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CLUBE DE REVISTAS

A EMPRESA
QUE ALIMENTA
O MUNDO
MAIOR PRODUTORA DE GRÃOS
DO PLANETA E EXPOENTE DO AGRO
NA BOLSA, A SLC INVESTE EM NOVAS
REVOLUÇÕES. O MUNDO ESTÁ
DE OLHO NO QUE A COMPANHIA
E O BRASIL FAZEM NO CAMPO

ESPECIAL
SUPERAGRO
EDIÇÃO 1251 | MAIO/2023 | ANO 57 | Nº 5
R$ 24,95

BRASIL
O DESAFIO DE SÃO
PAULO: COMO INVESTIR
11 BILHÕES DE REAIS
NESTE ANO
BELEZA
CEO GLOBAL
AURÉLIO
PAVINATO,
DA L’ORÉAL DETALHA
CEO DA SLC OS PLANOS APÓS
AGRÍCOLA COMPRA DA AESOP
CLUBE DE REVISTAS

O que pensam,
e como decidem,
os protagonistas
dos negócios
No talk show do EXAME In,
um acesso privilegiado aos
mais conectados empresários
e investidores brasileiros
CLUBE DE REVISTAS

Ana Luiza McLaren,


fundadora do Enjoei
CLUBE DE REVISTAS
6 DA EXAME

10 FALE CONOSCO

12 PRIMEIRO LUGAR
Confira sete visões coletadas pela
EXAME nos quatro dias do Web Summit

44
no Rio de Janeiro

22 VISÃO GLOBAL
Uma série de países tenta atualizar as
legislações sobre as plataformas de internet
e a remuneração de conteúdo

26 ENTREVISTA
Conrado Leister, da Meta, refuta a ideia Kleber de Souza, cafeicultor
de que as plataformas digitais lucram em São Sebastião do Paraíso, Minas Gerais
com conteúdo violento e de ódio

32 CAPA 52 CIDADES
A SLC reinventa a forma de produzir por São Paulo tem uma lista de metas com
meio da agricultura de baixo carbono 86 projetos até 2024. E o desafio de sempre
e tecnologias de ponta nas grandes metrópoles: tempo de menos

44 CAPA 62 NEGÓCIOS
A Nestlé aposta na agricultura A calçadista gaúcha Usaflex, que triplicou
regenerativa com pequenos produtores de tamanho na pandemia, deverá faturar
para o futuro da cafeicultura 610 milhões de reais neste ano

Aurélio Pavinato,
CEO da SLC Agrícola
LEANDRO FONSECA

SUMÁRI
68O 32
CLUBE DE REVISTAS

93
LEANDRO FONSECA

LEANDRO FONSECA
Condomínio Terras de
São José Golfe Clube,
em Itu: paixão de
Ricardo Carvalho CASUAL
93 CAPA
Ricardo Carvalho, da Companhia
Brasileira de Alumínio, escolheu sua
70 BELEZA casa por causa do hobby: o golfe
O CEO global da L’Oréal revela os planos
para a recém-comprada Aesop, para 96 VIAGEM
Uma visita à Zuccardi, eleita por três
o Brasil — e para se manter na ponta
anos consecutivos como a melhor
vinícola do mundo
80 MUNDO
Países da União Europeia endurecem 98 MODA
as regras para estrangeiros investirem A Simples, marca de básicos da
em imóveis no bloco em troca da cidadania Reserva, abre loja física e tem meta de
faturar 50 milhões de reais neste ano

86 OPINIÃO
100 LUXO
Felipe Miranda: encontro aleatório
O arquétipo da cobra como símbolo de
com Pérsio Arida é gancho para discutir
renovação, inspiração da linha Serpenti,
o peso da retórica em nossos tempos
da Bvlgari, completa 75 anos
88 OPINIÃO 102 JOIAS
Maurício Moura: Erdogan pode
Diamantes sintéticos ganham destaque
colocar a Turquia mais distante
nas coleções e trazem novas
dos Estados Unidos e da Europa
possibilidades para as marcas de luxo

90 CLUBE CMO 104 CULTURA


Para Daniel Pagano, o marketing hoje
Karl Lagerfeld não era um fã de
tem dois desafios: a personalização
retrospectivas. Por ironia, neste ano
do serviço e o uso analítico de dados
será tema de uma mostra em Nova York

106 SANTÉ
REVISTA MENSAL
ANO 57 | NO 5 | EDIÇÃO 1251 Uma boa carta de vinhos pode ser
MAIO DE 2023 tradicional e também surpreender com
FOTO/CAPA: LEANDRO FONSECA diversidade de regiões, estilos e uvas
CLUBE DE REVISTAS
da EXAME Pink Farms: galpão é fonte de comida
para os grandes centros urbanos

LEANDRO FONSECA
Do campo à cidade,
com o futuro na mira ambiciosos para tirar 86 pro-
jetos do papel até 2024. Assim
como nos melhores cases do
As revoluções no agronegócio brasileiro e os planos agronegócio, precisará de
da maior metrópole do país são destaques nesta edição gestão de ponta num setor
conhecido pelos prazos alon-
gados. Terá 9 milhões de elei-
Se o Brasil vai bem, o agronegócio vai melhor. a área produtiva de 53 milhões tores em seus calcanhares.
Se o país anda de lado, o agronegócio puxa a de hectares para mais de 80 mi- Do campo para as cida-
economia na marra. É raro, mas acontece sem- lhões de hectares apenas conver- des, e para as telas. A entre-
pre. E acontecerá de novo em 2023. No primei- tendo áreas de pastagem. vista especial desta edição é
ro trimestre, os negócios no campo cresceram O uso cada vez mais intensivo com Conrado Leister, dire-
8%, reforçando a expectativa de uma produção de tecnologia é uma obrigação tor para a América Latina da
recorde de 1,25 trilhão de reais e de um aumen- para manter o agro brasileiro Meta, dona do Facebook. Em
to no PIB do agronegócio de 11,6%, segundo o como líder global em eficiência conversa com André Lopes,
Ipea. É o suficiente para fazer analistas voltar e preocupação ambiental. As Leister afirma que a empresa
com frequência às contas e rever para cima a novidades vêm das fazendas, e está disposta a debater regu-
previsão de crescimento da economia brasilei- também das cidades. A SLC in- lações, mas ressalta que pla-
ra neste ano, agora para perto de 1,5%. vestiu, por exemplo, na startup taformas digitais não lucram
Esta edição da EXAME se debruça sobre o mo- de fazendas urbanas Pink Far- com conteúdo violento e de
tor da economia nacional. Um especial produzi- ms, que converte galpões indus- ódio. Reduzir o impacto desse
do pelo editor Luciano Pádua e pela repórter Ma- triais em fonte de comida para tipo de postagem é um nobre
riana Grilli, com fotos de Leandro Fonseca, exibe os grandes centros. objetivo do PL das Fake News,
a face mais moderna de um setor conhecido pela A união entre campo e cidade em tramitação no Congresso.
inovação. Mostramos as novas revoluções da SLC também é a tônica desta edição Mostrar a importância de
Agrícola, a maior gestora de terras do país e pio- da EXAME. Abrimos espaço para recuperar terras degradadas
neira do agronegócio na bolsa. A companhia tem o agro, e também para Ricardo e ampliar o necessário deba-
como meta ampliar as terras cultivadas em até Nunes, prefeito de São Paulo, a te sobre plataformas digi-
40.000 hectares por ano, com foco na recupe- maior metrópole do país. Em tais são duas facetas de um
ração de áreas degradadas. É de onde deve vir o reportagem de Gilson Garrett mesmo objetivo que norteia
maior crescimento da produção agrícola do país Jr., Nunes fala sobre a volta da a EXAME há 56 anos: desen-
nas próximas décadas. Nas contas de Aurélio Pa- pujança e do otimismo após a volver o capitalismo brasi-
vinato, CEO da SLC, o Brasil consegue ampliar pandemia, e revela seus planos leiro. Boa leitura!

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EXAME 1251 (ISSN 977-010228800-2), ano 57, no 5,


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LEANDRO FONSECA
Mariana Dias, CEO da
Gupy: startups contra
a maré de cortes

NOVO HOME OFFICE ESPORTE NO ESCRITÓRIO exame@exame.com


Acredito que depende da profissão, Formidável a iniciativa. Praticar
pessoa, empresa e situação de vida. exercícios eleva o ser humano. linkedin.com/company/
Há pessoas que possuem filhos que Obviamente, nos deixa mais exame-com
preferem o presencial, pois eles produtivos, satisfeitos e, no caso
atrapalham sua rotina. Mas há do Gympass, em sintonia afinada
@exame
também as que preferem remoto para com a filosofia da empresa.
passar mais tempo com eles. O híbrido @menezesquantica
com alguns encontros presenciais Via Instagram facebook.com/exame
seria o suficiente.
Gabriela Catelan
Via LinkedIn Das lições pós-pandemia, sem
dúvida, as pessoas terem mais
tempo e mobilidade para a prática O QUE ACHOU
Como recrutadora, entendo que as regular de exercício físico gera DA NOVA EXAME?
empresas que não têm abertura para maior produtividade e RESPONDA À PESQUISA
modelos de trabalho mais flexíveis engajamento durante a jornada. E NOS CONTE
perderão a preferência de boa parte Amanda Araujo Castro
dos talentos mais procurados. Não é Via LinkedIn
regra, pois a visão muda dependendo
do contexto de cada pessoa.
Maria Shmitz
Via LinkedIn

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CLUBE DE REVISTAS
PRIMEIRO LUGAR
CLUBE DE REVISTAS

EDIÇÃO:LEO BRANCO,
COM REPORTAGEM DE MARCOS BONFIM

MARKETING

Not a Person
A foodtech NotCo
adota robôs para criar
de alimentos à base de
vegetais a campanhas
de publicidade

Fundada em 2015 por um eco-


nomista, um cientista da com-
putação e uma especialista
em biotecnologia, a foodtech
chilena NotCo veio ao mundo
muito por causa da inteligência
artificial. O negócio da NotCo é
criar alimentos à base de plan-
tas com gosto e textura seme-
lhantes aos de origem animal.
A lista inclui leite (NotMilk),
hambúrguer bovino (NotBurg-
er) e de frango (NotChicken) e
EÓIN NOONAN/WEB SUMMIT RIO VIA SPORTSFILE/DIVULGAÇÃO

dezenas de outras ofertas com


o prefixo “Not” no nome.
Para chegar ao portfólio
atu al, a empresa tem 10.000
espécies de plantas cadastradas
no banco de dados e usa 2.000
delas para fazer combinações
juntando o DNA delas ao de ou-
tros químicos. A fórmula dessa
liga é o que define o sucesso ou
não de um produto.

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CLUBE DE REVISTAS
Por isso, desde os primeiros
dias a NotCo investe numa
linguagem de inteligência ar-
tificial própria e dedicada, ba-
A NOTCO USOU
sicamente, a cruzar milhões
de informações sobre plantas
em busca de fórmulas de ali-
IA PARA CRIAR
Fernando
Machado, da
NotCo: IA
mentos com sabor, textura,
aroma e aparência apetitosos.
IMAGENS HIPER-
muito antes
de o tema
virar moda
“É uma empresa no ramo
de IA antes de o tema ficar
na moda”, diz Fernando Ma-
REALISTAS DE
chado, brasileiro recém-che-
gado à NotCo como principal
ANIMAIS
executivo de marketing da
companhia. “Por isso, vamos
usar mais e mais a IA não só hiper-realistas desses animais
na criação de produtos mas criadas por computadores.
também no design e no pla- Os próximos passos do negó-
nejamento de campanhas cio são em direção ao que a em-
publicitárias.” presa chama de plant-based 2.0,
Ele está por trás da primeira um movimento para ir além da
ação de marketing com IA da imitação dos produtos de origem
marca. Lançada no Dia Mun- animal. “Esse tipo de tecnologia
dial da Terra, em 22 de abril, a gente tem. Agora, é encontrar
a campanha traz a pergunta a forma correta de trazê-lo para
“Quando foi a última vez que o consumidor de uma maneira
você viu uma vaca, um porco, acessível, que faça sentido e gere
uma galinha e uma ovelha demanda”, afirma, sem revelar
velhos?” ao lado de imagens detalhes do que vem por aí.

A maioria dos 400 palestrantes


que passaram pelo Riocentro
falou algo sobre inteligência
artificial (IA) generativa.
A tecnologia de robôs virtuais
capazes de ler grandes volumes
de dados online e de produzir
conteúdos por conta própria
Para além de proporcionar
virou tendência em 2023,
encontros de negócios, um
principalmente pelo sucesso do
festival de inovação consagra
ChatGPT. Lançado em novembro
tendências — ou as relega de
do ano passado, esse robô está
vez ao esquecimento. Não foi
trazendo ganhos de eficiência
diferente na primeira edição
a empresas ao redor do planeta.
brasileira do Web Summit,
E, ao mesmo tempo, levantando
um dos encontros de tecnologia
dúvidas sobre o futuro da
mais badalados do mundo.
privacidade num mundo cercado
Criado em Dublin, em 2009,
de robôs. Nestas páginas, sete
o evento virou palco global
visões coletadas pela EXAME
para futuristas, “startupeiros”
nos quatro dias do Web Summit
e afins em Lisboa, que foi
no Rio mostram que,
sede do evento desde 2015.
ao contrário de tecnologias
Por aqui, levou 21.000
que causaram frisson em anos
pessoas de 90 países ao Rio
anteriores e perderam o apelo,
de Janeiro no início de maio.
a IA chegou para ficar.

maio de 2023 13
PRIMEIRO LUGAR CLUBE DE REVISTAS

INOVAÇÃO No embalo dos carros autôno- 100% pelo computador ou com


mos, o empreendedor iraniano alguma função manual — fazer
Mohsen Falahi criou a primeira uma curva, por exemplo. A ideia
Cadeira autônoma cadeira de rodas “autônoma” do é aposentar a função de “condu-
A suíça Daav criou um veículo cuja mundo. Hoje morador da Suíça, tor de cadeirante”, comum em
Falahi é um dos fundadores da espaços públicos movimenta-
condução é 100% por computador startup Daav, dedicada ao uso dos. “Basicamente, a inteligên-
de inteligência artificial para cia artificial nos ajuda a ter um
facilitar a vida de quem tem serviço inclusivo”, diz Falahi,
movimentos reduzidos. convidado ao Web Summit do
O embrião do negócio é um Rio de Janeiro para fazer um
modelo de cadeira de rodas pitch a investidores.
acompanhada de um compu- Aberta em 2018, a startup fe-
tador de bordo. A tecnologia ali chou contrato com o Aeroporto
embarcada permite ao dono da de Zurique, na Suíça, um dos
cadeira programar de antemão dez mais importantes da Eu-
a rota desejada. O cadeirante ropa. Por lá, os três veículos da
pode escolher, entre outras coi- Daav já colaboraram para uma
sas, se quer uma condução feita economia de 40% com suporte
a passageiros cadeirantes. Para
além da palestra no Rio, Falahi
veio ao Brasil prospectar clien-
tes. O Floripa Airport, terminal
na capital catarinense também
UM ROBÔ COM IA CONDUZ administrado pela Zurich Air-
port, concessionária do aero-
CADEIRA DE RODAS SEM
DIVULGAÇÃO

porto suíço, já demonstrou in-


AJUDA DE HUMANOS teresse pela tecnologia.
Mohsen Falahi, da Daav: economia de 40% em
clientes da Suíça e de olho em negócios no Brasil

SEGURANÇA Entra ano, sai ano e uma coisa


é certa: o número de ataques
virtuais vai crescer e as amea-
Robôs ças vão ficar mais sofisticadas. A
golpistas inteligência artificial deve abrir
novas portas para criminosos
digitais. A presença de uma em-
A startup presa na internet é o canal para
americana invasores enviarem e-mails
Tenable avalia o maliciosos com a finalidade de
risco digital das roubar dados sigilosos — o cha-
mado phishing.
empresas. A IA
A capacidade de robôs vir-
deve aumentar os tuais criarem textos tão ou mais
ataques, mas traz persuasivos como os feitos por
também novas humanos amplia — e muito —
formas de defesa o risco de um negócio ser abor-
dado por um golpe de phishing.
“O principal risco é a capacidade
da tecnologia de emular uma
resposta humana e de aprender Amit Yoran, CEO da Tenable: IA emula
respostas humanas, inclusive as
e ensinar sobre qualquer assun- de bandidos sofisticados

14 exame.com
CLUBE DE REVISTAS

ENTRE LÍDERES
DE TECNOLOGIA

PIARAS Ó MÍDHEACH/WEB SUMMIT RIO/SPORTSFILE/DIVULGAÇÃO


HÁ QUEM PEÇA
Meredith
Whittaker,
da Signal:
enorme aparato
CUIDADO COM
O USO DA IA
de vigilância
em expansão via
inteligência
artificial

PRIVACIDADE A evolução acelerada da inteli- testes com IA por seis meses. A


gência artificial generativa nes- corrida está “fora do controle”,
te início de 2023 alarmou muita diz a carta, e os impactos da
Quem manda na IA? gente. No fim de março, uma tecnologia precisam ser mais
carta publicada pelo Future of bem calculados.
Meredith Whittaker, CEO do Life Institute, órgão dedicado No Riocentro, uma das vozes
app de mensagens Signal, ao estudo sobre uso de tecnolo- a defender a regulação da IA
defende leis mais duras sobre gia, e assinada por 2.600 líderes foi a da americana Meredith
o uso de dados por robôs no setor, pediu a suspensão dos Whittaker, ex-funcionária do
Google e atual presidente da
Signal Foundation, mantene-
dora de um app de mensagens
concorrente do WhatsApp e
conhecido pelo zelo com a
privacidade. “A minha preocu-
to”, diz o americano Amit Yoran, porta de entrada para ataques pação é que temos um enor-
CEO da Tenable, empresa de virtuais. Além disso, 100% es- me aparato de vigilância em
análise de vulnerabilidades digi- tavam com protocolos de se- expansão via IA”, diz. “Essas
tais. Entre os clientes da Tenable gurança defasados. ferramentas estão sendo en-
estão 60% das empresas da For- Yoran defende um rol amplo carregadas de tomar decisões
tune 500, lista das maiores com- de medidas para serem adota- socialmente significativas.”
panhias dos Estados Unidos. das já nas empresas. Na lista, Em boa medida, a executi-
As conversas com execu- educação de funcionários so- va critica o modelo atual da
tivos dessas companhias fez bre inteligência artificial, pla- web, no qual big techs coletam
Yoran ter convicção de que a nos de contingência para ata- uma infinidade de dados sem
IA vai demandar uma atenção ques e uso de IA para combater contar muito bem a finalida-
redobrada das empresas sobre as ameaças virtuais. “Junta- de dessas informações. Com
a gestão de dados. Prova disso mente com detecção avançada o avanço da IA, a onipresen-
é uma pesquisa apresentada de ameaças e inteligência de ça dos gigantes de tecnologia
por ele no Web Summit sobre modelos de IA treinados, há pode aumentar — concen-
a presença digital de 20 em- uma abundância de casos de trando mais poder na mão de
presas brasileiras listadas na uso para ajudar os defensores”, outras empresas. Whittaker
DIVULGAÇÃO

B3. Em média, cada empresa diz ele. Afinal, a mesma tecno- defende uma legislação ampla
tinha 5.700 ativos, como servi- logia pode ser utilizada tanto da tecnologia. “A regulação não
dores web, servidores de nome, na prevenção como no ataque deve vir das empresas, e sim
dispositivos IoT e impressoras — tudo depende de quem está colocar o poder nas mãos das
de rede, com potencial de virar do outro lado da IA. pessoas que deveriam estar no
centro dessas decisões”, diz.

maio de 2023 15
PRIMEIRO LUGAR CLUBE DE REVISTAS
Marcelo Cortes, da Faire: ganho
de eficiência de 20% com o ChatGPT

PESSOAS

Robôs vão criar empregos?


O americano Alex Collmer, fundador da martech

DIVULGAÇÃO
VidMob, está otimista sobre o legado da IA

O americano Alex Collmer vê esses profissionais, e não tirar VAREJO


no ChatGPT a oportunidade seus empregos.”
única para uma criação maciça Collmer é do tipo visionário:
de empregos de qualidade — e ao fundar a VidMob, em 2014, o IA para não
não o contrário. Collmer é fun-
dador da VidMob, uma empresa
uso de métricas de engajamen-
to ainda engatinhava na indús-
encalhar
de Nova York criadora de uma tria criativa. Em agosto do ano O marketplace Faire, de
plataforma para mensurar o passado, em meio à escassez de
impacto de campanhas de pu- recursos no venture capital, a
vendas no atacado, usa
blicidade e marketing. “O as- VidMob captou 110 milhões de a tecnologia em dicas
sunto do momento é o impacto dólares e virou uma referência de estoque dos clientes
da inteligência artificial na cria- global em marketing.
tividade”, diz ele, fazendo refe- O giro do estoque costuma estar
rência ao receio de a tecnologia entre as maiores dores de cabeça
substituir até mesmo o trabalho dos varejistas. Afinal, produto na
de profissionais com soft skills loja é dinheiro parado. Para ga-
refinadas, como costumam ser rantir compras de estoque mais
os publicitários. “A preocupação O IMPACTO DA IA SOBRE certeiras, o unicórnio americano
é justificável, mas é importan-
te deixar claro que as soluções
PROFISSÕES CRIATIVAS É Faire usa inteligência artificial
desde a fundação, em 2015.
foram criadas para empoderar O ASSUNTO DO MOMENTO A empresa é um marketplace
entre 100.000 fabricantes e 70.000
lojas online para fazer vendas por
atacado. Uma inteligência artificial
criada dentro de casa rastreia pe-
gadas online de lojistas que ainda
não estão no marketplace da Faire.
Assim, caso o lojista queira fa-
zer parte do ecossistema, de ante-
mão o sistema da Faire recomen-
da 200 produtos com alta chance
de saída. “O alto grau de acerto
da ferramenta nos permitiu ino-
vações como facilitar ao lojista
devolver, sem custo, um produto
encalhado”, diz o brasileiro Mar-
celo Cortes, um dos fundadores
da Faire, avaliada em 12 bilhões
LUKAS SCHULZE/WEB SUMMIT/SPORTSFILE/DIVULGAÇÃO

de dólares. No mês passado, a in-


tegração da IA própria com a do
ChatGPT melhorou o entendi-
mento sobre as buscas realizadas
dentro do marketplace. Antes, al-
guém digitando “Havaianas” po-
Alex Collmer, deria ter dificuldade de encontrar
da VidMob: resultados de chinelos casuais.
soluções criadas
para empoderar “Agora não mais, o que melhorou
profissionais — a qualidade de nossos resultados
e não o contrário
em 20%”, diz Cortes.
16 exame.com
PRIMEIRO LUGAR CLUBE DE REVISTAS

O atendimento via robôs vir- cá, um braço do grupo para in- Desde o avanço do ChatGPT,
tuais, também conhecidos pelo teligência artificial. a Woopi quer deixar de ser uma
termo em inglês chatbots, deve O alvoroço causado pelo empresa de chatbots para ser
ganhar muito com a inteligên- ChatGPT fez o time de Winetzki conhecida como uma consul-
cia artificial adotada em ferra- ampliar o ritmo de testes sobre toria de processamento de lin-
mentas como o ChatGPT. Há usos possíveis da tecnologia guagem. Os novos projetos pro-
dois ganhos potenciais. Um de- para ganho de produtividade metem um salto nas receitas da
les é a agilidade: treinar o robô no grupo. Alguns exemplos: no empresa. Em 2023, a expectati-
para consertar bugs em linhas time de inovação, a IA genera- va de faturamento é de 18 mi-
de código de algoritmos con- tiva está antecipando cenários lhões de reais — 64% acima do
vencionais, como os dos primei- sobre produtos ainda em fase ano passado.
ros chatbots, leva semanas. Já na de testes — para, assim, encur-
inteligência generativa, capaz tar o período de bugs.
de gerar a própria linguagem de Há ainda experimentos em
programação, a função pode ser áreas com potencial de virar
resolvida em dias. negócios para a Woopi. Em saú-
Em paralelo, por ser mais po- de, a empresa testa o uso da IA
tente e intuitiva, a nova tecnolo-
gia consegue emular com mais
facilidade os pormenores da co-
na gestão de grandes bancos
de dados de prontuários mé-
dicos para buscar modelos de
A WOOPI
municação humana — incluin-
do aí demonstrações de emo-
eficiência a serem repetidos
em série. No meio jurídico, a IA
USA ROBÔS
ção por parte da máquina, por
exemplo. “Tudo isso pode rom-
está sendo testada para reduzir
a pilha de processos judiciais.
PARA
per com aquela sensação mecâ-
nica tão comum nos chatbots
Recentemente, a tecnologia de-
tectou que um processo ainda ENCURTAR O
tradicionais”, diz Alex Winetzki,
CEO da Woopi, startup compra-
em aberto não poderia seguir
adiante porque o acusado havia PERÍODO DE
da pelo gigante de outsourcing
Stefanini em 2012 e, de lá para
falecido — e o caso todo tinha-
perdido a razão de ser. “Isso que
é impressionante, a capacidade
TESTES
do sistema de tomada de deci-
são”, diz Winetzki.

ESTRATÉGIA

O cara de
inovação agora
é um robô
Na Woopi, empresa
VAUGHN RIDLEY/WEB SUMMIT RIO/SPORTSFILE/DIVULGAÇÃO

do Grupo Stefanini, a
IA está por trás de
novos produtos
e serviços

Alex Winetzki,
da Woopi: mais
testes com a
tecnologia depois
do sucesso
do ChatGPT

18 exame.com
PRIMEIRO LUGAR CLUBE DE REVISTAS

LIVRO

Vendendo o peixe
O guia para quem deseja dominar técnicas de venda
e convencer clientes a comprar sem pensar duas vezes

POR QUE VOCÊ PRECISA vai aprender neste livro — por que
LER ESTE LIVRO? tomar café em uma reunião de ven-
Você ainda deve estar se pergun- das no Catar não tem nada a ver com
tando: “Por que precisamos de café. Você vai descobrir o que signi-
mais um livro sobre vendas? Já fica quando um cliente potencial diz
existem centenas no mercado!” “sim” no Japão (dica: não significa
Primeiro, você pode ampliar seu que você fechou a venda). Em segun-
potencial de ganhos aprenden- do lugar, você vai aprender exata-
do ideias e métodos originais, os mente o que seus clientes e clientes
maiores de todos os tempos. em potencial estão buscando quan-
Todo o resto que há no mercado do o procuram como profissional de
veio depois de Dale Carnegie, e mui- vendas — e não é o que os livros ou os
ta coisa é derivada de seu trabalho. gurus de vendas da atualidade pro-
Os programas de treinamento de clamam. Isso porque nossas pesqui-
Dale são oferecidos há 100 anos e sas recentes contrariam algumas das
foram evoluindo ao longo do tempo. ideias e abordagens de vendas que
Hoje são ministrados em mais de 38 se tornaram populares nos últimos
idiomas e mais de 90 países. anos e minimizam a importância dos
relacionamentos, da confiança e da
Estudos sobre as relações humanas e ELE TEM GRÁFICOS, MODELOS eficiência pessoal.
o desenvolvimento pessoal pautaram E FORMULÁRIOS ÚTEIS? SIM. Em terceiro lugar, você vai obter
a atuação de Dale Carnegie, escritor e Mas este livro tem algo que você não um desempenho excelente aprenden-
palestrante americano, por mais de 30 vai encontrar em nenhum outro: do que as vendas seguem um padrão
anos. O trabalho atemporal de Carne- histórias reais dos maiores profis- previsível, que você pode explorar
gie resultou no best-seller Como Fazer sionais de vendas e dos mais bem para vender mais. Clientes de todos
Amigos e Influenciar Pessoas, de 1936, avaliados coaches de profissionais os setores transformaram seus há-
além de um instituto homônimo de- de vendas, que não se tornam coa- bitos quando passaram a pesquisar
dicado à formação de profissionais ches sem antes lutar nas trincheiras. informações que hoje estão prontas
nas áreas de vendas, treinamento e rapidamente disponíveis — empo-
corporativo, oratória e habilidades ACHA QUE ESTAMOS derando-se para tomar as decisões
interpessoais. Criado em 1912, hoje é EXAGERANDO? certas. Eles estão mais bem informa-
uma organização internacional pre- Não importa em que país você es- dos e mais confiantes antes mesmo de
sente em mais de 90 países. Em Ven- teja — Argélia, Inglaterra, Trinidad entrar em contato com você. O mode-
da! Como Fazer os Seus Clientes Terem e Tobago, França, Chipre, Japão, lo Carnegie de vendas vai lhe ensinar
Vontade de Comprar, Carnegie parte Romênia, Alemanha, Ilhas Mau- as habilidades necessárias em cada
da premissa de que vender não é um rício, Brasil, Tunísia. Haverá pro- etapa da compra para que você con-
talento mágico, e sim uma habilidade fissionais de vendas e treinadores quiste a confiança e o respeito de seus
que pode ser aprendida e assimilada de Dale Carnegie em praticamente compradores.
ao longo da vida. No livro, que chega ao qualquer lugar do planeta. Os trei-
Brasil após lançamento oficial em 2019, nadores trabalham com milhares de
o autor ensina como usar os princípios empresas de todos os setores imagi-
Venda! Como fazer os seus clientes
de relações humanas para fortalecer náveis. É bem provável que você já terem vontade de comprar, de
relacionamentos, atingir seus objeti- tenha comprado alguma coisa de Dale Carnegie (Sextante)
vos e fechar uma venda. Os princípios? um vendedor que usa nosso método Páginas: 224 | Preço: 54,90 reais
A capacidade de influenciar clientes e sem ter se dado conta.
ACESSE
avaliar as reais necessidades dos com- ATRAVÉS DO
pradores. A obra conta com relatos pes- O QUE ISSO SIGNIFICA QR CODE UM
soais de inúmeros vendedores de su- NO SEU CASO? TRECHO DO
cesso. Leia a seguir um trecho do livro. Significa que nós sabemos — e você LIVRO

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visão global
CLUBE DE REVISTAS

POR CAROLINA RIVEIRA

INTERNET

Como regular a praça


Receita das plataformas com
pública do mundo anúncios (em bilhões de dólares)
Faturamento
Uma série de países tenta atualizar legislações sobre
plataformas de internet e remuneração de conteúdo Fatia de publicidade Lucro
no faturamento líquido
Bill Gates disse anos atrás que, na “aldeia global do amanhã”, a internet estava virando Alphabet
a pracinha da cidade. A Constituição da pracinha, porém, tem sofrido pressões por (Google e YouTube)
atualização. A regulação de plataformas ganhou destaque no Brasil com o avanço 283 60,0
do PL 2.630/20, que instituiria a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e 224
Transparência na Internet. Em todo o mundo, cada vez mais países têm aprovado
Meta (Facebook,
legislações (veja abaixo). As regras que hoje regulam redes sociais e buscadores Instagram, WhatsApp)
datam de tempos em que problemas como a desinformação não eram debatidos
117 39,4
e as big techs eram menos onipresentes na esfera pública. Em todo lugar, o centro
115
da discussão é se as plataformas são ou não responsáveis pelo conteúdo publicado
nelas. Apesar da boa intenção dos projetos, um risco é que, ao responsabilizar as ByteDance (TikTok)(1)
empresas, se abra brecha para ataques à liberdade de expressão — cenário pior ainda 80 25
em possíveis governos autoritários. Com algumas big techs entre as empresas mais
ricas do mundo, ganhou força o tema econômico nas regulações, com demanda por (1) Estimativa. A empresa não divulga informações públicas.
pagamento a autores. Regular a pracinha da cidade nunca foi tão complexo. Fontes: empresas, Bloomberg e legislação dos países.

