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Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 1.698.728 - MS (2017/0155097-5)

RELATOR : MINISTRO MOURA RIBEIRO


R.P/ACÓRDÃO : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : A C DA R (MENOR)
REPR. POR : ASA
ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL
RECORRIDO : E C DE S
RECORRIDO : A C DA R
ADVOGADOS : ROGELHO MASSUD JÚNIOR - MS004329
CAROLINA MONTEIRO FERREIRA E OUTRO(S) - MS019310
EMENTA

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. ADOÇÃO. DESTITUIÇÃO DO


PODER FAMILIAR E ABANDONO AFETIVO. CABIMENTO. EXAME DAS
ESPECÍFICAS CIRCUNSTÂNCIAS FÁTICAS DA HIPÓTESE. CRIANÇA EM IDADE
AVANÇADA E PAIS ADOTIVOS IDOSOS. AUSÊNCIA DE VEDAÇÃO LEGAL QUE
DEVE SER COMPATIBILIZADA COM O RISCO ACENTUADO DE INSUCESSO DA
ADOÇÃO. NOTÓRIA DIFERENÇA GERACIONAL. NECESSIDADE DE CUIDADOS
ESPECIAIS E DIFERENCIADOS. PROVÁVEL AUSÊNCIA DE DISPOSIÇÃO OU
PREPARAÇÃO DOS PAIS. ATO DE ADOÇÃO DE CRIANÇA EM AVANÇADA
IDADE QUE, CONQUANTO LOUVÁVEL E NOBRE, DEVE SER NORTEADO PELA
PONDERAÇÃO, CONVICÇÃO E RAZÃO. CONSEQUÊNCIAS GRAVES AOS
ADOTANTES E AO ADOTADO. PAPEL DO ESTADO E DO MINISTÉRIO PÚBLICO
NO PROCESSO DE ADOÇÃO. CONTROLE DO ÍMPETO DOS ADOTANTES. ZELO
PELA RACIONALIDADE E EFICIÊNCIA DA POLÍTICA PÚBLICA DE ADOÇÃO.
FALHA DAS ETAPAS DE VERIFICAÇÃO DA APTIDÃO DOS PAIS ADOTIVOS E DE
CONTROLE DO BENEFÍCIO DA ADOÇÃO. FATO QUE NÃO ELIMINA A
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PAIS QUE PRATICARAM ATOS CONCRETOS E
EFICAZES PARA DEVOLUÇÃO DA FILHA ADOTADA AO ACOLHIMENTO.
CONDENAÇÃO DOS ADOTANTES A REPARAR OS DANOS MORAIS CAUSADOS
À CRIANÇA. POSSIBILIDADE. CULPA CONFIGURADA. IMPOSSIBILIDADE DE
EXCLUSÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL. VALOR DOS DANOS MORAIS.
FIXAÇÃO EM VALOR MÓDICO. OBSERVÂNCIA DO CONTEXTO FÁTICO.
EQUILÍBRIO DO DIREITO À INDENIZAÇÃO E DO GRAU DE CULPA DOS PAIS,
SEM COMPROMETER A EFICÁCIA DA POLÍTICA PÚBLICA. DESTITUIÇÃO DO
PODER FAMILIAR. CONDENAÇÃO DOS PAIS DESTITUÍDOS A PAGAR
ALIMENTOS. POSSIBILIDADE. ROMPIMENTO DO PODER DE GESTÃO DA VIDA
DO FILHO, MAS NÃO DO VÍNCULO DE PARENTESCO. MAIORIDADE CIVIL DA
FILHA. FATO NOVO RELEVANTE. RETORNO DO PROCESSO AO TRIBUNAL COM
DETERMINAÇÃO DE CONVERSÃO EM DILIGÊNCIA. OBSERVÂNCIA DO
BINÔMIO NECESSIDADE DA ALIMENTADA E POSSIBILIDADE DOS
ALIMENTANTES.
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1- Os propósitos recursais consistem em definir: (i) se é cabível a reparação
por danos morais em decorrência do abandono afetivo dos pais adotivos em
relação ao adotado e se estão configurados, na hipótese, os pressupostos
autorizadores da responsabilidade civil; (ii) se é admissível que os pais
adotivos sejam condenados a prestar alimentos ao filho adotado após a
destituição do poder familiar, inclusive no período em que a criança se
encontre acolhida institucionalmente.
2- Para o exame do cabimento da reparação de danos morais pleiteada pela
adotada ao fundamento de abandono afetivo dos pais adotivos, é
imprescindível o exame do contexto em que se desenvolveram os fatos, que,
na hipótese, revelaram que a criança foi adotada quando já possuía 09 anos,
vinda de anterior destituição de poder familiar e de considerável período de
acolhimento institucional, por um casal de idosos de 55 e 85 anos e que já
possuía um filho biológico de 30 anos ao tempo da adoção.
3- Embora não seja legalmente vedada a adoção nas circunstâncias
especiais acima mencionadas, era possível inferir o acentuado risco de
insucesso da adoção em virtude da notória diferença geracional entre pais e
filho, de modo que era possível prever que a criança muito provavelmente
exigiria cuidados muito especiais e diferenciados dos pais adotivos que
possivelmente não estivessem realmente dispostos ou preparados para
despendê-los.
4- Conquanto o gesto de quem se propõe a adotar uma criança de avançada
idade e com conhecido histórico de traumas seja nobilíssimo, permeado de
ótimas intenções e reafirme a importância da política pública e social de
adoção, não se pode olvidar que o ato de adotar, que não deve ser temido,
deve ser norteado pela ponderação, pela convicção e pela razão, tendo em
vistas as suas inúmeras consequências aos adotantes e ao adotado.
5- No processo de adoção, o papel do Estado e do Ministério Público é de
extrema relevância, pois às instituições cabe, por meio dos assistentes
sociais, psicólogos, julgadores e promotores, controlar o eventual ímpeto
dos pretensos adotantes, conferindo maior racionalidade e eficiência à
política pública de adoção, o que efetivamente ocorre na grande maioria
das situações.
6- Na hipótese, contudo, verifica-se que a inaptidão dos adotantes diante das
circunstâncias fáticas específicas que envolviam a criança adotada era
bastante nítida, de modo que é possível concluir que as instituições de
controle não apreciaram adequadamente a questão ao deferir a adoção aos
pais adotivos.
7- A constatação desse fato não elimina completamente, todavia, a
responsabilidade civil dos pais adotivos pelos danos efetivamente causados à
criança quando, tencionando devolvê-la ao acolhimento, praticaram atos
concretos e eficazes para atingir essa finalidade, pois, embora a condenação
dos adotantes possa eventualmente inibir o sucesso dessa importante
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política pública, deixar de sancioná-los revelaria a condescendência judicial
com a prática de um ato contrário ao direito.
8- Na hipótese, fiel aos fatos apurados e às provas produzidas nas instâncias
ordinárias, é possível inferir a existência de dano moral à criança em
decorrência dos atos praticados pelos pais adotivos que culminaram com a
sua reinserção no sistema de acolhimento institucional após a adoção, de
modo que a falha estatal no processo de adoção deve ser levada em
consideração tão somente para aferir o grau de culpa dos pais, mas não
para excluir a responsabilização civil destes.
9- A formação de uma família a partir da adoção de uma criança é um ato
que exige, dos pais adotivos, elevado senso de responsabilidade parental,
diante da necessidade de considerar as diferenças de personalidade, as
idiossincrasias da pessoa humana e, especialmente, a vida pregressa da
criança adotada, pois o filho decorrente da adoção não é uma espécie de
produto que se escolhe na prateleira e que pode ser devolvido se se
constatar a existência de vícios ocultos.
10- Considerada a parcela de responsabilidade dos pais adotivos, arbitra-se
a condenação a título de danos morais em R$ 5.000,00, corrigidos
monetariamente a partir da data do arbitramento na forma da Súmula
362/STJ, valor que, conquanto módico, considera o contexto acima
mencionado de modo a equilibrar a tensão existente entre o direito à
indenização da filha e o grau de culpa dos pais, bem como de modo a não
comprometer a eficácia da política pública de adoção.
11- Mesmo quando houver a destituição do poder familiar, não há
correlatamente a desobrigação de prestação de assistência material ao
filho, uma vez que a destituição do poder familiar apenas retira dos pais o
poder que lhes é conferido para gerir a vida da prole, mas, ao revés, não
rompe o vínculo de parentesco.
12- Na hipótese, a filha atingiu a maioridade civil em 2019 e, embora a
maioridade civil, por si só, não acarrete a inviabilidade da prestação
alimentícia, há fato superveniente relevante que deve ser considerado para
que se delibere sobre a condenação em alimentos, de modo que deve ser
provido o recurso especial para determinar o retorno do processo ao
Tribunal e para determinar seja o julgamento da apelação convertido em
diligência, apenas em relação ao capítulo decisório dos alimentos,
investigando-se se a filha ainda necessita dos alimentos e quais são as atuais
possibilidades dos pais.
13- Recurso especial conhecido e provido, a fim de: (i) restabelecer a
sentença que julgou procedente o pedido, mas arbitrando em R$ 5.000,00 a
condenação a título de reparação de danos morais, corrigidos
monetariamente a partir da data do presente arbitramento; (ii) determinar
o retorno do processo ao Tribunal, com determinação de conversão do
julgamento da apelação em diligência, para investigar a necessidade da
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alimentada e as possibilidades dos alimentantes.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira


Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas constantes dos autos Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista da Sra.
Ministra Nancy Andrighi, inaugurando a divergência, no que foi acompanhada pelos Srs.
Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva e Paulo de Tarso Sanseverino e o voto do Sr. Ministro
Marco Aurélio Bellizze, acompanhando o Relator, por maioria, dar provimento ao recurso
especial nos termos do voto da Sra. Ministra Nancy Andrighi, que lavrará o acórdão.
Vencidos os Srs. Ministros Moura Ribeiro e Marco Aurélio Bellizze. Votaram com a Sra.
Ministra Nancy Andrighi os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas
Cueva.

Brasília (DF), 04 de maio de 2021(Data do Julgamento)

MINISTRA NANCY ANDRIGHI


Relatora

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RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
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REPR. POR : AS A
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SUL
RECORRIDO : E C DE S
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CAROLINA MONTEIRO FERREIRA E OUTRO(S) - MS019310

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO MOURA RIBEIRO (RELATOR):

A C DA R (A C), menor impúbere, nascida aos 9/3/2001, assistida pela


Defensoria Pública Estadual, ajuizou ação de reparação de danos morais e afetivos
cumulada com alimentos contra E C DE S e A C DA R (E e A), na qual narrou que aos 9
(nove) anos de idade foi adotada por eles, que a agrediam física e mentalmente, em
manifesto descumprimento do poder familiar, o que lhe acarretou abalos psíquicos.

Relatou, ainda, que (i) E procurou o Ministério Público buscando medidas


protetivas em seu favor, tendo afirmado que estava apresentando comportamentos
antissociais e havia, até, fugido do colégio onde estudava; (ii) o Ministério Público Estadual
ajuizou medida protetiva em seu favor na qual pediu a intervenção judicial para o
acompanhamento temporário da família por equipe técnica e órgãos oficiais, e a realização
de estudo psicossocial na residência familiar para acompanhamento da sua situação; (iii)
o estudo psicológico constatou que E e A desejavam entregá-la para uma instituição de
acolhimento e que eles não tinham interesse em resolver o conflito familiar; (iv)
confidenciou para a equipe técnica que tinha muito medo da sua genitora porque ela a
agredia com frequência; e, (v) a equipe técnica constatou indícios de transtornos nas suas
áreas cognitiva, comportamental, emocional e física, o que acarretou a sua recomendação
institucional para o fim de garantir sua plena integridade, tendo a Justiça acolhido a
recomendação e determinado o seu acolhimento institucional, além da perda do poder
familiar.

Pugnou pela condenação de E a A ao pagamento de compensação por


abandono material e afetivo em razão dos abalos sofridos, bem como ao pagamento de
pensão alimentícia para o atendimento das suas necessidades.

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O Juízo da Vara da Infância, Juventude e Idoso da Comarca de Campo


Grande/MS julgou parcialmente procedentes os pedidos para condenar E e A ao
pagamento de pensão alimentícia no valor correspondente a 50% do salário mínimo e ao
pagamento de indenização por danos morais para A C, em virtude de abandono afetivo, no
montante de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) (e-STJ, fls. 221/232).

O Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJ/SM) deu provimento ao


recurso de apelação de E e A, em acórdão que recebeu a seguinte ementa:

RECURSO DE APELAÇÃO – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR


DANOS MORAIS E ALIMENTOS – ADOÇÃO – PERDA DA
AUTORIDADE PARENTAL POR ATO JUDICIAL – TÉRMINO
DEFINITIVO DO PODER FAMILIAR – AUSÊNCIA DE OBRIGAÇÃO
ALIMENTAR – DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS –
REQUISITOS NÃO CONFIGURADOS – SENTENÇA REFORMADA
– RECURSO PROVIDO.

