
São Paulo Railway, organizado por Charles Miller (ALMEIDA; FERREIRA, 2013).

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UNIDADE História Cultural do Futebol

Várzea do Carmo era a denominação de uma das zonas centrais da cidade de São


Paulo, adjacente ao  Convento do Carmo  e frequentemente atingida pelas cheias
do  rio Tamanduateí, inicialmente conhecido como Piratininga. Em 1821, o Major
de Engenheiros Pedro Arbues Moreira apresentou ao governo uma proposta de de-
saguamento da Várzea do Carmo, com a abertura de um canal de 40 palmos de
largura. Por ser uma obra muito cara não foi executada. Durante a presidência do
Padre Dr. Vicente Pires da Mota foram feitas muitas melhoras no local, entre elas
a mudança no curso do rio Tamanduateí. Na administração dos presidentes João
Teodoro Xavier e João Alfredo Correia de Oliveira, foram realizadas várias obras com
o objetivo de preservar o local das inundações. [...] O saneamento integral e a recu-
peração da Várzea do Carmo foi um processo lento. Após a canalização do rio, que só
foi concluída na segunda década do século XX, o topônimo caiu em desuso e, hoje
a zona é – grosso modo – equivalente ao Parque Dom Pedro II. [...] Na Várzea do
Carmo, em São Paulo, em 14 de abril de 1895, foi realizada uma partida de futebol
entre ingleses e anglo-brasileiros, formados pelos funcionários da Companhia de
Gás e da Estrada de Ferro São Paulo Railway. Essa é considerada a primeira partida
de futebol do país. O amistoso terminou em 4 a 2, com vitória do São Paulo Railway.

Fonte: https://bit.ly/2HYHYwu

Na cidade de São Paulo, os times formados por trabalhadores se juntavam pri-


meiramente na Várzea do Carmo, mesmo local onde os grupos de jovens da elite
também se reuniam para jogar. O nome várzea passou a dar significado ao futebol
amador, todas as equipes que não disputavam jogos oficiais passaram a ser identi-
ficadas como time de várzea (GUTERMAN, 2010).

Por essa forte influência cultural inglesa, trazida por estudantes brasileiros ou
trabalhadores ingleses das indústrias inglesas, oriundos das camadas sociais médias
ou altas, conforme o caso, o início da prática do futebol não contava com a partici-
pação das camadas mais pobres da população. Entretanto, o processo social vivido
na época, como o fim do regime escravocrata, em 1888, o advento da República
um ano depois e o rápido desenvolvimento econômico e urbano criaram um clima
psicossocial favorável a certo arejamento da própria sociedade, e o futebol conquis-
taria até a década de 1910 a simpatia das camadas trabalhadoras, que passaram a
jogar e a prestigiar o novo esporte (ARAÚJO Apud ALMEIDA; FERREIRA, 2013).

Ao contrário do que houve na Inglaterra, em que essa prática esportiva veio da


chamada ralé e foi, por muito tempo, repreendida pelo Estado, só passando a ser
aceita pelas classes mais poderosas depois que as escolas, de certo modo, a “civili-
zaram”, no Brasil o movimento veio das classes abastadas e só aos poucos chegou
às classes trabalhadoras.
Aos ingleses bem-sucedidos juntou-se a elite cafeeira paulistana. O pri-
meiro estádio de futebol digno desse nome no Brasil foi uma adaptação
do Velódromo Paulistano, erguido em 1892 por encomenda de Antonio
da Silva Prado, ou simplesmente conselheiro Antonio Prado. Empresário
de vários negócios, inclusive no setor ferroviário, Antonio Prado era neto
do barão de Iguape e herdeiro de uma das famílias mais ricas do Brasil,

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ligada ao café e às estradas de ferro. Teve também forte carreira politica,
chegando a ser prefeito de São Paulo. O terreno onde foi construído o
Velódromo era da mãe de Prado, Veridiana de Almeida Prado, ou sim-
plesmente “Dona Veridiana”. Ficava onde hoje e a Praça Roosevelt, e
nas redondezas jogava-se pelota basca. Na época, o ciclismo era moda
em São Paulo, e a ideia era ter um lugar fechado onde a elite paulistana
pudesse exercitar-se - ao local afluíam os amigos da família Prado; mais
tarde, surgiria ali o Clube Athlético Paulistano. Em 1901, foi adaptado
para receber jogos de futebol. (GUTERMAN, 2010, p. 17-18)