REGULAÇÕES UNIÃO EUROPEIA: Digital AUSTRÁLIA: News CANADÁ: Online News Act Estados Unidos: mudança
PELO MUNDO Services Act (2022) Bargaining Code (2021) (em debate) na Section 230 (em debate)
Quais são as leis • Regulação ampla, • Exige negociação entre • Inspirada na lei da • A Suprema Corte terá de
já aprovadas inclui temas como plataformas e veículos Austrália, forçaria decidir se responsabiliza
e os debates transparência jornalísticos para plataformas a negociar plataformas por conteúdo;
em curso em algorítmica, remuneração; remuneração de conteúdo • o Congresso discute a
publicidade infantil, • ao todo, acordos jornalístico;  possibilidade de um fundo
alguns países exigência de escritório chegaram a 200 milhões • outra lei, aprovada em jornalístico ou de uma lei
local e cooperação com de dólares. abril, inclui remuneração como a da Austrália.
autoridades; de conteúdo cultural em
• válida para todas redes como YouTube,
as intermediárias TikTok e streamings.
até o consumidor,
incluindo varejistas,
como a Amazon.

22 exame.com
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COMO FEZ A AUSTRÁLIA O que fez a Austrália enxergar mente. Direito autoral, primeiro, não
a necessidade de regular era algo sobre o qual sabíamos muito
A Austrália foi pioneira ao passar em a remuneração de conteúdo e, segundo, na época o departamento
2021 uma legislação que obriga a ne- jornalístico em plataformas governamental nos disse para não
gociação de Google e Meta com veí- digitais? seguir por essa linha. Queríamos que
culos jornalísticos para remuneração O governo nos pediu para fazer um as coisas fossem tratadas por meio
de conteúdo. A regra teve como base levantamento e entendemos que de negociações comerciais. A simples
recomendações do órgão de concor- havia um desequilíbrio: empresas possibilidade de, se não houvesse
rência do país, a ACCC, que classifi- jornalísticas tentando negociar e negociação, entrar em arbitragem
cou o cenário anterior como um “de- plataformas se recusando. Na le- fortaleceu muito o poder das empre-
sequilíbrio” no livre mercado. O eco- gislação da Austrália, se há um sas de mídia. A partir daí, cada uma
nomista Rod Sims, ex-chefe da ACCC claro desequilíbrio no poder de bar- conseguiu negociar algo que a bene-
que liderou o processo, falou à ganha, reguladores podem atuar ficiava de acordo com sua natureza,
EXAME sobre o que acredita ter fun- — por exemplo, podemos permitir digital, impresso, TV. E também os
cionado no caso australiano. Outros a empresas de minério negociarem pequenos: um grupo de 160 publica-
países caminham para legislar sobre coletivamente com um porto que ções bem pequenas se juntou para
o tema, como o Canadá. No Brasil, o tenha monopólio. Já havia, então, negociar um acordo, e conseguiu.
assunto estava junto com o PL das essa estrutura bem-aceita, não
fake news relatado por Orlando Silva precisamos criar tudo. No caso das Como o senhor vê o debate
(PCdoB), com proposta parecida com plataformas, a lógica é clara: se no restante do mundo agora?
a da Austrália. Antes do fechamento as partes não chegarem a um É muito bom que esteja ocorrendo
desta edição, o trecho terminou acordo de forma privada, haverá em outros países. As empresas de
transferido para um antigo projeto uma arbitragem pública. No fim, o tecnologia conseguiram confundir o
de marco legal dos direitos autorais, Google fez um acordo com todas debate, alegando que a Austrália só
que pode incluir remuneração a ar- as empresas de mídia na Austrália beneficiou a News Limited — que,
tistas e outros temas. Veja a seguir que se classificaram. como você sabe, é de Ruper t
os principais trechos da entrevista. Murdoch, uma figura polarizadora.
Como foi a reação Isso não é verdade. Hoje há veículos
das plataformas? nativos digitais em todo canto, que,
Quando foi para o Parlamento, o na minha visão, conseguiram um
Diretores do Facebook, Google ameaçou remover o busca- acordo por jornalista até melhor do
Twitter e Google falam ao dor da Austrália. No dia seguinte, que os grandes. E também é justo
Congresso americano: cerco
regulatório sobre as big o presidente da Microsoft ligou que os grandes sejam compensados.
techs se fecha mundo afora para o primeiro-ministro, que disse No entanto, acho que um projeto de
que colocaria todos os recursos lei que apenas crie um fundo e o di-
por trás do Bing para garantir que vida sem deixar que as negociações
o mercado fosse suprido. O Google ocorram, como se ventila em alguns
recuou. E eu acho que isso vale lugares, leva a negócios piores. Sin-
para qualquer país: não acredito ceramente, se eu fosse o Brasil, eu
que vão tirar os produtos do Cana- faria algo muito parecido com o que
dá e muito menos do Brasil. É im- a Austrália fez.
pensável a ideia de que o Google
vai abrir mão do Brasil. Já o Face- No Brasil, o debate da remuneração
book ameaçou retirar todas as ocorre ao mesmo tempo que o da
notícias do seu feed — embora se regulação geral das plataformas,
chamasse “feed de notícias” na e têm ocorrido pressões contrárias.
época. Terminaram retirando aler- Não houve essa reação na
tas de incêndios florestais e de sociedade australiana?
saúde na pandemia. A reação foi Tivemos o apoio de todos os partidos,
enorme, e eles também recuaram. houve um consenso. Agora, a ques-
tão de as plataformas serem ou não
OLIVIER DOULIERY/AFP VIA GETTY IMAGES

Por que o foco em poder responsáveis pelo que está em seu


de mercado, e não em site, discurso de ódio, algoritmos,
direitos autorais? tudo é muito importante, mas eu fa-
Somos um regulador econômico, ria um projeto de lei separado. Do
então era natural pensar na concen- contrário, as plataformas usarão es-
tração do poder de negociação — o sa complicação no debate público.
que é uma falha de mercado, clara- Ajuda a confundir as pessoas.

maio de 2023 23
visão global CLUBE DE REVISTAS

MÉXICO OS TESOUROS DA NOVA ERA


re A América Latina tem algumas das
C ob
TRANSIÇÃO ENERGÉTICA principais reservas de minerais
6% críticos para transição energética
O tesouro deste século Reservas de minerais críticos
na América Latina(1)
Um aumento de mais de 40 vezes: essa é a pro- (em % no total mundial)
jeção da Agência Internacional de Energia para o
crescimento da demanda global por lítio até 2040
para cumprir os objetivos de desenvolvimento
sustentável. O cenário se repetirá para vários dos
chamados “minerais críticos”, como níquel, co- Elemento

sr
balto e outros, usados em baterias e estruturas de el

aros
energia limpa. Boa notícia para a América Latina, br e íqu 17%

N
Co
região com algumas das maiores reservas desses 9% 16%
insumos. “As nações ricas em recursos podem se
beneficiar enormemente devido aos déficits de PERU BRASIL
oferta esperados e aos fortes preços resultantes BOLÍVIA
disso”, diz Alice Yu, da S&P Global Commodity Lítio
Insights. O desafio será transformar recursos na-
L í t io 22% 1%
turais em riqueza para atrair investidores. O pre-
sidente da Bolívia, Luis Arce, chegou a falar sobre
CHILE Gr Mangan
uma “Opep do Lítio”, referência ao cartel de petró- afite
leo. Neste ano, o Chile anunciou a nacionalização 36%

ês
do lítio e um aumento de impostos sobre o cobre C obr e 16%
para financiar programas sociais, e o México tenta
algo parecido. Governos terão de buscar uma linha 21% ARGENTINA
tênue entre atração de investidores de longo prazo
io
(uma mina leva em média 16 anos para começar a L ít Além das reservas já
operar) e regulações que garantam justiça social. contabilizadas, a Bolívia e
10%
“Sem um bom arcabouço, os latinos podem perder outros países pelo mundo
mercado para outras regiões”, diz Yu. A economia têm potencial não utilizado
global estará de olho nessas movimentações. Hoje, de lítio. Se incluídas as
reservas conhecidas mas
a maioria da produção e do refino final ocorre na onde a produção ainda não
China (veja abaixo). Países ocidentais correm para começou, países como Bolívia
tentar diversificar suas cadeias — e a América Lati- e Argentina chegariam cada
na será decisiva nesse processo. um a 20% do lítio do mundo

O refino e a produção globais estão hoje concentrados na China, Aumento necessário da demanda
o que preocupa potências do Ocidente por mineirais críticos até 2040,
para para atingir objetivos de
Maiores reservas do mundo Principais locais desenvolvimento sustentável(2)
(países selecionados com reservas de refino ou
acima de 15% do total mundial) processamento (em número de vezes, na
comparação com 2020)
21% COBRE 41%
Chile China 42
22% 36% LÍTIO 58% 29%
Austrália Chile China Chile 25
21 19
16% 21% 22% NÍQUEL 35% 25% 8 7
Brasil Austrália Indonésia China Indonésia 3
io

lt o

em s
ite

el

ro s

17% 18% 37% ELEMENTOS 87%


ê

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Lít

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Co
en

RAROS
ng
Gr

Brasil Vietnã China China


Co

Ma

El

(1) Segundo levantamento da Pesquisa Geológica Nacional dos Estados Unidos. Não inclui todas as reservas já descobertas, somente as com extração em processo.
(2) Projeção IEA. Fonte: Agência Internacional de Energia (IEA) e Pesquisa Geológica Nacional dos Estados Unidos (USGS).
CLUBE DE REVISTAS
F EL IPE
MA
IRO
W
EM BUSCA DE SK
I
EDUCAÇÃO

/D
NOVAS CADEIAS

W
IH
Benefícios da


OP
A guerra na Ucrânia, tensões grande renúncia

AU L O
em Taiwan e deterioração nas
relações entre Estados Unidos e O mercado de trabalho nos Estados Unidos viveu
China tornaram a diversificação um frenesi nos anos pandêmicos. Com o desempre-
das cadeias de minerais críticos go em pouco mais de 3%, trabalhadores pediram
uma prioridade para potências demissão em massa, movimento que ficou conhe-
ocidentais. Nesse cenário, a cido como “A Grande Renúncia”. Um dos mais afeta-
União Europeia vê a América do Veronika Grimm, membro dos foi o setor de serviços por turnos, como restau-
do Conselho Alemão
Sul como parceiro central, disse de Especialistas rantes e hotelaria, que se vale fortemente de mão de
à EXAME a professora Veronika Econômicos: o Brasil é obra de jovens. Para entender como ficou a situação
essencial para transição
Grimm, um dos cinco membros energética da Europa desses trabalhadores após a saída, os pesquisadores
atuais do Conselho Alemão de do Shift Project, iniciativa da Universidade Harvard
Especialistas Econômicos, que e da Universidade da Califórnia, acompanharam
assessora o governo alemão. ambiental e florestal. 3.000 pessoas do setor de serviços entre 2020 e 2022.
Leia os principais trechos Acho que temos de Eles descobriram que a mudança de emprego levou,
da entrevista. conversar, entre a União no geral, a melhores salários. Além disso, os muito
Europeia e o Brasil, para jovens, de 18 a 24 anos, deixaram seus empregos
Como as negociações encontrar alguma forma em proporção superior aos demais. O salário ante-
do acordo Mercosul-União de lidar com esses conflitos. rior foi um motivador: no grupo até 24 anos, 67%
Europeia se encaixam Mas isso sem deixar de dos que ganhavam o salário mínimo (7,25 dólares
no debate da transição buscar cooperação. Não por hora nos Estados Unidos) mudaram de empre-
energética? buscar mais cooperação go — ante 17% entre os que ganhavam 25 dólares.
As democracias em todo o seria um erro. “Os resultados sugerem que jovens trabalhadores
mundo precisam acelerar sua do setor de serviços aproveitaram as oportunidades
cooperação para se preparar O Brasil e a América Latina oferecidas por um mercado extremamente restrito
para os novos cenários têm um histórico de exportar para melhorar suas condições de trabalho”, escreve-
econômicos. Há oportunidades recursos brutos mas, muitas ram os autores. Com a economia em desaceleração,
para ampliar o comércio de vezes, perder a chance profissionais americanos podem ter situação me-
energia renovável e ampliar o de desenvolver a economia nos favorável. Mas os dados sugerem que A Grande
comércio de minerais críticos local. Como fazer o Renúncia foi uma brecha para quem estava na base
— de que, em grande medida, acordo Mercosul-UE gerar da pirâmide buscar melhores condições. Nada mais
precisamos para a transição. desenvolvimento para significativo em uma economia de livre mercado.
São coisas nas quais devemos ambas as partes?
nos concentrar mais, e o Com certeza, o cenário não MERCADO AQUECIDO
Mercosul é um elemento deve ser apenas extrair as Nos Estados Unidos pandêmicos, jovens no setor de
muito importante nisso. matérias-primas e exportá- serviços conseguiram barganhar melhores condições(1)
las, mas também ter uma
Que oportunidades a região indústria integrada. Acredito Os mais jovens mudaram Quem mudou de
terá para ampliar seu papel que há muitas oportunidades. mais de emprego emprego viu maior
Deixaram o emprego (em %) variação no salário
na cadeia global de minerais Por exemplo, as economias
críticos? europeias terão de importar De 18 a Mudança no salário
51
Atualmente, importamos [na produtos e projetos 24 anos (em dólares)
UE] grande parte de nossos industriais à base de 25 ou
25 3
minerais essenciais da China, hidrogênio verde — e claro mais
mas isso é, obviamente, uma que há espaço para 2
ameaça à nossa segurança desenvolvimento industrial Entre os jovens de 18 a 24
anos, os que mudaram mais 1
e ao nosso desenvolvimento também no Brasil para
ganhavam piores salários 0
econômico caso os conflitos fornecer esses produtos.
Mesmo Novo
no leste asiático se agravem. Vocês têm melhores Dos jovens de 18 a 24 anos,
emprego emprego
Teremos muita dificuldade se condições do que a Europa deixaram o emprego (em %)
não nos prepararmos para para produzir energia
7,25 (1) Pesquisa com 3.000
diversificar. E a América do Sul renovável, por exemplo, e não dólares/hora 67 trabalhadores que atuam
em turno no setor de
tem enormes possibilidades. seremos capazes de expandir 15 serviços, entre 2020 e 2022.
Também existem tensões, nossa produção o suficiente. dólares/hora 45 Entrevistados podem ter
deixado o trabalho uma vez
claro, a exemplo das metas de Nesse contexto, o Brasil é um ou mais. Fontes: Daniel
25 17 Schneider e Kristen Harknett,
sustentabilidade e proteção parceiro muito importante. dólares/hora da Harvard Kennedy School.

maio de 2023 25
ENTREVISTA CLUBE DE REVISTAS

Conrado Leister

a meta sem o metaverso


Mark Zuckerberg apostou tudo no me- ANDRÉ LOPES
taverso no ano passado. O CEO da Meta
chegou a aportar 10 bilhões de dólares na
ideia para dominar o mercado da realidade
virtual (VR) e aumentada (AR). Isso lhe cus-
tou muito tempo. E ainda mais dinheiro. A propagou que os negócios do No Brasil, com 154 milhões
certa altura, sua riqueza caiu mais de 100 futuro seriam vistos através de usuários de mídias sociais,
bilhões de dólares em relação ao pico — um das lentes do Oculus Quest, o as novas regras propostas
declínio considerável para o millennial que, aparelho com o qual se aces- pelo PL 2.630/2020 para regu-
apenas alguns anos atrás, era a terceira pes- sa o metaverso da empresa. lar a Meta e seus pares trou-
soa mais rica do mundo. A aposta dos inves- Em 2023, a conversa já era xeram um questionamento
tidores era de que o rebranding do antigo outra. Quem dita as tendên- que já se julgava superado: as
Facebook era um caminho arriscado e sem cias, no novo discurso, são as redes sociais são ou não res-
suporte dentro das tecnologias atuais. Por gerações mais novas, como a ponsáveis por crimes cometi-
fim, após cortes de 20.000 trabalhadores e Z, que, por consequência, mo- dos ou divulgados nas plata-
um completo escanteio do metaverso, viu vem o mercado. Conquistá- formas digitais?
os negócios voltar a crescer no último tri- -los é um dos desafios. Em entrevista à EXAME,
mestre e sua fortuna se recuperar. Outro desafio, diretamente antes do adiamento da vota-
Os sinais dessa guinada de volta ao mun- ligado às novas gerações, é ção do PL para junho, o dire-
do físico foram acompanhados pela reporta- enfrentar a crescente pressão tor da Meta para a América
gem da EXAME. Em 2022, no Meta Summit, do concorrente TikTok, que Latina, Conrado Leister, expli-
um dos primeiros eventos pós-pandemia da ganha menos por anúncio, cou os pontos de discordância
empresa para anunciantes brasileiros, o me- mas tem se mostrado um in- da empresa na proposta de
taverso era a bola da vez. A empresa anun- cômodo quando se trata de lei. Também comentou sobre
ciou avatares virtuais, promoveu influen- atrair os mais jovens — daí a como a empresa encara hoje
ciadores que divulgavam a tecnologia e nova posição da Meta. o metaverso e as responsabi-

26 exame.com
CLUBE DE REVISTAS

VIVIAN KOBLINSKY/DIVULGAÇÃO

É possível dizer que a empresa de Mark Zuckerberg tem focado menos o


metaverso e mais a vida real. Os investimentos se mantiveram nos negócios
que sempre deram certo: as redes sociais. O desafio, segundo o diretor
da Meta para a América Latina, é entender o público dos diferentes canais

maio de 2023 27
ENTREVISTA CLUBE DE REVISTAS

lidades que passou a exercer dera relações e práticas co- mais de 70 idiomas, incluindo o português.
ao gerenciar sistemas impor- merciais vigentes a respeito Desde 2016 a Meta investiu mais de 16 bi-
tantes para a comunicação e de conteúdos protegidos. No lhões de dólares em integridade e segurança
os negócios brasileiros, além caso da Meta, temos acordos de nossos aplicativos. Números específicos
da entrada mais ativa como com gravadoras de música de determinado país ou idioma não refle-
meio de pagamento via e oferecemos ferramentas tiriam a complexidade desse trabalho, uma
WhatsApp Pay. para que detentores de di- vez que ele é realizado por equipes multidis-
reitos nos informem sobre ciplinares ao redor do mundo todo.
A Meta já passou por seus conteúdos protegidos
escrutínio em diferentes para que possamos impe- O WhatsApp Pay foi apresentado
mercados a respeito de dir que eles sejam publica- em 2017, mas só recentemente se tornou
moderação de conteúdo. dos nos nossos aplicativos. um terminal de pagamentos para lojistas.
A empresa respondeu Em relação ao trecho no PL Isso é um sinal de que a Meta tem
a muitos desses sobre remuneração de pub- agido com mais cautela nos mercados
questionamentos com novas lishers, o texto não conside- em que atua?
ferramentas e mecanismos ra que as notícias aparecem Nossa abordagem varia bastante. Às vezes,
de controle. O cenário nos nossos aplicativos por lançamos um produto em fase alfa ou beta,
recente no Brasil não decisão voluntária dos veí- conduzimos um piloto e, se não funciona,
me parece ser tão diferente culos, para que eles possam mudamos para outra coisa. Então, essa
de outros já superados. engajar e aumentar sua au- missão de experimentação e persistência
O que há no Projeto de Lei diência. A Meta não carrega continua sendo essencial para nós e vem
no 2.630/2020 que incomoda notícias proativamente em desde o Facebook. Um exemplo disso é a
a empresa? seus aplicativos, e as notícias nossa abordagem com o metaverso. Ainda
A empresa está aberta a de- representam menos de 3% estamos investindo nele, apesar de estar-
bater regulações adicionais do conteúdo que as pessoas mos falando um pouco menos publica-
da internet que tragam re- veem no feed do Facebook. mente. E continuamos a acreditar que isso
gras claras e justas para to- será uma nova onda, uma nova plataforma
dos. Mas muito do recente Em números gerais, computacional para o futuro. O WhatsApp
debate sobre regulação no considerando Facebook, Pay é outro exemplo disso. Ele foi muito
Brasil tem como base a pre- Instagram e WhatsApp, hoje testado, é seguro e recebeu a aprovação do
missa equivocada de que as qual é o tamanho da Banco Central. Ainda estamos começando
plataformas digitais lucram operação de revisão com pequenas empresas, justamente por
com conteúdo violento e de conteúdo da Meta, termos aprendido algumas lições sobre o
de ódio. Isso não é verdade. globalmente e para o Brasil? mercado local que devem ser consideradas
Alguns dos pontos de preo- O PL em vigor tornaria esse com responsabilidade.
cupação que temos sobre trabalho maior do que já é?
o texto proposto no fim de Temos uma robusta estru- Mas o metaverso saiu do foco
abril incluem os dispositi- tura global com tecnologia central do negócio da Meta?
vos sobre direitos autorais e e revisão humana para ana- Nós mudamos um pouco a forma como nos
de remuneração de veículos lisar denúncias 24 horas por comunicamos para tornar mais claro o que
de imprensa. No caso de di- dia, sete dias por semana, em realmente significamos. No médio e no lon-
reitos autorais, o texto não
traz uma exceção clara para
conteúdos gerados pelos
usuários, o que significa que
potencialmente qualquer
foto que você tire e publique
nas suas redes poderia en- Muito do recente debate sobre regulação
trar no escopo da regulação
de conteúdo no Brasil tem como base
do governo. Além disso, a
proposta sobre direitos auto- a premissa equivocada de que as
rais rompe com abordagens plataformas digitais lucram com conteúdo
internacionais e não consi- violento e de ódio. Isso não é verdade

28 exame.com
ENTREVISTA CLUBE DE REVISTAS

go prazo, digamos em cinco


ou dez anos, continuaremos a
considerar o metaverso. Acre- No médio e no longo prazo, digamos em cinco
ditamos que, com as condi-
ou dez anos, continuaremos a considerar
ções tecnológicas evoluindo
como estão, tanto em ter- o metaverso. Acreditamos que, com as
mos de hardware quanto de condições tecnológicas evoluindo como
software, e da maneira como estão, conseguiremos desenvolver isso
sempre trabalhamos, conse-
guiremos desenvolver isso.

No Meta Summit de 2023


vocês destacaram que os
anunciantes devem olhar de nesse caso. No Facebook, a ideia de usar o WhatsApp para
para o público mais jovem. entendemos que há pessoas gerar oportunidades de negócios
Isso é sinal de que, como que o utilizam há mais tem- para suas concessionárias vende-
a empresa, o perfil dos po e talvez representem uma rem carros. No período da cam-
usuários também mudou? faixa etária mais velha. panha, mais de 60% dos contatos
Percebe-se que nossas plata- para compra foram feitos por
formas possuem pontos for- Quais outros planos seguem meio do WhatsApp. Eles conse-
tes que geralmente se rela- no radar da empresa? guiram vender mais de 5.000 car-
cionam com uma faixa etária A maior parte do nosso in- ros por meio do aplicativo.
ou com um grupo específico vestimento, cerca de 80%, é
de pessoas. Por exemplo, o destinada aos nossos apps. Depois da mudança da marca e
Facebook sempre foi o lugar A busca é por melhorias de da integração dos mensageiros,
onde as pessoas se conectam nossas plataformas para como você entende que os
com amigos de uma forma as pessoas e para os nos- brasileiros enxergam a empresa
mais participativa. Por ou- sos parceiros anunciantes. atualmente?
tro lado, o Instagram é mais A inteligência artificial, que Ainda que nem todos saibam
sobre a expressão indivi- é o principal motor do bom que o WhatsApp, o Instagram e o
dual e tendências. E temos o desempenho de nossas pla- Facebook são parte de uma mes-
WhatsApp, que une comuni- taformas, também deve ma companhia, a gente tem ali-
cação e negócios. Ainda que ser incrementada cada vez nhado a estratégia para que isso
nossas plataformas tenham mais. Estamos, por exemplo, fique cada vez mais claro. Mas no
pontos fortes distintos, per- criando conteúdo artificial a Brasil estamos vendo uma adoção
cebemos uma sobreposição partir de texto e explorando muito ampla de todos os nossos
entre demografias, especial- diferentes temas. No que diz serviços e penso que isso está li-
mente quando implementa- respeito ao metaverso, lança- gado ao fato de a cultura brasilei-
mos recursos específicos. Por mos um novo Oculus Quest, ra ser muito social. As nossas pla-
exemplo, quando lançamos que simplifica o acesso ao taformas permitem ampliar esse
o stories no Instagram, ini- metaverso. comportamento. Não por acaso,
cialmente observamos um o país é sempre cotado para os
uso mais frequente entre O que deve ser nossos testes de novos recursos
os usuários mais jovens. No destaque no Brasil? e atualizações, e o que fazemos é
entanto, com o tempo, vi- Por aqui, lançamos muitos sempre encarado com entusias-
mos isso se expandir, e hoje novos recursos, principal- mo. Quando lançamos o stories,
o stories é um recurso massi- mente na área de mensage- em 2016, por exemplo, o Brasil
vamente utilizado por todas ria, que podem gerar resul- foi um dos primeiros a abraçar a
as faixas etárias. Notamos tados expressivos. No ano funcionalidade e um dos primei-
a mesma tendência com o passado trabalhamos com a ros mercados com anunciantes
reels, mas, novamente, ainda General Motors, mais espe- e novos negócios ao redor dele.
não é completamente claro cificamente com a Chevrolet, Acredito que logo deve ser um dos
como a demografia se divi- aqui no Brasil. Eles tiveram países a abraçar o metaverso.

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Web Summit:
13 - 16 Novembro, 2023
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REPENSANDO
O VALOR DE TUDO
Somos a principal fonte de notícias de ESG no
Brasil. Além de sermos o veículo de mídia que
mais tratou sobre estratégias ambientais, sociais
e de governança, falamos em média 16 vezes Realização:

mais sobre o tema do que os demais veículos


de comunicação.
Apoio:
Em junho a EXAME promove, mais uma vez, o
maior evento online gratuito sobre ESG do país
— Mês do ESG em EXAME: uma série de talks,
matérias, podcasts e encontros que reunirão
líderes, especialistas e profissionais renomados
para discutir as práticas ESG no Brasil e no
mundo. Serão mais de 17 painéis de debates
sobre o tema com a presença de profissionais
renomados no Brasil e no mundo.

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de junho, com diálogos que vão colaborar com
o desenvolvimento das pautas sustentáveis.
CAPA
CLUBE DE REVISTAS

PARA ONDE
A ROÇA DO PASSADO AVANÇOU COM AS
GERAÇÕES. Assim como o escritor aposen-
VAI O
tou a máquina de escrever, o produtor rural
guardou a enxada. Os saltos de produtivida-
de do agronegócio brasileiro nos últimos 50
anos colocaram americanos e europeus para
trás. O país é hoje player relevante nos movi-
mentos geopolíticos, seja pelas exportações, Futuro do agronegócio:
da consolidação de terras
seja pela transparência sobre a origem da às agtechs, os métodos
matéria-prima. O Hemisfério Norte nunca de cultivo devem ir além
dependeu tanto do clima tropical para fazer da monocultura

chegar alimento, fibras e energia numa época


de guerra e insegurança alimentar. A soja se-
gue sendo o carro-chefe brasileiro, inegável.
Mas há uma cesta cheia de produtos à dispo-
sição: algodão, café, proteína animal, suco de
laranja, melão e até atemoia. Graças à ciência
da agricultura tropical, desenvolvida nacio-
nalmente, surgiram tecnologias como plan-
tio direto, agricultura de precisão, integração
lavoura-pecuária-floresta (ILPF) — no Brasil
e em países da África onde a Embrapa atua.
Fomentar a pesquisa, portanto, é investir
no futuro do agronegócio. Fundações, coope-
rativas, multinacionais e cientistas se unem
na missão de desenvolver uma agricultura de
baixo carbono com alta produtividade. É pre-
ciso — ainda — mais. Universidades públicas
precisam atualizar as grades curriculares para
abarcar práticas como sensoriamento remoto,
drones e gestão de dados em nuvem. Enquan-
to isso, surge um movimento de instituições
de ensino privadas mirando o novo mercado
de trabalho, efervescido com a digitalização
do agro. Engenheiros de dados, especialistas
em big data, analytics, blockchain e até pilo-
tos de drone. Estima-se que, até 2025, haverá
mais de 178.000 vagas de emprego ligadas ao
agronegócio. Um mercado em ebulição, mas
que exige um profissional que não fará mais
do mesmo e conseguirá performar em uma
agricultura da “era ESG”.
A boa notícia é que o Brasil já tem meca-
nismos como o PPCDAm, plano oficial para
combater o desmatamento na Amazônia, e os
dados gerados pelo Instituto Nacional de Pes-
quisas Espaciais (Inpe). No âmbito da conecti-
vidade — um gargalo crucial —, o Ministério
da Agricultura e Pecuária garante que recursos
para a internet rural serão liberados ainda no

32 exame.com
CLUBE DE REVISTAS
O setor reinventa a forma de produzir por meio da
agricultura de baixo carbono e tecnologias de ponta.
Quais serão os líderes do futuro rumo à agenda ESG?