A perda da autoridade parental por ato judicial acarreta o término definitivo


do poder familiar (artigo 1.635, V, do Código Civil), logo, não há que se falar em prestação
de alimentos em tais situações.

O pressuposto lógico para reparação é a existência de ato ilícito, dano,


culpa do agente e nexo causal.

E, na ausência de tais requisitos, não há que se falar em dever de


indenizar (e-STJ, fl. 312).

Inconformada, A C interpôs recurso especial com fundamento no art. 105,


III, a, da CF, alegando violação dos arts. 186 e 1.634 do CC/02 e 3º, 4º, 22 e 92 da Lei nº
8.069/90 (ECA), ao sustentar que (1) em virtude do vinculo de parentesco decorrente da
adoção, os pais adotivos permanecem com a obrigação alimentar; (2) a destituição do
poder familiar não tem o condão de acarretar a extinção da obrigação alimentar; e (3) a
comprovação do abandono afetivo por parte dos recorridos, que descumpriram os deveres
parentais, enseja o dever de indenizar pelos danos psicológicos sofridos.

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Contrarrazões ao recurso especial (e-STJ, fls. 359/392).

O recurso especial foi admitido por força de provimento do agravo em


recurso especial.

O Ministério Público Federal, em parecer lançado pelo em.


Subprocurador-Geral da República, Dr. ANTÔNIO CARLOS ALPINO BIGONHA, opinou
pelo parcial provimento do recurso especial (e-STJ, fls. 453/460).

É o relatório.

VOTO VENCIDO

O EXMO. SR. MINISTRO MOURA RIBEIRO:

Adianto que o inconformismo merece prosperar, em parte.


De plano vale pontuar que as disposições do NCPC, no que se refere aos
requisitos de admissibilidade dos recursos, são aplicáveis ao caso concreto ante os
termos do Enunciado Administrativo nº 3, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de
9/3/2016:
Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a
decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão
exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo
CPC.

Discute-se, em síntese, se a desconstituição do poder familiar tem o


condão de exonerar os pais da obrigação alimentar em relação a filha adotiva (que era
menor), e se, na hipótese dos autos, houve abandono afetivo por parte dos genitores,
devendo ser deferida indenização por eventuais abalos psicológicos.
(1) e (2) Da destituição do poder familiar e da permanência da obrigação
alimentar
Colhe-se dos autos que E e A adotaram A C quando ela tinha 9 (nove)
anos de idade, sendo que com a chegada da adolescência e dos consequentes diversos
conflitos familiares, eles foram destituídos do poder familiar após 4 (quatro) anos de
convivência, em virtude da constatação de negligência no exercício de tal poder de guarda,

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sustento e educação da filha - Proc. nº 0819438-44.2015.8.12.0001.
O TJ/MS entendeu que a perda da autoridade parental por ato judicial
acarreta o término definitivo do poder familiar, de modo que não há que se falar em
prestação de alimentos pelos pais adotivos em tal situação, ainda mais considerando que
A C está abrigada e sob a proteção do Estado, recebendo deste todos os cuidados de que
necessita.
Parece que outra deveria ser a decisão do Tribunal
Sul-Mato-Grossense neste particular, salvo melhor juízo.
Nos termos do art. 1.634 do CC/02, compete a ambos os pais o pleno
exercício do poder familiar em relação aos filhos, cabendo a eles, entre outras
coisas, dirigir-lhes a criação e a educação, exercer a guarda, conceder-lhes ou negar-lhes
consentimento para se casarem ou viajarem ao exterior e representá-los ou assisti-los nos
atos da vida civil e em juízo.
Segundo FLÁVIO TARTUCE, o poder familiar é uma decorrência do
vínculo jurídico de filiação, constituindo o poder exercido pelos pais em relação aos filhos,
dentro da ideia de família democrática, do regime de colaboração familiar e de relações
baseadas, sobretudo, no afeto (Manual de Direito Civil: Volume único. 6ª ed. rev., atual. e
ampl. Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: Método, 2016, p. 1.408).
A extinção do poder familiar é uma sanção imposta aos genitores por
infração aos deveres decorrentes dele, com a finalidade de preservar e proteger os
interesses e a dignidade dos filhos. Ela se dá, exemplificativamente, nas hipóteses de
morte dos pais ou do filho, nas de emancipação, maioridade, adoção ou por decisão
judicial, na forma do art. 1.638 do CC/02 (arts. 1.630 e 1635 do CC/02).
Na hipótese dos autos, verifica-se que E e A aos 5/8/2015, foram
destituídos do poder familiar que detinham sobre A C, na ação promovida pelo Ministério
Público Estadual (Proc. nº 0819438-44.2015.8.12.0001), com fundamento no art. 1.638, II,
III e IV, do CC/02, porque eles não estavam exercendo na prática os deveres inerentes a tal
função (e-STJ, fls. 209/212).
Operada a destituição do poder familiar e salvaguardados os interesses
de A C, diferentemente do que consignou o acórdão recorrido, entendo que em tal
hipótese o encargo alimentar não se extingue automaticamente, pelos seguintes
motivos.
O primeiro argumento, do ponto de vista da legislação civil, é que a
sentença que decreta a perda do poder familiar não determina o cancelamento do registro
civil de nascimento da criança ou do adolescente, o que somente ocorre quando se operar
nova adoção (art. 47, § 2º da Lei nº 8.069/90 (ECA), determinando a lei que apenas a

