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Fisioterapia

ANÁLISE QUALITATIVA DO MOVIMENTO EM FISIOTERAPIA


NEUROFUNCIONAL BASEADO NA OBSERVAÇÃO DAS TAREFAS
MOTORA FUNDAMENTAIS E NO MODELO DOS 4 ELEMENTOS DO
SISTEMA DE MOVIMENTO

1 – INTRODUÇÃO
O conceito de qualidade é bastante amplo e pode ser definido de várias formas,
dependendo do contexto em que é aplicado. Em geral, qualidade pode ser entendida como
um conjunto de características ou propriedades que fazem com que algo seja considerado
bom, satisfatório, adequado ou superior em relação a outros similares. Por exemplo, na
área da saúde, qualidade pode estar relacionada à segurança dos utentes, à eficácia dos
tratamentos, à acessibilidade aos serviços, à humanização do atendimento, entre outras
dimensões. Na área do estudo do movimento, a qualidade do movimento refere-se à forma
como uma pessoa executa uma tarefa motora específica, levando em consideração
determinadas dimensões tais como a eficiência, a fluidez, a coordenação e a estabilidade
do movimento.
A análise qualitativa do movimento (AQM) e das tarefas motoras é uma parte essencial
do raciocínio clínico em Fisioterapia Neurofuncional. A AQM é baseada numa
compreensão aprofundada da mecânica do movimento humano e das competências
motoras necessárias para realizar tarefas motoras específicas.
A partir da AQM, o fisioterapeuta pode desenvolver um plano de tratamento
individualizado e personalizado que aborda as necessidades específicas do utente. Isso
pode incluir o treino de tarefas motoras específicas, o desenvolvimento de estratégias
motoras alternativas e a identificação de fatores que podem estar a limitar o desempenho
motor. Além disso, a AQM e das tarefas motoras pode ajudar a monitorizar a progressão
do utente e avaliar a eficácia do tratamento.
Embora a AQM e das tarefas motoras seja uma parte essencial do raciocínio clínico em
fisioterapia neurofuncional, esta não dispensa o uso de instrumentos de medida válidos.
Na verdade, o uso de instrumentos de medida válidos pode ajudar a complementar a
avaliação qualitativa e fornecer informações mais precisas e objetivas sobre o
desempenho motor do utente. Esses instrumentos podem incluir escalas de avaliação
padronizadas, testes de desempenho motor e tecnologias de análise de movimento, entre
outros.

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O movimento humano é um fenómeno complexo que envolve uma interação complexa


entre múltiplos sistemas. Para facilitar a análise deste fenómeno complexo, muitos
modelos e teorias foram desenvolvidos. O uso de modelos e quadros referenciais na AQM
pode ser uma ferramenta útil para os fisioterapeutas neurofuncionais. Esses modelos e
quadros referenciais fornecem um conjunto de critérios para avaliar a qualidade do
movimento e o desempenho motor do utente.
Por exemplo, o modelo dos 4 elementos do sistema de movimento (4-ESM) é um quadro
referencial que descreve os componentes essenciais do movimento humano, incluindo o
controlo motor, a mobilidade articular, a força e a energia. Usando o 4-ESM como um
guia, os fisioterapeutas neurofuncionais podem avaliar o desempenho do utente em cada
um desses componentes e identificar as áreas específicas das limitações do movimento.
Da mesma forma, o modelo de Hedman para análise do movimento é outro quadro
referencial que se concentra nas estratégias motoras utilizadas pelo utente para realizar
uma determinada tarefa motora. Com base nestes modelos, os fisioterapeutas
neurofuncionais podem avaliar a qualidade do movimento e identificar padrões de
desempenho específicos que possam ser usados para orientar a intervenção terapêutica.
Este manual tem como objetivo descrever um novo modelo de avaliação qualitativa das
tarefas motoras em Fisioterapia Neurofuncional. Este modelo combina o quadro
referencial da avaliação da qualidade das “core tasks” (modelo de Hedman) com o modelo
dos 4-ESM, fornecendo aos fisioterapeutas neurofuncionais um conjunto abrangente de
critérios para avaliar a qualidade do movimento e o desempenho motor do utente durante
a execução de tarefas motoras.