MARIANA GRILLI

AGRONEGÓCIO
BRASILEIRO?
primeiro semestre. Conectar os rincões signi-
fica educação nas escolas rurais. Outro meca-
nismo já amplamente discutido é a aplicação
integral da Lei do Código Florestal — lei entre
as mais robustas e mundialmente reconheci-
das do ponto de vista ambiental.
O agronegócio tem a faca e o queijo na mão,
mas antes é preciso focar algumas questões. O
próximo capítulo será construído com recupe-
ração de pastagens degradadas, sequestro de
carbono e protagonismo na agenda de redu-
ção dos gases de efeito estufa. Nesse processo,
é possível profissionalizar a cadeia do cacau e
outras culturas da Amazônia, como castanha e
cumaru, investindo em bioeconomia da flores-
ta. Projetos de agrofloresta e agricultura rege-
nerativa atraem multinacionais e já garantem
renda a comunidades indígenas, ribeirinhas e
quilombolas. Há muito a ser desenvolvido.
A revolução passará pela presença de jovens
e mulheres no campo. Sucessores familiares
iniciam uma jornada de retorno ao campo, de-
pois de ver abrir uma leva de oportunidades ao
alcance de um toque. As mulheres, que sempre
estiveram nos bastidores de sítios e fazendas,
DIVULGAÇÃO SLC

passam a integrar as discussões, de igual para


igual. O faturamento bruto do agronegócio
brasileiro deve crescer 5% em 2023, segundo as
últimas estimativas, para 1,25 trilhão de reais.
Manter o ritmo demandará novas revoluções.
O mundo acompanha de perto o que acontece
por aqui. Nas próximas páginas, exemplos de
inovações para o Brasil se manter protagonista.

maio de 2023 33
CAPA
CLUBE DE REVISTAS
Unidade da Pink Farms em São
Paulo: a agtech captou 15
milhões de reais da SLC Ventures
para investir na agricultura
urbana vertical

LEANDRO FONSECA

Maior produtora de grãos do país, a SLC Agrícola se reinventa para


sair da monocultura e mira o futuro com larga produção sustentável,
desde o salto da “agricultura de hiperprecisão” até a Pink Farms
LUCIANO PÁDUA E MARIANA GRILLI
34 exame.com
CLUBE DE REVISTAS

A HISTÓRIA DA SLC, MAIOR PRODUTORA DE GRÃOS DO


BRASIL, está conectada ao desenvolvimento do agronegó-
cio no país. Em 1977, quando nasceu a SLC Agrícola, braço
operacional do grupo Schneider, Logemann & Cia, até en-
tão focado em máquinas agrícolas, o Brasil produziu 46 mi-
lhões de toneladas de cereais, leguminosas e oleaginosas.
De lá para cá, a produção agrícola brasileira cresceu mais
de seis vezes: a estimativa para 2023 é de um recorde de 313
milhões de toneladas. Um trabalho de tecnologia, eficiên-
cia e profissionalização no campo, com aumento de mais de
400% na produtividade. A SLC representa como poucas em-
presas esse processo, e ajudou o Brasil a sair de um déficit da
produção de alimentos para a posição de grande exportador.
A companhia foi pioneira em muitos aspectos da história
agrícola nacional: da agricultura de soja e milho no cerrado
nos anos 1970 à abertura de capital na bolsa em 2007. Puxou
também a fila no uso do plantio direto, da maturação do
solo de tecnologia no campo. Com 672.000 hectares em 22
fazendas e 2,3 milhões de toneladas de soja, milho e algodão
produzidas anualmente, a empresa já é hoje a maior produ-
tora agrícola nacional. Mais do que isso: é a maior empresa
de um país que, neste ano, caminha para ser o maior expor-
tador de soja, milho, café, açúcar, carne bovina e carne de
frango do mundo. Em suma, é uma empresa que alimenta
o mundo. A SLC tem o sonho grande de “impactar positiva-
mente gerações futuras, sendo líder mundial em eficiência
no negócio agrícola e respeito ao planeta”. “Estamos traba-
lhando para ser referência no nosso negócio e ser líder mun-
dial no negócio agrícola com alta produtividade, baixo custo
de produção e alta eficiência de recursos naturais”, afirma
Aurélio Pavinato, CEO da SLC Agrícola. “E com respeito ao
planeta, totalmente conectado com a sustentabilidade den-
tro do tripé econômico, social e ambiental.”

A EMPRESA
QUE ALIMENTA
O MUNDO maio de 2023 35
CAPA
CLUBE DE REVISTAS

Em um cenário em que o de do Brasil de alcançar uma


agronegócio global reinventa safra de 600 milhões de tone-
a forma de produzir alimentos ladas nos próximos 20 anos ao SLC e Brasil
e preservar a natureza, a SLC recuperar áreas degradadas. Em 50 anos, o Brasil passou de
investe para continuar sendo Concretizada a estimativa, se- importador de alimentos para um
a vanguarda. Do segmento de ria quase o dobro da produção dos maiores exportadores globais
grãos, carro-chefe da empresa, atual. Assim como o Brasil, a
aos rendimentos imobiliários, SLC não deixará de produzir Produção de grãos
passando pelo investimento em commodities, mas já se movi- (em milhões de toneladas)
plantios urbanos e pela expan- menta para oportunidades que
0 50 150 250 350
são na integração lavoura-pecu- nascem da agricultura do fu-
ária, o maior grupo produtor de turo, a exemplo do aporte em 1977 46
commodities agrícolas do Bra- agtechs como a Pink Farms,
sil quer ser o exemplo de como que faz agricultura vertical de
empresas rurais podem ter di- folhosas, e a sondagem sobre o
versificação de renda e compro- promissor mercado de biológi-
missos em ESG com base em cos. Pavinato, o estagiário que
inovação e eficiência. O grupo se tornou CEO da companhia,
tem know-how e hectares su- entende que o agronegócio
ficientes para modelar a agri- brasileiro prosperará em diver-
cultura corporativa do futuro, sas frentes. Atuar apenas em
e ser o exemplo do agronegócio grãos talvez fique no passado.
nacional das próximas décadas. Acima de tudo, o agronegócio
Agricultura de precisão, ges- nacional é fronteira de tecno-
tão por dados em nuvem, dro- logia mundial, com índices de
nes na lavoura. Pavinato esco- produtividade superiores aos
lhe todas essas palavras para de outros grandes produto-
dizer que acredita na capacida- res. “As melhores empresas do

Centro de armazenagem da SLC: a empresa investe em tecnologia e


capacitação para crescer entre 30.000 e 40.000 hectares por ano

2023(1) 312
0 50 150 250 350

Crescimento da área plantada


por culturas (em milhões de hectares)
45 Soja
35 Milho(2)
25
Cana
15
Trigo
5 Algodão
Café(3)
MARCELO COELHO/DIVULGAÇÃO

2010/2011 2022/2023 (4)

(1) Projeção. (2) Área total considerando 1a, 2 a e 3a


safras. (3) Área total considerando variedades
arábica e conilon. (4) Valores estimados para a
safra de grãos 2022/2023. Fonte: Conab.

36 exame.com
CLUBE DE REVISTAS

mundo têm o Brasil como refe-


rência para fazer investimen-
crescimento em sintonia tos. Tanto na parte de máquinas
quanto de insumos, defensivos,
Nesse período, a SLC Agrícola deu saltos de produtividade, entrou na bolsa de todos os grandes do mundo vêm
valores e agora pretende ampliar a atuação para além de soja, milho e algodão
para cá”, diz. “O Brasil, no agro, é
tecnologicamente integrado ao
Valor de mercado mercado internacional.” Ser re-
(em bilhões de reais) ferência em um país referência
672.000 10
9,580 demandará investimentos pesa-
hectares de dos em inovação. E quais passos
8 o gigante de commodities pre-
área plantada
6 tende seguir? Um mergulho no
4 passado ajuda a entender como
2
302.000 0
o grupo chegou até aqui.
A companhia tem Eduardo Lo-
hectares de 2010 2022 gemann, de 72 anos, como acio-
terra própria
nista majoritário (53%), enquan-
to o investidor britânico Crispin
Odey é o seu segundo maior
Vendas acionista. São eles que lideram,
(em bilhões de reais)
9,590 majoritariamente, o gigante de
10 672.000 hectares. Conhecida
Abrangência total de
8 pela atuação em soja, milho e al-
672.000 hectares 6 godão no cerrado, a SLC Agríco-
la contribuiu ao longo dos anos
em sete estados 4
2 para a difusão de tecnologias
0 como plantio direto, agricultura
de precisão e máquinas moder-
2010 2022
nas. Desde sua fundação, a SLC
Agrícola teve três saltos funda-
MA
mentais. Os primeiros 30 anos
PI Dívida líquida de atuação incluíram uma joint
(em milhões de reais) venture com a fabricante de má-
MT BA 2,218 quinas John Deere, tornando a
2,5
GO empresa pioneira da mecaniza-
2
MG ção do campo no Brasil. O ano
MS 1,5 de 2007 inaugurou uma nova
1 fase, e a SLC foi a primeira do
0,5 setor agrícola a abrir o capital na
bolsa de valores — o que rendeu
0
à empresa 580 milhões de reais
2010 2022
captados e um valuation de 1,25
bilhão de reais na época. Em 15
anos, as ações valorizaram 935%.
Ebitda “Tem de ter um plano ambicioso
Lucro líquido
(em bilhões de reais) (em bilhões de reais) por trás, ter maturidade. Apren-
demos muito com a listagem”,
1,5 3 2,683 diz Frederico Logemann, gaúcho
1,267
1,2 2,5 da terceira geração da família,
0,9 2 à frente da área de inovação da
0,6 1,5 SLC. Nos últimos anos, outras
0,3 1 empresas do agro abriram o
0 0,5 capital, mas a proporção ainda
2010 2022 2010 2022 é baixa para um setor que cor-
responde a 25% do PIB nacio-
nal. Nesse caso, é o “G” do ESG

maio de 2023 37
CAPA
CLUBE DE REVISTAS
que sobressai: para chegarem
à bolsa, as companhias preci- Rebanho de gado
sam ser auditadas e passar por em fazenda da SLC:
a empresa investe
critérios de governança sofis- em integração lavoura-
ticados. Seguir o exemplo da pecuária, que reveza
SLC no nascente mercado de plantio de grãos
e criação de gado
fundos para o setor é essencial
para as próximas décadas.
De 2007 a 2015, capitalizada,
a empresa investiu maciçamen-
te em compra de terras e arren-
damento, e expandiu sua área
produtiva de 100.000 hectares
para 400.000 hectares. Nessa
fase, a produtividade do gru-
po andava na média brasileira,
pois a estratégia principal era o
crescimento em área. “Operan-
do em novas áreas, os primeiros
anos de cultivo têm baixa pro-
dutividade, mas foi necessário
fazer esse esforço para chegar-
mos ao que somos hoje”, afirma
Logemann. Pavinato acrescenta
que o preço pago pelos grãos
justificou o investimento da
SLC. “O Brasil criou condições
para o agro se expandir, com
financiamento, aprovação de
insumos e transgênicos. A gen-
te teve um ambiente favorável
para investimento nos últimos
20 anos”, diz.
Desde 2015, a empresa ado-
tou uma estratégia asset light,
focada em alocar menos ca-
pital na terra e arrendar mais bra dois caminhos: consolidação de áreas e TECNOLOGIA COMO
áreas maduras. “Conseguimos, recuperação de solos. A tese por trás da am- GAME CHANGER
felizmente, vários projetos de pliação dos negócios da SLC é o que move Marco importante, a incorpo-
arrendar terras maduras. Com o discurso de todo o agronegócio, isto é, ração da Terra Santa Agro per-
pouco capital, conseguimos aumento populacional e maior demanda mitiu à SLC passar de 400.000
crescer bastante a área planta- por alimentos. O executivo enxerga uma para 672.000 hectares em 2021,
da. O retorno que estamos ge- demanda ainda mais plural, vinda da Ásia somando 22 fazendas. “É um
rando na nossa operação sobre (especialmente da Índia) e da África. “Mui- modelo meio McDonald’s, em
o capital investido melhorou tos asiáticos e africanos vão gerar deman- que a gente usa muito os ganhos
muito”, diz Pavinato. O mais da, e o Brasil não será capaz de suprir toda de escala, padronização e testa
importante, em sua avaliação, a demanda deles”, diz Pavinato. “Então vão novas coisas”, afirma Frederico.
é que o novo modelo permitiu começar a produzir também. E aí podere- No ano passado, o lucro foi re-
à empresa se concentrar em mos exportar nossa tecnologia brasileira.” corde, de 1,2 bilhão de reais, com
inovação e tecnologia, am- Para manter esse protagonismo por mais pagamento em dividendos de
pliando a produtividade das 20 anos, é necessário compreender a atuali- 601 milhões de reais. Nos últi-
safras. “É um ciclo virtuoso: dade, com desafios como a mudança de uso mos cinco anos, o retorno sobre
mais produtividade, mais lu- da terra, o empobrecimento dos solos e as patrimônio líquido esteve na
cro, mais capacidade de inves- mudanças climáticas. A saída é continuar média de 20%.
timento”, afirma o CEO. expandindo a produtividade com respon- Nas contas de Pavinato, o Bra-
Hoje, a pretensão é crescer sabilidade socioambiental e tecnologias de sil consegue ampliar a área pro-
de 30.000 a 40.000 hectares ponta, como inteligência artificial, análise dutiva em mais 30 milhões de
por ano. Para isso, ele vislum- de big data e automação. hectares — além dos 53 milhões

38 exame.com
CLUBE DE REVISTAS

O valor da terra
Grupo SLC monetiza terras com apoio
de companhias da Inglaterra e do Japão
Além da consolidação de terras, outra
forma de a SLC Agrícola monetizar o ativo
imobiliário é por meio de joint ventures. A
SLC LandCo é uma delas, responsável pelo
desembolso relativo à aquisição de terras,
abertura e limpeza de áreas, aplicação de
corretivos de solo e construção da
infraestrutura. O fundo de private equity
inglês Valiance é sócio da joint venture,
com participação, atualmente, de 18,8%.
Dessa forma, a SLC Agrícola contribuiu
com terras, e a Valiance, com capital,
cujo montante não revelado é destinado a
adquirir mais terras. Assim, a SLC Agrícola
arrenda e opera as terras da SLC LandCo
à medida que elas ficam prontas para
o plantio. O portfólio da SLC LandCo é
atualmente de 86.574 hectares. Já a SLC-
MIT é uma parceria com o Mitsui & Co.
MARCELO COELHO/DIVULGAÇÃO

Ltd., um dos maiores grupos empresariais


do Japão. Essa operação conjunta é
voltada apenas para a produção agrícola,
ou seja, sem investimento em terras.
A SLC-MIT arrenda 21.898 hectares
em São Desidério (BA) pertencentes à
Mitsui & Co. e 16.213 hectares em Porto
dos Gaúchos (MT) pertencentes à SLC
Agrícola S.A. A joint venture opera as
já utilizados para culturas anuais — fazendo terras e paga arrendamentos para a
a conversão de áreas de pastagem degrada- proprietária da terra ao longo de 99 anos.
das para uso da agricultura. Recuperar solos Os lucros e o investimento são divididos
degradados e ampliar área produtiva foi a proporcionalmente, e a SLC Agrícola
equação perfeita para a SLC Agrícola entrar recebe uma remuneração pela gestão
na consolidação de terras e de mercado. “A da operação.
falta de sucessão [de gestores das fazendas] De acordo com relatório do BTG Pactual
faz parte do processo e gera oportunidade (mesmo grupo controlador da EXAME),
de consolidação e aumento de eficiência. o crescimento da SLC Agrícola nos últimos
Está acontecendo no Brasil, nos Estados cinco anos pode ser atribuído a vários
Unidos e na China”, diz. De acordo com ele, fatores, incluindo a decisão de focar o
a companhia tem retorno imobiliário e na crescimento com áreas de produção mais
operação acima de 20% ao ano. “O que te- estáveis, o real enfraquecido e um aumento
mos conseguido nos últimos cinco anos é nos preços das commodities. A área
22% no return on equity”, afirma, ao contar plantada expandiu a uma taxa anual
que há um equilíbrio no portfólio entre ter- composta de 11%; o Ebitda por hectare
ra arrendada a longo prazo, terra própria e cresceu 77%, para cerca de 750 dólares;
investimentos em inovação e tecnologia. No o retorno sobre patrimônio (ROE) quase
passado, a união de terras se deu pela com- dobrou, para 25%; enquanto os acionistas
pra de propriedades vizinhas que não per- receberam 3 bilhões de reais em dividendos,
formavam tão bem na época de expansão do recompra de ações e concessões de ações,
cerrado. Atualmente, na visão de Frederico cujo rendimento médio é de 7% ao ano.

maio de 2023 39
CAPA
CLUBE DE REVISTAS

MARCELO COELHO/DIVULGAÇÃO
Logemann, a consolidação de áreas
se deve à falta de seguro rural e à
dificuldade de sucessão familiar.
“Nos Estados Unidos existe uma
estrutura de seguro, crédito, de
proteção à renda do produtor que
no Brasil não há. A gente brinca
que, nos Estados Unidos, produtor
Máquina de
não quebra. Aqui, é comum alguns produtividade
ficarem no meio do caminho por

40.000
quebra de safra, e isso permite a
consolidação”, diz.
Em meio às exigências de mer-
cados importadores, como a as-
sinatura da nova lei da União
Europeia que proíbe importação cabeças de boi em cerca
de produtos oriundos de área de de 7.000 hectares de
sistema integração
desmatamento, são as certifica- lavoura-pecuária (ILP)
ções que muitas vezes dão lastro à
transparência da cadeia produtiva
até as negociações comerciais. Um SLC Máquinas: 27
dos exemplos, de cujos membros concessionárias licenciadas
certificados a SLC faz parte, é a da John Deere e receita de
Mesa-Redonda sobre Soja Respon-
sável (RTRS, em inglês). Também
são as certificadoras que avaliam
as conformidades à agenda ESG,
contribuindo para o combate ao
greenwashing — termo utilizado
1,1 BILHÃO
de reais em 2022
A profissionalização da agri-
cultura corporativa brasileira
para se referir a um falso discurso tornou-se tão relevante para o
de proteção ambiental. agro mundial que atraiu mul-
Nesse aspecto, a SLC tem como tinacionais interessadas em
meta ser carbono neutro até 2030 aportar recursos em soluções
dentro da fazenda e em toda a ma- entanto, ao olhar de forma macro para a para clima tropical. “Em alguns
téria-prima usada para gerar ener- governança do agronegócio, há um de- campos, nossas agtechs estão
gia para as operações. Aumentar o safio de imagem. “O agro se vende muito criando produtos com padrão
sequestro de carbono no solo, enri- mal, tem uma percepção muito distorcida exportação. Trazer tecnologia
quecer a vegetação nativa, reflores- da sociedade. Atuamos para desmistificar para cá permite que nossas
tar áreas e reduzir emissões está no como funciona a agricultura”, afirma. agtechs floresçam, tenham
horizonte próximo. Para esclarecer campos de teste e validação”,
qualquer tipo de questionamento AGTECHS: PLANTAR PARA COLHER afirma Frederico Logemann. Ele
relacionado ao compromisso do Olhar investimentos promissores que cita como exemplos a Strider,
carbono neutro, Pavinato diz que estejam voltados para a agricultura do comprada pela Syngenta, e a
a companhia faz a medição das futuro é tarefa dos gestores da SLC Agrí- Solinftec, inicialmente incuba-
emissões de gases de efeito estu- cola. A empresa investe, por ano, entre da na Raízen, e atualmente em
fa, mas ainda falta no mercado 150 milhões e 200 milhões de reais em processo de exportação de tec-
uma metodologia de fácil utiliza- maquinário agrícola de ponta. Cerca de nologia para os Estados Unidos.
ção e acurácia para calcular esse 40 milhões de reais são destinados à São as startups do agronegó-
carbono. Em relação à governança agricultura de precisão, como aplicação cio contribuindo para a cons-
do ESG, Frederico reforça que esse em taxa variável — cálculo milimétrico trução do que será a agricultura
é um diferencial da SLC e um dos de quanto o trator ou o drone aplicam do futuro, algo que Frederico
maiores desafios das empresas de determinado insumo na lavoura, va- apelida de “agricultura de hi-
rurais. “A SLC Agrícola nunca teve riando conforme a incidência de pragas, perprecisão”, com soluções que
CEO da família, sempre foi tocada doenças, volume de chuva, entre outros já consideram drones, nanos-
por executivos. Com o tempo fo- fatores. Nesse sentido, é inevitável falar satélites, visão computacional,
mos desenvolvendo essa cultura do campo fértil que a companhia enxer- robôs e sensores. Na SLC Agrí-
empresarial”, diz Logemann. No ga nas agtechs que pululam país afora. cola, o apontamento digital das

40 exame.com
CLUBE DE REVISTAS

pragas por meio de mapas de calor


permite um diagnóstico de infesta-
ções em tempo real. Assim, a aplicação
de defensivos é feita apenas no local
necessário. “Isso está nos levando a
Joint venture com a
fabricante John Deere,
outro nível de controle, chegando a 50
entre 1979 e 1999, milhões de reais de economia com uso
consolidou a entrada do de tecnologias de aplicação localizada.
Grupo SLC no mercado de
máquinas agrícolas   Em alguns casos, conseguimos econo-
mizar até 70% do volume aplicado. É
vantagem competitiva, é um jogo de
eficiência relativa”, diz Frederico. No
entanto, ele pondera, não existe agri-
cultura digital sem conectividade, e
esse ainda é um dos maiores entraves
aos produtores. O sucessor da família
Logemann avalia que o acesso à inter-
net possibilita uma eficiência equiva-
lente a 90 sacas por hectare, quando
a média brasileira está em cerca de
60 sacas. “Fazemos parceria com ope-
radoras de celular, e é atribuição do
Capex colocar torres e disponibilizar
sinal 3G, 4G em todas as lavouras. A
diferença entre o top player e o médio
é cada vez maior”, afirma.

SAAS DO AGRO
A SLC Ventures, braço de joint ventu-
res do Grupo SLC, é consequência da
sede de inovação. Para atender mi-
lhões de hectares, cerca de 40% dos
600 milhões de reais em despesas de
capitais do grupo são destinados a
inovações na operação. O caminho que
Frederico enxerga é o “SaaS do Agro”,
em referência ao modelo de software
as a service. Por isso, o conselho da SLC
aprovou investir 50 milhões de reais
em cinco anos em novos negócios. “Há
modelos de sucesso, que começaram
vendendo hardware e passaram a co-
mercializar software. Esse tem sido o
caminho. Começamos a investir em
pequenos, com pouco capital, partici-
pações minoritárias”, diz.
O primeiro investimento, em 2021,
foi de 12 milhões de reais na Aegro,
startup gaúcha criadora de um soft-
ware para gestão de pequenas fazen-
das, cuja carteira de clientes soma mais
LEANDRO FONSECA

Aurélio Pavinato, CEO da SLC


Agrícola: produção brasileira
pode chegar a 600 milhões de
toneladas em 20 anos

maio de 2023 41
CAPA
CLUBE DE REVISTAS
cada ambiental. O Brasil tem 200
milhões de hectares de pecuária,
muita pastagem degradada que
dá espaço para os grãos”, diz.
O próximo passo é o piloto de
inserção de florestas para a ILPF.
Um processo mais complexo,
porque, além de o componen-
te florestal precisar ter mercado
consumidor, o plantio de árvores
exige tempo, maquinário espe-
cífico e impacta toda a geome-
tria já estipulada nos talhões. “O
sistema tem lógica e eficiência.
Ambiente mais favorável para o
gado, maximizando a lógica pro-
MARCELO COELHO/DIVULGAÇÃO

dutiva na mesma área”, afirma o


CEO Aurélio Pavinato. Também
em relação às florestas, a SLC as-
sinou um contrato voluntário de
compensação financeira com o
Instituto de Pesquisa Ambiental
da Amazônia (Ipam). Por meio do
Projeto Conserv, de pagamento
Rastreabilidade: a agenda maior, nenhum uso de defensi- por serviços ambientais, a SLC se
ESG aumenta a exigência de vos, ambiente controlado, muito compromete a manter preserva-
transparência na cadeia
produtiva, a exemplo do algodão produtivo e custo baixo”, resume. dos 1.358 hectares de vegetação
e a indústria têxtil  De acordo com ele, o grupo nativa dentro da Fazenda Perdi-
olha para todo o ecossistema en- zes, em Porto dos Gaúchos, em
de 2.000 propriedades pelo país. volvendo o agronegócio. “A tese Mato Grosso. “Não havia incen-
Já o segundo investimento foi na é nos aproximarmos de soluções tivo no passado para não abrir
Pink Farms, uma agtech paulista pensando que daqui a cinco, dez [áreas]. Agora há mecanismo do
de fazendas verticais que captou ou 15 anos serão muito relevantes fundo, tokenização, securitização
15 milhões de reais da SLC Ventu- e, talvez, virem posições majoritá- de determinada área. Existe uma
res. Na Vila Leopoldina, bairro da rias da SLC”, diz ao citar as oportu- transação que permite a proteção
zona oeste paulistana, a empresa nidades de negócios efervescen- e a compensação”, diz Logemann.
consegue produzir 3 toneladas de tes com os produtos biológicos Até culturas de maior valor
folhosas por mês, enquanto uma — bactérias ou fungos cultivados agregado, como frutas e legumes,
nova unidade planejada pretende para controlar praga na lavou- estão no horizonte da SLC Agríco-
chegar a mais de 30 toneladas. ra, substituindo o sintético. “Aos la, em oportunidades estudadas
Nesse modelo de agricultura poucos, estão ganhando mercado em Petrolina (PE) e Juazeiro do
vertical em ambiente controla- em substituição aos químicos e Norte (CE), polos da fruticultura
do, a colheita leva entre 28 e 40 estamos nos diferenciando no de- para a Europa. “Temos analisado
dias, mais rápido do que na pro- senvolvimento dessa indústria e, todo o escopo de frutas. É uma
dução convencional, de 60 a 90 quem sabe, exportando isso.” possibilidade. Outro assunto é
dias. O uso de água é reduzido Também a integração lavoura- a produção de biocombustíveis,
em 95%, e o de fertilizantes, em -pecuária (ILP) e lavoura-pecu- que o mercado demanda cada vez
60%. Atualmente, as folhas da ária-floresta (ILPF) está entre os mais”, afirma Pavinato.
Pink Farms chegam a um preço interesses do grupo. Com 40.000 As visões de futuro da SLC
intermediário entre o produto cabeças de boi em torno de 7.000 Agrícola se modernizam no pre-
tradicional e o orgânico, em uma hectares, a SLC começa a investir sente com base nos ensinamen-
alface para consumo que cus- nos sistemas integrados, em que tos do passado. Tudo isso só é
ta em torno de 8,50 reais. Com a mesma área é utilizada para o possível enquanto o solo está
alta competitividade e eficiência plantio de grãos e o cultivo de fértil, fazendo troca de nutrien-
operacional, Frederico ressalta pasto para pecuária de corte. A tes. Por isso, o próximo salto do
que a Pink Farms também cor- ILP está apenas em Mato Grosso agronegócio também está pau-
responde à tendência de agricul- e Mato Grosso do Sul, o que Fre- tado na agricultura regenerativa.
tura urbana para folhosas, fru- derico considera como “gado de A SLC, parece claro, não quer des-
tas e verduras. “Valor agregado terceira safra”. “É uma grande sa- perdiçar essa oportunidade.

42 exame.com
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CAPA
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MENOS CO 2 E
MAIS CAFÉ

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Valor Bruto da Produção (VBP) dos
A Nestlé aposta na agricultura cafés do Brasil, que corresponde ao
regenerativa com pequenos produtores faturamento total das lavouras ca-
para o futuro da cafeicultura, e o feeiras — considerando as espécies
Brasil pode ser exemplo para o mundo café arábica, robusta e conilon —,
chegou a 55,9 bilhões de reais em
MARIANA GRILLI
2022, valor 25% maior do que o total
FOTOS | LEANDRO FONSECA gerado em 2021. Embora tenha tam-
bém a maior produção de linhas es-
peciais, nosso café não é reconheci-
do mundo afora como referência de
qualidade. O resultado dói no bolso:
a Colômbia, por exemplo, vende suas
sacas a 285 dólares, enquanto a bra-
sileira é vendida a 217 dólares. Tornar
DO CUIDADO COM O SOLO SURGEM as lavouras resilientes às mudanças
OS MELHORES CAFÉS. Mas o contrá- climáticas e, de quebra, aumentar o
rio também é verdadeiro. De acordo valor agregado do café é uma janela
com estudo da Organização das Na- de oportunidade para o Brasil.
ções Unidas para Agricultura e Ali- Pensando em como manter a
mentação (FAO/ONU), um terço do produção de café viável e rentável
solo em nível global está moderada no futuro, o gigante suíço de ali-
ou altamente degradado. A produção mentos Nestlé desenvolve no Bra-
do café brasileiro corre o risco de ser sil um projeto com fazendas para
impactada diretamente, como conse- garantir práticas de agricultura
quência do empobrecimento da terra regenerativa. Essa técnica prioriza,
e do aumento das temperaturas glo- entre outros, manejos como o enri-
bais — e com grande risco de preju- quecimento de matéria orgânica no
dicar a safra comercial. “O aumento solo, recuperação da fauna e flora,
das temperaturas pode afetar adver- restauro e conservação de florestas
samente a produção tradicional de e recuperação de nascentes. O pro-
culturas comerciais, como o café no duto final é a redução da pegada de
Brasil e na África Ocidental, e a azei- carbono e maior produtividade. Na
tona no Magreb”, aponta o documen- operação nacional da Nestlé, todas
to. Isso significa que as mudanças cli- as fazendas produtoras de café atu-
máticas podem mudar a geografia do am com alguma prática do conceito
café, a dinâmica das exportações e as de agricultura regenerativa. Des-
relações comerciais. Grandes conglo- de 2021, fornecem à linha Nescafé
merados mundiais já observam que- 1.500 fazendas certificadas pelo
das sucessivas no nível da qualidade Código Comum para a Comunidade
dos grãos produzidos nas lavouras. Cafeeira (4C). Um case de sucesso é
Não por acaso, produtores, indústria o Sítio Santa Rita, em São Sebastião
e traders discutem sobre os caminhos do Paraíso, no sudoeste de Minas
da cafeicultura e as providências a to- Gerais, visitado pela EXAME e cujas
mar imediatamente. Um consenso: imagens ilustram esta reportagem.
reinventar o jeito de produzir café. Entre as regiões mineiras do Mé-
Para o Brasil, o assunto não pode- dio Rio Grande e Alta Mogiana, na
ria ser mais significativo. O país é o terceira maior produtora do país, os
maior produtor do grão e exporta cafeicultores Kleber de Souza e An-
por volta de 40 milhões de sacas — tonio Adolfo de Souza passaram a
de longe o maior resultado global. O dedicar 70 dos 120 hectares de área
produtiva à agricultura regenera-
tiva. “Nós viemos de uma seca que
impactou nossa produtividade ao
extremo nos últimos quatro, cinco
Kleber de Souza, cafeicultor anos. Foi essa volatilidade climática
em São Sebastião do Paraíso um dos fatores a incentivar o méto-
(MG): a bonificação por um
café “regenerativo” deve do de manejo regenerativo”, afirma
virar tendência de mercado  Kleber. As lavouras da propriedade

maio de 2023 45
CAPA
CLUBE DE REVISTAS
Verônica Bitti, supervisora agrícola de cafés na Nestlé: acompanhamento dos projetos de agricultura regenerativa em campo

foram plantadas em 1990 e já Plantas de cobertura nas li-


passaram pela recepa — tipo de nhas do cafezal, colmeias de abe-
poda drástica em cafeeiros cuja lhas para melhorar a produtivi-
produtividade está em queda. dade do fruto e uso de produtos
Agora são conduzidas no novo biológicos. Essas são as princi-
sistema regenerativo. “Por volta pais mudanças que o cafeicultor
de 20 a 25 anos, a planta do café Kleber de Souza cita sobre a nova
precisa ser reformada, e essa re- forma de conduzir as árvores.
forma já vem com uma genéti- Desde que começou a adotá-las,
ca muito mais interessante, que ele já percebeu um incremen-
contribui para as práticas rege- to de cinco sacas por hectare. A
nerativas”, diz Taissara Martins, média de produtividade do sítio
gerente executiva de ESG para está, portanto, em 65 sacas por
Cafés e Bebidas da Nestlé. hectare no café regenerativo —
Até 2025, a Nestlé pretende mais do que o dobro da média
ter 20% dos grãos advindos de nacional — a um preço que varia
sistemas regenerativos, e 50% de 1.100 a 1.500 reais por saca de
até 2030. “É preciso haver essa 60 quilos. “Onde a gente iniciou
mudança porque a gente fala o projeto, houve menos emis-
de agricultura sustentável há sões de carbono”, afirma. Nessa
muito tempo, o regenerativo iniciativa da agricultura regene-
começa a mudar a regra do jogo rativa, 35 fazendas diminuíram
trazendo indicadores. A cafei- a pegada de carbono em 68%,
cultura brasileira tem de ser segundo Martins.
uma grande sequestradora de O conceito é menos quilos de
carbono”, afirma. carbono e mais quilos de café.

