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Lugares íntimos

Na presente exposição intitulada "Loneliness - Tributo a Edward Hopper" Celeste Ferreira


apresenta-nos oitenta óleos (30cmx23cm) realizados em 2015 e 2016 , alguns dos quais
estiveram presentes na sua última exposição individual que teve lugar no Museu de Ovar entre
maio e junho do ano passado, e, outras que lhe dão continuidade.
Natural é agora o tributo a este pintor americano, porque, desde há muito tempo que o
trabalho de Celeste Ferreira se detinha nas pessoas por vezes transformadas em personagens,
em atitudes e reflexões, mas sobretudo em pausas. Edward Hopper (1882-1967) é conhecido
em parte como o pintor de cenas solitárias, pessoas debruçadas sobre si próprias, sozinhas,
isoladas em casa, ou isoladas dos outros no bulício da atividade urbana, recorrendo a um
contexto cromático muito particular.
Quando em 2003 Celeste Ferreira se apresentou individualmente na SNBA, já nesse
tempo era o olhar sobre os outros e as suas histórias que sustentava as pinturas, mesmo
quando estas evocavam temas mitológicos, narrativas antigas ou histórias novas.
O conjunto de obras que agora podemos ver são telas pequenas que funcionam como
cenas separadas e poderiam fazer parte de um guião para um filme. Na realidade poderíamos
em hipótese combinar as obras e desenvolver diversas narrativas, mas, ficaríamos sempre com
alguns tópicos principais: a figura, o retrato, a atitude, o isolamento, o enquadramento e a
fragmentação do espaço plástico, a utilização de cores contrastantes e o desenho de contorno
colorido. As pessoas surpreendem-nos no seu dia a dia: cruzam-se connosco na rua, duas
mulheres vestidas de preto caminham lado a lado, outras pessoas saem de uma porta ou
passam por detrás de uma escada; estão sentadas à mesa de um café ou em casa
mergulhadas nos seus pensamentos; outras estão deitadas a dormir e a sonhar. Algumas
folheiam imagens, leem, assim como olham pela janela. Se o desdobramento de planos e o
detalhe decorativo, assim como a intensidade cromática nos remetem vinculativamente ao
fauvismo, em particular Matisse, é na apropriação muito simplificada do cubismo que
revisitamos as figuras, com exceção para um ou dois retratos de abordagem mais realista.
Interessante é a referência constante à presença da pintura, pois muitos dos espaços
interiores (salas, cafés, ateliers) e exteriores (rua) são pontuados por quadros que funcionam
como janelas, ou pelo cavalete que outros esconde, ou ainda habitam a sala, tal como a obra
que representa uma grande pintura rasgada a vermelho debaixo da qual está sentada uma
figura masculina. Celeste Ferreira opta por mostrar o visitante que vai ao atelier ou à galeria, e,
não tanto o artista no seu espaço de trabalho, mas, o que se torna evidente é que em muitas
das obras existe uma convivialidade com a pintura.
Por vezes, as obras retomam ainda temas anteriores como os amantes, ou as tais histórias
como aquela em que o anjo de azul descansa as suas asas, que estão penduradas na parede, e
que é uma excelente metáfora do tempo presente.
Para finalizar, o percurso de Celeste Ferreira tem-se pautado pela abordagem da figura
que no presente ciclo de pinturas se encontra exposta na claridade do quotidiano. As pessoas
são captadas na economia das suas tarefas simples, na amplitude das dores e sonhos
profundos, na intimidade dos seus atos, revelando um pouco, senão muito do quotidiano de
todos nós.

Lisboa, Fevereiro de 2016


Cristina Azevedo Tavares

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