2 – ANÁLISE QUALITATIVA DO MOVIMENTO HUMANO


Qualquer análise de movimento é composta por três etapas interligadas e que muitas vezes
acontecem ao mesmo tempo: observação, descrição e interpretação.
Na primeira etapa, o fisioterapeuta observa o utente a realizar determinada tarefa motora,
usando uma variedade de ângulos e perspetivas para obter uma compreensão abrangente
do movimento. Durante a observação, o terapeuta pode identificar possíveis alterações do
movimento, limitações existentes e desvios do movimento normal.
Na etapa de descrição, o fisioterapeuta utiliza uma linguagem padronizada para descrever
o movimento observado. Isso pode incluir informações como o padrão de movimento, a
amplitude de movimento, a velocidade e a duração do movimento, bem como a magnitude
e direção da força gerada durante a tarefa.

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Finalmente, na etapa de interpretação, o fisioterapeuta avalia os dados recolhidos nas


etapas anteriores e usa o seu raciocínio clínico para determinar a causa provável das
alterações na tarefa motora. Com base nessa interpretação, o fisioterapeuta pode
desenvolver um plano de intervenção personalizado que aborda as limitações
identificadas.

2.1 – Observação e descrição do movimento


Considerámos que para a observação e a descrição das tarefas motoras, os modelos mais
adequados são o modelo de Hedman e o quadro referencial para a análise das “Core
Tasks”.

2.1.1 – Constructos do movimento


Antes de começar com a descrição da observação e de forma a garantir consistência na
abordagem à análise de movimento, é importante que se concorde primeiro numa
terminologia para descrever o movimento. Assim, neste manual usamos o glossário de
constructos do movimento (Tabela 1) criado por Quinn, et al. (2021). Estes autores
definem o controlo motor como a capacidade de regular ou direcionar os mecanismos
essenciais ao movimento. Os constructos apresentados consistem em aspetos observáveis
do controlo motor. Os constructos são: simetria, velocidade, amplitude, alinhamento,
verticalidade, estabilidade, fluidez, sequencia, timing, precisão e provocação de sintomas.
Os 4 primeiros constructos são aspetos gerais do controlo motor, o quinto e o sexto estão
sobretudo relacionados com o controlo postural, os sétimo, oitavo, nono e décimo dizem
respeito à coordenação do movimento e o último diz respeito aos sintomas associados ao
movimento.
Tabela 1 – Glossários de constructos do movimento

Constructo Definição
Grau de igualdade na distribuição do movimento entre lados direito e esquerdo
Simetria
do corpo.
Grau de mudança de velocidade de um segmento corporal ou do corpo como um
Velocidade
todo durante a execução de uma tarefa.
Amplitude Alcance máximo do movimento usado para completar uma tarefa.
Relação biomecânica dos segmentos corporais entre si, bem como em relação à
Alinhamento
base de suporte e ao ambiente, a fim de alcançar a tarefa.
Verticalidade Capacidade de orientar o corpo em relação à linha de gravidade
Capacidade de controlar o centro de massa do corpo em relação à base de suporte
Estabilidade
em condições quase estáticas e dinâmicas.
Um movimento é percebido como fluído quando ocorre de forma contínua, sem
Fluidez
nenhuma interrupção na velocidade ou trajetória.

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Ordem específica e correta das ações motoras necessária para atingir o objetivo
Sequência
pretendido da ação.
Estrutura temporal geral do movimento, incluindo a percentagem relativa do
Timing tempo dedicada aos segmentos de movimento, incluindo iniciação, execução e
término.
Proximidade de um valor medido a um valor padrão ou conhecido, movimento
Precisão
sem erros.
Provocação de Observação ou relato de sintomas pelo utente; movimento que provoca uma
sintomas resposta particular.