46 exame.com
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Segundo ela, a cobrança por um café que tra- ofertar os grãos no mercado com
ga indicadores ESG é uma exigência da sede, maior valor agregado e competiti-
na Suíça. “Dentro do regenerativo, é essa vidade. A Nestlé não compra café
agricultura que devolve ao planeta, cuidando direto dos produtores, mas via
de solo, água, biodiversidade, e a tecnologia traders. Ainda assim, paga uma
permite medir a emissão de carbono”, afirma bonificação pelo café certifica-
a executiva. Além de Minas Gerais, as fazen- do em agricultura regenerativa,
das estão no Espírito Santo e no Sul da Bahia. como a certificadora Rainforest
As medições de emissões de carbono são rea- Alliance. Sem entrar em detalhes,
lizadas em todas as unidades com base na Martins diz que a companhia
metodologia da ferramenta Cool Farming compra café acima do valor em
Tool, uma calculadora online de gases de bolsa. “Os cafeicultores não for-
efeito estufa. “O desafio da metodologia é a necem para apenas uma empresa,
medição, que exige visita física, organização então temos conversas pré-com-
do produtor em relação aos dados. O solo é o petitivas com concorrentes para
grande protagonista da agricultura regenera- entender a valorização dos grãos
tiva, mas a medição de carbono do solo ainda com qualidade superior”, diz.
O produtor é um desafio, de abrir trincheiras, amostras A Nestlé tem projetos de agri-
Antonio Adolfo
de Souza: aposta de testes, correção em tempo hábil”, diz. cultura regenerativa em outros
na agricultura Enquanto as mudanças climáticas alteram países, como Estados Unidos, Mé-
sustentável com
incentivo do a regularidade do café, produtores em siste- xico, Colômbia e França. No total,
genro e dos netos ma regenerativo conseguem produzir mais e a empresa planeja investir 1,2 bi-
lhão de francos suíços — 1,3 bilhão
de dólares — nos próximos cinco
anos para estimular a agricultura
regenerativa em toda a cadeia de
fornecimento, envolvendo no pro-
jeto cerca de 500.000 agricultores
e 150.000 fornecedores. A compa-
nhia também anunciou neste ano
o investimento de 20 milhões de
reais para desenvolver a cadeia do
cacau no Brasil.
De dentro da porteira, Kleber
de Souza espera que o pagamento
adicional por um café “regenerati-
vo” vire tendência, inclusive por-
que o consumidor está buscando
produtos com preservação ao meio
ambiente. Ele diz que, a partir do
momento em que começou a ado-
tar o manejo mais sustentável, já
sentiu a reação. “O mercado já olha
diferente, e a remuneração é natu-
ral. A consequência vai ser um café
bem remunerado no futuro, e o
consumidor pagando pela impor-
tância de um café regenerativo”,
afirma. É a oportunidade brasileira
de manter viva uma cultura agrí-
cola focada em tradições familia-
res: quase 80% dos 330.000 pro-
dutores de café no país estão em
propriedades de pequeno porte.
Estimular a lógica de menos carbo-
no e mais café prepara para 2030
um setor com 300 anos de história.

maio de 2023 47
CAPA
CLUBE DE REVISTAS
O Brasil lidera o uso
e o desenvolvimento
de insumos biológicos
— uma tendência

A CORRIDA
que coloca o país na
vanguarda da revolução
verde no campo

MARIANA GRILLI

PELOS
BIOLÓGICOS
PARA PRATICAR A AGRICULTURA REGENERATIVA E ACOMPA- custa 25 bilhões de dólares anuais aos cofres brasileiros.
NHAR A AGENDA ESG, o agronegócio precisa equilibrar o Por isso, defende o investimento em pesquisa e tecnologia.
uso dos defensivos agrícolas químicos com alternativas Enquanto isso, a pesquisa de novos produtos biológicos
biológicas. Nos últimos cinco anos, esses produtos deixa- vem ganhando peso na iniciativa privada, incluindo em-
ram de ser uma suposta alternativa à proteção de cultivos presas até então dedicadas às moléculas sintéticas.
para se tornarem assunto estratégico entre produtores, De 2018 a 2022, de acordo com a entidade CropLife
indústrias e varejo. Hoje, quase 30% da área produtiva re- Brasil, o mercado brasileiro de biodefensivos cresceu
cebe manejo com bioprodutos. Surgiram, especialmente 62%, enquanto no cenário global a alta foi de 16% no
em fazendas com alto rendimento, os mipeiros, em re- período. Ao analisar a evolução da adoção entre as safras
ferência ao manejo integrado de pragas (MIP), que após 2019/2020 e 2021/2022, o salto é ainda maior: cresci-
medições cuidadosas da lavoura, por vezes com uso de mento de 219% no uso dos biológicos, segundo a con-
tecnologia infravermelha, aplicam o produto certo para o sultoria S&P Global, movimentando 3,3 bilhões de reais
ponto exato onde a saúde da plantação precisa de refor- em comercialização na temporada 2021/2022. Pela esti-
ço. Podem ser aplicados produtos biológicos e até insetos mativa da Companhia Nacional de Abastecimento (Co-
modificados geneticamente para aplacar uma praga no nab), isso significa que 28% do total da área plantada
local. Ao final, gasta-se menos e se produz mais. O mo- em 2021/2022 recebeu manejo com algum tipo de bio-
vimento não acontece à toa: companhias tradicionais produto, isto é, 85,7 milhões de hectares somando todos
buscam alternativas para a resistência que as doenças os tipos de culturas. Todo o restante da área produtiva é
de planta criaram aos agrotóxicos. Também as varejistas oportunidade de mercado.
de insumos estão ampliando o portfólio de biológicos na Um levantamento da consultoria Fortune Business
prateleira, respondendo a uma demanda crescente por Insights constata que o mercado global de bioprodu-
parte dos agricultores. Além do quesito ambiental, os tos em 2022 foi estimado em 11,67 bilhões de dólares.
benefícios são financeiros. Trata-se de um mercado que Em 2029, ele deve representar 29,31 bilhões de dólares.
deve triplicar até o final da década. Como em outros seg- Para chegar lá, Corey Huck, head global de biológicos da
mentos do agro, o Brasil está na vanguarda e tem tudo Syngenta, multinacional suíça voltada para a proteção
para ser dominante na fabricação e no uso de biológicos. de cultivos e biotecnologia, acredita que um dos fatores
Atualmente, 85% dos fertilizantes utilizados no país são contribuintes será a sucessão familiar vista nas fazendas
importados, mas o governo federal pretende reduzir essa ao redor do mundo. “Os estudos estão avançando, esta-
dependência em 50% até 2050. Impulsionada pela eclosão mos descobrindo as potencialidades. A próxima geração
da guerra entre Rússia e Ucrânia e pela volatilidade nos verá outro nível de eficiência nos biológicos, terá outra
preços dos fertilizantes, a discussão sobre a diminuição da percepção sobre a adoção e investirá ainda melhor nes-
dependência de produtos sintéticos fez nascer o Plano Na- sa ciência”, afirma. Ele pondera que é preciso consistên-
cional de Fertilizantes. Vice-presidente e ministro do De- cia em políticas regulatórias para cada tipo de produto,
senvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Ge- como biopesticidas e biofertilizantes. “Tem de adaptar o
raldo Alckmin aponta que a dependência nas importações regulatório para incentivar o biocontrole, a aprovação,

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ter revisão de eficácia”, diz Huck, O que é um produto
ao considerar que o manejo
sustentável é porta de entrada biológico?
para falar de outras pautas ESG Produtos biológicos de controle eliminam pragas
no campo. Um dos avanços já da lavoura, diminuindo a dependência de
conquistados, ele compara, é o aplicações constantes de defensivos sintéticos.
tempo de aprovação dos bioló- Biológicos são divididos em categorias, desde
gicos por parte de órgãos como hormônios naturais até o uso de insetos como
o Ministério da Agricultura e a “inimigos naturais”, a exemplo das joaninhas
Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa). Enquanto os Classificação dos produtos biológicos de controle
defensivos químicos levam cer-
SUBSTÂNCIAS QUÍMICAS NATURAIS AGENTES BIOLÓGICOS DE CONTROLE
ca de sete anos, a versão mais
sustentável é aprovada, na mé- Semioquímicos Bioquímicos Microbiológicos Macrobiológicos
dia, em 36 meses. Compostos que Compostos de origem • Vírus • Insetos
Os produtores no Brasil, na induzem respostas natural que controlam • Bactérias • Ácaros
Índia e nos Estados Unidos comportamentais pragas e doenças • Protozoários • Nematoides
estão entendendo mais a efi- nos organismos-alvo • Fungos
ciência dos biofertilizantes, o • Hormônios reguladores
que tem feito esse mercado se • Feromônios de crescimento
• Aleloquímicos • Enzimas
consolidar também no setor
das varejistas. Resultado da fu-
são entre Potash Corporation of
Saskatchewan e a Agrium Inc., Produtos disponíveis por ativos biológicos vas aberturas de área, a aposta
em 2018, a Nutrien Soluções é usar tecnologias e dados para
Fungos 39%
Agrícolas é uma das principais que os biológicos tenham ain-
fornecedoras de fertilizantes e Bactérias 18,7% da mais efetividade. “Não estou
produtos agrícolas do mundo e Insetos 15,5% convencido de que, até o come-
há quatro anos tem contribuído Semioquímicos 8% ço de 2030, mudaremos para
para aquecer o varejo brasileiro. 50% ou 60% de uso dos bioló-
Vírus 7,7%
“Para trabalhar significativa- gicos, e sim teremos uma sim-
mente no agronegócio global, é Bioquímicos 7% biose e uma transparência entre
preciso estar no Brasil”, afirma Ácaros 3,5% o uso de ambos, objetivando
Carlos Brito, CEO da Nutrien. Nematoides 0,6% descarbonizar a produção”, afir-
Não por acaso, desde que che- ma. Everson Zin, head comercial
gou ao país, em 2019, a Nutrien Fonte: Agrofit – Ministério da Agricultura e Pecuária. da The Climate Corporation,
fez oito aquisições para ampliar pertencente à Bayer, acredita
a presença física nos interiores. que o futuro será de uma agri-
Com ampla atuação em produ- cultura de intensificação verti-
tos com base em nitrogênio, po- cal, incluindo esse combo entre
tássio e fosfato, as vendas dos tentável do globo. Com inves- biológicos e tecnologias de ma-
biológicos ganharam proporção timentos em infraestrutura nejo. Isso significa que aumen-
na estratégia da companhia, corretos, não existe lugar me- tar a produtividade na mesma
o que levou ao lançamento da lhor para estar do que no agro”, área exigirá insumos sustentá-
própria linha Loveland Bio, na afirma Brito ao apontar que a veis geridos à base da coleta de
safra 2022/2023. A partir disso, agricultura de precisão é uma dados. “Vai haver uma série de
a empresa canadense começou propulsora dos biológicos. tecnologias, como biológicos,
a oferecer sete produtos de bio- Essa é a lógica apresenta- biotecnologia e drones. Quando
controle focados na cultura de da por Konstantin Kretschun, você começa a olhar a área com
soja e milho e, em 2022, vendeu head global do Xarvio, plata- informações, esse vai ser o salto
mais de 200.000 sacas de se- forma digital de soluções da da produção sustentável”, diz.
mentes de soja, todas tratadas multinacional alemã Basf. Ele A urgência de cuidar do solo
com soluções biológicas exclu- diz que a demanda por bio- já bateu à porta, e o Brasil pode
sivas. O objetivo é multiplicar a produtos é crescente na Eu- ser o campo de testes de defen-
receita e alcançar mais de 20% ropa devido à pressão políti- sivos e fertilizantes biológicos
do portfólio de defensivos agrí- ca, a exemplo do Green Deal para o futuro. Governo, indús-
colas nos próximos anos. “O — Acordo Verde Europeu para tria e produtores terão de traba-
Brasil tem tudo para ser visto evitar o avanço do aquecimen- lhar lado a lado para não deixar
como a agricultura mais sus- to global. E, para não haver no- a oportunidade escapar.

maio de 2023 49
CAPA
CLUBE DE REVISTAS
mética. Haverá quase 180.000
vagas abertas no agro até 2025,
segundo levantamento da Uni-
versidade Federal do Rio Gran-
de do Sul (UFRGS) com o Senai
e a Agência Alemã de Coopera-
ção Internacional. monstrarem nível técnico e
O boom de agtechs é sintoma administrativo avançados. “O
de que a educação precisará de produtor brasileiro é tecnifica-
Expansão das agtechs ajustes, na medida em que as do, mas para fazer essa demo-
revela a necessidade grades curriculares não acom- cratização do investimento é
da formação acadêmica panham a tecnologia presente necessária a construção educa-
de produtores e abre no campo. Há distanciamento cional, para o negócio ganhar
oportunidades para entre a formação acadêmica e a maturidade e robustez”, diz
o ensino no campo necessidade dentro da porteira, Fernando Rodrigues, managing
por causa da grande velocida- partner da Rural Ventures, fun-
MARIANA GRILLI de na adoção e na evolução das do de investimentos que pre-
tecnologias digitais. No ensino tende alocar 5 milhões de reais
técnico, a estimativa é que o em agtechs e foodtechs até o
Brasil tenha formado aproxi- fim de 2023. Por sua vez, ele pre-
madamente 69.000 pessoas em cisa ser o “Google Tradutor” da
agronegócio em 2019. No entan- parte de investimentos, uma
to, dada a baixa capacitação da vez que o conhecimento sobre o
PARA ALCANÇAR A PRODUTIVI- mão de obra, estima-se que, no universo das finanças também
DADE DE 600 MILHÕES de tone- curto prazo, somente cerca de é uma carência de grande parte
ladas de grãos ao ano, almejada 1.600 profissionais estarão ap- dos produtores. Juntar ambas
por Aurélio Pavinato, CEO da tos a atuar no setor — número as pontas é um desafio para es-
SLC Agrícola, o Brasil não pode muito aquém do necessário. O calar ainda mais startups — de
esquecer dois fatores que o fi- estudo da UFRGS também es- onde provavelmente virão as
zeram ser o grande produtor tima que pelo menos 60% das próximas tecnologias disrupti-
agrícola do país até hoje: edu- grandes fazendas precisarão vas da agricultura tropical.
cação e ciência. O conhecimen- ter um técnico em agricultu- Contribuir com o conheci-
to está concentrado em poucos ra digital até 2030. Ou seja, o mento técnico digital de pro-
locais e, embora o agro seja al- Brasil teria de formar pelo me- dutores rurais também é o que
tamente qualificado, a difusão nos 112.000 profissionais nesse acontece dentro da porteira,
das melhores práticas é mal ramo para suprir a demanda. com consultores de campo de
distribuída. De 2018 a 2021, nas Sem profissionais da área grandes multinacionais. Ever-
contas da AgTech Garage, hub agrícola capacitados para o son Zin, head comercial da Cli-
de inovação referência do setor, mercado de trabalho digital, mate Corporation, da Bayer,
o número de startups do agro- os investidores sentem dificul- diz que é preciso know-how
negócio mais do que dobrou, o dade em aportar nas agtechs agronômico para acompanhar
que escancara a demanda do que emergem. Empresas que as tecnologias que surgem. “O
setor por um novo salto de qua- buscam “solucionar a dor dos conhecimento técnico preci-
lidade acadêmica. Essa neces- produtores” no campo só con- sa ser resgatado, pois o ensino
sidade não é meramente cos- seguem atrair capital se de- agronômico está raso e isso é

SAFRA DE
CONHECIMENTO
50 exame.com
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nistração e agronegócio serão to-
dos voltados para estudos de caso
reais do campo. “Nossa proposta é
criar um polo do agronegócio onde
pessoas virão estudar, se profissio-
nalizar e fazer negócios. Estamos
investindo no que há de mais mo-
derno e inovador para a criação dos
cursos. Esse é um grande passo não
só para a educação no país como
para todo o setor do agronegócio”,
afirma Zaher. Somados todos os
cursos da Harven, a expectativa é
atingir 3.500 alunos nos cinco pri-
meiros anos da instituição. O in-
vestimento inicial com o projeto é
de 100 milhões de reais.
As aulas da nova faculdade
acontecem em Ribeirão Preto (SP),
e Roberto Fava Scare conta que a
grade curricular aprovada pelo
MEC inclui atividades nas fazen-
das, para que os estudantes de en-
genharia, administração e direito
sejam formados com conhecimen-
to in loco. “Teremos cases do setor
da cana-de-açúcar, com aulas na
[usina] São Martinho, e o mes-
EVARISTO SA/AFP/GETTY IMAGES
mo acontecerá nas cooperativas
de café, na indústria da laranja. A
ideia é que o profissional saia com
conhecimento de causa para atuar
no mercado”, diz.
Para ser referência no agrone-
gócio do futuro, o Brasil não pode
se acomodar com as vitórias con-
um problema”, diz Zin. “A Embrapa tem Para 2023, a Embrapa tem quistadas até aqui. O caminho
orçamento global de 3,6
de resgatar esse espírito técnico no Bra- bilhões de reais. Despesas pela frente passa pela sala de aula
sil, assim como outras instituições que discricionárias, como pesquisa com atenção às necessidades reais
e inovação agropecuária e a
precisam voltar a fazer dias de campo administração das unidades,
do campo, que unirão cada vez
para difundir a tecnologia e transferir o totalizam 345,1 milhões de mais agronomia com digitalização
conhecimento.” Nesse processo, apoiar reais, crescimento de 46,5% e inteligência artificial.
em relação a 2022
instituições de ensino e pesquisa será um
dos alicerces para o agronegócio do futu-
ro. Marcos Fava Neves, sócio da consulto-
ria Markestrat, afirma que o surgimento
das agtechs e a transformação das fazen-
das para um perfil mais profissionaliza-
do, de empresas rurais, torna o mercado
de trabalho mais exigente. Para acom-
panhar essa demanda, é necessário estar
inserido no setor com cursos técnicos e
graduação. Desse racional surgiu a pro-
posta da Harven Agribusiness School, pri-
meira faculdade do Brasil voltada exclu-
sivamente para o agronegócio, criada por TUDO O QUE MOVE O
Neves, Roberto Fava Scare e o empresário AGRONEGÓCIO BRASILEIRO,
Chaim Zaher, fundador do Grupo SEB. Os NA SUA CAIXA DE E-MAIL.
cursos de engenharia de produção, admi- INSCREVA-SE AGORA!
maio de 2023 51
CIDADES
CLUBE DE REVISTAS
Cidade de São Paulo: maior metrópole do país lidera
investimentos públicos com caixa municipal recorde

DINHEIRO EM CAIXA, RPAROBE/GETTY IMAGES

52 exame.com
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MÃOS À OBRA
COM DINHEIRO RECORDE
DISPONÍVEL, A CIDADE
DE SÃO PAULO TEM
UMA META COM 86
PROJETOS ATÉ 2024.
E O DESAFIO DE
SEMPRE NAS GRANDES
METRÓPOLES:
TEMPO DE MENOS
GILSON GARRETT JR.

maio de 2023 53
CIDADES
CLUBE DE REVISTAS
Transporte público: São Paulo perdeu 2 milhões de
passageiros diários depois da pandemia de covid-19

O
nze bilhões de reais. Esse é o di-
nheiro que a cidade de São Paulo
tem em caixa para usar em inves-
timentos até o fim deste ano, um
recorde. O prefeito Ricardo Nunes
(MDB) diz que isso só foi possível
porque ele “fez o que tinha de ser
feito”. Nesse contexto está uma
série de medidas potencialmente
impopulares, sendo uma das mais
polêmicas a reforma da Previdência
Municipal, aprovada em 2021. A maior metrópole do país
não está sozinha nesse universo de cidades com dinheiro
recorde no Orçamento para investimentos. A lista inclui
capitais que também aprovaram reformas no sistema
previdenciário: Rio de Janeiro tem 4,7 bilhões em caixa
para investimentos, Belo Horizonte, 1 bilhão de reais, e
Curitiba reservou aproximadamente 670 milhões de re-
ais. O desafio agora é resolver o mais rápido possível os
principais problemas dos moradores dessas metrópoles:
falta de moradia, população em situação de rua, mobili-
dade. Como pano de fundo, um momento complexo no
país, com novo governo, debate sobre novo marco fiscal
e uma reforma tributária que deve ser aprovada até o
fim do ano. “Tem dinheiro em caixa, não estou pedindo
dinheiro emprestado para ninguém. Os projetos estão
prontos, planejados, agora vamos executar”, diz Nunes.
(Leia entrevista completa com o prefeito na pág. 58)
ADAM HESTER/GETTY IMAGES

Entre projeto e execução, há um tempo geralmente lon-


go no setor público, que nem sempre atende os anseios e
as necessidades da população. Há um mês, a gestão de Ri-
cardo Nunes apresentou a reformulação do Programa de
Metas, foi criado ainda quando Bruno Covas (PSDB) era o
prefeito — ele faleceu em maio de 2021. Nunes, o vice que
virou prefeito, ampliou de 77 para 86 as metas, com eixo
central na redução das desigualdades e na criação de um
ambiente com oportunidades mais justas. Até agora, fo- peamento, com 70 frentes de trabalho em toda a ci-
ram cumpridos 17% do plano. De acordo com o prefeito, dade atuando todos os dias entre 22 horas e 4 horas
os últimos anos foram de arrumar a casa para deixar para da manhã. Até agora, já foram feitos 5,8 milhões de
depois transformar a cidade em um verdadeiro canteiro metros quadrados de asfalto, o suficiente, como res-
de obras. Vale lembrar que o contexto é pré-eleitoral. Em salta Nunes, para ir de São Paulo ao Uruguai. A meta
outubro de 2024 os brasileiros vão às urnas eleger prefei- é de 20 milhões.
tos e vereadores. O emedebista é “naturalmente candida- No gap de tempo entre ideia e execução, a mo-
to”, como ele mesmo diz. E deve usar a disposição para o radia é um dos desafios mais prementes. A maior
trabalho como um trunfo. Nunes é “o primeiro a chegar e cidade do país tem um déficit habitacional de
o último a sair” da prefeitura todos os dias, segundo ele 369.000 residências, segundo dados do Plano Mu-
mesmo e seus assessores. Entre os projetos que deman- nicipal de Habitação. Estudos avaliam que pode
dam sua atenção no momento está o programa de reca- chegar a 1 milhão em 2030. Além disso, muitas

54 exame.com
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famílias vivem em condições precárias ou em


ocupações irregulares. Outras grandes cidades
também lidam com essa realidade. “O problema
da habitação é urgente, e é um tema transversal.
A favela está se verticalizando, e isso gera mais
demanda por saúde, educação e saneamento bási-
TRANSPORT
falta de moradia. Na avaliação de Bonduki, muitas
propostas relacionadas à moradia que já estão no
texto atual da cidade de São Paulo nem chegaram
a ser implementadas. “Estava prevista a requalifi-
cação de áreas de periferia, reurbanizando assen-
tamentos, algo que não foi feito”, explica.
co”, diz o urbanista Nabil Bonduki, que foi relator A falta de moradia e a pandemia de covid-19
do Plano Diretor de São Paulo, aprovado em 2014. agravaram outro problema correlato: a popula-
O Plano Diretor estabelece diversos parâmetros ção em situação de rua. Essa não é uma realida-
e metas para resolver os problemas urbanísticos de apenas paulistana, mas é na cidade em que o
da cidade. Uma revisão do texto está em discus- contexto é mais dramático. No último censo reali-
são na Câmara de Vereadores e tenta equacionar a zado pela própria prefeitura, em 2021 pouco mais

maio de 2023 55
CIDADES
CLUBE DE REVISTAS
de 31.000 pessoas não tinham Programa de Metas da gestão municipal de
onde morar na maior cidade São Paulo lançado em 2021, a prefeitura quer
do Brasil. Em todo o país, são licenciar 300.000 moradias até 2024. “Eu já

MORADIA
pouco mais de 180.000, se- entreguei 5.962 chaves nas mãos das pessoas,
gundo dados do Ipea. Uma das e hoje estamos construindo 18.200 unidades
manifestações mais visíveis da habitacionais que serão entregues até o ano
falta de moradia em São Pau- que vem”, garante o prefeito Ricardo Nunes.
lo é a Cracolândia. Localizada Ainda segundo ele, a situação da Cracolândia
no centro da cidade, a região é não deve ser resolvida em menos de 30 anos.
marcada pelo consumo de dro- Também com um ritmo diferente entre
gas, prostituição e violência, necessidade e capacidade de resolução está o
abrigando grande número de problema da mobilidade. Um efeito colateral
pessoas em situação de vulne- da queda na qualidade do serviço é a redução
rabilidade social. Para além do de passageiros da capital paulista de 9 mi-
tráfico, muitos dos que vivem lhões, antes da pandemia de covid-19, para os
na Cracolândia são pessoas sem atuais 7 milhões por dia. “Valorizar o transpor-
moradia, que buscam refúgio e te individual distorce a economia, com conse-
apoio naquela área. “Uma das
abordagens que mais têm fun-
cionado em outros países para
enfrentar o problema é dar
primeiro uma moradia, para
depois tratar uma dependência
química”, diz Henrique Evers,
gerente de desenvolvimento
369.000
é o déficit habitacional na cidade
de São Paulo, segundo o Plano
urbano do instituto WRI. No
Municipal de Habitação

Cracolândia: resolver
o problema é um desafio
que envolve déficit
habitacional

56 exame.com
CLUBE DE REVISTAS
CAIXA RECORDE quências não tão boas”, avalia o professor Ciro
Biderman, coordenador do núcleo FGV Cida-
E DIFICULDADE DE des, da Fundação Getulio Vargas de São Paulo.
ENTREGAR OBRAS No plano de metas paulistano, há a previsão
A cidade de São Paulo tem cerca de 30 bilhões de construção de dois eixos de BRT, um siste-
de reais para investimento e programa com ma de corredores exclusivos de ônibus que dá
86 metas para cumprir até 2024 mais agilidade ao deslocamento no transporte
público, além de ser uma alternativa mais ba-
Orçamento anual 107 rata e rápida de construção se comparada com
da cidade de São 95 linhas de metrô. Mas a ideia de tirar o pro-
Paulo (em bilhões jeto do papel em um tempo mais curto nem
82
de reais)
68 67 sempre é uma realidade. A construção do BRT
60 da Radial Leste, por exemplo, está paralisada
56
desde janeiro por determinação do Tribunal
de Contas do Município (TCM), que encontrou
possíveis irregularidades no edital de con-
2018 2024(1)
tratação. A prefeitura reclama da morosidade
do processo. Philippe Duchateau, assessor de
Prefeitura tem plano com 86 metas para cumprir controle externo do TCM, defende a atuação
entre 2021 e 2024. Até agora, entregou 13 do órgão. “Nos últimos três anos só 44 editais
foram parados pelo TCM, e atualmente temos
Principais metas da cidade só dez. O tempo médio que os editais ficaram
suspensos foi de 62 dias”, afirma.
LICENCIAR 300.000 moradias A criação de um ambiente que incentive o
populares empreendedorismo tem trazido resultados
mais rápidos. Reflexo disso é o título de melhor
IMPLANTAR 45 novas unidades cidade para fazer negócios nos eixos econômi-
escolares
cos de mercado imobiliário e comércio, regis-
trado pela última edição do ranking Melhores
RECUPERAR 20 milhões de metros
quadrados de vias públicas Cidades para Fazer Negócios, apresentado pela
EXAME e elaborado pela consultoria Urban Sys-
tems. O ranking reforça essa posição de opor-
IMPLEMENTAR 300 quilômetros de
estruturas cicloviárias; tunidade, evidenciando o potencial econômico
corredores de BRT de São Paulo e a confiança do mercado. De 2017
na Avenida Aricanduva para cá, 44.000 empresas trocaram o domicí-
e na Radial Leste lio do CNPJ de outras cidades pelo paulistano.
No ano passado, o comércio teve um saldo de
Editais parados no Tribunal de 17.000 novos postos de trabalho. Do lado imo-
Contas do Município de São Paulo biliário, um marco para a cidade foi a inaugu-
ração do novo prédio mais alto, com 172 metros
▶ 44 editais foram suspensos
entre 2021 e 2023 pelo TCMSP de altura, no bairro do Tatuapé, na zona leste —
▶ 10 editais ainda estão suspensos desbancando o até então inabalado Mirante do
▶ 62 dias é a média entre suspensão e liberação Vale, que tem 170 metros, fica no centro —, que
levou quatro anos para ser construído, um tem-
po recorde se comparado com obras públicas.
Enquanto novas moradias não são Com São Paulo como referência, as cidades
construídas, população de rua cresce
brasileiras voltam ao holofote no cenário pós-
População em situação de rua(2) (em milhares) -eleição presidencial e com o fim da pande-
São Paulo Brasil mia de covid-19, decretado em maio. As pre-
visões de que as grandes metrópoles teriam
200 181.885 (1) Valor previsto
fuga de moradores e ficariam menos dinâmi-
na Lei de cas não se concretizaram. São Paulo, Rio, Bra-
150 Diretrizes
Orçamentárias sília, Salvador, Porto Alegre e tantas outras
NELSON ALMEIDA/GETTY IMAGES

enviada cidades brasileiras são tão vibrantes como


100 à Câmara
Municipal. nunca foram. Projetos para atrair investi-
(2) Censo mentos do Brasil e do mundo não faltam, e
50 31.884 não é realizado
anualmente. até dinheiro em caixa passou a existir em
Fontes: prefeitura
0 de São Paulo
quantidades inéditas. A dificuldade central é
2011 2021 e Ipea. o tempo, o pior inimigo da gestão pública.

