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marginalizados, na última década, tem ocupado espaço nos discursos políticos e nas
pesquisas em educação.
O percurso histórico da educação de pessoas com deficiência: da segregação à
integração
No Século XIX, o médico Francês Jean Marc Itarde criou um método de ensino
inspirado na experiência do menino selvagem de Ayeron, no sul da França, dando
início à educação de pessoas com deficiência intelectual. O médico francês Edward
Seguin criou a primeira escola pública residencial para educação de crianças com
deficiência mental e criou um método fundamentado na neurofisiologia que consistia
na utilização de recursos didáticos com cores e música para despertar o interesse e
motivação dessas crianças. No início do século XX, as escolas especiais proliferaram
por toda Europa e Estados Unidos. Na Itália, a médica Maria Montessori cria um
método para educação de crianças com deficiência mental fundamentado na
estimulação sensório-perceptiva, na ação funcional e organização da rotina diária.
Esse método é atualmente utilizado para educação de crianças sem deficiência.
Na América Latina, o Brasil foi pioneiro no atendimento às pessoas com deficiências,
com a criação do Imperial Instituto de Meninos Cegos, em 1854, hoje Instituto
Benjamin Constant e o Instituto dos Surdos Mudos, em 1857, hoje INES – Instituto
Nacional de Educação de Surdos; ambas as escolas, residenciais no Rio de Janeiro,
abrigaram pessoas com deficiências sensoriais de todo o país por mais de um século e
meio.
No início do século passado, foi criado, no Rio de Janeiro, o Instituto Pestalozzi (1926)
destinado ao atendimento de pessoas com deficiência mental e, em 1954, é fundada a
APAE – Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais. Instituições essas responsáveis
por várias décadas pelo atendimento educacional às pessoas com deficiência em
nosso país.
A história do atendimento às pessoas com deficiência nos permite refletir que a visão
mítica e maniqueísta presente até a Idade Média foi substituída pela explicação
científica e pelo psicologismo do século XX, responsáveis pela criação dos serviços de
reabilitação com enfoque clínico terapêutico. Esse modelo influenciou fortemente a
então nascente educação especial em nosso país.
Somente a partir da Declaração dos Direitos Humanos (1948) fica assegurado o direito
à educação fundamental para todas as minorias, entre elas as pessoas com
deficiência, tendo como objetivo o desenvolvimento pleno da personalidade humana.
A garantia desse direito surge pela primeira vez, em nosso país, com a Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional – Lei nº 4.024/61 que dispôs sobre a educação de
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A política de inclusão: conceitos, tendências e propostas
Essas diretrizes admitiram em caráter transitório classes especiais para os alunos com
dificuldades acentuadas de aprendizagem ou dificuldades de comunicação e
sinalização e aos que necessitassem de ajuda e apoio intenso e contínuo.
Hoje, de acordo com a evolução dos Direitos Humanos, as escolas e classes especiais
deixam de existir como proposta política e pedagógica, pois a Convenção sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência , aprovada pela ONU em 2006, da qual o Brasil é
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Para a defesa dos direitos das pessoas com deficiência, torna-se importante a
clarificação do conceito de deficiência e de educação especial bem como conhecer os
seus objetivos.
Quem são as pessoas com deficiência?
Ainda há confusão em relação ao conceito de deficiência em nosso meio. Há escolas,
professores e pais que erroneamente consideram crianças com aprendizagem lenta,
dislexia, hiperatividade, dificuldades emocionais ou de atenção concentração como
deficientes.
O que é a educação especial na perspectiva da inclusão?
O atendimento educacional
especializado não é reforço pedagógico, trabalha com o desenvolvimento humano e
com os conhecimentos específicos no campo da educação especial, tais como
Intervenção Precoce para crianças com deficiências neurossensoriais, deficiência
mental, visual, auditiva, surdocegueira e transtornos globais do desenvolvimento.
