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ACÓRDÃO
Documento: 2018695 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 13/05/2021 Página 4 de 6
Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL Nº 1.698.728 - MS (2017/0155097-5)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : A C DA R (MENOR)
REPR. POR : AS A
ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO
SUL
RECORRIDO : E C DE S
RECORRIDO : A C DA R
ADVOGADOS : ROGELHO MASSUD JÚNIOR - MS004329
CAROLINA MONTEIRO FERREIRA E OUTRO(S) - MS019310
RELATÓRIO
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Contrarrazões ao recurso especial (e-STJ, fls. 359/392).
É o relatório.
VOTO VENCIDO
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Superior Tribunal de Justiça
sustento e educação da filha - Proc. nº 0819438-44.2015.8.12.0001.
O TJ/MS entendeu que a perda da autoridade parental por ato judicial
acarreta o término definitivo do poder familiar, de modo que não há que se falar em
prestação de alimentos pelos pais adotivos em tal situação, ainda mais considerando que
A C está abrigada e sob a proteção do Estado, recebendo deste todos os cuidados de que
necessita.
Parece que outra deveria ser a decisão do Tribunal
Sul-Mato-Grossense neste particular, salvo melhor juízo.
Nos termos do art. 1.634 do CC/02, compete a ambos os pais o pleno
exercício do poder familiar em relação aos filhos, cabendo a eles, entre outras
coisas, dirigir-lhes a criação e a educação, exercer a guarda, conceder-lhes ou negar-lhes
consentimento para se casarem ou viajarem ao exterior e representá-los ou assisti-los nos
atos da vida civil e em juízo.
Segundo FLÁVIO TARTUCE, o poder familiar é uma decorrência do
vínculo jurídico de filiação, constituindo o poder exercido pelos pais em relação aos filhos,
dentro da ideia de família democrática, do regime de colaboração familiar e de relações
baseadas, sobretudo, no afeto (Manual de Direito Civil: Volume único. 6ª ed. rev., atual. e
ampl. Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: Método, 2016, p. 1.408).
A extinção do poder familiar é uma sanção imposta aos genitores por
infração aos deveres decorrentes dele, com a finalidade de preservar e proteger os
interesses e a dignidade dos filhos. Ela se dá, exemplificativamente, nas hipóteses de
morte dos pais ou do filho, nas de emancipação, maioridade, adoção ou por decisão
judicial, na forma do art. 1.638 do CC/02 (arts. 1.630 e 1635 do CC/02).
Na hipótese dos autos, verifica-se que E e A aos 5/8/2015, foram
destituídos do poder familiar que detinham sobre A C, na ação promovida pelo Ministério
Público Estadual (Proc. nº 0819438-44.2015.8.12.0001), com fundamento no art. 1.638, II,
III e IV, do CC/02, porque eles não estavam exercendo na prática os deveres inerentes a tal
função (e-STJ, fls. 209/212).
Operada a destituição do poder familiar e salvaguardados os interesses
de A C, diferentemente do que consignou o acórdão recorrido, entendo que em tal
hipótese o encargo alimentar não se extingue automaticamente, pelos seguintes
motivos.
O primeiro argumento, do ponto de vista da legislação civil, é que a
sentença que decreta a perda do poder familiar não determina o cancelamento do registro
civil de nascimento da criança ou do adolescente, o que somente ocorre quando se operar
nova adoção (art. 47, § 2º da Lei nº 8.069/90 (ECA), determinando a lei que apenas a
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sentença seja averbada à margem do registro civil (art. 163 do ECA).
Nessa toada, observa-se que o decreto judicial de perda do poder familiar
não desconstitui os vínculos parentais, o que somente pode ocorrer com a colocação do
menor em outra família substituta para nova adoção, que, então, atribuirá a condição de
filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, desligando-o de qualquer vínculo
com os pais primitivos (art. 41, caput, do ECA).
Assim, decretada a extinção do poder familiar e não ocorrendo
nova adoção, os genitores ainda possuem obrigações e deveres com a prole comum,
incluindo o dever de prestar-lhes alimentos, que são essenciais a manutenção digna do
alimentado, pois ainda permanecem os vínculos de parentesco entre eles, que os une.
E existindo vínculo de parentesco, o art. 1.695 do CC/02 dispõe que o
direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os
ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros.