2.1.2 – A sequência do movimento segundo Hedman


Hedman et al. (2018) descreveram uma sequência de eventos, durante a realização de uma
tarefa motora, que serve como um modelo útil para a observação do movimento, numa
variedade de tarefas. As fases da sequência do movimento consideram o movimento
desde as suas condições iniciais até ao resultado do objetivo da tarefa (Figura 1).

Figura 1 – Modelo de Hedman

Como visto na Figura 1, a análise de movimento começa com a avaliação das condições
iniciais, que inclui a avaliação do ambiente e a observação da postura inicial. Como
discutido acima, acreditamos que é importante aplicar algumas normas de procedimentos
tanto no ambiente (por exemplo, a condição inicial para o andar deve ser uma superfície
lisa num local tranquilo) quanto na postura inicial (por exemplo, a condição inicial para
sentar-se deve ser sentar-se direito com os pés apoiados no chão) e, em seguida, alterar
sistematicamente as condições ambientais para observar as mudanças nas estratégias de
movimento. A preparação para o movimento, embora um componente importante do
planeamento e da execução motor, geralmente não é observável. No entanto, a avaliação

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de se um indivíduo entende as instruções ou os requisitos de uma tarefa pode refletir a


etapa de preparação para o movimento. Além disso, várias observações em estágios
subsequentes também podem fornecer uma visão sobre o estágio de preparação. Para
tarefas dinâmicas (por exemplo, levantar-se, andar, subir e descer degraus e
alcançar/agarrar/manipular), o modelo está focado em estágios observáveis da sequência
de movimento (início, execução e término). O início do movimento é o instante em que
o deslocamento dos segmentos começa, a execução é o período de movimento real dos
segmentos e o término é o instante em que o movimento para. Assim, dentro de uma
determinada tarefa, recomendamos a consideração de cada uma dessas 3 fases de
movimento, que podem fornecer informações diferentes relacionadas aos constructos-
chave discutidos acima. O componente final da sequência de movimento definido por
Hedman et al. (2018) é o resultado, referindo-se a se o objetivo do movimento foi
alcançado com sucesso. Semelhante às condições iniciais, o resultado da tarefa é pré-
definido pelas instruções dadas ao indivíduo que executa a tarefa (por exemplo, ficar em
pé durante 30 segundos) e pode ser sistematicamente alterado para tornar o objetivo da
tarefa mais fácil ou difícil de alcançar.

2.1.3 – As tarefas fundamentais (“core tasks”)


Quinn et al. (2021) escolheram seis tarefas fundamentais – Estar sentado, levantar-se
desde sentado, estar de pé, caminhar, subir e descer degraus, e alcançar/agarrar/manipular
(Tabela 2). Avaliar os construtos do movimento nessas tarefas permite considerar uma
variedade de requisitos para a execução de uma tarefa: a capacidade de manter posições
(sentado, de pé), mover-se dentro de uma posição (alcançar, agarrar e manipular), mover-
se entre posições (levantar-se desde sentado) e mover-se pelo ambiente (subir e descer
degraus, andar e virar).
Essas tarefas fundamentais são particularmente importantes para a avaliação de utentes
com doenças neurológicas, uma vez que estes apresentam, na maioria das vezes, várias
limitações funcionais. A seleção dessas tarefas permite uma avaliação abrangente das
competências motoras do utente. Embora as tarefas possam ser ajustadas de acordo com
as necessidades de cada utente ou ambiente clínico, a utilização dessas tarefas
fundamentais pode fornecer um ponto de partida consistente para avaliações funcionais
em diferentes cenários clínicos.
De forma que a observação das tarefas seja padronizada, é necessário a configuração
normativa inicial do ambiente e das instruções dadas aos utentes de forma a minimizar