Os primeiros clubes a jogar futebol na cidade de São Paulo foram aqueles que
representavam os setores economicamente privilegiados da sociedade paulistana,
como: o São Paulo Athletic Club (SPAC), que tinha como sócios os diretores da
São Paulo Railway, além de outros membros da colônia inglesa; a Associação Atlé-
tica Mackenzie College de São Paulo, que passou a se dedicar à prática do futebol;
o S.C. Savoia de Sorocaba; a Associação Atlética Ponte Preta de Campinas; e o
Clube Atlético Paulistano de São Paulo (ALMEIDA; FERREIRA, 2013).

Na história da humanidade, os rios sempre se revelaram um importante marco


de utilidade – como para banhar-se, lavar roupa, pescar e, em alguns casos, como
meio de transporte – de alegria – com as mais diversas brincadeiras – e, mais tarde,
de lazer – com as práticas esportivas.

O rio Tietê possibilitou tudo isso, além do extrativismo de pedras e areia para o
desenvolvimento da cidade. Ponte Grande era o nome da velha ponte de madeira,
demolida em 1940, durante a gestão do prefeito Francisco Prestes Maia, que ligava o
bairro de Santana ao centro da cidade, onde hoje é a ponte das Bandeira (NICOLINI
Apud ALMEIDA; FERREIRA, 2013). Essa região, entre o centro da cidade, mais es-
pecificamente do Bom Retiro, até a zona Norte, onde passa o rio Tietê, era formada
por chácaras, como a Chácara Floresta e a Chácara Couto de Magalhães.
A Chácara Floresta era uma propriedade rural composta por figueiras e
coqueiros, onde frequentemente eram realizados passeios e piqueniques,
considerada um local de lazer onde se encontravam quiosques e o restau-
rante de Baptista Peyroncelli. Por ser extremamente arborizada, foi um
dos locais mais cobiçados para a instalação dos clubes esportivos de São
Paulo. No final do século XIX, a Chácara Floresta deu o primeiro passo
rumo ao futuro título de celeiro de clubes, abrigando o Clube Esperia
Società Italiana. (ALMEIDA; FERREIRA, 2013, p. 21)

Foi na Chácara Floresta em que os primeiros clubes esportivos da cidade se


instalaram. Clube de Regatas de São Paulo, Clube de Regatas Tietê, Associação
Atlética São Paulo, Sport Club Corinthians Paulista, o Deutsch Sport Club, o São
Paulo F.C., que, no seu início, década de 1930, era no Canindé, e que depois
foi vendido à Associação Atlética Portuguesa de Desportos, além de uma grande
quantidade de campos de futebol que ocupavam a várzea do rio Tietê, da Penha à
Lapa (MONTEIRO; NICOLINI; Apud ALMEIDA; FERREIRA, 2013).

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UNIDADE História Cultural do Futebol

Um dos principais clubes brasileiro, o Corinthians, nasceu à beira do rio Tietê e


permanece até hoje, embora suas atividades náuticas praticadas no rio não sejam
mais possíveis há décadas. Surgiu próximo à antiga Ponte Grande e se mudou quase
duas décadas depois para o Parque São Jorge, onde existia um pequeno porto fluvial.
A saída do Corinthians da Ponte Grande só ocorreu dez anos depois [da
inauguração de seu estádio], em 1927, pois a torcida era tamanha que
o local acabou tornando-se pequeno para o Campeão do Centenário
(título dado ao Corinthians em sua vitória de 1922, ano da comemoração
do Centenário da Independência e da inauguração do monumento do
Ipiranga). Sob a presidência de Ernesto Cassano, sua mudança foi para
o Parque São Jorge, também localizado à beira do rio Tietê. (ALMEIDA;
FERREIRA, 2013, p 29)

Como desejavam uma sede própria, a diretoria do clube conseguiu um terreno


novo para onde pode se mudar. No Parque São Jorge, com uma área de 45 mil
metros quadrados, o clube pode desenvolver esportes aquáticos e náuticos, trans-
formando-se em um clube poliesportivo (ALMEIDA; FERREIRA, 2013).