ROLF MADALENO bem esclarece o que é vínculo de parentesco,
lecionando que são parentes as pessoas que descendem uma das outras ou de um
tronco comum, e, no caso da afinidade, o que aproxima cada uma dos cônjuges dos
parentes do outro, e também há vínculo de parentesco na relação estabelecida por ficção
jurídica entre o adotado e o adotante (Direito de Família. 10ª ed. rev., atual. e ampl. Rio
de Janeiro: Forense, 2020, p. 518).
Não é só.
No caso dos autos, com a destituição do poder familiar, A C foi levada
para abrigo institucional e, por conseguinte, a sua guarda foi atribuída provisoriamente a
terceiro, no caso, à Coordenadora da Instituição de Acolhimento SOS Abrigo (e-STJ, fl.
37), ou seja, ao Estado (Município de Campo Grande/MS).
Nesse cenário, o § 4º do art. 33 do ECA, estabelece expressamente que
não havendo determinação judicial em contrário da autoridade judiciária ou quando a
medida for aplicada em preparação para adoção, "o deferimento da guarda para
terceiro não impede o exercício do direito de visitas pelos pais, assim como o dever de
prestar alimentos", o que é a hipótese dos autos, indicando que a obrigação alimentar
não se desfaz com a só destituição do poder familiar.
Por derradeiro, a Lei de Alimentos (Lei nº 5.478/68), no seu artigo 2º,
dispõe que o credor para fazer jus aos alimentos, deve se dirigir ao juiz competente,
qualificando-se e expondo suas necessidades, provando apenas o parentesco ou a
obrigação alimentar do devedor, de modo que esta última não está vinculada apenas ao
poder familiar.
Pelo exposto, sob o aspecto legal, em virtude da manutenção do
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parentesco, os pais destituídos do poder familiar permanecem obrigados a prestar
alimentos a seus filhos, desde que eles não tenham sido adotados, o que é o caso dos
autos.
Desse modo, agiu certo o juiz sentenciante ao ressaltar que "mesmo que
os requeridos tenham sido destituídos do poder familiar, essa situação não lhes desobriga
de prestar assistência material à filha, pois a destituição do poder familiar apenas retira
dos pais o poder que lhes é conferido para gerir a vida da prole, mas não rompe o vínculo
de parentesco" (e-STJ, fl. 224).
A respeito do tema, na jurisprudência desta eg. Corte Superior, não
encontrei nenhum um precedente específico das Turmas que compõem a Segunda
Seção, mas somente uma decisão monocrática proferida pela em. Ministra NANCY
ANDRIGHI, em processo semelhante, esclarecendo que na perda do poder familiar o
vínculo biológico com todos os seus consectários permanece, o que é retirado é apenas o
dever que o genitor tem de gerir a vida do filho (AREsp nº 1.720.813/MS, Rel. Ministra
NANCY ANDRIGHI, DJe de 21/8/2020).
No campo doutrinário, MARIA BERENICE DIAS defende que a destituição
do poder familiar não implica a extinção da obrigação alimentar, que permanece em virtude
da relação de parentesco, com os seguintes argumentos:
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base no parentesco.
A propósito, confiram-se os seguintes julgados:
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Federal, que assinalou que a destituição do poder familiar não implica a igual extinção da
obrigação alimentar, a qual, caso necessário, pode ser instituída com base na relação de
parentesco (e-STJ, fl. 459).
Diante do exposto, entendo que o acórdão recorrido deve ser reformado
no ponto, com o restabelecimento da sentença somente na parte que condenou E e A ao
pagamento de alimentos para A C.
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menor ter sido encaminhada aos Creas Centro, sustentou ter
conservado com a Sra. Edileusa que se mostrava preocupada, pois
não vinha sabendo como lidar com o comportamento da
adolescente que já havia fugido e estava praticando pequenos
furtos. Sustentou, ainda, que apesar de a mãe adotiva relatar que
não mais queria a menor morando junto consigo, disse
desconhecer qualquer relato de agressões físicas.
No mesmo sentido foi o depoimento de Geyssimar Sandim Bacargi
Dias, que confirmou as afirmações da colega de trabalho Débora.
[...]
Do mesmo modo, as cartas e partes do diário escrito pela
adolescente e juntados aos autos de nº
0821036-96.2016.8.12.0001, demonstram que convivência familiar
não se mostrava tão conflituosa quanto narrado, tendo a criança
escrito, em diversas ocasiões, que amava a mãe.