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possíveis vieses (Tabela 2). O foco da análise do movimento é observar os padrões de


movimento e as estratégias utilizadas na execução da tarefa. Não se trata de avaliar o nível
de assistência, e, como tal, o terapeuta deve fornecer a menor quantidade de assistência
possível para permitir que o indivíduo tente realizar a tarefa com segurança. É essencial,
portanto, observar o indivíduo a realizar o movimento da forma como ele o faria
naturalmente.
Para todas as tarefas, exceto estar sentado e estar em pé, deve-se solicitar às pessoas para
executar a tarefa pelo menos duas vezes. Durante a primeira repetição, o terapeuta
determina se as pessoas entenderam as instruções da tarefa e conseguem executá-la sem
assistência ou suporte. Podem ser usadas repetições adicionais para observar como os
padrões de movimento podem mudar com a prática e identificar potenciais fatores que
afetam o desempenho motor (por exemplo, resistência, força).
Na repetição das tarefas podem ser usadas, para avaliar os constructos do movimento,
variações nas tarefas e no ambiente e observar mudanças nas estratégias ou desempenho
do indivíduo (Figura 1). As regressões simplificam a tarefa, de forma que uma pessoa que
não conseguiu realizar a tarefa da primeira vez, o consiga fazer, enquanto as progressões
tornam a tarefa mais complexa de forma a observar como o indivíduo se adapta a
condições mais difíceis. As mudanças ambientais podem incluir alterações na superfície,
altura ou inputs do ambiente, além da utilização de pistas, assistência física ou apoio
externo.
Os terapeutas devem escolher o tipo de ajuda ou as pistas com base nas capacidades
motoras e cognitivas do indivíduo, e é recomendado que forneçam, por esta ordem, em
primeiro feedback verbal, de seguida facilitação manual e por fim assistência/suporte
física. No entanto, os terapeutas necessitam de avaliar a segurança do indivíduo ao
realizar a tarefa antes de tentar realizar tarefas sem assistência ou pistas.

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Tabela 2 – “Core Tasks” com descrição da tarefa e instruções a dar

Tarefa Descrição da Tarefa Instruções

A pessoa deve sentar-se, sem suporte, numa superfície firme (altura


“Por favor, sente-se direito com os pés apoiados no chão durante 30
Sentado aproximada da cabeça do perónio), com uma base de sustentação
segundos”
escolhida por ela, com as mãos apoiadas no colo.

A pessoa deve levantar-se de uma superfície firme e plana, à altura da


Levantar-se "Por favor, levante-se. Tente não usar as mãos.”
cabeça do perónio, com uma base de sustentação escolhida por ela

A pessoa deve ficar em pé numa superfície firme, com uma base de


Ficar em pé “Por favor, fique confortavelmente em pé durante 30 segundos”
sustentação escolhida por ela.

A pessoa deve andar pelo menos 20 metros. O percurso deve incluir


“Por favor, ande a uma velocidade confortável para a marca (a 10
Andar uma volta de 180 graus. O ponto no chão deve ser marcado com uma
metros), vire e volte ao ponto de partida.”
peça durável de fita adesiva que seja visível à pessoa à distância.

De frente para um degrau de +/- 18 cm, a pessoa deve subir par o “Por favor, suba este degrau com os dois pés, começando com a perna
degrau e depois descer para trás com a mesma perna. Utilize um direita. Tente não usar as mãos (se houver grade). Agora desça para
Subir/Descer
degrau independente ou um banco degrau. Se não houver disponíveis, trás, com a perna direita (repita as instruções da tarefa com a perna
podem ser usadas escadas. Repita com a outra perna. esquerda).”

A pessoa começa sentada numa cadeira com apoio nas costas e é


“Sente-se com os olhos focados no copo à sua frente, com os braços
solicitada a alcançar, com apenas 1 braço, um copo com pedaços de
apoiados no colo abaixo da mesa. Levante o braço do colo e, por
espuma plástica (localizada a 15 cm além do comprimento do braço),
Alcançar/Agarrar/Manipular favor, alcance o copo com o braço esquerdo (ou direito), segure o
agarrar o copo, levantá-la da mesa e despejar o conteúdo num
copo, levante o copo e despeje o conteúdo no recipiente sem derramar
recipiente localizado ao lado do copo e retornar o copo à superfície da
nada sobre a mesa e coloque novamente o copo sobre a mesa."
mesa sem deixar cair. Repita com o outro braço.