maio de 2023 57
CIDADES
CLUBE DE REVISTAS
“Estávamos preparados para a possibilidade de chegar e o último a sair. Meu estilo de liderança
ter alguns dias de afastamento do Bruno Covas.” tem muita ligação com a minha história. Meu pai
Esse era o pensamento que entoava nos bastido- chegou de Portugal com 14 anos, empreendeu,
res do período pós-eleição municipal de 2020, em trabalhou e chegou ao ponto de ser classe média
que a chapa Bruno Covas (PSDB) e Ricardo Nunes alta. Ele então resolveu vender tudo e montar
(MDB) saiu vitoriosa na disputa pelo comando da outro negócio no litoral de São Paulo, e não deu
cidade de São Paulo. Como pano de fundo estava certo. Quando a gente voltou para São Paulo, a
um diagnóstico de câncer de Covas. A possibilida- situação econômica da família mudou de classe
de mais remota se concretizou em pouco tempo. média alta para pobre. Eu saí da escola particu-
Cinco meses depois de assumir o cargo de prefei- lar e fui para a escola pública, saí do convênio de
to, Covas faleceu. Nunes diz que ninguém espe- saúde e fui usar o serviço público, saí da situação
rava a morte tão precoce — ele tinha 41 anos. De de usar o transporte particular para usar o trans-
lá para cá, o vice que se tornou prefeito enfrentou porte público. Sou um cara assim, bastante amá-
a pandemia de covid-19, eleições nacionais pola- vel, mas bastante exigente e muito consciente
rizadas e reformas potencialmente impopulares. da minha responsabilidade de ser o gestor desta
“Candidato natural à reeleição”, como ele mesmo cidade-país de 12 milhões e meio de habitantes.
diz, o emedebista tem caixa recorde para colocar
a cidade toda em obra e fazer frente à popularida- Com a morte do prefeito Bruno Covas (PSDB),
de de Guilherme Boulos (Psol), líder nas pesquisas o senhor pegou uma equipe já montada. Como
eleitorais e principal oponente. Nunes falou com foi trabalhar com esse time e garantir que cada
exclusividade à EXAME, durante uma hora, so- pessoa tivesse as especificidades adequadas
bre seus principais desafios, seu perfil de gestão e para exercer uma função dentro da gestão pública,
como pretende compor uma chapa vitoriosa. alinhando também a composição política?
Eu e o Bruno montamos uma chapa, disputamos
Qual é o seu perfil de gestão? O senhor se a eleição, e cerca de 60% da população nos deu a
considera mais analítico, mais estratégico, vitória. No final de 2020, o Bruno foi montando a
gosta de estar mais próximo dos secretários? equipe e eu fui participando junto. De todos os se-
Meu perfil é um pouco do meu dia a dia fora da cretários escolhidos ali, eu só não conhecia a secre-
prefeitura, antes de ser prefeito. Eu sou empre- tária de Justiça, a professora Eunice Prudente, que
sário, então é sempre aquele foco de ter metas, continua até hoje. Os outros já eram do meu con-
cobrar resultados e exercer liderança. E exercer vívio porque eu tinha sido vereador por oito anos.
a liderança é dar o exemplo. Eu sou o primeiro a Mas não foi fácil. Assumimos em janeiro, e o Bruno

“SOU
RICARDO NUNES (MDB), PREFEITO DE SÃO PAULO, SE
PREPARA PARA A REELEIÇÃO COM MUITOS DESAFIOS, UM
PAÍS AINDA POLARIZADO E CAIXA RECORDE PARA GASTAR
GILSON GARRETT JR. E LUCIANO PÁDUA

VERDADEIRAMENTE
DE CENTRO”
58 exame.com
CLUBE DE REVISTAS
LEANDRO FONSECA

Ricardo Nunes (MDB):


prefeito assumiu a gestão
em maio de 2021 e vai
tentar a reeleição

já tirou dez dias de licença. Sendo bastante since- O senhor tem uma base de governo um pouco
ro, já estávamos preparados para a possibilidade mais à direita. Já o seu partido, o MDB, esteve
de ele ter alguns dias de afastamento para o trata- em governos tanto de esquerda quanto de direita.
mento do câncer. No início eu ia ser secretário, mas Como o senhor se define no espectro político?
o Bruno achou melhor ficar apenas como vice para De centro, e verdadeiramente de centro. Sou uma
justamente estar mais perto dele. Infelizmente, no pessoa de centro que dialoga com todo mundo,
dia 16 de maio, ele nos deixou. Tive de lidar com a seja de esquerda, de centro, seja de direita. Fui
dor de perder um amigo e administrar a cidade que vereador por oito anos, tenho uma relação ótima
estava no primeiro pico da pandemia de covid-19. com o PSDB, com o PT, com o PP, com o União Bra-
Houve algumas mudanças, mas a estrutura em si sil. Como prefeito, primeiro eu preciso pensar no
é praticamente a mesma daquela iniciada em 2021. interesse da cidade. Eu peguei uma parte em que

maio de 2023 59
CIDADES
CLUBE DE REVISTAS
o presidente era Jair Bolsonaro [PL]. Sentei Operação tapa-buraco: a
prefeitura tem 70 equipes
com ele várias vezes para discutir pautas de de trabalho simultâneo em
interesse da cidade e trouxe muitos benefí- todas as áreas da cidade
cios, como a negociação da dívida da cidade
com a União de 25 bilhões de reais, que foi
zerada. Recentemente, o presidente [Luiz
Inácio] Lula [da Silva, do PT] me chamou
para uma reunião sobre a segurança nas es-
colas e eu fui participar.

São Paulo tem um caixa recorde


de 11 bilhões de reais para investimentos,
mas muitos editais foram ou estão
paralisados pelo Tribunal de Contas
do Município (TCM). Como a prefeitura
está tentando destravar essas obras
e responder ao órgão de controle?
Eu gostaria de perguntar para as pessoas se
elas acham razoável o Tribunal de Contas
parar um edital em julho de 2022 que era só
para perguntar ao mercado se alguma em-
presa teria interesse em vender 5.000 uni-
dades habitacionais prontas. E nós estamos
em maio de 2023. Os órgãos de controle são
fundamentais até para minha proteção.
O Tribunal de Contas é fundamental para
ajudar na gestão e no combate à corrupção.
Meu questionamento é o tempo que eles
estão demorando para fazer os processos,
que não está de acordo com o tempo da ne-
cessidade da população. E não é só o Tribu-
nal de Contas, o Tribunal de Justiça de São
Paulo também. Pegando um caso concreto,
da ponte Pirituba-Lapa: no dia 9 de abril
de 2023, mês passado, completaram três
anos que, por uma ação do Ministério Pú-
blico, o tribunal paralisou a obra da ponte.
Já era para estar pronta, era para milhares
de pessoas estarem fazendo uso dessa obra
importante. Eu estou usando 250.000 reais
do seu imposto para colocar uma empresa
de segurança que toma conta de uma obra
parada. Pelo bem das pessoas, precisa haver
uma celeridade na avaliação, sem nenhuma
objeção aos controles rígidos. um trabalho muito forte de abordagem e convenci-
mento para o tratamento daquela dependência quí-
A situação da Cracolândia está ligada mica. Para entender o cenário hoje é preciso voltar
diretamente à falta de moradia (há um um pouco, em 2016, quando foi feito o “Bolsa Crack”.
déficit de 369.000 residências na cidade),
além de questões de saúde e segurança. O senhor se refere ao programa De Braços Abertos,
Como resolver o problema? Há uma meta da gestão do então prefeito Fernando Haddad (PT)?
do governo municipal para acabar Isso. As pessoas pegaram o dinheiro e foram abastecer
com a Cracolândia? o traficante. O número de usuários subiu para 4.000.
Primeiro é preciso coragem de fazer. Eu e o Nós desapropriamos a região, demolimos, fizemos
governador Tarcísio [de Freitas, do Republi- construções e enfrentamos uma verdadeira batalha.
canos] estamos determinados e com cora- Hoje não tem feira, não tem balança, e tem presença
gem porque estamos enfrentando ali tam- policial. E, mais do que isso, tem presença da assistên-
bém o crime organizado. Já foram presos cia social, do agente de saúde, fazendo convencimen-
mais de 180 traficantes, e está sendo feito to para as pessoas se tratarem. Atualmente, há em

60 exame.com
CLUBE DE REVISTAS
que precisei cancelar o Carnaval. Depois veio
uma disputa nacional altamente polarizada
em que só se falava em Bolsonaro e Lula.
Não tivemos uma atenção especial para
falar dos problemas da cidade, como esta-
mos tendo agora. Não é uma crítica, estou
apenas colocando os fatos. A partir de agora,
começamos a discutir a cidade. As pessoas
vão poder ter oportunidade de ver o que nós
estamos fazendo, a classificação do nível de
investimento a que levamos a cidade de São
Paulo, de 11,5 bilhões de reais.

Considerando então o senhor


pré-candidato à reeleição. Como está
a construção das alianças? O senhor
vai pedir apoio do ex-presidente
Jair Bolsonaro, já que o PL faz
parte do seu governo?
Eu não vejo o PL fazendo oposição a mim
porque fez parte da coligação e faz parte do
governo. Não pedi apoio ao ex-presidente
Bolsonaro, mas conversei com o presidente
nacional do PL, o Valdemar Costa Neto. Ele
me chamou, há duas semanas, para um al-
moço em que Bolsonaro também estava, ao
lado do presidente da Assembleia Legislati-
va de São Paulo, o deputado André do Pra-
do, que é PL. Na conversa coloquei algumas
questões do que estamos fazendo. Estamos
com 1.300 obras até por causa do acordo
que fizemos com o governo federal na ges-
tão dele. Eu não fiz nenhuma colocação de
pedido de apoio, até porque eu não tenho
essa liberdade. Mas o presidente do PL si-
nalizou muito positivamente a boa relação
que a gente tem a partir do momento em
PAULO GUERETA/SECOM

que ele me convidou para um almoço com


o presidente Bolsonaro. Também tem as de-
clarações do presidente do PL aqui de São
Paulo, lembrando que a eleição é municipal.
Ele tem declarado abertamente que deseja
continuar conosco no nosso projeto. Mas
sabe como é: política é igual nuvem, cada
torno de 1.000 pessoas na região da Cracolândia. Ela se hora está de um jeito.
espalhou um pouco, mas foi necessário. As pessoas pre-
cisam entender que esse remédio amargo é necessário. Em um momento pós-pandemia,
Eu tinha de quebrar aquele monopólio da organização em que as pessoas não precisam mais
criminosa, para poder haver acesso do poder público na morar na cidade em que o trabalho está,
região. O prazo para resolver eu não posso garantir, mas qual é o papel da prefeitura na construção
o que eu posso garantir é que tanto eu quanto o gover- de boas cidades?
nador Tarcísio não vamos desistir, vamos persistir até Acredito que proporcionar um ambiente
chegar a uma solução, mas é um problema de 30 anos. positivo, ter uma equipe que trabalha e que
ama a cidade, um prefeito que é o maior
O senhor já respondeu em entrevistas recentes apaixonado pela cidade. Além disso, fazer
que é um candidato natural à reeleição. uma gestão de resultado. Acho que é isso
Mas, afinal, o senhor é candidato à reeleição? que vai ter essa atratividade cada vez maior
É natural. Nós ficamos 2021 inteiro falando somente da de mais profissionais e de pessoas para mo-
pandemia de covid-19 até o início de 2022, lembrando rar em São Paulo.

maio de 2023 61
NEGÓCIOS
CLUBE DE REVISTAS

O uso de calçados confortáveis,


como papetes, rasteirinhas
e sandálias, ganhou força na
quarentena e segue na moda.
Tudo isso para a alegria de
ZONA
calçadistas como a gaúcha Usaflex,
que triplicou de tamanho
na pandemia e deve faturar
610 milhões de reais neste ano

ISABELA ROVAROTO

A calçadista gaúcha Usaflex é um bom exem-


plo de empresa brasileira que passou por um
choque de gestão e hoje cresce rápido por ter
adotado uma estratégia em linha com tendên-
cias globais. Por isso, serve de inspiração para
milhões de negócios de pequeno e médio por-
te também dispostos a competir de igual para
igual com concorrentes estrangeiros. Fundada
em 1998, em Igrejinha, cidade de 40.000 ha-
bitantes a 90 quilômetros de Porto Alegre, a
Usaflex cresceu nos primeiros anos vendendo
sapatos femininos com palmilhas ortopédicas,
recomendadas por médicos a clientes idosos. O
conforto, e não o design, acabou sendo o princi-
pal mote comercial da empresa. Não por acaso,
até pouco tempo atrás a Usaflex era chamada
por muitos de “fabricante de sapatos da vovó”
e crescia sem chamar a atenção de fashionistas.
O único canal de vendas eram as lojas multi-
marcas, onde a exposição da marca era mínima.
Comerciais eram raros. “Faça a cliente provar o
sapato no pé, ela não vai querer tirar”, dizia o
fundador, Juersi Lauck, aos vendedores.
O nicho acabou trazendo bons resultados.
Em 2016, o fundo de investimentos paulista-
no Axxon, focado em negócios de médio porte,
comprou 70% da Usaflex. Uma das primeiras
medidas foi colocar no cargo de CEO o execu-
LEANDRO FONSECA

tivo carioca Sergio Bocayuva, um dos respon-


sáveis pela expansão por franquias da rede de
produtos naturais Mundo Verde. De lá para cá, a
receita multiplicou sete vezes — a expectativa é
Loja da Usaflex em São Paulo:
foco em lojas próprias e em presença
ativa nas redes sociais

62 exame.com
CLUBE DE REVISTAS

DE

CONFORTO
maio de 2023 63
NEGÓCIOS
CLUBE DE REVISTAS

Sergio Bocayuva (CEO) e Juersi


Lauck (fundador), da Usaflex:
aposta nos mais jovens e numa
produção mais enxuta

de 610 milhões de reais em 2023. O Ebitda, indica-


dor de lucro descontado de gastos com a operação,
impostos e outras despesas, cresceu três vezes e
deve bater 80 milhões de reais. De lá para cá, a fa-
tia de clientes acima de 40 anos caiu de 70% para
pouco mais de 60%. “A missão é atrair um público
mais jovem e deixar a imagem de sapato ortopédi-
co para trás”, diz Bocayuva.
A pandemia inicialmente colocou uma trava na
expansão acelerada da Usaflex. Em 2020, o fatura-
mento caiu 60% na comparação com o ano ante-
rior, em razão do abre e fecha do comércio de rua
no meio da quarentena. Passada a fase mais aguda
da crise sanitária, o negócio voltou a crescer e recu-
perou o nível pré-pandemia no início do ano passa-
do. Em boa medida a recuperação a passos rápidos
vem do fato de a Usaflex estar focada em calçados
confortáveis, um dos queridinhos da moda mun-
dial. Após meses trancados em casa, com pijama e
pantufas como uniforme de trabalho, milhões de
pessoas estão pouco dispostas a voltar aos moldes
dos sapatos de antigamente. Eis algumas evidên-
cias. Nos Estados Unidos, a marca Skechers, de tênis
FÁBIO ANDRÉ HAACK/DIVULGAÇÃO

com solados enormes e praticamente sem frufrus,


expandiu a receita em quase 20% em 2022, para
7,4 bilhões de dólares. No período, a marca lançou
linhas esportivas e em cores vibrantes para jovens.
Nessa mesma pegada, a marca contratou a rapper
Doja Cat e investiu em influenciadores no TikTok.
Em jogo está o domínio do mercado de “comfort
shoes”, como é chamado lá fora o nicho desse tipo
de calçado. O setor deve crescer pelo menos 10%
ao ano e faturar 47 bilhões de dólares em 2028, de
acordo com relatório da consultoria indiana Azoth A Usaflex aproveitou a onda glo-
Analytics. Entre os mercados com maior potencial bal em favor do conforto nos pés por
de expansão para os comfort shoes estão Índia, meio de uma arrumação feita desde
China e Brasil, diz o relatório. “Com a pandemia, as a chegada de Bocayuva. Numa das
pessoas se tornaram mais informais e mais preocu- frentes, a marca ganhou eficiência
padas com o bem-estar físico e mental”, diz Bruno operacional. Há oito anos, pratica-
Portela, professor de marketing da Fundação Dom mente todo o portfólio da marca
Cabral. “Na moda, essa tendência foi traduzida em era personalizável. O cliente podia
roupas e sapatos mais casuais e confortáveis.” Não ajustar a palmilha para o formato
à toa, o benefício emocional por trás de decisões mais próximo de seu pé, entre ou-
de compra, acima inclusive do preço na etiqueta, tros ajustes. Por causa da política, a
foi uma das dez tendências de consumo mapeadas Usaflex fabricava 47.000 modelos
pela consultoria global Euromonitor para 2023. diferentes por coleção, um número

64 exame.com
CLUBE DE REVISTAS

NA PEGADA
DA EXPANSÃO
ACELERADA
Com aposta em franqueados,
em vendas online e num público
mais jovem, a Usaflex recuperou-se
do tranco da pandemia e triplicou
o faturamento desde 2020

Lojas franqueadas 340


(em unidades)

262
250
239

2020 2021 2022 2023(1)

Fatia do público abaixo de 40 anos

33,4% 38,4%

2019 2022

Vendas online 28(1)


(em % do total)

2020 2025
muito acima do padrão nesse mercado, que está
na casa dos poucos milhares de modelos. Hoje em
dia, uma coleção gira em torno de 3.700 tipos de Receitas (em milhões de reais)
calçados distintos, cada um com design pensado 2016 80
sob medida. O lançamento dos pares passou a ter
uma campanha ativa de marketing. Recentemen- 2019 390
te, a atriz e apresentadora Fernanda Lima estre- 2020 232
lou a campanha de Dia das Mães da Usaflex, hoje
2021 300
uma marca ativa na televisão e em redes sociais
— são 1 milhão de seguidores no Instagram. “Ao 2022 520
todo a companhia pretende investir 100 milhões
2023 610(1)
em marketing até 2025”, diz Bocayuva. Para além
de colocar a Usaflex em evidência em campanhas (1) Projeção. Fonte: empresa.

maio de 2023 65
NEGÓCIOS
CLUBE DE REVISTAS

MADE IN BRAZIL
DE MAIS QUALIDADE
Após décadas sofrendo com a concorrência de
produtos chineses de menor valor, a indústria
calçadista brasileira produz menos, mas exporta
como nunca — e a um preço mais alto

Produção de calçados (em milhões de pares)


% para exportação
912 941 902 932 898 746 819 849

13%
12% 18%

2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021 2022

Valor médio da produção (em reais por venda de par) FÁBIO ANDRÉ HAACK/DIVULGAÇÃO

37
26 30
23
Fábrica da Usaflex, em
Igrejinha (RS): as vendas
triplicaram desde 2020,
mesmo com portfólio menor
De 2015 a 2016 De 2017 a 2020 2021 2022
Fonte: Abicalçados.

malista da designer Maria Fernanda


Sodré na Vila Madalena, bairro boê-
mio na zona oeste paulistana. Com
promocionais, Bocayuva liderou a expansão geo- modelos de botas, sapatilhas e sa-
gráfica de lojas franqueadas da marca. Hoje, são patos de salto de couro fabricados à
302 unidades, das quais 22 no exterior — Améri- mão, a Mafalda não demorou muito
ca Latina é a praça mais relevante. Toda semana o para cair na graça de consumidoras
executivo reserva pelo menos um dia para visitar descoladas em São Paulo por causa
franqueados. “Criamos processos para controlar a do conforto. Entre os mais vendidos
apresentação dos produtos, segmentando por fai- está um sapato de bico pontudo sem
xa etária”, diz ele. A meta é chegar a 370 unidades zíper nem cadarços. A aposta num
até o fim do ano. Até agora correndo por fora, o co- comércio eletrônico digital próprio e
mércio eletrônico da marca, criado às pressas para num canal de vendas pelo Instagram
dar vazão à demanda no auge da pandemia, deve deu um apelo global à marca. No ano
responder por 28% das vendas em 2025. passado, a Mafalda inaugurou uma
A demanda por comfort shoes impulsionada pela segunda loja em Londres e faturou
pandemia ajudou a Usaflex a conquistar novos per- 9,5 milhões de reais. “Comecei com
fis de clientes e, também, abriu o mercado a calça- 10.000 reais e uma prateleira de sa-
distas que até pouco tempo atrás tinham uma es- patos para vender”, diz Sodré. “Fui
cala artesanal de produção. Em linha com a receita crescendo só com o capital de giro.”
de Bocayuva, esses negócios ganharam tração após A combinação sapato confortável-
investimentos em redes sociais e num design úni- -design autoral-venda online este-
co para conquistar pés joviais. É o caso da Mafalda ve na história da Wishin, fabricante
Sapatos, aberta em 2008 a partir de uma loja mini- de sapatos femininos fundada pe-

66 exame.com
CLUBE DE REVISTAS
A expansão de marcas até então conhecidas em
públicos muito nichados dos grandes centros bra-
sileiros vem na esteira de um momento excelente
para a indústria calçadista brasileira. Por décadas,
esse foi um setor acostumado às más notícias. An-
tes da abertura comercial brasileira dos anos 1990,
o país era um exportador de calçados baratos e sem
muito design. A concorrência feroz da China, inclu-
sive dentro do Brasil, fechou fábricas, dizimou em-
pregos e reduziu a produção. Em 2022, o país produ-
ziu 849 milhões de pares de sapatos, uma queda de
10% em sete anos, de acordo com registros da Abi-
calçados, a associação do setor. De 2020 para cá, a
indústria dá passos para recuperar o protagonismo
global de antes — só que com calçados com design e
maior valor agregado. Durante a quarentena, o de-
sabastecimento de insumos fabricados em países
asiáticos, sobretudo na China, apavorou empresas
no Ocidente. Muitas decidiram trazer para mais
perto o rol de fornecedores, num fenômeno global
chamado de near-shoring (algo como “produção nas

Maria Fernanda Sodré,


da Mafalda: vendas
pelo Instagram

las empreendedoras Anna e Joana Shin, filhas de


imigrantes coreanos estabelecidos em São Paulo,
em 2011. Na época, as irmãs formadas em moda
e design sentiam falta de modelos confortáveis
desenhados por mulheres para mulheres. “Os sa-
patos femininos eram, em sua maioria, feitos por
homens”, diz Anna. “As sapatilhas tinham muitos
laços, brilhos e adereços. Queríamos algo mais
simples, com design de moda, para usar no dia a
dia.” Nos primeiros anos, boa parte dos clientes en-
contrava os sapatos em feiras de artesanato, como
a da Praça Benedito Calixto, em Pinheiros, uma
das mais prestigiadas de São Paulo. O site veio em
2013. Na pandemia, a marca apostou pesado na co-
mercialização por esse canal, de onde saem hoje
50% das vendas. O restante vem das lojas físicas.
São três na capital paulista e uma em Belo Hori-
zonte, inaugurada neste ano. O portfólio atual, ao
redor de 450 modelos, rendeu à Wishin um fatu-
DIVULGAÇÃO

ramento de 32 milhões de reais no ano passado,


quando a empresa dobrou de tamanho.

maio de 2023 67
NEGÓCIOS
CLUBE DE REVISTAS
Loja da Wishin em São
Paulo: sapatos femininos
desenhados por mulheres

proximidades”, numa tradução livre).


A tendência está por trás de um inte-
resse crescente pelo calçado brasileiro
lá fora. Em 2022, 18% da produção
brasileira foi exportada, um recorde.
O câmbio favorável ao comércio exte-
rior, junto com o maior volume de ne-
gócios lá fora, fez o tíquete médio sal-
tar para 37 reais por par de sapato, alta
de 18% em 12 meses e bem acima da
média histórica, ao redor de 25 reais.
“O número demonstra que temos ex-
portado um produto com maior valor
agregado, justamente por seus atribu-
tos de conforto, moda e sustentabili-
dade, que conseguem driblar a mera
concorrência no preço, especialmente
com os produtos asiáticos”, diz Harol-
do Ferreira, presidente executivo da
Abicalçados.
Daqui para a frente, há dúvidas
sobre o momento confortável vivido
por Usaflex, Mafalda, Wishin e ou-
tros negócios com foco nos comfort
DIVULGAÇÃO

shoes. A pressão das empresas para


a volta aos escritórios, por ora, não

tem sido acompanhada pela volta ao dresscode de


PASSOS ACERTADOS antes da pandemia, mas nada impede que o tema
entre na agenda das empresas. Sendo assim, ha-
As lições de gestão de marcas como Usaflex, veria uma guinada para uma moda corporativa
Wishin e Mafalda, exemplos do bom momento mais convencional em detrimento do conforto.
da indústria calçadista brasileira O câmbio favorável às exportações pode perder
força. O fim da pandemia, e do vaivém nas cadeias
Gestão Foco Olhar logísticas com algum pé na Ásia, pode minimi-
profissional no digital global zar o risco de importação da China e levar para
Desde 2016 Abertas antes Wishin, Mafalda lá de novo a demanda internacional. A indústria
a Usaflex tem da pandemia, e Usaflex têm
o fundo de a Wishin e a lojas próprias nacional aposta em ganhar espaço a despeito das
investimento Mafalda Sapatos ou de terceiros incertezas. Até 2025, a Abicalçados deve promover
Axxon como sócio já tinham nas no exterior missões comerciais para abrir mercados em países
vendas online como Estados Unidos, Alemanha, Emirados Árabes
o principal canal Unidos, Colômbia, Chile e Angola. Em dois anos,
Resultado Resultado
de vendas o setor estima abrir 500.000 postos de trabalho.
A entrada de As empresas
gente do estão menos O apelo a uma produção sustentável, com pouca
mercado Resultado expostas a pegada ambiental, deve ganhar força como estra-
financeiro O e-commerce variações tégia de marketing, sobretudo para conquistar os
colaborou para representa quase cambiais e,
economias que assim, estão
clientes mais jovens. Uma coisa é certa: os produ-
metade das
melhoraram a vendas da Wishin bem posicionadas tos de companhias que fizeram a lição de casa e
margem do e da Mafalda para investir souberam aproveitar as tendências globais, como
negócio Sapatos em inovação a Usaflex, devem seguir na moda.