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sentença seja averbada à margem do registro civil (art. 163 do ECA).
Nessa toada, observa-se que o decreto judicial de perda do poder familiar
não desconstitui os vínculos parentais, o que somente pode ocorrer com a colocação do
menor em outra família substituta para nova adoção, que, então, atribuirá a condição de
filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, desligando-o de qualquer vínculo
com os pais primitivos (art. 41, caput, do ECA).
Assim, decretada a extinção do poder familiar e não ocorrendo
nova adoção, os genitores ainda possuem obrigações e deveres com a prole comum,
incluindo o dever de prestar-lhes alimentos, que são essenciais a manutenção digna do
alimentado, pois ainda permanecem os vínculos de parentesco entre eles, que os une.
E existindo vínculo de parentesco, o art. 1.695 do CC/02 dispõe que o
direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os
ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros.
ROLF MADALENO bem esclarece o que é vínculo de parentesco,
lecionando que são parentes as pessoas que descendem uma das outras ou de um
tronco comum, e, no caso da afinidade, o que aproxima cada uma dos cônjuges dos
parentes do outro, e também há vínculo de parentesco na relação estabelecida por ficção
jurídica entre o adotado e o adotante (Direito de Família. 10ª ed. rev., atual. e ampl. Rio
de Janeiro: Forense, 2020, p. 518).
Não é só.
No caso dos autos, com a destituição do poder familiar, A C foi levada
para abrigo institucional e, por conseguinte, a sua guarda foi atribuída provisoriamente a
terceiro, no caso, à Coordenadora da Instituição de Acolhimento SOS Abrigo (e-STJ, fl.
37), ou seja, ao Estado (Município de Campo Grande/MS).
Nesse cenário, o § 4º do art. 33 do ECA, estabelece expressamente que
não havendo determinação judicial em contrário da autoridade judiciária ou quando a
medida for aplicada em preparação para adoção, "o deferimento da guarda para
terceiro não impede o exercício do direito de visitas pelos pais, assim como o dever de
prestar alimentos", o que é a hipótese dos autos, indicando que a obrigação alimentar
não se desfaz com a só destituição do poder familiar.
Por derradeiro, a Lei de Alimentos (Lei nº 5.478/68), no seu artigo 2º,
dispõe que o credor para fazer jus aos alimentos, deve se dirigir ao juiz competente,
qualificando-se e expondo suas necessidades, provando apenas o parentesco ou a
obrigação alimentar do devedor, de modo que esta última não está vinculada apenas ao
poder familiar.
Pelo exposto, sob o aspecto legal, em virtude da manutenção do
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parentesco, os pais destituídos do poder familiar permanecem obrigados a prestar
alimentos a seus filhos, desde que eles não tenham sido adotados, o que é o caso dos
autos.
Desse modo, agiu certo o juiz sentenciante ao ressaltar que "mesmo que
os requeridos tenham sido destituídos do poder familiar, essa situação não lhes desobriga
de prestar assistência material à filha, pois a destituição do poder familiar apenas retira
dos pais o poder que lhes é conferido para gerir a vida da prole, mas não rompe o vínculo
de parentesco" (e-STJ, fl. 224).
A respeito do tema, na jurisprudência desta eg. Corte Superior, não
encontrei nenhum um precedente específico das Turmas que compõem a Segunda
Seção, mas somente uma decisão monocrática proferida pela em. Ministra NANCY
ANDRIGHI, em processo semelhante, esclarecendo que na perda do poder familiar o
vínculo biológico com todos os seus consectários permanece, o que é retirado é apenas o
dever que o genitor tem de gerir a vida do filho (AREsp nº 1.720.813/MS, Rel. Ministra
NANCY ANDRIGHI, DJe de 21/8/2020).
No campo doutrinário, MARIA BERENICE DIAS defende que a destituição
do poder familiar não implica a extinção da obrigação alimentar, que permanece em virtude
da relação de parentesco, com os seguintes argumentos:

A perda ou suspensão do poder familiar não retira dos pais o dever


de alimentos. Entendimento em sentido contrário premiaria quem
faltou com seus deveres. Tampouco a colocação da criança ou do
adolescente em família substituta, ou sob tutela afasta o encargos
alimentar dos genitores. Trata-se de obrigação unilateral,
intransmissível, decorrente da condição de filho e independe do
poder familiar (Manual do Direito das Famílias. 12ª ed. rev., atual.
e ampl. São Paulo: Revista do Tribunais, 2017, p. 496).

Nesse mesmo sentido, trilha ROLF MADALENO, para quem, ao contrário


do dever alimentar, a obrigação alimentar não está vinculada ao poder familiar, mas
unicamente à relação de parentesco, como estabelece o art. 1.696 do Código Civil, ao
ordenar ser o direito à prestação de alimentos recíproco entre pais e filhos, e extensivo a
todos os ascendentes (op. cit., p. 1.031).
Para finalizar, cumpre ressaltar que o STJ já proclamou que, mesmo
cessando o poder familiar na hipótese da ocorrência da maioridade, a obrigação de prestar
alimentos não se extingue de forma automática, pois subsiste o dever de sustento, com

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base no parentesco.
A propósito, confiram-se os seguintes julgados:

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO.


PROCESSO CIVIL E DIREITO DE FAMÍLIA. REQUISITOS DO
RECURSO ESPECIAL. ATENDIMENTO. APLICAÇÃO DE SÚMULA
A CASOS PENDENTES. POSSIBILIDADE. PENSÃO
ALIMENTÍCIA. MAIORIDADE DO FILHO. EXONERAÇÃO
AUTOMÁTICA. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE
CONTRADITÓRIO.
1. Este Tribunal Superior assentou o entendimento de que,
conquanto atingida a maioridade do filho, cessando, pois, o poder
familiar, o dever de prestar alimentos não se extingue de forma
automática, devendo ser oportunizada, primeiramente, a
manifestação do alimentado em comprovar sua impossibilidade de
prover a própria subsistência, seja nos próprios autos, seja em
procedimento próprio, respeitado, em qualquer caso, o
contraditório. Isso porque ainda subsiste o dever de prestar
alimentos com base no parentesco.
Incidência da Súmula 358/STJ.
2. O enunciado de súmula é apenas uma consolidação da
jurisprudência reiterada do Tribunal e, por não se confundir com
dispositivo de lei ou instrumento normativo, pode incidir aos casos
pendentes de julgamento.
3. Agravo regimental não provido.
(AgRg nos EDcl no Ag 1020362/SP, Rel. Ministro VASCO DELLA
GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS),
Terceira Turma, julgado aos 2/6/2009, DJe de 16/6/2009)

ALIMENTOS. MAIORIDADE DO ALIMENTANDO. EXONERAÇÃO


AUTOMÁTICA DA PENSÃO. INADMISSIBILIDADE.
Com a maioridade, extingue-se o poder familiar, mas não cessa
desde logo o dever de prestar alimentos, fundado a partir de então
no parentesco.
É vedada a exoneração automática do alimentante, sem possibilitar
ao alimentando a oportunidade de manifestar-se e comprovar, se
for o caso, a impossibilidade de prover a própria subsistência.
Precedentes do STJ.
Recurso especial conhecido e provido, prejudicada a Medida
Cautelar n. 9.009-DF.
(REsp nº 682.889/DF, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, Quarta
Turma, julgado aos 23/8/2005, DJ de 2/5/2006, p. 334)

Finalmente, merece destaque a manifestação do Ministério Público

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Federal, que assinalou que a destituição do poder familiar não implica a igual extinção da
obrigação alimentar, a qual, caso necessário, pode ser instituída com base na relação de
parentesco (e-STJ, fl. 459).
Diante do exposto, entendo que o acórdão recorrido deve ser reformado
no ponto, com o restabelecimento da sentença somente na parte que condenou E e A ao
pagamento de alimentos para A C.