O documento de fls. 68 daqueles autos, uma carta escrita pela
adolescente, relata que em certa ocasião ela havia fugido da escola
para se encontrar com um menino, às escondidas, e que a mãe
havia ficado extremamente preocupada e procurado pela
adolescente, insistentemente, até que fosse encontrada.
O comportamento rebelde também é confirmado no processo de nº
0817819-16.2014. Depois de sair da casa dos pais adotivos e ser
transferida para o abrigo, a menina tentou contato com a família
biológica, sendo levada para Bela Vista. Ocorre que lá, novamente,
fugiu por diversas vezes, inclusive para o Paraguai, para se
encontrar com o namorado.
Também, vale ressaltar não ter ficado demonstrado que os
recorrentes agiram com má-fé ou que tenham sido irresponsáveis
em relação à educação da adolescente.
Conforme acima narrado, as testemunhas sustentaram que havia
uma relação de afeto na família e que todas desconheciam a
existência de maus tratos naquele ambiente.
Logicamente, na presente situação, a adoção não foi bem
sucedida. A família adotiva não soube lidar com as situações
advindas com a adolescência da menina e também com possíveis
dificuldades na personalidade da criança decorrentes do histórico
de violência a que foi submetida desde tenra idade.
[...]
Deve-se atentar para o fato de que ao poder público, também deve
ser creditada parcela de culpa, uma vez que concedeu a adoção de
uma criança (repita-se, já com 9 anos de idade) a um casal de
idosos e que, certamente, não se encontrava preparado, emocional
e psicologicamente, para recebê-la e orientá-la adequadamente,
bem como para enfrentar as situações adversas no que diz respeito
à adoção da criança (e-STJ, fls. 322/323, sem destaques no
original).
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Observa-se da transcrição supracitada que para o TJ/MS, soberano na
análise dos fatos e das provas dos autos, não houve comprovação de que A C sofreu
maus tratos, sejam físicos ou psicológicos, por parte dos seus pais adotivos, e que não se
configurou o alegado abandono afetivo.
Isso posto, impossível juridicamente desconstituir as premissas fáticas
adotadas pelo TJ/MS de que não foi comprovado o ato ilícito (abandono afetivo). Para tanto
seria indispensável o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, providência que não
pode ser levada a efeito em recurso especial, em virtude do óbice da Súmula nº 7 do STJ.
Ademais, tudo indica que a prova colhida foi bem avaliada.
Nessa mesma ordem de decidir, confiram-se os seguintes precedentes
do STJ:
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sentença no que tange a obrigação alimentar dos recorridos (E e A).
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CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : A C DA R (MENOR)
REPR. POR : ASA
ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL
RECORRIDO : E C DE S
RECORRIDO : A C DA R
ADVOGADOS : ROGELHO MASSUD JÚNIOR - MS004329
CAROLINA MONTEIRO FERREIRA E OUTRO(S) - MS019310
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na
sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Após o voto do Sr. Ministro Moura Ribeiro, conhecendo em parte do recurso especial e,
nesta parte, dando-lhe parcial provimento, pediu vista a Sra. Ministra Nancy Andrighi. Aguardam
os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino (Presidente), Ricardo Villas Bôas Cueva e Marco
Aurélio Bellizze.
Documento: 2018695 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 13/05/2021 Página 18 de 6
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CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : A C DA R (MENOR)
REPR. POR : ASA
ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL
RECORRIDO : E C DE S
RECORRIDO : A C DA R
ADVOGADOS : ROGELHO MASSUD JÚNIOR - MS004329
CAROLINA MONTEIRO FERREIRA E OUTRO(S) - MS019310
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na
sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Em questão de ordem suscitada pela Sra. Ministra Nancy Andrighi, a Terceira Turma
acolheu o requerimento de prorrogação de prazo do pedido de vista, nos termos § 1° do art. 162
do RISTJ.