Inclui o ensino de LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais, Sistemas de comunicação
alternativa, língua portuguesa como segunda língua para os surdos; Sistema Braille,
Sorobã, Orientação e Mobilidade, e Atividades de Vida Autônoma para pessoas com
deficiência visual; desenvolvimento dos processos mentais superiores, domínio da
comunidade, programas de enriquecimento curricular, adequação e produção de
materiais didáticos e pedagógicos; utilização de recursos ópticos especiais e não
ópticos, da tecnologia assistiva, entre outros.
A inclusão e a cultura escolar: avanços, limites e desafios
Observa-se que essa proposta inovadora esbarra nas atitudes, posturas e barreiras
instrucionais existentes na escola frente às diferenças significativas. A escola que
temos foi historicamente constituída sob o paradigma da homogeneidade, isto é, os
agrupamentos são organizados conforme as possibilidades, níveis e capacidades
similares dos alunos. O professor ensina da mesma forma a todos, utiliza as mesmas
estratégias de ensino para um grupo homogêneo e supostamente idealizado, espera
respostas padronizadas que valorizam a memória, a reprodução e o armazenamento
da informação. Acaba excluindo aqueles que não correspondem prontamente às
solicitações esperadas.
Estudos apontam que alunos com níveis diferentes de deficiência aprendem mais em
ambientes inclusivos, quando lhes são proporcionadas experiências e apoio
educacionais adequados, do que quando estão em ambientes segregados ou em
escolas especiais . Para O’Brien e Stainback , são prioritários programas adequados
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O que pensam pais e professores sobre a inclusão educacional?
inclusão de alunos com deficiência em escolas que não vivenciaram tal experiência
evidenciou que é comum os pais e professores apresentarem sentimentos de
insegurança, medo e até mesmo ansiedade diante da nova situação. Mostrou, em um
primeiro momento, que alguns pais e professores pensavam que talvez fosse melhor
para o aluno a sua participação em classe especial, com colegas que apresentam
questões semelhantes e as mesmas dificuldades. Os pais externaram o seu temor pela
rejeição e exclusão do grupo, a preocupação de que seus filhos pudessem estar
inseridos apenas fisicamente, mas sem participarem de todas as atividades com as
demais crianças.
No entanto, os resultados apontaram que com o tempo, com a convivência e a
experiência no trabalho com esses alunos, os preconceitos e as resistências são
substituídos por atitudes de busca, estudo, troca de experiências e conhecimentos. Os
aspectos positivos colocados pelos professores entrevistados são de que se tornaram
melhores professores e aprenderam a trabalhar de forma colaborativa. Os
professores reforçaram a importância do apoio e ajuda dos pais, dos demais
profissionais, dos especialistas e da escola como um todo.
Os pais, professores e pessoas com deficiência podem buscar ajuda e orientação nos
Serviços de Educação Especial de seu município. Além disso, o Ministério Público tem
atuado ativamente no sentido de assegurar a garantia do direito à educação de todas
as crianças e o atendimento às necessidades educacionais especiais das pessoas com
deficiência.
Algumas experiências e desafios para a inclusão educacional
Compartilho com o leitor algumas experiências exitosas, dificuldades e desafios que
enfrentamos na tarefa de dar apoio e suporte ao processo de inclusão como
professora especializada. As histórias são reais e os nomes fictícios.
