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TRIBUNAL DO JÚRI: UMA VISÃO GERAL

HISTÓRICO, PRINCÍPIOS E CARACTERÍSTICAS

Paulo Quezado- Advogado 1


pauloquezado@pauloquezado.com.br

1 - Breve Histórico:
- Brasil:
• 18/06/1822: O júri foi disciplinado em nosso ordenamento jurídico pela primeira vez
pela Lei de 18 de junho de 1822, que limitou sua competência ao julgamento dos
crimes de imprensa.
• Constituição Imperial de 1824: sua competência foi ampliada para julgar causas
cíveis e criminais.
• Código de Processo Criminal de 1832: conferiu ampla competência ao Júri, só
restringida com a entrada em vigor da Lei nº 261, em 1842.
• Constituição de 1891: foi mantido como instituição soberana.
• Constituição de 1937: silenciou a respeito do Júri, de sorte que o Decreto nº 167, de
05/01/38 suprimiu sua soberania, permitindo aos tribunais de apelação a Reforma
de seu julgamento pelo mérito.
• Constituição de 1946: restabeleceu a soberania do Júri, prevendo-o entre os direitos
e garantias constitucionais.
• Constituição de 1967: manteve o Júri no capítulo dos direitos e garantias individuais,
e a Emenda Constitucional nº 1, de 17/10/69 restringiu sua competência para
julgamento de crimes dolosos contra a vida.
• Constituição de 1988: o Júri encontra-se inserido no Capítulo dos Direitos e
Garantias Individuais: art. 5º, XXXVIII, dispondo que é reconhecida a instituição do
júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados como princípios básicos: a
plenitude do direito de defesa, o sigilo das votações, a soberania dos vereditos e a
competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (Artigos 74, § 1º e
78, I, CPP).
2. Finalidade do Júri: Sua finalidade é ampliar o direito de defesa dos réus,
funcionando como uma garantia individual dos acusados pela prática de crimes
dolosos contra a vida e permitir que, em lugar do Juiz Togado, preso a regras jurídicas,
sejam julgados pelos seus pares.
3 - Natureza Jurídica: É um direito e uma garantia fundamental do cidadão,
constituindo-se em cláusula pétrea (art. 60, § 4º CF). É o direito à participação popular
na Administração da Justiça. É uma garantia que o réu tem de ser julgado por seus
pares.
4 - Princípios Inerentes ao Tribunal do Júri:

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Advocacia Paulo Quezado S/C (Avenida Engenheiro Luis Vieira, 320, CEP: 60.177-250, bairro Dunas,
Fortaleza, Ceará)
4.1) Princípio da Plenitude de Defesa:
É mais que ampla defesa. Podem ser levados assuntos de ordem jurídica ou
meramente sentimental, no afã de influenciar nos ânimos dos jurados.
Significa o exercício da defesa em um grau maior que a ampla defesa. Defesa plena é
uma expressão mais intensa e mais abrangente do que defesa ampla. Compreende
dois aspectos: o primeiro, a obrigatoriedade do exercício da ampla defesa técnica, a
cargo de profissional habilitado (advogado, devidamente inscrito na OAB. O Juiz
fiscaliza e pode até dissolver o conselho de sentença e declarar o réu indefeso – art.
497, V, quando entender ineficiente a atuação do defensor); o segundo, a plenitude do
exercício da defesa pessoal do acusado, no momento do interrogatório, relatando ao
Juiz a versão que entender ser a mais conveniente e benéfica para sua defesa.
Havendo contradição entre a defesa técnica e a defesa pessoal, a maioria da doutrina
entende que ambas devem ser submetidas à apreciação dos jurados, sob pena de se
ofender o princípio constitucional da Plenitude de Defesa. O STF, no entanto, já
entendeu que deverá prevalecer somente a defesa técnica. A formulação dos quesitos
no julgamento se faz com base nas teses sustentadas pela defesa técnica.
4.2) Princípio do Sigilo nas Votações:
A votação dos jurados será sigilosa, sem que se conheça o voto dos integrantes do
conselho de sentença.
Trata-se de uma exceção ao Princípio Constitucional da Publicidade dos atos do Poder
Judiciário, disposto no art. 93, IX da CF. A Reforma Processual Penal foi enfática na
preservação deste sigilo. A sala secreta é a expressão lídima deste princípio. Onde não
há sala secreta, o plenário de julgamento é transformado em sala secreta,
determinando-se a saída das pessoas do recinto, para que possa ocorrer a votação.
Antes da reforma, o sigilo das votações era indiretamente devassado, em caso de
votação unânime. Mas após a entrada em vigor da reforma, quando estiver havendo a
apuração dos votos, ela será interrompida quando aparecerem quatro votos no
mesmo sentido (sim ou não). Essa nova regra, além de fortalecer o princípio do sigilo
das votações, também resguarda o jurado, em sua pessoa, evitando-se retaliações
(Art. 483, § 1º CPP).
4.3) Princípio da Soberania dos Vereditos:
Implica na impossibilidade de o tribunal técnico modificar a decisão dos jurados pelo
mérito.
Segundo este princípio, o Juiz tem que sentenciar de acordo com a decisão dos
jurados. Se os jurados decidiram que o crime foi de lesão corporal seguida de morte,
não pode o Juiz condenar o réu no crime de homicídio, e vice-versa. Todavia, este
princípio não é absoluto. Trata-se de princípio relativo, pois, se os jurados decidirem
de forma manifestamente contrária à prova dos autos e houver apelação (art. 593, III,
d), o julgamento será anulado e outro será realizado com a participação de novos
jurados. No entanto, tal recurso só pode ser utilizado uma única vez.
Outra hipótese de relativização do princípio da soberania dos vereditos é a Revisão
Criminal, utilizada para desconstituir a coisa julgada em favor do réu, diante do
surgimento de novas provas (ex: caso irmãos naves). O Protesto por Novo Júri foi
eliminado do CPP, fortalecendo o princípio da soberania dos vereditos.
4.4) Princípio da Competência Mínima para Julgamento dos Crimes Dolosos Contra a
Vida e os conexos, consumados ou tentados:
São eles: homicídio doloso, na forma simples e qualificada (art. 121 CP);
induzimento, instigação ou auxílio em suicídio (art. 122 CP); infanticídio (art. 123 CP);
aborto (art. 124 a 127 CP), na forma consumada ou tentada.
Obs: havendo conexão entre crime doloso contra a vida e crimes contra outros bens
jurídicos, o júri será o competente para julgamento de todos eles (art. 78, I, CPP). Esta
competência pode ser ampliada pelo legislador ordinário, mas não pode ser
restringida.
5 - Características Inerentes ao Tribunal do Júri:

- Composição do Júri: órgão colegiado heterogêneo, composto por um Juiz Presidente


(Juiz de Direito – Juiz Togado) e por 25 Juízes de Fato, os jurados (antes da reforma
eram 21 jurados) - art. 447 CPP.
- Jurados impedidos: o art. 448 CPP trata dos impedimentos para o exercício conjunto
da função de jurado no mesmo Conselho de Sentença.
- Jurados suspeitos: o art. 449 trouxe outras causas de suspeição não previstas
expressamente na redação anterior.
- Decisão Subjetivamente Complexa: é assim classificada, exatamente porque a
decisão emana de um órgão colegiado heterogêneo.
- Órgão Horizontal: diz-se que o Tribunal do Júri é um órgão horizontal, devido à
inexistência de vínculo hierárquico entre o Juiz de Direito (Presidente) e os Juízes de
Fato (Jurados).
- Órgão Temporário: é um órgão temporário porque só atua em certos períodos do
ano.
- Julgamento por Maioria de Votos: não precisa haver votação unânime, como nos
Estados Unidos. Exatamente por isso, é composto por número ímpar de jurados, para
evitar a ocorrência de empate.
- Procedimento Escalonado: Bifásico: 1ª Fase: Judicium Acusationes: é a fase do
sumário de culpa. Vai do oferecimento da denúncia até a sentença de pronúncia; 2ª
Fase: Judicium Causae: é o julgamento da causa propriamente dita, em plenário, pelos
jurados.
O procedimento bifásico foi mantido, porque a primeira fase funciona como uma fase
de filtro, em que o Juiz de Direito seleciona o que será submetido à apreciação dos
jurados, pois num plenário, tudo pode ocorrer. O Juiz de Direito é, portanto, a pedra
de toque, pedra fundamental que irá impedir o envio temerário de processos para o
corpo de jurados. O procedimento da primeira fase funciona de forma muito
semelhante ao procedimento comum ordinário, conforme adiante será demonstrado.

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