Documento: 2018695 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 13/05/2021 Página 19 de 6
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RECURSO ESPECIAL Nº 1.698.728 - MS (2017/0155097-5)
RELATOR : MINISTRO MOURA RIBEIRO
RECORRENTE : A C DA R (MENOR)
REPR. POR : ASA
ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL
RECORRIDO : E C DE S
RECORRIDO : A C DA R
ADVOGADOS : ROGELHO MASSUD JÚNIOR - MS004329
CAROLINA MONTEIRO FERREIRA E OUTRO(S) - MS019310
VOTO-VISTA
Documento: 2018695 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 13/05/2021 Página 20 de 6
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Deve-se atentar para o fato de que ao poder público, também
deve ser creditada parcela de culpa, uma vez que concedeu a adoção de uma
criança (repita-se, já com 9 anos de idade) a um casal de idosos e que,
certamente, não se encontrava preparado, emocional e psicologicamente, para
recebê-la e orientá-la adequadamente, bem como para enfrentar as situações
adversas no que diz respeito à adoção da criança.
Documento: 2018695 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 13/05/2021 Página 24 de 6
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banheiros, passar as próprias roupas e as do irmão mais velho.
Por outro lado, os recorrentes aduzem que jamais pretenderam
desistir da adoção, pois sempre amaram a criança e sempre lhe proporcionaram
as melhores condições de vida, sendo inverídicas as alegações no sentido de que
era mal tratada e não recebia carinho e atenção da mãe.
As testemunhas ouvidas nos autos (fls. 124), não confirmaram a
alegação de a menor ser constantemente agredida e negligenciada pelos pais.
D dos S S, que deu atendimento à família após a menor ter sido
encaminha ao Creas Centro, sustentou ter conversado com a sra. E que se
mostrava preocupada, pois não vinha sabendo como lidar com o
comportamento da adolescente que já havia fugido e estava praticando
pequenos furtos. Sustentou, ainda, que apesar de a mãe adotiva relatar que não
mais queria a menor morando junto consigo, disse desconhecer qualquer relato
de agressões físicas.
No mesmo sentido foi o depoimento de G S B D, que confirmou
as afirmações da colega de trabalho D.
A M da S, amiga da família, sustentou que a criança foi bem
recebida, nunca teve notícia de maus tratos e que o comportamento da menina
(principalmente relativos a notas baixas na escola e namoro) ocasionou os
diversos conflitos familiares que motivaram a presente ação. Noticiou que a
relação entre mãe e filha sempre foi de muito amor e carinho. E que tanto a
genitora quanto a testemunha tentaram conversar bastante para que a
adolescente fosse dissuadida da ideia de sair de casa.
M F N da S, vizinha dos apelantes, do mesmo modo, asseverou
não ter conhecimento acerca de qualquer comportamento violento na família e
confirmou que havia relação de amor e carinho na família.
Do mesmo modo, as cartas e partes do diário escrito pela
adolescente e juntados aos autos de nº 0821036-96.2016.8.12.0001,
demonstram que convivência familiar não se mostrava tão conflituosa quanto
narrado, tendo a criança escrito, em diversas ocasiões, que amava a mãe.
O documento de fls. 68 daqueles autos, uma carta escrita pela
adolescente, relata que em certa ocasião ela havia fugido da escola para se
encontrar com um menino, às escondidas, e que a mãe havia ficado
extremamente preocupada e procurado pela adolescente, insistentemente, até
que fosse encontrada.
O comportamento rebelde também é confirmado no processo de
nº 0817819-16.2014. Depois de sair da casa dos pais adotativos e ser
transferida para o abrigo, a menina tentou contato com a família biológica,
sendo levada para Bela Vista. Ocorre que lá, novamente, fugiu por diversas
vezes, inclusive para o Paraguai, para se encontrar com o namorado.
Também, vale ressaltar não ter ficado demonstrado que os
recorrentes agiram com má-fé ou que tenham sido irresponsáveis em relação à
educação da adolescente. Conforme acima narrado, as testemunhas
sustentaram que havia uma relação de afeto na família e que todas
desconheciam a existência de maus tratos naquele ambiente.
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18) Examinando-se as razões de decidir acima declinadas, conclui-se
ser possível, respeitosamente, extrair uma conclusão jurídica distinta.
19) Com efeito, nos conflitos atinentes ao direito de família, a
ausência ou a insuficiência da prova das agressões físicas ou psicológicas que
justificariam a responsabilização civil é matéria que deve ser vista cum grano salis,
tendo em vista a própria dinâmica familiar, por vezes bastante reservada e íntima.