O primeiro campeonato paulista ocorreu em 1902, teve a participação do São


Paulo Athletic Club (SPAC), o S.C. Germânia (hoje Esporte Clube Pinheiros), o S.C.
Internacional, o C.A. Paulistano e o Mackenzie College. Durante as primeiras duas
décadas, o futebol esteve nas mãos dos clubes que representavam certa elite paulista-
na. Entretanto, os clubes varzeanos foram, paulatinamente, rompendo as fronteiras
sociais do futebol, formando equipes improvisadas e criando, assim, novas possibili-
dades de prática esportiva (MAZZONI Apud ALMEIDA; FERREIRA, 2013).
Como hoje assistimos crianças jogando futebol com pedras, bola de
meias, ontem não era diferente, o futebol era praticado com materiais
improvisados, jogado em terrenos desocupados, tornando-se uma repre-
sentação da existência negada em outros campos sociais, alastrando-se
pelos subúrbios. Logo, as equipes e clubes foram se constituindo pela ini-
ciativa de pequenos comerciantes, operários e artesãos, como o Interna-
cional em 1909 e o Sport Club Corinthians Paulista em 1910. (FRANCO
JR Apud ALMEIDA; FERREIRA, 2013, p. 16)

O Sport Club Corinthians Paulista, um dos clubes mais populares do país, teve
uma origem também popular, furando o bloqueio social que limitava o futebol
apenas aos grupos sociais mais afortunados. Foi fundado em primeiro de setembro
de 1910, por uma iniciativa de um grupo de trabalhadores e operários do bairro
do Bom Retiro, formado por pintores de paredes, um motorista, um trabalhador
braçal, um sapateiro e mais oito jovens, tendo como seu primeiro presidente um
alfaiate chamado Miguel Bataglia (ALMEIDA; FERREIRA, 2013).
Mesmo tendo como parte do mito corinthiano a ideia de clube operário,
ele só se consolidou por ter se aliado com nomes fortes da sociedade
paulista, que durante um processo histórico muito particular em que
era importante para o mercado de votos ter um clube que representasse

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a região operária de Bom Retiro, Brás, Barra Funda, local de forte
influência da imigração. Alcântara Machado tinha uma relação especial
com estes bairros, seu livro mais conhecido era Brás, Bexiga e Barra
Funda (1928) onde discute a cultura destes territórios. (ALMEIDA;
FERREIRA, 2013, 31)

O Corinthians tinha por vocação ser um time formado por trabalhadores. Os es-
tatutos do clube previam que ele seria aberto a todos, não se observando nacio-
nalidade, religião ou política – o que não era comum. Do ponto de vista político,
social e cultural, foi um grande avanço, considerando-se o período em que ocorreu.
Esse momento da história de São Paulo coincide com a organização política dos
trabalhadores, que, nessa década, mais precisamente no ano de 1917, organizam
uma das mais significativas greves ocorridas na cidade (GUTERMAN, 2010, p 49).

Além dessa demanda social, havia outra demanda: a cultural. O surgimento da


Sociedade Esportiva Palestra Itália, atual Palmeiras, em 1914, tinha como objetivo
reunir a comunidade italiana, já que havia clube para alemãs, para ingleses, para
portugueses, clube internacional, clube de católicos e protestantes, mas não havia um
clube para essa comunidade, que era a maior em São Paulo (GUTERMAN, 2010)

A discussão entre amadorismo e profissionalismo mobilizou sempre grande parte


dos grupos que praticavam o esporte. Seja na Inglaterra ou no Brasil, o futebol
começa como uma prática cultural exclusivamente amadora. Todavia, essa prática
tipicamente amadora começa a dar sinais de mudanças.