68 exame.com
CLUBE DE REVISTAS

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BELEZA
CLUBE DE REVISTAS
MARCIO MERCANTE

Cria da casa: desde 1987


na L’Oréal, Nicolas Hieronimus
assumiu a liderança em maio
de 2021

70 exame.com
CLUBE DE REVISTAS

A MAIOR
A L’Oréal não é de deixar passar
oportunidades. Em visita ao Rio,
o CEO global do gigante francês
revela os planos para a recém-
comprada Aesop, para o Brasil —
e para se manter na ponta

E MAIS
RAQUEL BRANDÃO

FAMINTA maio de 2023 71


BELEZA
CLUBE DE REVISTAS

c
om um aperto de mão e a frase “pra-
zer, eu sou invisível”, Nicolas Hiero-
nimus se apresentava aos clientes
fazendo graça de si mesmo. O francês,
aos 23 anos, tinha acabado de entrar
na L’Oréal, em 1987, como gerente de
marketing de um spray para cabe-
los batizado de “Invisível”. Trinta e seis anos de-
pois, a invisibilidade ficou definitivamente para
trás. Sua presença não poderia ser mais notada
no escritório da multinacional no Rio de Janeiro,
numa quinta-feira de abril. Funcionários iam de
um lado a outro e se intercalavam em dezenas de
reuniões para apresentar números de cada cate-
goria de produto. Foi a primeira visita de Hieroni-
mus à subsidiária brasileira depois de assumir o
comando da maior empresa de beleza do mundo,
em 2021. Ele trouxe consigo os demais diretores do
alto comando. Viajar aos mais diferentes lugares
é parte da rotina numa empresa presente em 150
países e que multiplicou por algumas dezenas seu
faturamento por meio de aquisições. Das 36 mar-
cas da L’Oréal, só três são originalmente criadas
pelo grupo. A viagem ao Brasil marca a chegada de
mais uma ao portfólio, a Aesop, vendida pela brasi-
leira Natura &Co por 2,5 bilhões de dólares.
A marca de cosméticos de luxo estava no grupo
brasileiro havia dez anos. O preço quase 25 vezes
mais alto do que o pago pela Natura pode pare-
cer elevado, mas uma análise rápida dos números
do negócio deixa evidente que o grupo francês
não agiu por impulso ao colocar a mão no bolso
para fazer a maior aquisição de sua história. Foi
uma estratégia bem calculada. Em 2012, a Aesop
faturou 30 milhões de dólares. Dez anos depois, a
receita somou 540 milhões de dólares, com o ne-
gócio respondendo pela maior margem de renta-

IMPÉRIO DA BELEZA
Centenária, a companhia
soma cifras expressivas
e lidera o mercado global

Ano de Receita Lucro líquido Marcas Centros de inovação Crescimento de vendas


fundação em 2022 em 2022 Lancôme, Vichy, e pesquisa no mundo no Brasil em 2022
Maybelline, entre

1909 38,2 5,7 6


outras

Variação
bilhões de euros
18,5%
bilhões de euros
24%
36 20
Marcas no Brasil
Niely, Garnier,
Colorama,
— um
deles no
Rio de
Janeiro 15% Fonte: empresa.
entre outras
72 exame.com
CLUBE DE REVISTAS
-alvo”, defende Nicolas Hieronimus em
entrevista exclusiva à EXAME (leia mais
trechos da entrevista na pág. 77). O pa-
risiense substituiu Jean-Paul Agon, que
completou 65 anos, idade-limite pelo
estatuto da empresa. Agon comandou o
grupo francês por 15 anos e hoje é pre-
sidente do conselho de administração.
Cria da casa, Hieronimus é apenas o
sexto a assumir a direção da companhia
centenária e foi preparado para isso.
Desde 2017 atuava como braço direito
de Agon no cargo de vice-CEO, hoje ocu-
pado por Barbara Lavernos.
Em seus mais de 30 anos de L’Oréal,
Hieronimus comandou desde operações
← de marcas populares, como a de xampus
Garnier, até o portfólio de luxo do grupo,
Laboratório a céu
aberto: centro de que reúne, entre outras, Lancôme, Prada
pesquisa identificou e Biotherm, e do qual a Aesop fará parte
no Brasil todos os
oito tipos de cabelos se a aquisição for aprovada por órgãos
que existem no mundo reguladores de todo o mundo. A expec-

DIVULGAÇÃO
ROGERIO RESENDE/R2FOTO/DIVULGAÇÃO

Centenária e inovadora: criada em 1909


por um químico, a empresa não deixa a inovação
de lado e mantém seis centros de pesquisa
no mundo, incluindo o Brasil

bilidade da Natura &Co, registrando crescimento


acelerado e entrando no desejado mercado de con-
sumo chinês. Por isso, não falta confiança à L’Oréal
para fazer a marca australiana dobrar de tamanho.
“Essa é uma marca de meio bilhão de dólares,
mas acreditamos ter potencial de ser bilionária,
seja em dólares, seja em euros. Quando isso vai
acontecer? Bom, isso é confidencial e, honestamen-
te, vai levar um tempo para sabermos, mas é uma
marca de potencial enorme. Está só começando
DIVULGAÇÃO

sua aventura na China e é unissex, o que também


é importante porque dobra o tamanho do público-

maio de 2023 73
BELEZA
CLUBE DE REVISTAS
que deverá movimentar 98 bilhões de
dólares neste ano, pelas estimativas da
tativa do executivo é que os re- consultoria de consumo Euromonitor. que possa ser reposicionada
guladores antitruste aprovem Desde o fim de 2022, a Aesop tem duas para capturar essa nova ten-
a transação sem a aplicação de de suas mais de 300 lojas no país asiáti- dência. Se não, avalia se precisa
restrições até o segundo semes- co, mas o interesse pela marca é bastante lançar uma novata ou comprar
tre do ano. “A partir daí, vamos expressivo, de acordo com Hieronimus. uma marca para atender essa
começar a desenvolver o traba- Por lá, a empresa já opera com outras nova demanda”, observa Bruno
lho em conjunto com a equipe marcas de luxo de seu portfólio, como a Monteyne, analista sênior para
atual da Aesop, que é um ótimo Lancôme. Outro plano passa pela explo- o setor de bens de consumo da
time”, afirma, reforçando que ração do travel retail, como é chamado casa de análise Bernstein Re-
Michael O’Keeffe permanecerá o varejo de duty free em aeroportos, no search. A Aesop combina um
à frente da marca. Entre execu- qual a maior parte das marcas premium público consumidor jovem a
tivos e analistas, o alto comando de beleza e cosméticos está posicionada. uma experiência de compra
da australiana estava insatisfei- Também estão no horizonte a expansão de alto nível de serviço. São
to com os bônus dentro da Na- das operações de varejo online e o avanço atributos que levaram outros
tura &Co. O crescimento acele- da Aesop no mercado americano e mes- grupos a tentar fechar o ne-
rado e a rentabilidade alta — a mo no brasileiro, quarto maior do mundo gócio, como LVMH e Shiseido.
margem chegou à casa de 21% e hoje com apenas uma loja da marca. Incentivaram também a Na-
em 2022 — acabaram ofuscados Para a maior empresa do mundo, tura &Co a tentar manter al-
pela deterioração dos negócios ficar de fora de uma tendência não é guma participação na empre-
de Avon Internacional e The uma opção — e a Aesop é um símbolo sa, segundo pessoas próximas
Body Shop, que pesaram sobre a dessa ambição. “Quando novas tendên- às negociações. Tudo, porém,
última linha do balanço da hol- cias de beleza aparecem, a L’Oréal sem- foi superado pela proposta
ding brasileira e a levaram a um pre considera se já possui uma marca de Hieronimus e seu time. “A
prejuízo de 2,86 bilhões de reais L’Oréal claramente conside-
no ano passado. ra essa tendência da Aesop
O francês traça alguns planos importante o suficiente e vê
iniciais para colocar a Aesop no potencial de crescimento fu-
caminho dos bilhões. O primei- turo para decidir essa compra.
ro é explorar a recente chegada Isso é muito semelhante às
ao gigantesco mercado chinês, aquisições anteriores”, afirma
segundo maior do mundo (atrás Monteyne. Primeira compra da
apenas dos Estados Unidos) e gestão de Hieronimus, a Aesop
deve traçar caminhos similares
L’Oréal aos de outras marcas, como a
40,31(1) Kiehl’s, comprada em 2000, e
a CeraVe, em 2017, até então a
mais alta da história: 1,7 bilhão
UM GIGANTE de dólares. Especializada em

DA BELEZA
Com mais de 30 marcas,
o grupo francês lidera o
faturamento do setor de beleza
e higiene pessoal no mundo
Receita em 2022 Procter & Gamble Coty
(em bilhões de dólares) (unidade de beleza) 5,3(2)
14,7(2)
Unilever
(unidades de beleza Fonte:
e cuidado pessoal) demonstrações
Johnson & Johnson 27,7 (1) financeiras das
(unidade de beleza) empresas. (1) Cotação do
euro em dólares em 31 de
4,3 dezembro de 2022.
Natura &Co (2) Ano fiscal de 2022,
6,8(3) encerrado em
LVMH 30 de junho de 2022.
(3) Cotação do real em
(unidade de beleza) dólares em 31 de
8,2 dezembro de 2022.

74 exame.com
CLUBE DE REVISTAS
dermocosméticos, a CeraVe tinha, com-
binada a outras duas marcas, receita
de 168 milhões de dólares na época da
compra e, cinco anos depois, alcançou 1
UMA DÉCADA DEPOIS
bilhão de dólares em vendas. A transformação da marca australiana
dentro da Natura &Co
NA CONTRAMÃO Receita da Aesop Número
O setor de beleza costuma ser resiliente. (em milhões de dólares) de lojas
Já é famoso o “efeito batom”, uma teo-
ria do fundador da marca premium de 2012 30 395
61
maquiagem e cosméticos Estée Lauder,
Leonard Lauder: mesmo em meio a uma 2022 540 2012 2022
crise econômica, as vendas de batons
crescem, como uma forma de se mimar
e elevar a autoestima em um momento Transação grandiosa (em dólares)
difícil. Na pandemia de covid-19, com Valor da aquisição pela Natura em 2012 105 milhões(1)
máscaras cobrindo os lábios e videocon- Valor da aquisição pela L‘Oréal em 2023 2,5 bilhões
ferências evidenciando imperfeições, o
(1) Concluída em 2013. Fonte: Natura &Co.
batom deu lugar a cremes para as mãos
e a produtos de cuidados para a pele do
rosto. Passado o isolamento, alguns há-
bitos da rotina de cuidados ficaram e se
Promessa alta: a
somaram à demanda retraída pela ma- L’Oréal acredita que
quiagem. Em 2022, a indústria de beleza a australiana Aesop
pode ser uma marca
faturou 565 bilhões de dólares em todo o bilionária
mundo, 12% mais do que um ano antes,

de acordo com a base de dados Statista.


HOLLIE ADAMS/BLOOMBERG/GETTY IMAGES

maio de 2023 75
BELEZA
CLUBE DE REVISTAS
Mas os últimos meses têm sido que eu vendesse o quê? Tinha de vender a cal, encerrado em março deste
especialmente difíceis. A infla- operação que exercia impacto em nosso ano, a empresa, criada em 1904
ção global chegou a patamares número. Hoje, fazendo projeção de caixa, e de origem francesa, viu suas
havia anos não vistos, reflexo a gente fica extremamente confortável”, vendas crescer 9%. O lucro lí-
das consequências da pandemia disse Barbosa após a divulgação dos re- quido contábil do período ficou
e da guerra entre Rússia e Ucrâ- sultados do primeiro trimestre. O proble- 108% maior, em 105 milhões de
nia. A Natura que o diga. ma de liquidez, que era o mais “agudo”, dólares. “Iniciamos a aceleração
Mais exposta à Europa des- segundo ele, passará a ser resolvido assim de crescimento multiestratégi-
de a compra da Avon, a Natura que houver o pagamento: a dívida, em co do nosso negócio de cuidados
&Co sentiu as dores do cresci- torno de 9 bilhões de reais, vai ser sanada com a pele, incluindo lançamen-
mento em meio ao cenário ma- com os recursos da venda, e o foco fica- tos, atualizações de merchan-
croeconômico mais complexo, rá ainda mais concentrado em voltar o dising, expansão de distribuição
que também pegou em cheio grupo aos trilhos da rentabilidade. Mas o e eventos de relações públicas”,
as operações da marca britânica desafio de melhorar os números da Avon disse a executiva a analistas e
The Body Shop, que pertencia e fazer a The Body Shop ser de novo um investidores em teleconferên-
à L’Oréal e foi comprada pelo negócio em crescimento não é pequeno, cia sobre os últimos resultados.
grupo brasileiro em 2017. Tan- o que pode levar a Natura mais uma vez Esse avanço, porém, é menor do
to a Avon Internacional quanto a buscar o mercado. A venda da britânica, que o da concorrente. De janeiro
a The Body Shop recuaram em porém, Barbosa diz não estar no radar. a março, a L’Oréal vendeu 13%
vendas em 2022 e no primei- Entre 2020 e 2021, a empresa de cos- mais do que no mesmo período
ro trimestre deste ano, quando méticos Coty também precisou fazer do ano anterior, somando uma
caíram 12,8% e 16,5%, respec- um movimento parecido com o do gru- receita de 10,38 bilhões de euros
tivamente. As margens, porém, po brasileiro e enxugar a estrutura, além (11,24 bilhões de dólares).
melhoraram, refletindo a rees- de ter anunciado uma nova CEO ainda
truturação proposta com a troca em 2020, a ex-L’Oréal Sue Nabi. Depois
de Roberto Marques por Fábio de concluir a venda da marca de produ-
Barbosa como CEO do grupo tos para os cabelos Wella para a empresa China: no segundo
brasileiro, em junho do ano pas- de private equity KKR, a dona de marcas maior mercado de
sado. “É óbvio que tínhamos de como Max Factor, Kylie Cosmetics e as beleza, a pandemia
ainda impacta
fazer uma reestruturação finan- brasileiras Monange e Risqué conseguiu as vendas
ceira. Alguém falou: ‘Mas vendeu avançar em sua reestruturação e voltar a
o que tem crescimento?’ E queria crescer. Ao fim do terceiro trimestre fis- ←
WANG GANG/VCG VIA GETTY IMAGES

76 exame.com
CLUBE DE REVISTAS

“Somos um
unicornissauro”
O CEO global da L’Oréal fala da estratégia de unir É sua primeira viagem ao Brasil
a força da tradição com a agilidade de uma startup como CEO da L’Oréal. Como
o país está posicionado dentro
R AQUE L B R A NDÃO da estratégia do grupo?
Os países emergentes
Presidente da L’Oréal desde Vocês foram ágeis e aproveitaram contribuem cada vez mais
maio de 2021, Nicolas Hieronimus a oportunidade de comprar para o resultado. Em 2022,
fechou em abril deste ano a a Aesop, que tinha outras 24% do aumento das vendas
maior aquisição da companhia ao interessadas. Quais são veio desses países. O Brasil,
comprar a Aesop da Natura &Co. os planos para a marca? em especial, é o quarto maior
À EXAME, ele detalha os planos Nossa estratégia é sempre mercado de beleza do mundo,
para o novo negócio. comprar alguma marca que então é importantíssimo,
seja complementar ao portfólio. e ainda temos onde crescer
As vendas da L’Oréal cresceram Com a força global de distribuição, aqui. Mas, mais do que tudo,
13% no primeiro trimestre deste tornamos a marca mundial. o Brasil é um país muito
ano, mesmo com um ambiente A última aquisição tinha sido diverso. Dos oito tipos de
macroeconômico global complexo. a CeraVe, excelente em cuidados cabelo que identificamos
O que explica os bons números? com a pele. Em cinco anos nós mundialmente em pesquisas,
Crescemos 1,8 vez o mercado multiplicamos suas vendas por 10. o país tem todos. Dos 66 tons
em 2022 e seguimos assim no A Aesop é uma bela marca de luxo de pele, são 55 identificados.
começo deste ano. Isso comprova e pioneira em várias demandas Então, além de ser um país
a força do nosso modelo. de beleza que estão em ascensão. de crescimento, é um mercado
A receita do sucesso soma alguns É unissex, por exemplo, o que que estimula nossa
fatores. Gastamos todos os anos dobra seu público-alvo. Ela é capacidade de inovação.
1 bilhão de euros em pesquisa e luxuosa, trabalha o bem-estar
desenvolvimento. Criar produtos e as sensações. Suas lojas são Essa inovação passa
melhores nos ajuda a vender referência na experiência do também por investimentos
mais. Outro ponto é nossa frente consumidor. É uma marca de 500 socioambientais no país?
digital. O e-commerce já milhões de dólares, mas queremos É como um combustível para
representa 28% das vendas que se torne uma marca bilionária, o crescimento. Recentemente,
globais. Muito é herança seja em dólares, seja em euros. o Fundo L’Oréal anunciou
das mudanças de hábitos aporte para regenerar 2.000
na pandemia. Saímos na frente Um aposta com a Aesop hectares de floresta na
porque começamos a desenvolver é o mercado chinês, certo? Amazônia. Investimos na
nosso e-commerce e suas Há um potencial enorme. neutralização de carbono,
ferramentas há uma década. Hoje são duas lojas por lá, na transformação de resíduos
mas elas são superbem-sucedidas em biodegradáveis e
E como é comandar a empresa e o público chinês ama a marca. na seleção de fornecedores
em um momento como este? Estamos no país há 25 anos de comunidades em
Meu papel é garantir que a e temos muitas marcas de luxo, vulnerabilidade, gerando
empresa vá na direção correta somando 15% do mercado, o dobro empregos. Temos, por exemplo,
e saiba aproveitar. Precisamos do segundo maior concorrente. as guardiãs do babaçu,
ser cuidadosos, como fomos Mas também vejo outras no Norte do país, ingrediente
na pandemia, mas também engrenagens de crescimento, para a máscara de tratamento
rápidos para identificar para onde como o segmento de travel retail da Kérastase. Também
ir ou em que países investir mais. [vendas em duty free], compramos carnaúba e temos
Costumo dizer que a L’Oréal é um além de muito potencial as iniciativas do Fundo L’Oréal
“unicornissauro”: uma mistura na América do Norte e, talvez, para mulheres indígenas,
de tiranossauro rex, com a força no Brasil, onde só há uma loja. que hoje tem mais de 1.700
de seus 114 anos, com a agilidade O e-commerce também beneficiárias e 14 comunidades
de uma startup. pode melhorar. indígenas atendidas.

maio de 2023 77
BELEZA
CLUBE DE REVISTAS
Há algumas razões para os melhores
números da L’Oréal. Um deles, segundo
Bruno Monteyne, da Bernstein Research,
está na gestão conservadora do balanço.
“Por serem cautelosos na condução de
seus negócios, se houver algum proble-
ma, eles têm segurança e gordura sufi-
cientes no sistema para absorver a dor
de curto prazo”, argumenta. Outro fator
está no tamanho, na presença global e na
força de distribuição. “A L’Oréal é muito
diversificada: está em muitas regiões,
tem muita variedade de produtos e mui-
tos preços. Portanto, se uma parte do
mundo se sair mal, pode decidir rapida-
mente realocar seus recursos em outras
áreas. Ela só pode fazer isso porque tem
vários grandes motores de crescimento
independentes. A maioria das empresas
tem apenas um ou dois”, afirma o analis-
ta. Com uma reabertura econômica in-
consistente, a China, por exemplo, é um
dos pontos fracos do balanço da empre-
sa, mas o avanço em países emergentes,
como México e Brasil, tem compensado.
LEANDRO FONSECA

DNA BRASILEIRO
Há ainda outra frente em que a empresa
se diferencia de seus concorrentes, diz
Hieronimus: no investimento em pes-

quisa e desenvolvimento de produtos e


serviços. “Se me perguntarem a receita de pesquisa ao redor do mundo para desenvolver-
Natura &Co
do nosso sucesso, são várias. A primei- tenta arrumar mos produtos e lançamentos estratégicos em vários
ra é que só fazemos itens de beleza, co- a casa: com países, especialmente na América Latina e em mer-
recursos
brimos todas as suas necessidades. Por da Aesop, a cados emergentes”, conta Jean-Marc Ascione, dire-
isso, somos muito focados em inovação empresa foca tor de pesquisa e inovação da L’Oréal para a Amé-
a volta à
para trazer produtos de qualidade supe- rentabilidade
rica Latina. Há 60 anos operando no país, além de
rior. É um fator de escolha para o clien- desenvolver produtos exclusivos, a empresa com-
te. Por isso, todos os anos, a companhia prou, em 2015, a brasileira Niely.
investe globalmente 1 bilhão de euros Com o Brasil disputando com a Índia o quar-
para o desenvolvimento de novos pro- to lugar no mercado global de beleza, a L’Oréal
dutos, que são estudados e desenvolvi- vê no país um canal de crescimento. Em 2022, as
dos em seis centros de inovação globais, vendas foram 15% maiores, depois de já terem sal-
sendo um deles no Rio de Janeiro, com tado 18% em 2021. Mas ainda há o que capturar.
mais de 140 pesquisadores. Não é mera Executivos que acompanham o setor ouvidos pela
coincidência. O país é praticamente um EXAME dizem que a empresa detém cerca de 15%
laboratório a céu aberto. É o único no de participação do mercado global, mas algo em
mundo onde são encontrados 55 dos 66 torno de 8,5% do mercado nacional. Em 2020, essa
tons de pele mapeados pelo grupo e to- fatia era menor, de 6,4%, pelos números da Euro-
dos os oito tipos de cabelo. monitor. “Ainda não é nosso quarto maior merca-
Do centro de inovação brasileiro, na do. Então temos muito espaço para avançar. No
Ilha do Bom Jesus, no Rio, já saíram pro- Brasil estamos crescendo dois dígitos há três anos”,
dutos como a linha Elseve Cachos Longos diz o CEO da L’Oréal. No momento em que você lê
dos Sonhos, com seis etapas para o cuida- esta reportagem, Hieronimus pode estar em seu
do do cabelo cacheado, e 11 fórmulas de escritório na sede da empresa, na França, em um
protetor solar. “Muitas das tecnologias centro de distribuição no México ou visitando lo-
pensadas, desenvolvidas e testadas aqui jas de suas marcas na China. Para a ambição do gi-
com consumidores brasileiros servem de gante de continuar crescendo, uma oportunidade
base e inspiração a nossos outros centros ao estilo Aesop pode estar na próxima escala.

78 exame.com
CLUBE DE REVISTAS

jornal
novabrasil
De segunda a sexta das 5h às 7h De segunda a sexta, das 7h às 9h

Há três anos no ar, o Nova Manhã, Heródoto Barbeiro apresenta


mudou de horário e agora as notícias do Brasil e do
informa sua audiência ainda mundo de forma breve,
mais cedo, trazendo assuntos inteligente e multiplataforma,
essenciais para começar o dia. para todas as praças.

Mauro Tagliaferri mistura notícias Diego Amorim faz conexão


e música com um time de diretamente de Brasíla, com
colunistas de peso. sua coluna diária.

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MUNDO
CLUBE DE REVISTAS

Em meio à alta no custo habitacional,


países da União Europeia endurecem as
regras para estrangeiros investirem em
imóveis no bloco em troca da cidadania

ALEXANDER SPATARI/GETTY IMAGES


COM CONTEÚDO

Lisboa e Porto, em
Portugal: restrições
ao “visto de ouro”
para estrangeiros

ALEXANDER SPATARI/GETTY IMAGES

O SONHO EUROPEU
80 exame.com
CLUBE DE REVISTAS

FICOU MAIS CARO


POR EVELYN YU, HENRIQUE ALMEIDA
E MORWENNA CONIAM,
DA BLOOMBERG BUSINESSWEEK

NUMA MANHÃ ENSOLARADA


NA CIDADE DE GRÂNDOLA, a
HENGLEIN AND STEETS/GETTY IMAGES
1 hora e meia ao sul de Lis-
boa, Sandy Chen sai de um
Uber e se prepara para ver
as cinco casas que planeja Chen, aposentada que veio de 350.000 euros (383.000 dólares)
visitar hoje. À medida que Tianjin, no norte da China, está — o simples ato de comprar uma
Chen desce uma rua pacata correndo para encontrar um casa já serve — e passarem pelo
na cidade de 14.000 habitan- imóvel antes que Portugal feche menos sete dias por ano no país.
tes, cachorros latem e mora- a porta de um programa que ofe- Então, há dois meses, em
dores idosos, alertados pelo rece residência e um caminho meio a um descontentamento
barulho, saem de suas casas para a cidadania a estrangeiros crescente com o aumento dos
para conferir a visitante. “Se dispostos a investir no país. Em preços de imóveis, o governo
eu comprar uma casa aqui, é 2021, Portugal reduziu as restri- português afirmou que acaba-
capaz de ser a única pessoa ções de seu esquema de “visto de ria com o programa assim que
chinesa na cidade”, diz ela. ouro” a pessoas que investirem o Parlamento discutisse e apro-

maio de 2023 81
MUNDO
CLUBE DE REVISTAS
Há tempos a União Europeia
pressiona governos para dar fim
aos esquemas de vistos dourados
com base no argumento de que
eles são antidemocráticos e po-
dem servir como uma maneira
vasse uma legislação revisada de o dinheiro sujo entrar na re-
— provavelmente, nas próximas
semanas. Contudo, se Chen as-
gião. “Os valores europeus não
estão à venda”, disse no ano pas- os programas
sinasse um contrato e enviasse
sua aplicação antes do voto dos
sado Didier Reynders, comissário
da União Europeia para Justiça e de cidadania
parlamentares, ela ainda conse- Consumo. Agora, com a maioria
guiria receber um visto que per-
mitiria a ela viver e viajar sem
dos países europeus de volta a
uma situação financeira estável
a estrangeiros
restrições pela União Europeia.
Na esteira da crise financei-
e lidando com oposição interna
cada vez maior à ideia, alguns
ricos injetaram
ra mundial de 2008, Portugal e
pelo menos dez outros países
lugares populares para os candi-
datos estão se tornando menos
3,5 bilhões
europeus buscaram tapar os
déficits orçamentários com pro-
acolhedores. A Irlanda pôs fim
em seu esquema em 15 de feve-
de euros em três
gramas de venda de imóveis. Na
ausência de regras que valessem
reiro. Já a Grécia diz que vai do-
brar seu limite de investimento anos, mas são
a toda a União Europeia, os re-
quisitos de elegibilidade variam
para 500.000 euros em vários
locais importantes, inclusive Ate- alvo de críticas
de modo drástico: o investimen-
to mínimo começa em 50.000
euros na Letônia; na Holanda, é
de 1,2 milhão de euros. Em troca,
os investidores conseguem viver
e morar no país num período de
três a cinco anos e, depois disso,
podem pedir cidadania.

MEDIAPRODUCTION/GETTY IMAGES

Dublin, na Irlanda: 90%


dos vistos para chineses
AIRFILMDRONE/GETTY IMAGES

82 exame.com
CLUBE DE REVISTAS
da última década. Em Portugal,
o número é quase metade das
11.758 licenças concedidas desde
2012. Antes da invasão da Ucrâ-
nia por seu país no ano passado,
nas. À medida que os programas muitos russos se candidataram, a grande razão pela qual, das
europeus, como o irlandês, enco- e o número de americanos em cinco visitas que Chen agendou
lhem, consultores de imigração busca de vistos vem crescendo em Portugal, em quatro os imó-
dizem que há uma disparada de nos últimos anos. veis tinham mais de 30 anos.
interesse por Grécia e Espanha. Os programas de fato trou- Em Lisboa, essas políticas eco-
É difícil encontrar estatísti- xeram dinheiro para o merca- nômicas, combinadas à suspen-
cas que valham para a Europa do europeu de imóveis — cerca são dos controles de aluguéis e
inteira, mas a evidência dispo- de 3,5 bilhões de euros por ano a uma campanha robusta para
nível sugere que uma maioria entre 2016 e 2019, segundo o atrair turistas, têm sido trans-
significativa de pessoas que se Parlamento Europeu. E, em formadoras. Cais do Sodré, ou-
aproveitam dos programas é da Portugal, uma revisão da lei trora um bairro à beira-mar de
China. Na Irlanda, que conce- realizada em 2015 tinha o ob- ruas estreitas repletas de bor-
deu residência em troca de um jetivo de incentivar melhorias déis, hoje transborda hotéis de
investimento de 500.000 euros no estoque habitacional, ao re- grande estilo, aluguéis de curto
para compradores com patri- duzir o limite de investimento prazo, restaurantes gourmet e
mônio pessoal de pelo menos 2 em um terço para candidatos butiques de luxo. Ao longo da ar-
milhões de euros, cidadãos chi- que comprassem uma casa que téria principal, um mercado de
neses respondem por mais de precisasse de reforma. Essa foi peixes e agricultores de 133 anos
90% dos 1.727 pedidos aprova- foi convertido numa praça de
dos desde 2012. Na Grécia, eles alimentação que atrai cerca de
representam quase 60% dos 4 milhões de visitantes por ano.
12.818 vistos dourados ao longo Mas o rejuvenescimento de
um é a gentrificação do outro,
e os preços de imóveis em as-
censão alimenta percepções
de que os detentores de vistos
dourados ricos pagaram para

PAWEL.GAUL/GETTY IMAGES

maio de 2023 83
MUNDO
CLUBE DE REVISTAS

MATTEO COLOMBO/GETTY IMAGES

EDOARDO FROLA/GETTY IMAGES

Atenas, na Grécia:
afugentar os residentes. Em Lis- protestos contra
boa, o custo médio dos imóveis imigrantes ricos
residenciais triplica desde 2015,
segundo o site imobiliário Idea-
lista. Em Atenas, o preço médio
das casas deu um salto de 48%
nos últimos cinco anos, segundo
dados do governo. Em Dublin,
Atenas, protestos contra a gen-
trificação e a especulação imo- A aquisição
eles subiram 130% desde 2012, biliária têm sido uma constante
segundo o governo.
O aumento dos preços tem
da paisagem urbana desde 2019,
quando um governo visto como
de residências
provocado protestos em que
manifestantes apresentam quei-
favorável aos investidores es-
trangeiros assumiu o poder.
por estrangeiros
xas sobre o programa de vistos
dourados, juntamente com sua
Houve retaliação, mesmo em
países que concedem relativa-
ricos representa
oposição à gentrificação, aos
aluguéis estilo Airbnb e à falta
mente poucos vistos desse tipo.
A Espanha, onde a cidadania
menos de 1%
de moradia acessível. Em Lis-
boa, centenas de pessoas saíram
pode ser adquirida por 500.000
euros e dez anos de residência, do mercado
às ruas em 1o de abril, atirando
pedras e garrafas na polícia. Em
emitiu somente 136 vistos dou-
rados em 2022. No entanto, não imobiliário
é incomum ouvir resmungos so-
bre o efeito que eles exerceram de portugal
no mercado imobiliário. “É fácil
para alguns senhores vir, soli-
citar uma autorização de resi-
dência e comprar uma casa com

84 exame.com
CLUBE DE REVISTAS

Tradução de
Fabrício Calado
Moreira

MALCOLM P CHAPMAN/GETTY IMAGES

casa verde e branca de um an-


dar numa propriedade pon-
tilhada de laranjeiras; a outra
opção era um imóvel abando-
meio milhão de euros”, afirmou, nado de quatro quartos com
em fevereiro, Íñigo Errejón, lí- um jardim de 2 acres que esteve
der do partido político espanhol vazio durante, no mínimo, meio
Más País, à publicação Cadena século. Caso Portugal estenda
SER. “Parece quase colonial.” para afetar coisa alguma”, afirma um período de carência à roda-
No entanto, dados de merca- Ayres Neto, sócio-gerente do es- da final de investidores do visto
do sugerem que vistos dourados critório da empresa em Portugal. dourado, é provável que ela bata
têm pouca influência nos valo- Pessoas que trabalham com o o martelo em uma das duas op-
res das propriedades. Na Irlan- programa dizem que qualquer ções. E, se perder essa janela, ela
da, apenas algumas centenas de reação será temporária. “Há está otimista quanto a conse-
vistos são emitidas a cada ano, muito tempo, países ao redor do guir, eventualmente, um visto
em um mercado que registrou mundo têm sentido o benefício em algum lugar. “Quando a pró-
60.000 transações residenciais de atrair imigrantes qualificados xima crise financeira vier e ba-
em 2022. “O esquema teve pouco e ricos para financiar novos ne- gunçar as finanças públicas de
impacto”, diz Ronan Lyons, pro- gócios”, diz Nuri Katz, fundador novo”, diz ela, “eles vão reabrir
fessor de economia no Trinity da empresa de serviços de ci- os esquemas de visto dourado e
College de Dublin. Propriedades dadania por investimento Apex deixar a gente investir.”
compradas pelo programa de Capital Partners. “É improvável
Portugal representam cerca de que isso mude. Ainda que o vis-
0,3% das 300.000 transações to dourado possa ser reformado,
imobiliárias do país, segun- não será encerrado.”
do a corretora imobiliária The No fim de seu dia em Grân-
Agency. “Isso não é suficiente dola, Chen reduziu sua escolha
a dois lugares. O primeiro, uma

maio de 2023 85
OPINIÃO
CLUBE DE REVISTAS
Hoje vou contar uma história. Talvez haja um exagero
aqui, outro ali, mas a essência é verdadeira.
Tínhamos jantado cedo por causa dos filhos peque-
nos. Saímos em direção ao manobrista no meio daquele
caos da Rua Ferreira de Araújo, no bairro paulistano de
Pinheiros, onde é difícil calcular se há mais restauran-
tes, valets, carros ou petlovers. Desviando da micareta
em plena sexta à noite, fui até o manobrista. Enquanto
isso, um carro preto estacionou de esguio, 45 graus, e
um senhor bem vestido, acompanhado de uma senhora
elegante, saiu do automóvel. Ele também tentava se co-
municar com o manobrista.
Notei que o educado senhor ainda tentava se aproxi-
mar da famigerada retirada do tíquete, para a posterior
cobrança de 50 reais em troca de uma baliza malfeita
na própria rua. Depois de alguns minutos ali sem so-
LEANDRO FONSECA

lução, fui tomado por uma atitude espontânea, com a


voz saindo mais alta do que eu gostaria: “Alguém pode
ajudar o professor Pérsio Arida, por favor? Este homem
é um patrimônio brasileiro…” Numa autocensura súbi-
FELIPE MIRANDA
ta, lembrei de James Hillman: “Nós somos vividos por
Economista formado pela USP
e mestre em finanças pela FGV, poderes que fingimos compreender”. Certas paixões e
fundou a Empiricus Research admirações se manifestam sozinhas.
em 2009, onde atua como
estrategista-chefe e CEO Nunca tive aula com Pérsio Arida, mas sempre o con-
siderei um grande professor, desde que li o artigo A His-
tória do Pensamento Econômico como Teoria e Retórica.
O texto foi escrito em 1983 e, para mim, é o melhor ar-
tigo na ciência econômica já publicado por um brasi-
leiro. Além de erudição sem precedentes, o paper traz
um magnífico insight, que viria a ser precursor, junto
com os escritos de Deirdre McCloskey, da importância
UM ENCONTRO ALEATÓRIO COM da retórica na economia.
Só em 2019 Robert Shiller, Prêmio Nobel de Eco-
PÉRSIO ARIDA É GANCHO PARA nomia, veio a escrever o best-seller Narrative Econo-
DISCUTIRMOS O PESO DA RETÓRICA mics. Nassim Taleb também trouxe argumentação
EM NOSSOS TEMPOS. A REALIDADE semelhante com a ideia da “falácia da narrativa”, uma
historinha crível muitas vezes inventada num desen-
FACTUAL AINDA IMPORTA? cadeamento causal verossímil para explicar um fenô-
meno muitas vezes aleatório.
Numa argumentação bem-feita depois de profun-

O Brasil
da investigação histórica, Pérsio conclui que, ao longo
da história, os embates dialéticos na economia não
foram definidos por superação positiva. Ou seja, não
venceu a teoria ou a corrente melhor ou mais bem
fundamentada, mas, sim, aquelas com as melhores
regras de retórica. Em linguagem mais de rua, quem
ganha a discussão não é o melhor argumento; vence
quem é mais eloquente.
Assim como no capítulo da série Succession em que
o candidato perdedor das eleições presidenciais ame-

e a baliza
ricanas está mais preocupado com a narrativa de sua
derrota, tudo parece estar ainda mais condenado à
retórica agora.
Para nossos fins, estamos neste exato momento sob
a persuasiva ideia de “o Brasil voltou”. O país tenta reto-
mar algum protagonismo em reuniões supranacionais
e acordos internacionais, além de, talvez com alguma
mania de grandeza, se declarar como potencial media-
dor nas negociações de paz entre Rússia e Ucrânia.