20) A esse respeito, anote-se que a prova oral reproduzida no acórdão
recorrido, se bem examinada, revela, em verdade, um cenário de falta de
adequado esclarecimento da matéria fática, tendo em vista que: (i) nenhuma das
testemunhas pode ser considerada como presencial, eis que apenas reportaram
genericamente nunca ter notícia de maus tratos e não ter conhecimento
de qualquer comportamento violento da família; (i i) uma das testemunhas
poderia ser considerada como suspeita, eis que era confessadamente amiga dos
recorridos, atraindo a incidência da regra do art. 405, §3º, III, do CPC/73; (iii) os
depoimentos de duas das testemunhas, as assistentes sociais, foram considerados
apenas a partir dos diálogos que mantiveram exclusivamente com a recorrida e
não a partir de sua própria observação dos fatos.
21) O depoimento de uma das assistentes sociais, a propósito,
permite inferir conclusão distinta daquela adotada pelo acórdão recorrido, na
medida em que diz ela ter ouvido, diretamente da mãe adotiva, o expresso
desejo de não mais querer a menor morando junto consigo – isso menos
de 05 anos após a adoção de uma criança que somente veio à entidade familiar em
avançada idade, já com 09 anos.
22) Esse desejo – de devolução da menor adotada ao abrigo – foi
reiterado em, pelo menos, mais uma oportunidade. Quando citados para a ação de
destituição do poder familiar, os recorridos, a despeito de negarem as agressões
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físicas e psicológicas, reconheceram que não reuniriam condições de
exercer o poder familiar e reconheceram a procedência do pedido
formulado pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul, concordando,
pois, com a destituição. Na sentença que julgou procedente o pedido, consta
expressamente:
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versão original da Lei 8.069/90, posteriormente renumerado para o art. 39, §1º,
em razão da Lei nº 12.010/2009).
26) Assim, a partir dos mesmos elementos fático-probatórios, é
possível inferir conclusão distinta, no sentido de que, cientes da impossibilidade
jurídica de revogar a adoção da filha que não atendeu às expectativas nela
depositadas, os recorridos provocaram artificialmente a destituição do poder
familiar, de modo a devolver a filha adotiva que não servia aos seus propósitos e
aos seus desígnios.
27) Essa perspectiva egocêntrica de família, formada a partir da ideia
de que somente será valioso aquele que sai exatamente aos seus e que não
considera as diferenças de personalidade e as idiossincrasias da pessoa humana, é
ainda mais lesiva quando se constata que, na hipótese, havia um conhecido
passado de abandono, de abrigamento e de profundas mazelas que não poderia
jamais ser desconsiderado e que impunha aos adotantes, por isso mesmo, um
senso de responsabilidade parental além daquele que normalmente se exige.
28) Assim, embora realmente tenha havido falha estatal ao deferir à
adoção de criança em condições tão especiais a quem muito provavelmente não
poderia, ou não desejaria, despender cuidados diferenciados, não se pode eximir
os pais adotivos de uma parcela dessa responsabilidade, pois, ainda que tenham
agido imbuídos das melhores intenções, é preciso dizer que o filho decorrente
da adoção não é uma espécie de produto que se escolhe na prateleira e
que pode ser devolvido se se constatar a existência de vícios ocultos.
29) Diante desse cenário, é absolutamente crível e presumível
concluir pela existência de grave abalo e de trauma psíquico em uma criança
de 09 anos que, após anos de acolhimento institucional, é recebida em um lar em
que espera permanecer e que, a partir de problemas que são cotidianamente
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enfrentados por todas as famílias do universo – talvez exponencialmente maiores
em razão de sua vida pregressa, vê os seus pais agindo para devolvê-la ao
albergamento aos 14 anos.
30) É nesse contexto que merece ser apreciada a prova documental
produzida no acórdão recorrido, no sentido de que “as cartas e partes do diário
escrito pela adolescente (...) demonstram que convivência familiar não se
mostrava tão conflituosa quanto narrado, tendo a criança escrito, em diversas
ocasiões, que amava a mãe”.
31) Se a convivência não era tão conflituosa e se havia amorosidade
entre as partes, a despeito de todas as adversidades, os recorridos, maiores,
capazes e cientes de suas responsabilidades, não adotaram a melhor conduta ao,
conscientemente, devolvê-la ao abrigamento.