Algumas equipes que disputavam os campeonatos organizados pela Associa-


ção Paulista de Esportes Atléticos (APEA), fundada em 1912, começam a ofere-
cer gratificações aos jogadores das classes trabalhadoras. Os melhores jogadores
de origem operária tinham acesso a privilégios e, dessa forma, comprometiam-se
mais com o clube do que com a empresa da qual eram funcionários (ALMEIDA;
FERREIRA, 2013).
Quando eram realizados amistosos e campeonatos, os clubes de elite cos-
tumavam cobrar elevados valores pelos ingressos e mensalidades de seus
sócios, enquanto que os clubes populares preocupavam-se em oferecer
condições mais acessíveis para seus associados nos torneios e confron-
tos que organizavam. Nesta época, o futebol desenvolveu um enorme
potencial econômico, uma vez que o “amadorismo marrom”, praticado
desde 1910, sustentava-se das bilheterias e dos ricos patronos dos clubes.
O amadorismo só foi se desconstituir anos depois, com a transição po-
lítica do governo Vargas que em 1933 reconheceu o jogador de futebol
como profissional regulamentado pela legislação trabalhista. (ALMEIDA;
FERREIRA, 2013, p. 16)

O movimento pela profissionalização foi se intensificando a cada ano, até que


em 1925 houve a fundação da Liga de Amadores de Futebol (LAF), que se contra-
punha à APEA, que passava a aceitar a presença de profissionais em seus torneios.

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UNIDADE História Cultural do Futebol

O Futebol Chega ao Profissionalismo


A década de 1930 representou um marco tão importante para o Brasil quan-
to para o futebol. Em 1930, ocorreu a primeira Copa do Mundo, realizada no
Uruguai, em que esse conquistou o título em uma final contra a Argentina.
No Brasil, em 1930, eclode a revolução que se colocou contra o modelo econô-
mico e político em vigor, pondo fim ao que foi chamado de República Velha (1889
a 1930). Esse movimento capitaneado por Getúlio Vargas defendia um Brasil indus-
trial, e não mais apenas agrário.
Grandes transformações ocorreram nesse período, que sofre uma inflexão em
10 de novembro de 1937, quando se instaura o chamado Estado Novo, ainda sob
o comando de Getúlio Vargas. Tratou-se de um movimento que impôs um regime
autoritário, uma ditadura civil, que durou até 31 de janeiro de 1946.
Getúlio empreendeu grandes esforços para estatizar o controle do futebol
no país, uma vez que este era visto como um veículo das aspirações na-
cionais e do perfil do brasileiro, razão que fez Getúlio tratar de controlá-
-lo. Getúlio Vargas tratou de vincular o futebol ao Estado, explorando a
paixão brasileira a favor de seus projetos de coesão social. [...] Em 1934,
o governo já demonstrava seu interesse pelo futebol. A delegação brasi-
leira da Copa de 1934 seria comandada por Lourival Fontes, jornalista,
escritor, admirador do fascismo italiano e diretor do Departamento de
Propaganda e Difusão Cultural (DPDC) que posteriormente originaria o
Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) que também seria diri-
gido por ele. Nesta época, o futebol já era considerado como um impor-
tante elemento de propaganda nacionalista. (GUTERMAN, 2010, p 11)

O processo que colocava em lados opostos aqueles a favor da profissionalização


e os que defendiam o amadorismo foi longo e conflituoso. Muitas fusões entre
equipes, dissoluções, desistências da prática esportiva se deram em função dos ca-
minhos tomados por essas questões, sempre com a tentativa de boicotar as iniciati-
vas que pretendiam estabelecer o profissionalismo, o que fez com que ocorresse o
chamado “profissionalismo marrom” (GUTERMAN, 2010).
O profissionalismo, de certa forma, dá o seu pontapé inicial quando os clubes
começam a cobrar ingressos daqueles que pretendem assistir aos seus jogos. Me-
tade da arrecadação era para a Liga e a outra metade era para o clube. Em pouco
tempo, o futebol passou a ser visto como entretenimento e como fonte de renda,
assim, na medida em que avançava na captação de recursos, ia, ao mesmo tempo,
esvaziando seu caráter amador (GUTERMAN, 2010).

A questão racial também atravessa o mundo do futebol. O movimento eugênico


no Brasil ganha força quando Artur de Gobineau, o autor do famoso Ensaio sobre
a desigualdade das raças, esteve no Brasil na segunda metade do século XIX.
Disse, na época, que a única saída era promover a entrada de imigrantes europeus
para que não houvesse mistura com os negros, o que traria como consequência a
degeneração da raça branca (GUTERMAN, 2010).