(3) Da indenização por danos morais em virtude de suposto abandono


afetivo
A C sustentou que deve ser indenizada pelos danos psicológicos que
sofreu em virtude do comprovado abandono afetivo que lhes foi imposto pelo
comportamento de E e A.
O TJ/MS entendeu, à luz dos elementos e das provas colhidas dos autos,
que não ficou comprovada nenhuma situação de maus-tratos sofridos por A C ou
abandono afetivo por parte dos recorridos E a A (inexistência de ato ilícito), consignando
que a adoção não deu certo em virtude do despreparo emocional e psicológico do casal
adotante, nos seguintes termos:

[...] No caso dos autos os apelantes adotaram a recorrida quando


ela tinha 9 anos de idade, sendo a adoção constituída por meio da
sentença proferida nos autos nº 0054829-69.2010.8.12.0001 (fls.
20/25).
Todavia, após 3 anos de convivência, a adolescente passou a
apresentar comportamento com o qual os pais adotivos não
concordavam, surgindo diversos conflitos familiares, o que levou à
remoção da menor do lar e à destituição do poder familiar, como já
acima mencionado.
A apelada sustenta que sofreu agressões físicas e psicológicas por
parte de sua mãe e que dela tinha muito medo, bem como que era
responsável por realizar todos os serviços domésticos, como
limpeza da casa, lavar os banheiros, passar as próprias roupas e
as do irmão mais velho.
Por outro lado, os recorrentes aduzem que jamais pretenderam
desistir da adoção, pois sempre amaram a criança e sempre lhe
proporcionaram as melhores condições de vida, sendo inverídicas
as alegações no sentido de que era mal tratada e não recebia
carinho e atenção da mãe.
As testemunhas ouvidas nos autos (fls. 124), não confirmaram a
alegação de a menor ser constantemente agredida e negligenciada
pelos pais.
Débora dos Santos Soares, que deu atendimento à família após a

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menor ter sido encaminhada aos Creas Centro, sustentou ter
conservado com a Sra. Edileusa que se mostrava preocupada, pois
não vinha sabendo como lidar com o comportamento da
adolescente que já havia fugido e estava praticando pequenos
furtos. Sustentou, ainda, que apesar de a mãe adotiva relatar que
não mais queria a menor morando junto consigo, disse
desconhecer qualquer relato de agressões físicas.
No mesmo sentido foi o depoimento de Geyssimar Sandim Bacargi
Dias, que confirmou as afirmações da colega de trabalho Débora.
[...]
Do mesmo modo, as cartas e partes do diário escrito pela
adolescente e juntados aos autos de nº
0821036-96.2016.8.12.0001, demonstram que convivência familiar
não se mostrava tão conflituosa quanto narrado, tendo a criança
escrito, em diversas ocasiões, que amava a mãe.
O documento de fls. 68 daqueles autos, uma carta escrita pela
adolescente, relata que em certa ocasião ela havia fugido da escola
para se encontrar com um menino, às escondidas, e que a mãe
havia ficado extremamente preocupada e procurado pela
adolescente, insistentemente, até que fosse encontrada.
O comportamento rebelde também é confirmado no processo de nº
0817819-16.2014. Depois de sair da casa dos pais adotivos e ser
transferida para o abrigo, a menina tentou contato com a família
biológica, sendo levada para Bela Vista. Ocorre que lá, novamente,
fugiu por diversas vezes, inclusive para o Paraguai, para se
encontrar com o namorado.
Também, vale ressaltar não ter ficado demonstrado que os
recorrentes agiram com má-fé ou que tenham sido irresponsáveis
em relação à educação da adolescente.
Conforme acima narrado, as testemunhas sustentaram que havia
uma relação de afeto na família e que todas desconheciam a
existência de maus tratos naquele ambiente.
Logicamente, na presente situação, a adoção não foi bem
sucedida. A família adotiva não soube lidar com as situações
advindas com a adolescência da menina e também com possíveis
dificuldades na personalidade da criança decorrentes do histórico
de violência a que foi submetida desde tenra idade.
[...]
Deve-se atentar para o fato de que ao poder público, também deve
ser creditada parcela de culpa, uma vez que concedeu a adoção de
uma criança (repita-se, já com 9 anos de idade) a um casal de
idosos e que, certamente, não se encontrava preparado, emocional
e psicologicamente, para recebê-la e orientá-la adequadamente,
bem como para enfrentar as situações adversas no que diz respeito
à adoção da criança (e-STJ, fls. 322/323, sem destaques no
original).

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Superior Tribunal de Justiça
Observa-se da transcrição supracitada que para o TJ/MS, soberano na
análise dos fatos e das provas dos autos, não houve comprovação de que A C sofreu
maus tratos, sejam físicos ou psicológicos, por parte dos seus pais adotivos, e que não se
configurou o alegado abandono afetivo.
Isso posto, impossível juridicamente desconstituir as premissas fáticas
adotadas pelo TJ/MS de que não foi comprovado o ato ilícito (abandono afetivo). Para tanto
seria indispensável o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, providência que não
pode ser levada a efeito em recurso especial, em virtude do óbice da Súmula nº 7 do STJ.
Ademais, tudo indica que a prova colhida foi bem avaliada.
Nessa mesma ordem de decidir, confiram-se os seguintes precedentes
do STJ:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.


AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ABANDONO DE MENOR. DANOS MORAIS.
MATÉRIA QUE DEMANDA REEXAME DE FATOS E PROVAS.
SUMULA 7 DO STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
[...]
2. O STJ possui firme o entendimento no sentido de que "O dever
de cuidado compreende o dever de sustento, guarda e educação
dos filhos. Não há dever jurídico de cuidar afetuosamente, de modo
que o abandono afetivo, se cumpridos os deveres de sustento,
guarda e educação da prole, ou de prover as necessidades de
filhos maiores e pais, em situação de vulnerabilidade, não configura
dano moral indenizável." (REsp 1579021/RS, Rel. Ministra MARIA
ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 19/10/2017, DJe
29/11/2017).
3. O Tribunal de origem, amparado no acervo fático - probatório
dos autos concluiu que: ' Não houve comprovação de abandono
afetivo ou material dos pais em relação à filha, de modo a
configurar um ilícito ensejador de dano moral.'.
Dessa forma, alterar o entendimento do acórdão recorrido sobre a
não comprovação dos requisitos caracterizados da
responsabilidade civil demandaria, necessariamente, reexame de
fatos e provas, o que é vedado em razão do óbice da Súmula 7 do
STJ.
4. Agravo interno não provido.
(AgInt no AREsp nº 1.286.242/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE
SALOMÃO, Quarta Turma, julgado aos 8/10/2019, DJe de
15/10/2019, sem destaque no original)

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO.


COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE.
1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes
à responsabilidade civil e o consequente dever de
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Superior Tribunal de Justiça
indenizar/compensar no Direito de Família.
2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no
ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com
locuções e termos que manifestam suas diversas desinências,
como se observa do art. 227 da CF/88.
3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi
descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude
civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge
um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de
criação, educação e companhia - de cuidado - importa em
vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de
se pleitear compensação por danos morais por abandono
psicológico.
4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade
de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole,
existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do
mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à
afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e
inserção social.
5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de
excludentes ou, ainda, fatores atenuantes - por demandarem
revolvimento de matéria fática - não podem ser objeto de
reavaliação na estreita via do recurso especial.
6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos
morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a
quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou
exagerada.
7. Recurso especial parcialmente provido.
(REsp nº 1.159.242/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Terceira
Turma, julgado aos 24/4/2012, DJe de 10/5/2012, sem destaque no
original)

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO (ART. 544 do CPC/73) - AÇÃO


DE EXONERAÇÃO DE PENSÃO ALIMENTÍCIA - RECONVENÇÃO -
DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO
RECLAMO . INSURGÊNCIA DO REQUERIDO/RECONVINTE.
[...]
2. Este Superior Tribunal de Justiça já afirmou entendimento no
sentido de não ser possível falar em abandono afetivo antes do
reconhecimento da paternidade.
2.1. "O dever de cuidado compreende o dever de sustento, guarda
e educação dos filhos. Não há dever jurídico de cuidar
afetuosamente, de modo que o abandono afetivo, se cumpridos os
deveres de sustento, guarda e educação da prole, ou de prover as
necessidades de filhos maiores e pais, em situação de
vulnerabilidade, não configura dano moral indenizável." (REsp
1579021/RS, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA
TURMA, julgado em 19/10/2017, DJe 29/11/2017).
Documento: 2018695 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 13/05/2021 Página 15 de 6
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2.2. A revisão do entendimento da Corte de origem quanto ao
cumprimento dos deveres da paternidade pelo recorrido, com o
afastamento do abandono afetivo na espécie, somente seria
possível mediante o reexame do acervo fático-probatório dos autos,
o que não se permite na via estreita do recurso especial por força
da Súmula 7/STJ.
3. Agravo interno desprovido.
(AgInt no AREsp nº 492.243/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI,
Quarta Turma, julgado aos 5/6/2018, DJe de 12/6/2018, sem
destaque no original)

RECURSO ESPECIAL. CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO DE


INDENIZAÇÃO. ABANDONO AFETIVO. NÃO OCORRÊNCIA. ATO
ILÍCITO. NÃO CONFIGURAÇÃO. ART. 186 DO CÓDIGO CIVIL.
AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA CONFIGURAÇÃO DO NEXO
CAUSAL. SÚMULA Nº 7/STJ. INCIDÊNCIA. "PACTA CORVINA".
"VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM". VEDAÇÃO. AUSÊNCIA
DE PREQUESTIONAMENTO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. NÃO
CARACTERIZADO. MATÉRIA CONSTITUCIONAL.
1. A possibilidade de compensação pecuniária a título de danos
morais e materiais por abandono afetivo exige detalhada
demonstração do ilícito civil (art. 186 do Código Civil) cujas
especificidades ultrapassem, sobremaneira, o mero dissabor, para
que os sentimentos não sejam mercantilizados e para que não se
fomente a propositura de ações judiciais motivadas unicamente
pelo interesse econômico-financeiro.
2. Em regra, ao pai pode ser imposto o dever de registrar e
sustentar financeiramente eventual prole, por meio da ação de
alimentos combinada com investigação de paternidade, desde que
demonstrada a necessidade concreta do auxílio material.
3. É insindicável, nesta instância especial, revolver o nexo causal
entre o suposto abandono afetivo e o alegado dano ante o óbice da
Súmula nº 7/STJ.
4. O ordenamento pátrio veda o "pacta corvina" e o "venire contra
factum proprium".
5. Recurso especial parcialmente conhecido, e nessa parte, não
provido.
(REsp nº 1.493.125/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS
CUEVA, Terceira Turma, julgado aos 23/2/2016, DJe de 1º/3/2016,
sem destaque no original)

Isso posto, o recurso especial não merece ser conhecido no ponto.


Nessas condições, pelo meu voto, CONHEÇO EM PARTE do recurso
especial e nessa extensão a ele DOU PARCIAL PROVIMENTO para restabelecer a

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sentença no que tange a obrigação alimentar dos recorridos (E e A).

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CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA

Número Registro: 2017/0155097-5 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.698.728 / MS

Números Origem: 08178191620148120001 08257411120148120001 0825741112014812000150001


825741112014812000150001

PAUTA: 09/02/2021 JULGADO: 09/02/2021


SEGREDO DE JUSTIÇA
Relator
Exmo. Sr. Ministro MOURA RIBEIRO
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. ONOFRE DE FARIA MARTINS
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA

AUTUAÇÃO
RECORRENTE : A C DA R (MENOR)
REPR. POR : ASA
ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL
RECORRIDO : E C DE S
RECORRIDO : A C DA R
ADVOGADOS : ROGELHO MASSUD JÚNIOR - MS004329
CAROLINA MONTEIRO FERREIRA E OUTRO(S) - MS019310

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Família

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na
sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Após o voto do Sr. Ministro Moura Ribeiro, conhecendo em parte do recurso especial e,
nesta parte, dando-lhe parcial provimento, pediu vista a Sra. Ministra Nancy Andrighi. Aguardam
os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino (Presidente), Ricardo Villas Bôas Cueva e Marco
Aurélio Bellizze.

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Superior Tribunal de Justiça

CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA

Número Registro: 2017/0155097-5 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.698.728 / MS

Números Origem: 08178191620148120001 08257411120148120001 0825741112014812000150001


825741112014812000150001

PAUTA: 09/02/2021 JULGADO: 06/04/2021


SEGREDO DE JUSTIÇA
Relator
Exmo. Sr. Ministro MOURA RIBEIRO
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. ONOFRE DE FARIA MARTINS
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA

AUTUAÇÃO
RECORRENTE : A C DA R (MENOR)
REPR. POR : ASA
ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL
RECORRIDO : E C DE S
RECORRIDO : A C DA R
ADVOGADOS : ROGELHO MASSUD JÚNIOR - MS004329
CAROLINA MONTEIRO FERREIRA E OUTRO(S) - MS019310

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Família

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na
sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Em questão de ordem suscitada pela Sra. Ministra Nancy Andrighi, a Terceira Turma
acolheu o requerimento de prorrogação de prazo do pedido de vista, nos termos § 1° do art. 162
do RISTJ.