32) É por isso que, respeitosamente, ouso divergir do e. Relator, para
conhecer e dar parcial provimento ao recurso especial interposto pela recorrente
no ponto, restabelecendo a sentença que julgou procedente o pedido, mas
arbitrando a condenação a título de danos morais em R$ 5.000,00 (e não em R$
20.000,00, como na sentença), corrigidos monetariamente a partir da data do
arbitramento, na forma da Súmula 362/STJ.
33) O valor de R$ 5.000,00, conquanto módico, considera todo o
contexto anteriormente mencionado, a fim de equilibrar a tensão existente entre
o direito à indenização a que faz jus a recorrente e o grau de culpa dos recorridos,
bem como de modo a não comprometer a eficácia da política pública de adoção.
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34) De outro lado, ao propor o restabelecimento da sentença que
condenou os recorridos a pagarem alimentos à recorrente, consignou o e. Relator,
em síntese, que mesmo quando houver a destituição do poder familiar,
não há correlatamente a desobrigação de prestação de assistência
material à filha, uma vez que a destituição do poder familiar apenas retira dos
pais o poder que lhes é conferido para gerir a vida da prole, mas, ao revés, não
rompe o vínculo de parentesco.
35) Trata-se, como destacado na sessão de julgamento, de matéria
verdadeiramente inédita nesta Corte. Conquanto se faça referência, no voto do e.
Relator, a uma decisão monocrática de minha Relatoria no AREsp 1.720.813/MS,
saliente-se que, naquela oportunidade, o recurso não foi conhecido em virtude da
incidência da Súmula 7/STJ, sendo que o trecho destacado por S. Exa. é, em
verdade, do acórdão recorrido.
36) Acerca desse ponto específico – alimentos – inclino-me a
concordar com a tese proposta no judicioso voto do e. Relator, ressalvando,
contudo, que há, na hipótese, uma particularidade que merece ser examinada
neste julgamento.
37) Com efeito, é fato incontroverso que a recorrente A C DA R
nasceu em 09/03/2001, razão pela qual completou a maioridade civil em
09/03/2019, quando o recurso especial já estava ao aguardo do julgamento nesta
Corte.
38) A despeito de a maioridade civil, por si só, não acarretar a
inviabilidade jurídica da condenação em alimentos, há fato superveniente
relevante que deve ser considerado para que se delibere sobre a condenação.
39) Com efeito, poderá a recorrente por exemplo, a partir da
maioridade civil e da consequente saída do acolhimento institucional, possuir
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renda própria e atividade laborativa ou econômica que lhe garanta o sustento sem
a necessidade de prestação dos alimentos pelos pais que, relembre-se, possuem
idade avançada.
40) Assim, para evitar a propositura de ação revisional ou exoneratória
e considerando que a fixação dos alimentos na sentença que se pretende
restabelecer ocorreu em Maio de 2016, isto é, há quase 05 anos, parece mais
adequado que, se acolhida a tese proposta pelo e. Relator – a qual desde logo adiro
–, seja dado provimento ao recurso especial para determinar o retorno do
processo ao TJ/MS, com determinação de conversão do julgamento da
apelação em diligência apenas em relação ao capítulo decisório dos
alimentos, a fim de que seja investigado se a recorrente ainda necessita dos
alimentos após ter alcançado a maioridade civil e quais são as atuais possibilidades
dos alimentantes.
CONCLUSÃO.
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Superior Tribunal de Justiça
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. ANTÔNIO CARLOS ALPINO BIGONHA
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : A C DA R (MENOR)
REPR. POR : ASA
ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL
RECORRIDO : E C DE S
RECORRIDO : A C DA R
ADVOGADOS : ROGELHO MASSUD JÚNIOR - MS004329
CAROLINA MONTEIRO FERREIRA E OUTRO(S) - MS019310
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na
sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista da Sra. Ministra Nancy Andrighi,
inaugurando a divergência, no que foi acompanhada pelos Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas
Cueva e Paulo de Tarso Sanseverino e o voto do Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze,
acompanhando o Relator, a Terceira Turma, por maioria, deu provimento ao recurso especial, nos
termos do voto da Sra. Ministra Nancy Andrighi, que lavrará o acórdão. Vencidos os Srs.
Ministros Moura Ribeiro e Marco Aurélio Bellizze. Votaram com a Sra. Ministra Nancy Andrighi
os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino (Presidente) e Ricardo Villas Bôas Cueva.
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