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2.1.4 – Descrever o que se observou


Ao observar o desempenho de um utente numa tarefa motora específica, o fisioterapeuta
deve considerar vários aspetos e pode usar fichas pré-estruturadas para documentar as
observações (Apêndice 1). Essas fichas fornecem um formato padronizado para registar
o desempenho em cada etapa da tarefa, hipóteses para as limitações do movimento,
progressões e regressões. As fichas ajudam a manter um registo organizado do
desempenho do utente e permitem uma análise mais detalhada.
Embora as fichas sejam úteis, não são os únicos métodos disponíveis para descrever as
observações. O fisioterapeuta pode descrever as observações em texto corrido de forma
clara e objetiva, seguindo as linhas orientadoras dos modelos, usando a terminologia
adequada e dando exemplos específicos quando necessário. A descrição deve incluir
informações sobre a execução da tarefa, qualidade do movimento, fatores que afetam a
execução e quaisquer observações relevantes para o tratamento.

2.2 – Interpretação da observação


Quando ocorrem alterações na realização das tarefas motoras, é fundamental levantar
hipóteses para as causas dessas alterações, para poder planear intervenções eficazes. O
modelo 4-ESM fornece um quadro de referência para essa análise.
O modelo 4-ESM é um quadro conceptual que descreve os componentes essenciais do
movimento humano e é frequentemente usado em fisioterapia neurofuncional para
auxiliar na fase de interpretação da análise do desempenho motor do utente. O modelo é
composto por quatro elementos essenciais para o movimento humano: a mobilidade
articular, a força, a energia e o controlo motor.
A mobilidade articular é a amplitude de movimento de uma articulação. A mobilidade
articular adequada é essencial para o movimento normal. A limitação da mobilidade
articular pode ter um impacto significativo no desempenho motor do utente.
A força refere-se à capacidade do utente de gerar força muscular suficiente para realizar
uma tarefa. A força muscular é um componente importante para a execução de atividades
da vida diária e tarefas motoras mais complexas.
A energia refere-se à capacidade do utente de gerar e sustentar a energia necessária para
a realização de uma tarefa. A capacidade energética adequada é importante para a
execução de tarefas motoras prolongadas ou repetitivas.

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O controlo motor refere-se à capacidade do utente de iniciar, coordenar e executar


movimentos com precisão e eficiência. Isso envolve a integração de várias estruturas e
funções do sistema nervoso, de forma a controlar e monitorizar o movimento.
De referir que os 4 elementos-chave subjacentes ao movimento humano sobrepõem-se e
interagem uns com os outros, como mostrado na Figura 2, mas cada um deles pode ser
examinado clinicamente, de uma forma individualizada, e medido com alguma
especificidade. De acordo com este modelo, que também se baseia na Classificação
Internacional de Funcionalidade, o movimento acontece dentro de um contexto ambiental
e é geralmente afetado por fatores pessoais específicos de cada indivíduo. Na figura 2,
esses fatores são mostrados abrangendo os 4 elementos básicos do sistema de movimento.

Figura 2 - O modelo dos 4 elementos do sistema de movimento

2.2.1 – Mobilidade articular


O conceito de mobilidade articular no contexto deste modelo, refere-se especificamente
à capacidade de uma articulação ou tecido ser movido passivamente. O movimento
passivo é em grande parte uma função do comprimento e características mecânicas dos
tecidos circundantes das articulações sinoviais e pode ser avaliado como hipomóvel,
normal ou hipermóvel. A rigidez relativa de uma articulação ou tecido (resistência ao
deslocamento) também pode ser considerada.
As estruturas que normalmente limitam o movimento passivo incluem estruturas peri-
articulares (ligamentos, cápsula, meniscos), estruturas musculo-tendinosas, tecidos
neurais e a pele. Esses tecidos podem fisicamente restringir o movimento diretamente por
meio de encurtamento adaptativo ou formação de aderências, ou podem estar lesadas ou