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A presença do negro no futebol profissional brasileiro foi bastante conturbada.
Clubes como a Sociedade Esportiva Palmeiras só aceitaram negros no final dos
anos de 1960. O Clube de Regatas Vasco da Gama foi dos primeiros clubes a acei-
tar negros em suas equipes.
Ironicamente, foi o traço negro brasileiro, aquele de sua mãe menospreza-
da pela historiografia, que distinguiu Fried. Deu-se então que Fried era um
“mulato de olhos verdes”, na descrição de Mario Filho. O mulato jogava
bola como nenhum outro de sua época, enquanto os olhos verdes e o
sobrenome alemão eram o passaporte para o mundo dos brancos. Como
muitos meninos na sua época, Fried conheceu um futebol ainda em estado
bruto. A bola era de bexiga de boi, substituta comum para as caríssimas
bolas europeias, que não eram afinal muito melhores. Embora tenha tido
chances raras para um mulato, graças ao dinheiro e a alvura germânica do
pai, foi um estudante medíocre. (GUTERMAN, 2010, p. 43)

Arthur Friedenreich, ou Fried, como era chamado, perdeu muito rapidamente


a sua condição de negro, não só por sua ascendência europeia – era filho de um
alemão com uma negra brasileira –, mas principalmente em virtude de sua trans-
formação em herói nacional. Em outras palavras, o negro que estivesse bem posi-
cionado na sociedade deixaria de ser negro (GUTERMAN, 2010).

Fried foi um dos dois mestiços a jogar pela seleção brasileira no campeonato
Sul-americano de 1919. Ele foi o autor do gol no primeiro título internacional da
seleção brasileira. Como disse o jornalista Mário Filho, “Nem branco nem mulato,
sem cor, acima dessas coisas” (RODRIGUES, 2003).
A partir desse gol de Fried, o Brasil notou que seus negros e seus pobres
(o que quase dava no mesmo) podiam ter algum valor. O país, inebriado
pela conquista inédita, enamorado de seu craque exótico e já com sin-
tomas evidentes de estar tomado pela febre do futebol, concedeu que
esse esporte havia transbordado as muralhas dos clubes de ricos brancos,
ainda que estes não suportassem essa ideia, resistindo a ela o quanto po-
diam. Equipes já estavam se formando em todos os cantos, o que foi con-
siderado uma heresia pelos clubes pioneiros, conforme registra o Estado
de S. Paulo em 1912: São Paulo transformou-se num vasto campo de
futebol. Há sociedades por todos os cantos. Os clubes da Liga acolheram
em seu seio rapazes da várzea. Fizeram bem? Achamos muito justo que
os operários, os humildes, participem das refregas, mas os operários e
humildes que compreendem seus deveres de sportsmen. (GUTERMAN,
2010, p. 46)

Como se pode observar em nosso percurso até aqui, o futebol, como qualquer
outra manifestação da cultura brasileira, está imbricado em todo o jogo político,
econômico, social e cultural que marca todas as sociedades. Ao mesmo tempo em
que o futebol é influenciado por todas as relações de poder presentes na sociedade,
ele também traz novos elementos e torna a sociedade ainda mais complexa.

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UNIDADE História Cultural do Futebol

Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

 Vídeos
A origem do futebol
Matéria do programa Esporte Espetacular.
https://bit.ly/2K4mlNa

 Filmes
1958: rumo à vitória
Documentário.
Futebol: origens brasileiras
Documentário.

 Leitura
Histório do esporte no cenário internacional: uma visão geral
https://bit.ly/2VkUWaU

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Referências
ALMEIDA, Marco A. Bettine; FERREIRA, Renata. Os clubes de futebol e o pro-
cesso de urbanização, Recorde: Revista de História do Esporte, v. 6, n. 1, p. 1-38,
jan./jun. 2013.

GUTERMAN, Marcos. O futebol explica o Brasil: uma história da maior expres-


são popular do país. São Paulo: Contexto, 2010.

MURRAY, Bill. Uma história do futebol. São Paulo: Hedra, 1999.

RODRIGUES FILHO, Mario. O negro no futebol brasileiro. Rio de Janeiro:


Mauad, 2003.

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