“Tatiane era uma menina de 8 anos que gostava de cantar, dançar e participar de
teatro. Frequentava escola especial, e sua mãe preocupava-se pelo fato dela imitar
apenas os comportamentos inadequados de alguns meninos da escola. Queria que ela
frequentasse a escola regular, embora os médicos, neurologista e psiquiatra,
orientaram escola especial em virtude das acentuadas dificuldades intelectuais e do
diagnóstico de autismo. Tatiane, em determinadas situações, desorganizava-se muito:
não conseguia se acalmar e ouvir a professora, ficava extremamente ansiosa, gritava,
corria e se jogava no chão, principalmente na hora das atividades de leitura e escrita,
sua maior dificuldade. Conversamos com a turma do segundo ano, onde fora
matriculada, sobre as dificuldades de Tatiane para controlar seu comportamento,
pedimos paciência e os tranquilizamos que as professoras iriam ajudá-la a se
organizar. Introduzimos a professora tutora na sala que acompanharia a aluna e faria
a mediação nos momentos e nas atividades que necessitasse. A tutora passou a
realizar o registro dos períodos e atividades que geravam maior ansiedade e
desorganização na aluna, assim a rotina da sala foi organizada sem muitas mudanças,
passou-se a utilizar na sala um calendário com ilustração da rotina do dia e uma
agenda discutida e desenhada pelos próprios alunos de como seria o dia de trabalho.
Tatiane apresentava muita dificuldade para a elaboração do desenho, isso a
angustiava, a professora discutia as imagens das histórias, refletia sobre os
significados e aos poucos a aluna foi conseguindo expressar, a seu modo, seus
sentimentos e pensamentos. Rejeitava o lápis e as atividades escritas, a professora e
os colegas foram construindo com ela fichas com letras e sílabas e ela as colava no
caderno. Aprendeu primeiro a ler pequenas palavras, depois com o tempo foi
aprendendo a escrever as palavras que lhes interessavam. Aprendeu a recontar
pequenas histórias e a declamar versos, tinha prazer em apresentá-los para a sala.
Tatiane seguiu sua turma, hoje frequenta o quinto ano, escreve frases e continua a
utilizar o material dourado para as operações matemáticas. Os colegas e alunos da
escola aprenderam a respeitá-la e tornaram-se melhores pessoas, mais solidárias e
éticas.”
“Rafael, um menino de 12 anos, gostava de ouvir música, sair, passear, dançar e jogar
dominó. Andava muito aborrecido com a escola regular que frequentava desde os dois
anos de idade, protestava e não queria mais ir à escola, o motivo ficou logo
esclarecido: os pais e a escola achavam que em virtude da síndrome de Down –
deficiência intelectual, o menino devia frequentar a classe do terceiro ano, compatível
com seu nível cognitivo. A avaliação pedagógica, em conjunto com a professora,
revelou que o aluno sabia ler bem, construía frases simples com significado e
dominava as operações básicas de adição e subtração. O motivo de tamanho
descontentamento com a escola era que os meninos só queriam brincar de correr e
jogar bola, eram todos “bobos” na opinião de Rafael. Ele apreciava novelas, música
sertaneja, gibis, conhecia o nome de atores e cantores prediletos, queria sair, ir à
lanchonetes e paquerar. Conversamos com a família e com os professores das séries
superiores e incluímos o aluno no sexto ano. A escola teve que rever seus conceitos,
estudar, mudar atitudes e, principalmente, mudar o arranjo da sala de aula (os alunos
olhando a nuca do outro) e trabalhar com projetos pedagógicos, internet, filmes,
teatro e música como temas para discussão e realização dos trabalhos. Formaram
grupos de dramatização para trabalhar textos e conteúdos acadêmicos, as aulas
tornaram-se agradáveis, Rafael pôde participar e colaborar com suas competências e
todos aprendiam com mais prazer.”
“Mariana era uma linda menina de 3 anos, morena de olhos grandes e tristes, tinha
um grande desejo: interagir, comunicar-se, brincar e ir à escola como as demais
crianças de sua idade. Fomos consultados pela mãe sobre essa possibilidade,
percebemos que seus pais estavam muitos temerosos com essa ideia, pois Mariana
vivia um processo de degeneração muscular, com importante alteração neuromotora
e visual. Procuramos uma escola de educação infantil mais próxima à casa da pequena
para que ela pudesse ficar conhecida no bairro, uma vez que saía muito pouco de casa
pelas preocupações reais com a saúde da menina. A escola não tinha experiência com
crianças com dificuldades neuromotoras e não era acessível para cadeira de rodas. A
imponente entrada era servida por grandes escadarias, no pátio havia escadas para
acesso ao parque, à casa de brinquedos, à quadra de esportes e havia um corredor
elevado sem corrimão, pouco acessível também para qualquer criança pequena.