86 exame.com
CLUBE DE REVISTAS
Em níveis menos sonháticos e mais tangíveis, vol- Esclarecimento: por mais críticos que possamos ser
tamos a fazer parte das discussões de comitês de alo- à nomeação de um desenvolvimentista clássico à dire-
cação global de recursos. O dólar veio abaixo de 4,90 toria de política monetária do BC, tipicamente ocupa-
reais, nosso principal índice de ações saiu de 102.000 da por um ortodoxo, não acho a nomeação de Galípo-
para 109.000 pontos, e o juro real de longo prazo caiu lo de todo ruim. O BC tem cultura muito forte, de tal
abaixo de 6% pela primeira vez desde novembro. modo que a instituição sobrepuja comportamentos e
Por trás do movimento, estão a inflação cadente inclinações pessoais. Além disso, uma forma típica de
no mundo e uma maior confiança na trajetória fis- abrandar preconceitos se dá por meio da aproximação
cal brasileira — por mais que o novo arcabouço passe entre os diferentes.
longe do ideal, ele evita trajetória explosiva e um teto Dinâmica semelhante contornou a mudança da polí-
de gastos com inclinação, como resumiu meu amigo tica de preços da Petrobras. Seja lá qual fosse o regime,
Tony Volpon. Evitamos o cenário de cauda, desviamos a queda do petróleo e a apreciação do câmbio justifi-
da Argentina e esperamos por um maior controle cavam combustíveis mais baratos. Fez-se um alarde
anos à frente. danado contra o PPI, “em prol dos interesses do capital
A soma alimenta a expectativa por queda da Selic. E internacional”, para adotar uma política que, a prin-
isso muda muita coisa, porque está no epicentro dos cípio, acabou bem-recebida pelo próprio mercado de
ciclos econômicos e dos mercados. O governo tenta capitais, com alta subsequente das ações da Petrobras.
atribuir a melhora a si. A narrativa é de que o Brasil A realidade se impõe, bem como a aritmética elemen-
teria voltado pela superação de uma administração tar das contas públicas. Comemoramos em 2023 os 300
obscurantista e por um Estado que tenta tomar para si anos do nascimento de Adam Smith. Infelizmente, nem
a indução do desenvolvimento. Será mesmo? todo mundo parece ter lido A Riqueza das Nações.
Parece importar mais a retórica do que a realida- Como citou Eduardo Giannetti em artigo recente, “sua
de factual. Já escolhemos pelo menos três inimigos principal contribuição (…) foi mostrar em detalhes como
públicos sucessivos: o mercado, o BC, a privatização a interação das atividades de um sem-número de indiví-
da Eletrobras. Agora, Gabriel Galípolo, o discípulo duos e empresas, cada qual buscando apenas defender o
desenvolvimentista de Belluzzo, deve se tornar dire- que acredita ser o seu próprio interesse em um ambiente
tor do Banco Central. A Selic tende a cair no segundo competitivo, conduz à formação de um sistema governa-
semestre. Bingo! Temos a história já contada: “Foi só do por mecanismos de autocorreção, capaz de garantir,
Galípolo entrar para conseguirmos abaixar os juros!” por meio dos sinais de preço, uma alocação eficiente dos
Incorremos, assim, na falácia post hoc, propter hoc. recursos produtivos e o aumento da riqueza social”.
Sequenciamento temporal não implica causalidade. Talvez o Brasil tenha mesmo voltado, mas não por
A Selic vai cair porque as condições cíclicas e os fun- causa da maior intervenção do Estado na economia, e
damentos materiais permitem. sim apesar dela.

A expectativa
por queda da Selic
acontece, segundo
o governo, porque
o Brasil superou
uma administração
MIRAGEC/GETTY IMAGES

obscurantista.
Será mesmo?
maio de 2023 87
OPINIÃO
CLUBE DE REVISTAS
Conhecer a Turquia é uma experiência fascinan-
te. O legado da cultura do império turco-otoma-
no e a ligação do Ocidente com o Oriente são
nuances extremamente visíveis nas ruas turcas,
que conheci na última semana. A despeito de
suas particularidades históricas, a Turquia sofre
de problemas universais: inflação alta, desvalo-
rização cambial, polarização política, corrupção,
um terremoto que deixou 1,5 milhão de pessoas
desabrigadas e matou aproximadamente 50.000
turcos, fluxo de refugiados descontrolado da Sí-
ria e autoritarismo extremamente presente. Em
2023, esses temas foram alçados ao centro do de-
bate para a eleição presidencial. Apesar de inú-
meros problemas estruturais na gestão do país,
o presidente Recep Tayyip Erdogan quase foi re-
LEANDRO FONSECA

eleito em primeiro turno. A pergunta natural é:


por que Erdogan segue firme, mesmo diante de
um país em crise? E quais são as implicações para
o mundo, para o Brasil e para os investidores?
MAURÍCIO MOURA
Não custa lembrar da dinâmica da democracia
Sócio do fundo Zaftra,
da Gauss Capital, e professor eleitoral, que é simples: quando a economia vai
da Universidade George Washington mal, o incumbente sofre e perde popularidade,
e por consequência é “punido” nas urnas. Não é
o caso de Erdogan. Apesar de ter piorado em re-
lação ao desempenho eleitoral de 2018, o líder
turco alcançou mais de 49% dos votos válidos
e quase venceu no primeiro turno. Em segundo
lugar, o líder da oposição, Kemal Kilicdaroglu,
teve aproximadamente 2,6 milhões de votos a
menos. Um desempenho oposicionista excep-
cional quando comparado ao último pleito pre-
sidencial, mas que o coloca em uma posição mais
A POTENCIAL VITÓRIA DE ERDOGAN frágil para o segundo turno.
COLOCA A TURQUIA MAIS DISTANTE Nesse contexto, é importante esmiuçar os mo-
tivos da popularidade de Erdogan. O primeiro
DOS ESTADOS UNIDOS E DA EUROPA pilar é a aposta pesada no populismo econômi-
E MAIS PRÓXIMA DA RÚSSIA co (conhecido na Turquia como Erdonomics). Ao
contrário da governança macroeconômica bá-
sica, o presidente da Turquia escolheu, via polí-

A Turquia
tica, forçar uma queda das taxas de juro com a
inflação em constante alta. Um discurso de forte
apelo popular mas de controversa, para dizer o
mínimo, eficiência econômica. Além disso, o in-
cumbente apostou em distribuição de recursos
financeiros do Estado em políticas públicas de
eficácia bastante duvidosa. Criou um programa
de crédito imobiliário a juros irrisórios, imple-
mentou uma política de perdão de dívidas re-
cheada de critérios políticos, passou uma lei que

e o mundo
permitiu a 2 milhões de turcos antecipar a apo-
sentadoria, aumentou o salário mínimo em 94%
em janeiro e ainda deu um aumento de 45% aos
funcionários públicos nas vésperas do dia da vo-
tação. Nada melhor para anestesiar os efeitos da
inflação do que distribuir dinheiro.
Outro fator do populismo de Erdogan passa
pela narrativa pró-islâmica alimentada por ele.
O foco de sua comunicação é o eleitorado mais

88 exame.com
CLUBE DE REVISTAS
conservador do país, que fica fora dos grandes cen- projeto político autocrático. Do lado da economia,
tros urbanos e se sentia excluído pela elite secular vale observar as consequências de uma administra-
que governou a Turquia por décadas. Esse posicio- ção macroeconômica irresponsável, quando interes-
namento também pavimentou a narrativa necessá- ses político-eleitorais se sobrepõem ao manejo téc-
ria de um autocrata de alimentar a tese de um ini- nico das ferramentas de política monetária e fiscal.
migo constante a ser derrotado. No caso, Erdogan Para os investidores do mercado financeiro, o pri-
se coloca como o defensor das tradições islâmicas meiro turno da Turquia mostra como os mercados
contra o Ocidente que “quer desvirtuar” os valores precificam otimismo em relação a sua “preferência”
da família turca. Aliás, o tema “defesa de valores” é eleitoral. Algo recorrente na história recente em di-
central no posicionamento eleitoral da situação. Se- versos países. Por motivos óbvios, a expectativa de
gundo material de campanha do presidente, caso a uma vitória da oposição trazia um otimismo em re-
oposição vença, a Turquia passará a ser “dominada” lação ao futuro cenário econômico turco. Na véspera
pela comunidade LGBTQIA+. Qualquer semelhan- do primeiro turno, as pesquisas apontavam um ce-
ça com argumentos similares utilizados em outros nário apertado (com uma diferença marginalmen-
países não é mera coincidência. te positiva para Kilicdaroglu) e incerto. No final, os
Por último, para esse eleitorado mais conservador e votos antigoverno (a soma dos votos de Kilicdaroglu
também mais velho (acima de 50 anos especialmen- e o terceiro colocado, Sinan Ogan) superaram um
te), a manutenção do líder atual no poder representa pouco os votos do incumbente. Todavia, os mercados
estabilidade. Mesmo com tantas crises, parte do elei- estavam muito comprados em um êxito maior da
torado enxerga a Turquia como uma ilha de tranqui- oposição. Como gestores do Zaftra, da Gauss Capital,
lidade e segurança pública quando comparada aos primeiro fundo multimercado do mundo que tem
vizinhos do Oriente Médio. A campanha de Erdogan, como estratégia investir em ativos baseado em pro-
inclusive, especula (sem provas) que a oposição tenha jeções de eleições presidenciais, identificamos uma
ligações com terroristas curdos e com isso trará o caos evidente assimetria entre a probabilidade de vitória
caso venha a ganhar as eleições. de Erdogan e a expectativa do mercado.
Na geopolítica, a potencial vitória de Erdogan co- Portanto, uma combinação de populismo econô-
loca a Turquia mais distante dos Estados Unidos e da mico, bandeira de valores islâmicos e “estabilidade” é
Europa e mais próxima da Rússia. A relação política o pacote que mantém o presidente como o líder mais
instável com o Ocidente e a gestão diplomática per- popular da República da Turquia. No mundo, a Tur-
sonalista (baseada nos interesses políticos e particu- quia segue como um aliado instável, com democra-
lares de Erdogan) seguirão firmes. cia frágil, e os mercados seguem preocupados com
Para o Brasil, do lado da política, fica o alerta sobre a a economia em ruínas. O que não está em ruínas é o
fragilidade das instituições democráticas perante um império de Recep Tayyip Erdogan, que segue firme.

A eleição da Turquia mostra


como os mercados precificam
otimismo em relação a sua
“preferência” eleitoral,
mesmo com as pesquisas
mostrando equilíbrio
DANIEL GRIZELJ/GETTY IMAGES

maio de 2023 89
CLUBE CMO
CLUBE DE REVISTAS
No ano passado, a cada minuto a Livelo registrou
240.000 pontos resgatados e 300.000 pontos acumu-
lados. Em sete anos de vida, completados no próximo
mês de junho, a empresa conta com 40 milhões de
clientes e centenas de empresas parceiras em seu site
e app para acúmulo de pontos com compras online e
resgate de produtos, serviços e viagens. “Queremos es-
tar onde as pessoas estão, fazer parte do dia a dia dos
nossos cientes”, diz o CMO Daniel Pagano.
O executivo tem uma formação cada vez mais co-
mum na cadeira de marketing das empresas. Ele é
graduado em engenharia de produção pela Poli-USP
e possui MBA em administração de empresas pela
Ross School of Business da Universidade de Michi-
gan, nos Estados Unidos. Antes de chegar à Livelo, em
2019, ocupou cargos de gestão, entre eles o de CEO
da agência de recrutamento Kelly Services Brasil. Na
EDUARDO FRAZÃO

conversa a seguir, Pagano fala sobre os desafios do


marketing e do que está por vir. Sim, tem a ver com
inteligência artificial. Acompanhe.

DANIEL PAGANO Como você vê o marketing hoje comparado


É CMO E COO NA LIVELO
ao que foi nas décadas passadas?
Vejo dois elementos diferentes do que era no passado.
Hoje, antes de mais nada, é preciso traduzir a proposta
de valor da empresa, ter ressonância com a verdade,
com uma comunicação transparente. Outro ponto é a
orientação ao resultado, que talvez se contraponha a
um marketing mais inspiracional. Mais do que ganhar
prêmio em Cannes, é preciso gerar resultado, mostrar
o retorno sobre investimento. Para isso nos alimenta-
mos de dados. A gente brinca com a expressão “mate-
marketing”. No meu escopo eu tenho a parte de bran-
ding, growth e CRM. Participo desde a discussão dos
pilares de arquitetura de marketing até a roda do dia a
dia, as promoções para gerar resultado.

PARA DANIEL PAGANO, O MARKETING HOJE Hoje é mais fácil alguém com formação analítica
entrar para o marketing do que o contrário?
TEM DOIS DESAFIOS: A PERSONALIZAÇÃO Talvez não seja tão simples um profissional com a base
DO SERVIÇO E O USO ANALÍTICO DE DADOS. de comunicação complementar a formação analítica.
É impossível? De jeito nenhum. Você também preci-
E VÊM AÍ AS QUESTÕES LIGADAS sa se cercar de profissionais que tenham aquilo que
À INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL você não tem. Se não possui essas competências, tem
de trazer de fora. Mais do que fazer a comparação, eu
IVAN PADILLA diria que é sempre preciso reconhecer o desafio.

A era do “matemarketing”
90 exame.com
CLUBE DE REVISTAS
Como o marketing pode ajudar O que vem pela frente no marketing?
uma empresa na era do propósito? Existe um tema muito urgente que é a per-
É preciso ter uma leitura de ambiente, de contexto, de sonalização, a empresa ser capaz de falar
zeitgeist muito afinada. É ter um olhar externo cons- com cada indivíduo, mandar a mensagem
tantemente colocado a serviço do marketing. E ser adequada a cada um, no momento certo. E
muito realista, garantir o que de fato promete, que va- o uso de tecnologia para fazer isso. A inteli-
lor oferece, não ir além nem aquém. Se eu tenho preo- gência artificial vai mudar a forma como tra-
cupações socioambientais, elas precisam ser legítimas, balhamos no marke ting. Como será a parte
vir da cultura da empresa. Eu prefiro talk the walk a de criação quando formos capazes de gerar
walk the talk. À medida que eu faço, eu falo. O consu- imagens com prompts? Vamos ganhar capa-
midor está antenado, tem muita fonte de informação, cidade para fazer testes AB com algoritmos
questiona e cobra uma atitude condizente com o que a que dominamos? Se todo mundo usa uma
empresa diz que faz. O marketing tem essa função de mesma base de dados, com diferentes ver-
trazer a provocação para dentro da empresa. sões, onde vai estar o genuíno, o autêntico?
Vamos precisar entender que isso veio para
Como falar publicamente de ações afirmativas ficar e como isso vai mudar nosso negócio.
de forma legítima e sem parecer socialwashing?
O desafio passa por nós. Existe uma questão de valo-
res e cultura dentro da empresa. A Livelo preza pela
qualidade das relações, a evolução de cada profissio-
nal. Queremos que as pessoas estejam gozando aqui
do melhor momento de sua carreira. O marketing
está ancorado no propósito da marca, que emana
para a comunicação. Se você rompe a verdade, perde
consistência, e mais cedo ou mais tarde isso vai virar
uma discrepância visível.

A Livelo é uma empresa que depende de uma


comunicação muito assertiva para o consumidor
entender os benefícios do acúmulo de pontos.
Qual é o principal desafio?
Muita gente não entende o que é fidelidade. Como O Clube CMO é uma iniciativa
comunicar de forma simples e até lúdica o que ofe- da EXAME em parceria com
recemos? São dois desafios. Um é ser efetivamente a agência Zmes, com apoio
simples na nossa proposta de valor. E depois comu- da Associação Brasileira
nicar com efetividade. Recentemente lançamos uma
solução que é o resgate através de Pix. O cliente pode de Anunciantes (ABA). Trata-se
trocar pontos no estabelecimento que aceita Pix, em de um espaço seguro de troca
qualquer lugar, a qualquer momento. Trouxemos de conhecimento entre os líderes
com isso presença e simplicidade. Qual é o desafio a de marketing dos maiores
partir daí? É mostrar que a Livelo é para todos, que
está no seu dia a dia. Estamos entre as três principais
anunciantes do país, em eventos
empresas da categoria, mas temos o desafio de nos de relacionamento, encontros
fazermos mais conhecidos do que somos. de learning e viagens
de experiências
Você já teve um cargo de CEO
em uma empresa de outro segmento.
Como isso ajuda na cadeira de CMO? Quer saber mais?
Isso me ajuda a ter uma visão geral, a entender os
inputs, as necessidades, a integração do negócio, as HTTPS://LPS.EXAME.COM/
LPL-CLUBE-CMO-202305
implicações das decisões tomadas dentro da minha
área. A falar com o CFO para discutir o retorno sobre
investimento de uma iniciativa, com produtos, com
tecnologia. Em um momento de crise você se predis-
põe a tomar uma atitude de corte de despesa, ou por
outro lado argumentar como um investimento pode
ter impacto. Eu vivenciei antes toda essa orientação
a resultados, a uma base analítica, e agora consigo
trazer isso para a empresa.

maio de 2023 91
INFORME PUBLICITÁRIO CLUBE DEdisciplinas,
REVISTAS que exigirá mais um ano
de dedicação aos estudos, mas terá
também o diploma em Engenharia de

Engenharia: uma área de


Produção.
Outro destaque importante é que
a instituição está atenta às novas

grande potencial no Brasil dinâmicas do mercado, e evidencia e


aposta no potencial das áreas ligadas à
tecnologia e à inovação. Sendo assim,
com a recente inauguração do cam-
pus Faria Lima, o Ibmec agora tem em
São Paulo o curso de Engenharia de
Computação e o de Produção. Já no Rio
de Janeiro, oferece o curso de Engenha-
ria de Computação e o de Software.
“O mercado de tecnologia vive um
momento de destaque, com o surgimen-
to crescente de empresas, além de um
acelerado processo de transformação
digital, de modo geral, nas companhias
brasileiras. Com isso, entre as nossas
missões está a de formar profissionais
com sólida base técnica em temas como
computação e programação”, destaca
Nogueira.
Entretanto, o ensino de excelência
da instituição na área de engenharia não
está presente somente no eixo Rio-São
Paulo, mas inclui o mercado mineiro.
Ibmec oferece cursos com currículos fortemente O curso de Engenharia Civil do Ibmec,

voltados às áreas de tecnologia e inovação, além em Belo Horizonte, foi avaliado com
nota máxima (5) pelo MEC – Ministé-
de trilhas em energia e finanças. rio de Educação, no ano passado. Uma
posição privilegiada, figurando entre os
melhores cursos do Brasil. A unidade
No atual cenário globalizado e digi- Inclusive, para atender essa deman- também tem no seu portfólio o curso
tal, uma das áreas mais promissoras é da, o Ibmec oferece no Rio de Janeiro de Engenharia de Produção.
a de engenharia, já que a tecnologia e um curso de Engenharia de Produção Em todas as unidades do Ibmec, há
a inovação estão cada vez mais inseri- especialmente desenhado com uma trilha a presença de um Hub de empreende-
das no dia a dia das pessoas. De acordo obrigatória em finanças. O curso tem dorismo, em que os alunos fazem parte
com o relatório “O futuro do trabalho como público-alvo os estudantes que de um programa de inovação aberto,
pós-Covid”, produzido pela McKinsey pretendem atuar em áreas corporativas, participando ativamente de desafios
Global Institute, as ocupações STEM – no mercado de capitais e em startups. de negócios. Da mesma forma, podem
sigla em inglês para ações em ciência, Nas unidades de São Paulo e Belo fazer parte das empresas juniores, o que
tecnologia, engenharia e matemática – Horizonte, os conteúdos de finanças possibilita o contato com a prática pro-
serão mais demandadas agora do que são oferecidos como atividades extras, fissional ainda na faculdade.
antes da pandemia. em contraturno, que complementam a Confira mais informações por meio
Nesse contexto, os cursos de enge- formação em finanças para alunos que do site, apontando a sua câmera para
nharia estão entre os mais procurados possuam interesse. o QR Code abaixo.
pelos estudantes, devido à variedade Ainda no Rio de Janeiro, há ou-
da área e aos salários atrativos. Segun- tro curso com um grande diferencial, Saiba mais:
do dados do Caged – Cadastro Geral de a graduação de Engenharia Mecânica,
Empregados e Desempregados –, di- que conta com uma trilha em energia.
vulgados pelo Ministério da Economia, “Essa nova estrutura curricular permite
essa valorização deve-se aos bons ren- ao estudante bastante conhecimento
dimentos do setor financeiro. nessa área, porque incluímos disciplinas
Para quem tem interesse em atuar que abordam desde geração de energia
nesse setor, um dado interessante é a até gestão de eficiência energética”,
possível atuação do engenheiro no mer- explica Nogueira.
cado financeiro. Reginaldo Nogueira, Além disso, o diretor sênior do
diretor sênior do Ibmec, ressalta que a Ibmec complementa dizendo que, como
instituição identificou a área como uma esses dois cursos de Engenharia no Rio
das mais promissoras para o curso de de Janeiro têm sinergia, o estudan-
Engenharia de Produção. te de Mecânica poderá incluir outras
CLUBE DE REVISTAS

RICARDO CARVALHO MODA


→ Quiet luxury

GOLFE DEPOIS
para todos
os bolsos

VIAGEM

DO EXPEDIENTE
LEANDRO FONSECA

→ Um tour
pela melhor
vinícola
do mundo
CASUAL CLUBE DE REVISTAS

P
rovavelmente o No condomínio em Itu, morado-
futebol é o espor- res e visitantes podem ser sócios
te mais praticado do clube ou pagar o day use.
entre funcioná- “Parece um esporte chato de
rios após o expe- ver, não é um jogo muito dinâ-
diente de trabalho. Do estagiário mico, como basquete ou fute-
ao CEO, o amistoso depois do bol, mas para quem joga é uma
expediente costuma agradar a terapia. O seu maior adversário
públicos de todos os cargos, de é você mesmo. Apesar de jogar
diferentes idades. Mas não na com outras pessoas, você não
Alcoa. Na sede da empresa de está competindo. É sempre so-
mineração, em Poços de Caldas, bre melhorar a sua performan-
interior de Minas Gerais, a prá- ce”, explica. “Se estiver tenso,
tica escolhida era outra nos anos nervoso, não vai jogar bem.
1980: o golfe. À primeira vista, Você tem de relaxar, abrir a ca-
Ricardo Carvalho, então funcio- beça. E o esporte tem um am-
nário da companhia, resistiu ao biente propício para isso, com a
jogo, que considerava um espor- natureza ao redor.”
te elitista. “Até o dia que comecei Ainda que seja um espor-
a jogar, gostei e passei a encon- te para se desligar do trabalho,
trar meus colegas no fim de se- muitas vezes as idas ao campo
mana para jogar”, conta. acabam em negócios. “São 18
Carvalho acaba de deixar o buracos oficiais, mas há o 19o
cargo de CEO da Companhia buraco, que é no bar, ao fim da
Brasileira de Alumínio e hoje é partida”, brinca Carvalho sobre
presidente do conselho de ad- os momentos de confraterni-
ministração. O golfe continuou zação após os jogos. “Você passa
presente em sua rotina em todas 4 horas com três pessoas, e já
essas décadas, a ponto de in- aconteceu comigo de conhecer
fluenciar na escolha de sua casa. gente nova com oportunidades
Em 2019, o executivo e a esposa, de negócios em comum. As qua-
Thais Araujo Carvalho, se muda- tro bolinhas vão estar em algum
ram para Itu, a 100 quilômetros lugar a uns 200 metros no cam-
de São Paulo. No condomínio po. Nessa caminhada, seja no Condomínio Terras
Terras de São José Golfe Clube há carrinho, seja andando, há muita de São José Golfe Clube,
em Itu: campo de 650.000
um campo de golfe de 650.000 oportunidade para conversar. O metros quadrados
metros quadrados, onde o casal
pratica aos fins de semana. Além
dos carros na garagem, há outro
veículo: um carrinho de golfe
para circular pelo campo. CAPA
“Se eu passasse 5 horas jo-
gando no sábado e no domingo,
mais o trabalho durante a se- Ricardo Carvalho, da Companhia Brasileira
mana, complicaria o meu casa-
mento. A minha estratégia foi
de Alumínio, gosta tanto de jogar que escolheu
apresentar o esporte a ela quan- sua casa por causa do hobby
do morávamos em Singapura”,
conta Carvalho. No país asiático, JÚLIA STORCH
a diversão do casal aos fins de
semana era conhecer diferentes

Golfe no
gramados. “Ainda que seja uma
cidade-estado pequena, com
pouco mais de 5 milhões de ha-
bitantes, há mais de 27 campos
de golfe por lá.” No Brasil são
mais de 100 campos, segundo a
Confederação Brasileira de Golfe.