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sensibilizadas, levando a dor com o movimento e proteção por meio do espasmo


muscular.
O comprimento e as características mecânicas dessas estruturas individuais que afetam a
mobilidade articular podem ser avaliados com certa especificidade. Além dos testes
tradicionais de amplitude de movimento passivo, as estruturas peri-articulares podem ser
avaliadas através de testes de movimento acessório e outros testes especiais com precisão
variada.
Por exemplo, um utente com hemiplegia após um AVC pode apresentar dificuldades em
realizar movimentos finos e precisos com o membro superior afetado devido a uma
limitação de mobilidade articular, por miopatia espástica dos músculos do ombro,
cotovelo ou punho. Isso pode dificultar a realização de tarefas quotidianas, como alcançar
e agarrar objetos, vestir-se, alimentar-se ou escovar os dentes. Neste caso para validar a
nossa hipótese poderíamos ir avaliar a espasticidade através da Escala de Tardieu.

2.2.2 – Força
Neste modelo, o termo "força" refere-se à capacidade das estruturas contráteis (músculos)
e não contráteis (tendões) em produzir movimento e proporcionar estabilidade dinâmica
em torno das articulações durante tarefas estáticas e dinâmicas. A diminuição na produção
de força é comum em utentes com condições neurológicas. A perda de força pode estar
relacionada a fatores periféricos e/ou centrais. Fatores periféricos relacionados à
composição muscular incluem atrofia muscular, mudanças na composição de tipos de
fibras e/ou alterações no ângulo de penação. Fatores periféricos também podem incluir
lesões nos nervos periféricos ou perda de integridade do tendão. Fatores centrais
relacionados à redução do impulso neural incluem falha na ativação voluntária e alteração
da excitabilidade cortical.
Existem vários métodos para quantificar a força, num ambiente clínico. A forma mais
comum de medir a força é através da medição da produção de força isométrica máxima,
que pode ser realizada com testes manuais de força muscular ou dinamómetros. A
força/torque também pode ser medida através de uma amplitude de movimento e a uma
velocidade constante usando um dinamómetro isocinético ou através de testes de
repetição máxima (RM).

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2.2.3 - Energia
Energia refere-se à capacidade de realizar movimentos sustentados ou repetidos e
depende do funcionamento integrado dos sistemas cardiovascular, pulmonar e
neuromuscular. Além disso, a energia é fortemente influenciada por outros sistemas (por
exemplo, endócrino) e fatores psicológicos. A falta de energia é comum numa ampla
gama de patologias que afetam vários sistemas, mas também é comum em condições
neuromusculares (por exemplo, esclerose múltipla ou AVC).
A falta de energia pode manifestar-se de várias maneiras e pode incluir componentes
subjetivas e objetivas. Os sinais subjetivos de falta de energia incluem aumento da
perceção de esforço (por exemplo, avaliação de esforço percebido), fadiga ou sintomas
de intolerância (por exemplo, dispneia, tonturas, angina, etc.). A evidência objetiva de
falta de energia inclui respostas fisiológicas excessivas à atividade (por exemplo, aumento
excessivo da frequência cardíaca, da pressão arterial ou da respiração) assim como
interação com as capacidades de produção de força ou com o controlo motor.
Os fisioterapeutas examinam geralmente a energia avaliando a resposta de um indivíduo
à realização de movimentos sustentados ou repetidos. Isso pode assumir várias formas,
desde perguntas feitas durante uma história clínica, por exemplo, "Quantas escadas
consegue subir antes de se sentir cansado?", até testes de exercícios máximos ou
submáximos. O consumo máximo de oxigénio obtido durante um teste de exercício
máximo é o padrão ouro para avaliar a capacidade aeróbica, um aspeto-chave da
"energia", e está fortemente relacionado a uma variedade de resultados de saúde. No
entanto, a maior viabilidade e segurança dos testes de exercício submáximos tornam-nos
muito mais comuns na prática diária. O teste de marcha de 6 minutos, por exemplo, é
muito usado na prática da fisioterapia numa variedade de populações. A interpretação dos
resultados desses testes requer que o fisioterapeuta considere não apenas o desempenho
no teste (por exemplo, a distância percorrida em 6 minutos), mas também medidas
objetivas (por exemplo, frequência cardíaca, pressão arterial) e subjetivas (por exemplo,
avaliação de esforço percebido, dispneia) da resposta do indivíduo à realização da tarefa.
Além disso, o rápido crescimento na disponibilidade e sofisticação de dispositivos
eletrónicos de monitorização de exercícios (por exemplo, Fitbit, Apple Watch) fornece
aos fisioterapeutas meios adicionais para avaliar o impacto da falta de energia no
movimento do utente no seu próprio ambiente.