Conversamos em conjunto com a família, a direção e coordenação da escola sobre os
desafios para um projeto de educação inclusiva; discutimos desde as modificações
estruturais, capacitação dos professores, adequações curriculares e recursos
especiais. O desafio foi aceito por todos: a escola embora particular entendeu que era
de sua responsabilidade a modificação do ambiente, adequação dos recursos e
formação dos professores. Assim, Mariana pôde ir à escola, fato que mudou
radicalmente sua vida, tornando-a mais alegre, feliz e comunicativa. Fizemos vários
encontros de estudo e discussão sobre os fundamentos, princípios e práticas
pedagógicas inclusivas com todos os profissionais da escola, inclusive o pessoal de
apoio, cantina etc. A interação com os colegas foi surpreendente, todos queriam
colaborar. A professora tinha que tomar cuidado para que os pequenos não a
superprotegessem. Criamos com os profissionais de fisioterapia e terapia ocupacional
um carrinho mais funcional para Mariana locomover-se pelos diferentes espaços da
escola e para o brinquedo, o que se tornou uma festa: todos os colegas podiam ajudá-
la a se deslocar pela escola. Embora as ajudas técnicas, próteses e órteses, a aluna
tinha grande dificuldade para manter o tronco, sentar-se e movimentar as mãos.
Decidimos pôr uma professora auxiliar para a classe toda e que ajudava Mariana na
realização motora de suas atividades (pintura, desenho, colagem, escrita etc.). Aos
cinco anos, Mariana iniciava com muito sucesso o processo de leitura de mundo e pré-
alfabetização; em virtude de suas acentuadas dificuldades visuais e motoras
introduzimos o computador com ampliação de imagem e aumento dos contrates. Para
os jogos e escrita no computador, ela não tinha movimento e força para acionar as
teclas e o mouse, e contava com a ajuda dos colegas. O trabalho era sempre em trio,
cada um fazia o que podia. Ela sempre ajudava seu colega Marcelo, com síndrome
Down a formar as primeiras palavras; ele manipulava as fichas e as colocava na lousa
imantada, ela o ajudava (verbalmente) a formar as palavras e a ler. Todos os colegas
colaboravam e ajudavam-na com a leitura de imagens e a descrição das cenas dos
filmes. Em umas férias de julho, Mariana partiu… e nos ensinou que juntos podemos
grandes coisas.”
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em nossa experiência, os pais têm grande contribuição para dar à escola quando são
parceiros no processo de avaliação das necessidades educacionais especiais e nas
tomadas de decisões sobre as questões de seus filhos. Os professores necessitam de
formação para trabalhar com alunos com diferenças significativas, sejam sociais,
culturais ou com deficiências; no percurso formativo precisam adquirir habilidades
para trabalhar com grupos heterogêneos, com os sistemas de monitoria e tutoria, os
quais trazem benefícios e enriquecimento para os alunos e professores, todos podem
aprender mais.
REFERÊNCIAS
9. MANTOAN, M. T. E. Inclusão escolar. O que é, Por quê? Como fazer? São Paulo:
Moderna, 2006.
10. O’BRIEN, J.; O’BRIEN, L. Inclusão como uma Força para a Renovação da
Escola In STAINBACK, S. STAINBACK, W. Inclusão: um guia para educadores. Trad.
Magda França Lopes. Porto Alegre: Artmed, 1999.
12. BRUNO, M. M. G. O significado da deficiência visual na vida cotidiana: análise das
representações dos pais, alunos e professores. Dissertação de Mestrado. UNESP-
UCDB, 1999.