94 exame.com
CLUBE DE REVISTAS
DO AMADOR
AO EXPERIENTE
Cinco dicas para
quem já pratica ou
quer começar no golfe

→ INÍCIO BÁSICO
“Você não precisa
comprar uma bolsa de
golfe para começar a jogar.
Clubes e professores
podem alugar ou emprestar
os equipamentos
necessários”

→ SEM LIMITE
“Você pode começar
a jogar com qualquer idade,
basta ter mobilidade”

→ RECICLAGEM
“Recomendo ter aulas
no início, mas também
chamar um professor,
mesmo quando estiver
em um nível mais
avançado, para aulas
de reciclagem”

→ JOGO PELO JOGO


“Saia do campo sempre
melhor do que você entrou
em termos de astral.
Não se cobre por
tacadas ruins”

→ BOAS RELAÇÕES
LEANDRO FONSECA

“Aproveite a
oportunidade
de conhecer pessoas
diferentes e conversar
sobre assuntos diversos”

golfe é conhecido mundialmen- tacadas, além de prática é preci- receita líquida de 8,8 bilhões de
te por ser uma oportunidade de so ter estratégia. “Há um riacho reais em 2022. Carvalho mantém
networking. Meu filho, que mora no campo. Quem não conhece a busca pela perfeição tanto no
nos Estados Unidos, também co- bem o gramado pode acabar per- trabalho como nas tacadas. “Tem
meçou a jogar lá e já fez dois ou dendo a bolinha na água, então dia que você não está bem e dá
três amigos assim.” é preciso calcular se sua tacada tacadas horríveis, mas de repente
Com décadas de prática, o deixará a bola antes do riacho ou consegue dar uma tacada como
handicap do executivo é +22, ou se você prefere se arriscar e ten- um profissional. Na hora em que
seja, são necessárias mais de 22 tar ultrapassar a água.” acertamos essa, brincamos ser o
tacadas para além das 72 míni- A Companhia Brasileira de motivo de voltar a jogar”, conta
mas necessárias para que Carva- Alumínio é uma das maiores do rindo. “Mas, acima de tudo, o golfe
lho termine a partida nesse cam- segmento na América Latina. Per- para mim é uma terapia, um local
po. Para diminuir o número de tence à Votorantim e teve uma de convivência e interações.”

quintal de casa maio de 2023 95


CASUAL CLUBE DE REVISTAS
VIAGEM Do alto da colina, em meio a um
passeio a cavalo, a possibilidade de

O VINHO É
contemplar o vinhedo, a casa principal
da estância e o riacho que corre com a
água de degelo da Cordilheira dos An-

SEU GUIA
des. Quem guia os visitantes entre as
montanhas e os vinhedos é Walter Sci-
bilia. O gaúcho de bombacha, cachim-
bo e lenço no pescoço, conta que estu-
Uma visita à Zuccardi, eleita por três anos dou um pouco de agronomia e sobre
consecutivos a melhor vinícola do mundo o cultivo das uvas. Então, inspirado no
turismo rural da França, há 20 anos ele
MARIANA GRILLI, DE MENDOZA recebe pequenos grupos que podem

LUCAS ATTORI/GRUPO ZUCCARDI/DIVULGAÇÃO

U
m bom vinho conta se hospedar em um dos cinco quartos
a história de onde as disponíveis aos turistas. “Um local para
uvas foram produzidas. mostrar a história de uma família sim-
Mas e se for possível ples, do campo, que aprendeu a viver
viver uma experiência na natureza. Por isso a essência é rece-
imersiva, com vista ber os turistas como se fossem da fa-
para os vinhedos? E ainda degustar mília, com uma boa taça de vinho em
empanadas fresquinhas, mix de legu- frente à lareira”, diz.
mes e cogumelos cozidos em forno a Produzido localmente, a 1.700 me-
lenha e um churrasco feito na foguei- tros acima do nível do mar, o vinho
ra? Essa é a proposta do enoturismo oferecido aos visitantes leva o nome
em Mendoza, na Argentina. Mais es- de “Um Lugar nos Andes”, resultado de
pecificamente na Estância San Pablo, uma parceria entre Scibilia e Sebastián
em Tupungato, no Valle de Uco. Zuccardi, viticultor e diretor da vinícola

96 exame.com
CLUBE DE REVISTAS
lia Zuccardi. Entusiasta do enotu-
rismo, Zuccardi conta que abriu as
portas ao público externo em março
de 2016, a fim de compartilhar com
os visitantes a forma como a riqueza
geográfica faz parte de cada uva co-
lhida e, posteriormente, engarrafa-
da. Localizado em Paraje Altamira,
o restaurante valoriza ingredientes
locais e se torna um ambiente acon-
chegante para degustar boa comida
e bons vinhos, além de conhecer a
produção de azeites da Zuccardi.
Nesse cenário de montanha e vinhe-
dos, é possível desfrutar um menu
de quatro passos harmonizado com
vinhos da casa.
Àqueles que desejam mergulhar
ainda mais no processo de produção
da bebida é possível agendar uma
visita guiada aos vinhedos e à ade-

LUCAS ATTORI/GRUPO ZUCCARDI/DIVULGAÇÃO


ga, planejada para ser o eixo central
que conecta as áreas operacionais. No
subsolo, a cave circular guarda precio-
sas garrafas ao entorno de uma pedra
gigante, no meio da adega, simboli-
zando a formação geológica dos solos
com muitas pedras, rochas e calcário.
É a imagem literal da pedra infinita.
Os tanques de vinho em concreto
e madeira também podem ser vistos
de perto. “O concreto possibilita que
Vinho Botánico Chardonnay, vinhos, não são vendidos. Um dos o vinho seja transparente, ou seja, não
da Zuccardi: intensidade
dos locais de altitude exemplos é a compota de pêssego, aporte nem aroma nem sabor exter-
cujos processos de colheita, manufa- no, sendo fiel ao sabor da uva”, explica
tura e envasamento são todos feitos Zuccardi durante o tour. O processo
na estância. “São pêssegos frescos e de vinificação em concreto também
ecológicos, sem conservantes, para faz com que as variações de tem-
proporcionar o genuíno sabor da fru- peratura externa não interfiram na
Passeio a cavalo na
Estância San Pablo: visita ta no campo. Todos os produtos aqui bebida, assim como há menos inter-
aos vinhedos e hospedagem são nosso estilo de vida, então com- ferência do oxigênio em comparação
partilhamos com quem vem passar ao processo feito na madeira.
alguns dias conosco”, diz Scibilia. Mendoza é responsável por 70%
Degustação, hospedagem, cavalga- dos vinhos produzidos na Argentina,
da e todas as refeições saem entre 200 que saem dos 150.000 hectares de vi-
Zuccardi, vencedora por três anos e 250 dólares por noite. As garrafas de nhedos. De acordo com a Secretaria
consecutivos do The World’s Best Pinot Noir e Malbec, produzidas em de Turismo de Mendoza, a indústria
Vineyards, entre 2019 e 2021, que pequenos lotes de 1.200 unidades, vinícola gera 50% das exportações
aponta a melhor vinícola do mun- podem ser degustadas ao longo da totais da província e 80% das expor-
do. No Brasil, a Zuccardi é distribuí- hospedagem sem custo adicional e tações de vinhos do país. Ao todo, a
da exclusivamente pela Grand Cru. levadas para casa pelo valor médio de cidade conta com 800 vinícolas em
Com aromas florais e a intensidade 190 dólares. Mas é importante se pla- atividade, sendo 150 delas abertas ao
encontrada em locais de altitude, a nejar, pois a vivência quase singular visitante. O aeroporto local recebe
uva local desenvolve sabores sob a na Estância San Pablo fica suspensa voos diários de São Paulo. Com tan-
influência da montanha, da ampli- durante os três meses de inverno. tas opções entre rótulos, gastronomia
tude térmica e das ervas naturais Aos amantes do vinho que estive- e paisagens, quando for à Argentina,
que compõem o ambiente. rem na região do Valle de Uco, outra deixe o vinho ser o seu guia.
Os produtos que são servidos parada no roteiro é o restaurante
durante a estadia, com exceção dos Piedra Infinita, também da famí- A repórter viajou a convite da Grand Cru

maio de 2023 97
CASUAL CLUBE DE REVISTAS

C
alça de sarja, camiseta de dez até o fim do ano. “Temos de
algodão, jaqueta bomber. tudo, em modelagens estendidas
Tudo com tecidos de qua- e com bom preço. Nossa capaci-
lidade, bom acabamento, dade é de chegar a 400, 500 lojas,
sem logotipo aparente. com faturamento de 3 bilhões de
Essa é uma combina- reais”, diz o executivo.
ção que poderia definir o chamado quiet Esse é um tamanho parecido
luxury, a palavra do momento no merca- com o da Hering, que terminou
do de moda. Trata-se de um novo termo 2022 com 789 lojas e receita bru-
para um movimento recorrente, a valori- ta de 2,3 bilhões de reais. “Não
zação da elegância sem estridência. Esse é entendo que somos concorren-
também um figurino-padrão da Simples tes, talvez apenas no mercado
Reserva, marca do grupo Arezzo&Co que, endereçável”, diz Gabriel Zan-
ao contrário do estilo discreto apregoado, domênico, diretor de marcas
deve fazer bastante barulho. do Grupo Reserva. “Somos uma
marca popular, no bom senti-
do. Temos de jeans a vestido de
malha, tudo o que uma pessoa
precisa ter no armário, mas com
MODA muita vida. Possuímos uma capi-
laridade enorme e potencial para

CADÊ O
estar em todos os cantos do país.”
A Simples tem 70% de sua
grade composta de itens contí-

LOGOTIPO?
nuos. São as camisetas e polos,
por exemplo, que giram a cada
ano, com pequenas melhorias
de acabamento. Os itens po-
A Simples, marca democrática de sicionais ocupam 20%. São as
mesmas peças, mas com uma
básicos da Reserva, abre loja física e cor mais quente para o verão ou
tem meta de faturar 50 milhões de mais fria para o inverno. E 10%
são os produtos modais, como
reais neste ano. Entenda o que isso uma camiseta de tricô, uma
tem a ver com o quiet luxury camisa polo atoalhada, uma ja-
queta puffer, roupas com mais
IVAN PADILLA
informação de moda, mais liga-
das às tendências das passarelas.
A paleta de cores da Simples é
ampla. Estão lá tons mais alegres
A Simples Reserva foi lançada como e sazonais, mas também o azul, o
marca própria há oito meses e está abrin- preto e o cinza, que andam apa-
do sua primeira loja física no fim de maio, recendo nas últimas semanas in-
no Barra Shopping, no Rio de Janeiro. Por ternacionais de moda. Aqui entra
que isso é importante? Porque a expecta- a intersecção da marca com o
tiva do grupo é que ela se torne a grande quiet luxury, esse luxo silencioso,
marca de básicos do Brasil. Em sua gra- uma moda dominada por peças
de estão peças suficientes para dar conta lisas e de boa qualidade, que sus-
do guarda-roupa masculino, feminino e surra e não grita. “Menos austero
infantil. Em estampas lisas, a preços de que o minimalismo e mais po-
entrada. Até o mês passado o único canal lido que o normcore, a roupa de
de vendas era o site. Agora teve início um ficar em casa”, na definição da
agressivo plano de expansão. revista Vogue americana.
A ideia é que até o fim do ano a marca Como sempre acontece na
esteja em 1.000 multimarcas pelo país e moda, trata-se de um reflexo do
com faturamento de 50 milhões de reais. momento, do zeitgeist. A pan-
Segundo João Vítor Assunção, CEO da Sim- demia exigiu roupas mais ver-
ples Reserva, o plano é abrir o maior nú- sáteis, que resolvessem a busca
mero de lojas em bons pontos, se possível pelo conforto no lar e ao mesmo

98 exame.com
CLUBE DE REVISTAS
tempo cumprissem a etiqueta
corporativa nas reuniões pelo
Campanha da Simples: com Zoom. O retorno imediato à vida
peças básicas a preços nas ruas, nos encontros e nas
acessíveis, a marca
enxerga potencial de
noites viu uma breve aparição de
estar em 500 pontos de cores fortes, estampas ousadas e
venda por todo o Brasil cortes que valorizam a pele. Um
pouco do que acontecia até 2020.
Desta vez, durou pouco. O temor
de uma crise econômica e a preo-
cupação com o ambiente trouxe-
ram novas formas de expressão.
Não tão novas assim, na verda-
de. O mesmo fenômeno aconte-
ceu depois da recessão de 2008,
quando ostentar logomarcas
tornou-se quase uma afronta.
Nesses momentos, grifes como
Loro Piana, Brunello Cucinelli e
Hermès sobem na preferência
dos fashionistas O figurino da
série Succession segue essa carti-
lha. Com bonés de cashmere que
custam 5.000 reais, a família Roy
virou exemplo de elegância, mais
pelas roupas do que pelas atitu-
des. Em um esperto movimento
de marketing, a Zegna contratou
Kieran Culkin, o Roman, como
garoto-propaganda.
Mais do que apenas seguir
uma onda do mercado, as marcas
vêm sendo policiadas para aderir
à discrição. Na conferência de re-
sultados do primeiro trimestre
do LVMH, o CFO Jean-Jacques
Guiony teve de responder de que
forma a tendência poderia im-
pactar o grupo. Como de praxe,
as tendências são ditadas pelo
mercado de luxo, mas marcas de
entrada seguem o caminho. Afi-
nal, se o quiet luxury é um mo-
vimento de reação à opulência,
não faz sentido que fique res-
trito a grifes exclusivas. Lá fora,
Everlane, COS e M.M.LaFleur são
etiquetas lembradas por oferecer
qualidade a preços acessíveis.
Com peças que vão no máxi-
mo a 379 reais, e preço médio
inferior a um terço desse valor,
a Simples Reserva desponta jus-
tamente neste momento de va-
lorização dos básicos. “Acredito
na simplicidade na moda”, diz
Zandomênico. “Nossas roupas
DIVULGAÇÃO

trazem elegância, mas não fa-


lam mais do que os usuários.”

maio de 2023 99
CASUAL CLUBE DE REVISTAS
Elizabeth Taylor
em Cleópatra:
joias da linha
nas imagens
de divulgação
do filme

SILVER SCREEN COLLECTION/GETTY IMAGES

C
LUXO onsta que Cleópatra,
a última governante
do Reino Ptolemaico,

ÍCONE EM morreu com uma po-


mada tóxica ou com
um instrumento afia-

MOVIMENTO do. As fontes são historiadores gre-


gos e romanos, como Plutarco e Es-
trabão. A cultura popular conta uma
versão melhor. A rainha egípcia teria
O arquétipo da cobra como símbolo de se suicidado com uma áspide, uma
espécie de cobra, em meio à dispu-
renovação é a inspiração da linha Serpenti, ta entre Augusto e Marco Antônio
da Bvlgari, que completa 75 anos pelo controle do Império Romano.
A maior representação nas artes da
IVAN PADILLA morte de Cleópatra por uma picada

100 exame.com
CLUBE DE REVISTAS
Peças da coleção A campanha
Serpenti: referências
à renovação de aniversário da
Serpenti traz ima-
gens de mulheres
de diferentes épo-
cas, em que suas
venenosa foi de Elizabeth Taylor, peles se envolvem
no filme épico de 1963. até se tornarem
Em imagens de bastidores de uma só, da du-
divulgação do filme, Taylor apare- pla de fotógrafos
ceu com um relógio em forma de Scandebergs. Uma
serpente. Logo surgiram boatos de metamorfose esti-
que a peça teria sido um presente lística, que repre-
de seu par romântico no filme, Ri- senta a evolução
chard Burton, com quem ela se ca- da mulher e sua
saria mais tarde. Outra versão diz autodetermina-
que a joia teria sido parte do paga- ção. As peças na
mento do estúdio pelo filme, o de linha são presen-
maior bilheteria do ano — apesar ça constante nos
de ter ficado no prejuízo devido tapetes vermelhos
aos altíssimos custos de produção de premiações e
para a época. celebrações, nos
A joia usada pela atriz era da pulsos de celebri-
coleção Serpenti, da Bvlgari, que Nos anos 1960 as escamas da pulsei- dades como Charlize Theron, Alicia
celebra agora 75 anos. Lançada no ra passaram a ser articuladas com a Vikander, Naomi Campbell e Zendaya.
pós-Segunda Guerra, a linha de ajuda de pedras preciosas e esmaltes A cobra é um elemento presente
joias e relógios gira em torno do ar- coloridos. Nessa época a maison criou nas artes, entre pintura e fotografia,
quétipo da cobra como símbolo de os primeiros relógios-joia secretos moda e design, em obras de Miró,
renovação. “As criações emblemáti- Serpenti, com mostrador escondido Paul Klee, Alexander Calder, Niki de
cas da Serpenti transmitem empo- dentro da cabeça da cobra. Saint Phalle, Keith Haring, Robert
deramento. Expandiram os limites Cores e materiais não conven- Mapplethorpe, Helmut Newton e
da joalheria, refletindo o espírito cionais, além de esmaltes e outras muitos outros. Como forma de per-
de mulheres confiantes e entrando pedras preciosas, passaram a fazer petuar esse legado, a Bvlgari lançou
no mundo da arte por meio de co- parte das combinações. “Reinterpre- a chamada Fábrica Serpenti, uma
laborações criativas empolgantes. tar a linha Serpenti sem alterar sua iniciativa artística com foco na cobra
Foi e é o ícone definitivo da Bvlgari identidade é um desafio inspirador”, como uma fonte de produção criati-
de metamorfose sem fim”, diz Jean- diz Lucia Silvestri, diretora criativa va. O projeto inclui colaborações es-
-Christophe Babin, CEO da Bvlgari. de joias da Bvlgari. “Foi esse equilí- peciais entre a Bvlgari e artistas con-
As primeiras criações Serpenti brio perfeito entre sua herança e a temporâneos internacionais, como
foram apresentadas em 1948 como evolução da criatividade que tornou Refik Anadol, Davide Quayola, Daniel
relógios-joia para serem enrola- o ícone verdadeiramente atemporal e Rozin, Sougwen Chung e Cate M.
dos no pulso, com o mostrador em sempre em sintonia com os tempos.” As peças da Serpenti têm valor pela
forma ovalada, como exclusividade. No site brasileiro da
símbolo da cabeça de marca os valores partem de 35.000
uma cobra. Uma ino- reais e chegam a declarados 252.000
vação então foi a pul- reais — os relógios mais trabalhados
seira trabalhada em em pedras preciosas, porém, apare-
uma técnica chamada cem com preço sob consulta. Uma das
tubogas, uma faixa joias de maior destaque da coleção é o
tubular flexível de colar Serpenti Alta Joalheria com brin-
metal sem solda. Nos cos combinando, chamado Serpenti
anos 1950 a serpente Blue Heaven, com duas cobras entre-
Bvlgari começou a se laçadas, lançado para a celebração de
mover para um estilo aniversário. Trata-se, mais uma vez,
mais figurativo, com de uma simbologia do poder regene-
uma cabeça precio- rativo da serpente pela capacidade de
FOTOS: DIVULGAÇÃO

sa embelezada com trocar de pele, novas representações


olhos de rubi, esme- de uma linha icônica que está sempre
ralda ou diamante. mudando para manter sua essência.

maio de 2023 101


CASUAL CLUBE DE REVISTAS

C
a r b o n o, te m p e - Diamante sintético:
mesmas propriedades
raturas extrema-
mente altas e mui-
ta pressão. Esses
são os elementos
básicos para o turais. Sua dureza, seu brilho e sua
nascimento de um diamante na clareza são indistinguíveis dos na-
natureza. Há outro item impor- turais”, afirma Luiz Antônio Silvei-
tante: o tempo. Nesse caso, deve- ra, gemólogo do Gem Lab, empresa
mos considerar alguns milhões de de avaliação de pedras.
anos na receita. Mas não há mais Mas há quem se mantenha con-
por que esperar. Em laboratórios servador diante da novidade. Gri-
de empresas como as americanas fes como Bvlgari e Cartier olham
Diamond Foundry e De Beers, é com ressalvas para a inovação e
possível obter uma gema de igual defendem a visão de que apenas
cintilar em apenas dois meses, de os diamantes naturais são dignos
forma sustentável e sem o custo de fazer parte do exclusivo mundo
ambiental causado pela minera- do luxo. Para o Natural Diamond
ção de pedras preciosas. Council, órgão representativo da
Existem algumas formas de indústria, somente os diamantes
chegar a um diamante de labora- naturais são valiosos, raros e pre-
tório. Um dos métodos, conhecido ciosos, enquanto os cultivados em
como deposição química de vapor laboratório são apenas substitutos
(CVD), envolve a deposição contro- baratos, com valor estritamente li-
lada de uma fina camada de car- gado aos custos de produção.
bono sobre um substrato por meio Embora a técnica de fabricação
de reações químicas. À medida que não seja uma descoberta recente
o carbono se acumula, os átomos — diamantes artificiais são usados
se organizam de forma cristalina, no setor industrial desde a década

JOIAS

BRILHO ARTIFICIAL
Diamantes sintéticos ganham destaque nas coleções
e trazem novas possibilidades para as marcas de luxo
ANDRÉ LOPES

resultando em um diamante. Já no de 1990 — o investimento do gru-


método HPHT, uma sigla em in- po LVMH no valor de 90 milhões
glês para cristalização do carbono, de dólares na startup israelense
ocorre uma imitação acelerada das de diamantes cultivados em la-
condições naturais, transforman- boratório Lusix mostra que esse
do um material carbonizado em poderá ser o caminho do merca-
um lindo cristal. do. Trata-se, afinal, do maior con-
O resultado é impressionante glomerado de luxo do mundo. A
até mesmo para especialistas. “Dia- previsão é que as pedras artificiais
mantes artificiais possuem as mes- incrementem em breve em 15% as
mas propriedades físicas, ópticas e receitas do mercado joalheiro, de
químicas de seus equivalentes na- 85 bilhões de dólares.

102 exame.com
CLUBE DE REVISTAS

UNIVERSAL EDUCATION/UNIVERSAL IMAGES GROUP/GETTY IMAGES

Um primeiro olhar sobre o que a inovação garante novas pos- joias com diamantes cultivados
que a Lusix é capaz de fazer veio sibilidades. “Usamos o que há de em laboratório. A Chopard, em-
pela TAG Heuer, marca do grupo diferente e inerente a essa tecno- penhada em reduzir o impacto
LVMH, que lançou em abril o Car- logia, permitindo-nos novas for- ecológico causado pela mineração,
rera Plasma, o primeiro relógio mas e texturas. Continuaremos a também adotou as gemas em suas
com diamantes incrustados culti- oferecer peças cravejadas de dia- criações. A Tiffany & Co., famosa
vados em laboratório, ao preço de mantes naturais”, disse o executi- por seus anéis de noivado, lançou
360.000 dólares. Na apresentação vo e herdeiro. a coleção Tiffany True em 2019,
do produto, Frédéric Arnault, chefe Com mais a perder, marcas que apresenta opções com dia-
da marca e filho do CEO da LVMH, como a Swarovski, reconhecida mantes artificiais ao lado das ge-
Bernard Arnault, afirmou que não por seus cristais, lançou a coleção mas naturais, uma tendência que
se trata de uma substituição, mas Created Diamonds, oferecendo logo estará lapidada.

maio de 2023 103


CASUAL CLUBE DE REVISTAS

TIMOTHY A. CLARY/AFP/GETTY IMAGES


Apresentação para a imprensa da exibição Karl Lagerfeld: A Line of Beauty,
no Metropolitan Museum of Art de Nova York: o Kaiser preferia chamar exposições de ensaios

CULTURA

Do croqui ao museu
Karl Lagerfeld não era um fã de retrospectivas. Por ironia, neste ano será
tema de uma grande mostra no Metropolitan, em Nova York
JÚLIA STORCH

C
abelo preso em um rabo assistente de design na Balmain e dire- da moda com entrevistas com colabora-
de cavalo, óculos escu- tor artístico da Jean Patou, onde conti- dores que nunca falaram antes, como
ros, camisa branca e lu- nuou a refinar seu estilo único de dese- seu guarda-costas, um vizinho, o médi-
vas nas mãos. É assim nho, até sua coleção final, em 2019. co, a sobrinha que Lagerfeld não via há
que o estilo de Karl La- Também estarão em exibição mais 50 anos, além da babá e de sua amada
gerfeld é lembrado. Conhecido como o de 150 roupas acompanhadas dos es- e suposta herdeira, a gata Choupette.
homem que sucedeu a Coco Chanel na boços feitos por Karl Lagerfeld. “A ex- Com tanta história para contar, o
histórica maison francesa, o estilista posição vai explorar a complexa meto- Kaiser da moda aprovaria a retrospecti-
alemão é o homenageado deste ano no dologia de trabalho de Lagerfeld, tra- va de seu trabalho? Em 2005, Lager-
Costume Institute do Metropolitan, em çando a evolução de sua moda de bidi- feld não deu as caras quando o Cos-
Nova York, com a mostra Karl Lager- mensional para tridimensional”, conta tume Institute fez uma mostra para a
feld: A Line of Beauty. Andrew Bolton, curador encarregado do abertura do desfile da Chanel. “Não
Falecido em fevereiro de 2019, aos 85 Costume Institute. “As linhas fluidas quero ver todos aqueles vestidos ve-
anos, Lagerfeld não era um grande fã de de seus esboços são comuns aos de- lhos”, disse depois ao jornal The Times.
retrospectivas. Ele acreditava que a mo- signs para Chanel, Chloé, Fendi, sua Para o evento deste ano, Bolton disse
da pertence às ruas, e não aos museus. marca homônima, Karl Lagerfeld, e Pa- ao The New York Times que achou pru-
Mais do que as coleções que criou ao tou. Seu trabalho foi diverso e prolífico, dente chamar a exposição de ensaio.
longo das décadas, a mostra apresenta sem paralelo na história da moda.”
a metodologia de trabalho de Lagerfeld, O designer alemão também é tema do
com galerias que exploram desde acon- documentário da BBC The Mysterious Mr KARL LAGERFELD: A LINE OF BEAUTY
tecimentos do início da carreira, como o Lagerfeld, lançado no fim de abril. Dirigi- COSTUME INSTITUTE
Prêmio Internacional Woolmark em da por Michael Waldman, da Inside Dior, ATÉ 16 DE JULHO DE 2023
1954, aos 21 anos, sua trajetória como a produção tenta desmistificar a lenda

104 exame.com
CLUBE DE REVISTAS

LIVRO
Escritos
do cárcere

Após ganhar exposições


no Masp e em Inhotim,
o político, ativista,
escritor, ator, diretor
de teatro, jornalista
e professor Abdias
Nascimento terá um
manuscrito inédito

DIVULGAÇÃO
DIVULGAÇÃO
lançado pela Companhia
das Letras. Os escritos
A cantora Pitty: homenagem no festival Turá
de Submundo foram
produzidos no início
dos anos 1940, durante
seu período como SHOWS
detento no Carandiru,
e são um retrato da Pequenos grandes
encontros
mentalidade de uma SUBMUNDO,
época e da trajetória ABDIAS NASCIMENTO
política e intelectual 64,90 REAIS
de um dos maiores COMPANHIA DAS LETRAS São Paulo recebe em junho, pela segunda
pensadores brasileiros LANÇAMENTO EM 30 DE MAIO vez, os festivais Turá e Mita
do século 20.
JÚLIA STORCH

Jorge Ben Jor, Zeca Pagodi- vidará Sandra de Sá para o


nho, Gilberto Gil & Família, show Samba de Maria, com
MÚSICA Sandra de Sá, Lana Del Rey e canções do seu repertório,
Florence and the Machine se- como Tá Perdoado e Corpo Só.
Retrospectiva
rão alguns dos artistas que Já o Mita Festival, sigla
disco
vão se apresentar em São para Music Is The Answer,
Com cinco Grammys Paulo em junho, mês marcado chega a São Paulo para dois
e o título de Rainha por dois festivais até então dias de apresentações no Va-
da Disco Music, Donna pequenos, mas que se conso- le do Anhangabaú após pas-
Summer é o tema deste lidam na agenda da cidade. O sagem pelo Rio de Janeiro.
documentário. Dirigida Turá segue no mesmo local do Os artistas se dividirão entre
pelo cineasta Roger ano passado, no gramado do o palco nacional e o interna-
HARRY LANGDON/GETTY IMAGES

Ross Williams, com Parque Ibirapuera. Em sua es- cional. No line-up estão no-
a parceria de Brooklyn treia, mais de 25.000 pessoas mes como Lana Del Rey, Flo-
Sudano, filha de Donna compareceram ao evento. Pa- rence and the Machine e as
Summer, a produção se ra este ano, o evento será irmãs Haim, além dos brasi-
aprofunda na trajetória marcado por encontros entre leiros Duda Beat e Djonga.
da artista icônica e cantores como a paraense Jo-
mostra como sua voz elma e a paulistana Mariana
a levou da cena musical Aydar, Céu e Marcelo D2 juntos MITA FESTIVAL
de vanguarda da na turnê de 20 anos do álbum VALE DO ANHANGABAÚ,
Alemanha ao sucesso Admirável Chip Novo, de Pitty, SÃO PAULO
LOVE TO LOVE YOU,
3 E 4 DE JUNHO
DONNA SUMMER nas boates de Nova York. e pelo espetáculo Nós, A Gen-
TURÁ
DISPONÍVEL NA HBO A produção inclui te, que também será apresen- PARQUE IBIRAPUERA,
E HBO MAX fotografias e vídeos tado pela primeira vez por Gil- SÃO PAULO
caseiros nunca vistos. berto Gil & Família. Além des- 24 E 25 DE JUNHO DE 2023
tes, a cantora Maria Rita con-

maio de 2023 105


SANTÉ CLUBE DE REVISTAS
Quais são os pilares de uma boa carta de
vinhos? Conhecer qual é o público que fre-
quenta o lugar, os valores dos pratos e o
tipo de gastronomia proposta são alguns
dos pontos cruciais para iniciar. Uma carta
de vinhos deve sempre buscar diversida-
de, e isso é possível de várias maneiras. Por
exemplo, um restaurante italiano que foca
a cozinha tradicional pode ter uma carta
apenas com rótulos italianos, porém com
diversidade de regiões, estilos e uvas.
Em São Paulo, a carta de vinhos do Hotel
Emiliano abrange os principais países vi-
ticultores. Ao mesmo tempo que traz uma
representação das regiões tradicionais
desses países, também faz uma busca por
áreas que estão tendo um revival. É o caso
dos vinhos de Madrid, mais precisamente
dos entornos da Sierra de Gredos, onde vi-
nhas velhas de garnacha em solos ricos em
granito sobreviveram durante muitos anos.
A localidade ganhou a atenção da mídia
depois que alguns novos projetos começa-
ram a explorar esses vinhedos de altitude
onde a garnacha se expressa de maneira
CATARINA BESSELL

impressionante. Fernando Garcia, da Bode-


ga Marañones, é um dos responsáveis pelo
rápido sucesso dessa área.
Itália, Toscana e Piemonte sempre são
valorizados e reconhecidos como as zonas
de produção de vinhos finos, mas é possível
encontrar grandes rótulos em áreas mais
remotas. No sul do país, na Sicília, o Monte
Etna passa por um grande momento. Por
lá, uma uva autóctone chamada nerello
mascalese ganha espaço nas taças de de-
gustadores exigentes, e o próprio Angelo
Gaja, produtor referência no país, está com
um novo projeto nessa região. Os solos es-
curos provenientes das lavas do vulcão que
secaram dão características únicas a esses
vinhos. Vale destacar também o trabalho da
dinamarquesa Anne-Louise Mikkelsen, do
projeto Tenuta di Aglaea, que faz um ótimo
Menos mais do mesmo trabalho recuperando videiras centenárias
pré-filoxera, com cultivo biodinâmico.
Uma boa carta de vinhos precisa ter rótulos Além da presença de rótulos clássicos,
de regiões tradicionais, mas também surpreender como grandes borgonhas, a ideia da carta
do Emiliano Rio é expandir mais o leque de
com diversidade de regiões, estilos e uvas possibilidades do vinho brasileiro. Hoje o
estrangeiro que vem visitar a cidade busca
conhecer o vinho nacional. Um produtor
que se destaca por aqui é o Luís Henrique
Zanini, da Era dos Ventos. Seu trabalho de
DIVULGAÇÃO

resgate de variedades introduzidas pelos


imigrantes italianos e de técnicas ances-
LUÍS OTÁVIO
ÁLVARES CRUZ
trais são a marca desse projeto de autor, que
é sommelier dos cada vez conquista mais fãs e que harmoni-
Hotéis Emiliano za perfeitamente com a paisagem carioca.

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