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2.2.4 – Controlo Motor


O controlo motor refere-se à capacidade de planear, executar e adaptar movimentos
direcionados a um objetivo específico, de modo a serem precisos, coordenados e
eficientes. O controlo motor depende da receção e processamento de inputs sensoriais
relevantes provenientes da visão, do sistema somatossensorial e do sistema vestibular e,
em seguida, é selecionada, planeada e executada a ação para alcançar os objetivos da
tarefa. A transformação da sensação em ação depende da integridade das vias
sensoriomotoras, bem como das redes percetuais e cognitivas no cérebro, incluindo o
cerebelo e os gânglios da base. De forma geral, o controlo motor envolve mecanismos de
feedforward cruciais para o planeamento e execução, e mecanismos de feedback
necessários para a adaptação de ações direcionadas a um objetivo.
As avaliações padronizadas da marcha, equilíbrio e função do membro superior fornecem
medidas quantitativas do controlo motor. Além disso, a própria análise qualitativa do
movimento, no que diz respeito, aos constructos apresentados anteriormente (por
exemplo, simetria, timing e sequenciação de diferentes segmentos corporais, etc.) fornece
informações cruciais para determinar a(s) potencial(is) fonte(s) de deficits de controlo
motor. Por exemplo, embora a velocidade da marcha seja uma medida de resultado
quantitativa importante, a determinação dos contribuintes potenciais para padrões
anormais de marcha (por exemplo, propulsão deficiente ou hiperextensão do joelho) por
meio de análises biomecânicas qualitativas fornece dados apropriados para direcionar
exames e intervenções adicionais. A hiperextensão do joelho observada na fase de apoio
pode levar o clínico a testar a força dos extensores do joelho e dos flexores plantares, ou
a corrigir uma postura de flexão do tronco fletido. A avaliação do controlo motor também
envolve o exame de respostas adaptativas a perturbações inesperadas. Essas respostas
adaptativas são particularmente críticas para determinar a integridade dos mecanismos de
feedback. Finalmente, a avaliação do controlo motor inclui o exame de como deficits
sensoriais e cognitivos, mudanças nas exigências da tarefa e nas instruções modulam o
desempenho motor, e também pode incluir a avaliação mais específica do equilíbrio.
O controlo motor anormal é evidente em distúrbios do sistema nervoso central, como no
AVC, em distúrbios cerebelares e na doença de Parkinson. Por exemplo, logo após um
AVC, os indivíduos aprendem estratégias de movimento anormais para compensar a
fraqueza; no entanto, muitos mantêm essas estratégias anormais mesmo depois da
fraqueza estar resolvida. Assim, o controlo motor anormal, em muitos casos, pode ser
considerado uma "solução" que o sistema nervoso desenvolve e retém em resposta a

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comprometimentos específicos de outros sistemas, como força e amplitude de


movimento.

Bibliografia
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