Documento: 2018695 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 13/05/2021 Página 19 de 6
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RECURSO ESPECIAL Nº 1.698.728 - MS (2017/0155097-5)
RELATOR : MINISTRO MOURA RIBEIRO
RECORRENTE : A C DA R (MENOR)
REPR. POR : ASA
ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL
RECORRIDO : E C DE S
RECORRIDO : A C DA R
ADVOGADOS : ROGELHO MASSUD JÚNIOR - MS004329
CAROLINA MONTEIRO FERREIRA E OUTRO(S) - MS019310

VOTO-VISTA

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI:

Cuida-se de recurso especial interposto por A C DA R, por meio do


qual pretende a reforma do acórdão de fls. 312/324 (e-STJ), por meio do qual a 4ª
Câmara Cível do TJ/MS deu provimento à apelação interposta pelos recorridos, E C
DE S e A C DA R, reformando a sentença que havia julgado procedente os pedidos
de alimentos e de reparação de danos morais.
Voto do e. Relator, Min. Moura Ribeiro: conheceu em parte e,
nessa extensão, deu parcial provimento ao recurso especial de A C DA R, a fim de:
(i) restabelecer a sentença quanto à obrigação de pagar alimentos imposta aos
recorridos, ao fundamento de que mesmo os pais destituídos do poder familiar
permanecem obrigados a prestar alimentos a seus filhos, inclusive durante o
período de acolhimento institucional; (ii) manteve o acórdão recorrido quanto à
inexistência de dever de reparar danos morais decorrentes de abandono afetivo,
ao fundamento de que as conclusões do acórdão recorrido, no sentido de que não
teria havido prova de maus tratos físicos ou psicológicos dos recorridos em relação
à recorrente, não seriam suscetíveis de reexame em virtude da Súmula 7/STJ.
Em razão do ineditismo da matéria, pedi vista para melhor exame da
controvérsia na sessão telepresencial ocorrida no último dia 09/02/2021.

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DO DANO MORAL POR ABANDONO AFETIVO.

01) Para melhor compreensão da controvérsia, é indispensável que se


estabeleçam algumas premissas fáticas acerca da hipótese em exame e,
especialmente, de suas singularidades.
02) De início, é preciso destacar que a recorrente foi adotada pelos
recorridos no ano de 2010, quando já possuía 09 anos, vindo de anterior
destituição de poder familiar e considerável período de acolhimento institucional.
Os recorridos, por sua vez, eram idosos ao tempo da adoção da recorrente (ela
com 5 5 e ele com 85 anos) e possuíam filho biológico com quase 30 anos
àquela época.
03) Esse contexto revela desde logo que se tratava, nitidamente, de
uma adoção com riscos acima daqueles que normalmente se espera, pois
era previsível que a recorrente, diante de seu histórico de vida, demandaria
cuidados ainda mais especiais e diferenciados, ao mesmo tempo em que se
poderia vislumbrar que os recorridos talvez não estivessem realmente dispostos
ou preparados para despendê-los.
04) Essa combinação de fatores não passou desapercebida pelo
acórdão recorrido:

Logicamente, na presente situação, a adoção não foi bem


sucedida. A família adotiva não soube lidar com as situações advindas com a
adolescência da menina e também com possíveis dificuldades na personalidade
da criança decorrentes do histórico de violência a que foi submetida desde tenra
idade.
Como sabido, o ato de adoção é cercado de diversas
formalidades, não somente jurídicas, mas que também se destinam a avaliar a
aptidão do postulante, sua orientação e preparação psicológica que, na presente
situação mostraram-se falhas.

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Superior Tribunal de Justiça
Deve-se atentar para o fato de que ao poder público, também
deve ser creditada parcela de culpa, uma vez que concedeu a adoção de uma
criança (repita-se, já com 9 anos de idade) a um casal de idosos e que,
certamente, não se encontrava preparado, emocional e psicologicamente, para
recebê-la e orientá-la adequadamente, bem como para enfrentar as situações
adversas no que diz respeito à adoção da criança.

05) Conquanto a presente ação de alimentos cumulada com reparação


de danos morais tenha sido ajuizada pela recorrente em Agosto de 2014, é
possível constatar, a partir do exame do processo, que os conflitos familiares
tiveram origem 03 anos após a adoção e se prolongaram no tempo, culminando
com a propositura, no ano de 2015, de ação de destituição do poder familiar pelo
Ministério Público do Estado do Mato Grosso do Sul.
06) Anote-se, ademais, que a referida ação veio a ser julgada
procedente e a transitar em julgado naquele mesmo ano, razão pela qual a
recorrente voltou ao acolhimento institucional em Janeiro de 2016, no qual
permaneceu, ao menos, até atingir a maioridade civil, no ano de 2019.
07) Essa contextualização inicial é necessária porque bem demonstra
como uma política pública e social de altíssima relevância pode ser
sabotada pela realidade e, principalmente, pela falta de adequado manejo das suas
ferramentas, da qual resultaram sucessivos e incontestáveis equívocos.
08) A começar pelos adotantes, um casal de idosos, sendo que um
deles possuía 85 anos ao tempo dos fatos. Não havia óbice legal para que
adotassem uma criança de 09 anos e, sublinhe-se, a conduta de adotar uma
criança à essa altura da vida é nobilíssima, certamente tomada com a melhor das
intenções e com a finalidade de propiciar uma segunda chance à criança que viveu
longos anos em acolhimento institucional.
09) Entretanto, por melhores que tenham sido as intenções dos
adotantes, não se pode olvidar que, a partir do quadro fático acima delineado, já
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Superior Tribunal de Justiça
seria possível imaginar a efetiva possibilidade de um processo de
adaptação bastante difícil – muito mais difícil do que normalmente se espera e
se verifica – em razão da notória diferença geracional entre os adotantes e a
adotada associado ao fato de que a história de vida da adotada era, sim,
extremamente traumático.
10) De outro lado, é preciso destacar o papel do Estado, no sentido
mais amplo possível (assistentes sociais, psicólogos, julgadores), e do Ministério
Público, não apenas diante das circunstâncias fáticas muito específicas e peculiares
aqui verificadas, mas também no próprio contexto global de implementação e
concretização dessa relevante política pública.
11) Não há dúvida de que o Estado e o Ministério Público exercem
papeis imprescindíveis para que a política nacional de adoção seja densificada,
eficiente e frutífera. Também não há dúvida de que, na grande maioria das
situações, essa atuação é digna de todos os elogios, firme, adequada e em prol dos
melhores interesses das crianças.
12) Entretanto, na hipótese em exame, é preciso sublinhar que a
perceptível inaptidão dos adotantes, que salta aos olhos de todos em uma
análise mais detida e equidistante da questão, somente veio a ser observada e
considerada por ocasião do julgamento da apelação da ação indenizatória ajuizada
pela adotada em face dos adotantes, quando a situação era mesmo irreversível.
13) Não houve, ao que tudo indica, adequada atenção para esse fato
no processo de adoção, o que poderia evitar a colocação dessa criança em uma
entidade familiar imprópria para recebê-la, assim como não houve adequada
atenção para esse fato na ação de destituição de poder familiar ajuizada
pelo Ministério Público, que, respeitosamente, não deveria ter sido
proposta e, como foi, não deveria ter sido julgada procedente, eis que da
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Superior Tribunal de Justiça
leitura da sentença proferida naquela ação, data venia, não se extraem razões
suficientes para o desfazimento do vínculo paterno-filial.
14) Percebe-se, pois, que todos os mecanismos de controle
existentes no sistema de adoção falharam sucessivamente, reconhecimento
que, para além das específicas consequências para o desfecho da hipótese em
exame, convida a todos para reflexões ainda mais amplas.
15) Às milhares de pessoas que pretendem adotar, a palavra é
ponderação. Embora não se deva temer a adoção, um gesto de generosidade e
grandeza inigualável, é preciso ter a mais elevada convicção dessa escolha, pois ela
terá, sempre, inúmeras consequências, não apenas aos adotantes, mas também ao
adotado. O ímpeto de adotar deve encontrar firme amparo em motivos racionais
para adotar.
16) E aos demais partícipes do processo de adoção, a palavra é
atenção, pois somente o olhar humano e individualizado será capaz de evitar
situações como a tratada neste processo, em que condenar os adotantes poderia
criar sérios obstáculos ao sucesso dessa importante política pública, mas deixar de
sancioná-los poderia revelar a condescendência com a prática de um ato contrário
ao direito.
17) Dito isso, anote-se que a pretendida reparação pelos danos morais
alegadamente causados pelos recorridos à recorrente foi negada pelo acórdão
recorrido sob os seguintes fundamentos:

Todavia, após 3 anos de convivência, a adolescente passou a


apresentar comportamento com o qual os pais adotivos não concordavam,
surgindo diversos conflitos familiares, o que levou à remoção da menor do lar e à
destituição do poder familiar, como já acima mencionado.
A apelada sustenta que sofreu agressões físicas e psicológicas por
parte de sua mãe e que dela tinha muito medo, bem como que era responsável
por realizar todos os serviços domésticos, como limpeza da casa, lavar os

Documento: 2018695 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 13/05/2021 Página 24 de 6
Superior Tribunal de Justiça
banheiros, passar as próprias roupas e as do irmão mais velho.
Por outro lado, os recorrentes aduzem que jamais pretenderam
desistir da adoção, pois sempre amaram a criança e sempre lhe proporcionaram
as melhores condições de vida, sendo inverídicas as alegações no sentido de que
era mal tratada e não recebia carinho e atenção da mãe.
As testemunhas ouvidas nos autos (fls. 124), não confirmaram a
alegação de a menor ser constantemente agredida e negligenciada pelos pais.
D dos S S, que deu atendimento à família após a menor ter sido
encaminha ao Creas Centro, sustentou ter conversado com a sra. E que se
mostrava preocupada, pois não vinha sabendo como lidar com o
comportamento da adolescente que já havia fugido e estava praticando
pequenos furtos. Sustentou, ainda, que apesar de a mãe adotiva relatar que não
mais queria a menor morando junto consigo, disse desconhecer qualquer relato
de agressões físicas.
No mesmo sentido foi o depoimento de G S B D, que confirmou
as afirmações da colega de trabalho D.
A M da S, amiga da família, sustentou que a criança foi bem
recebida, nunca teve notícia de maus tratos e que o comportamento da menina
(principalmente relativos a notas baixas na escola e namoro) ocasionou os
diversos conflitos familiares que motivaram a presente ação. Noticiou que a
relação entre mãe e filha sempre foi de muito amor e carinho. E que tanto a
genitora quanto a testemunha tentaram conversar bastante para que a
adolescente fosse dissuadida da ideia de sair de casa.
M F N da S, vizinha dos apelantes, do mesmo modo, asseverou
não ter conhecimento acerca de qualquer comportamento violento na família e
confirmou que havia relação de amor e carinho na família.
Do mesmo modo, as cartas e partes do diário escrito pela
adolescente e juntados aos autos de nº 0821036-96.2016.8.12.0001,
demonstram que convivência familiar não se mostrava tão conflituosa quanto
narrado, tendo a criança escrito, em diversas ocasiões, que amava a mãe.
O documento de fls. 68 daqueles autos, uma carta escrita pela
adolescente, relata que em certa ocasião ela havia fugido da escola para se
encontrar com um menino, às escondidas, e que a mãe havia ficado
extremamente preocupada e procurado pela adolescente, insistentemente, até
que fosse encontrada.
O comportamento rebelde também é confirmado no processo de
nº 0817819-16.2014. Depois de sair da casa dos pais adotativos e ser
transferida para o abrigo, a menina tentou contato com a família biológica,
sendo levada para Bela Vista. Ocorre que lá, novamente, fugiu por diversas
vezes, inclusive para o Paraguai, para se encontrar com o namorado.
Também, vale ressaltar não ter ficado demonstrado que os
recorrentes agiram com má-fé ou que tenham sido irresponsáveis em relação à
educação da adolescente. Conforme acima narrado, as testemunhas
sustentaram que havia uma relação de afeto na família e que todas
desconheciam a existência de maus tratos naquele ambiente.

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18) Examinando-se as razões de decidir acima declinadas, conclui-se
ser possível, respeitosamente, extrair uma conclusão jurídica distinta.
19) Com efeito, nos conflitos atinentes ao direito de família, a
ausência ou a insuficiência da prova das agressões físicas ou psicológicas que
justificariam a responsabilização civil é matéria que deve ser vista cum grano salis,
tendo em vista a própria dinâmica familiar, por vezes bastante reservada e íntima.
20) A esse respeito, anote-se que a prova oral reproduzida no acórdão
recorrido, se bem examinada, revela, em verdade, um cenário de falta de
adequado esclarecimento da matéria fática, tendo em vista que: (i) nenhuma das
testemunhas pode ser considerada como presencial, eis que apenas reportaram
genericamente nunca ter notícia de maus tratos e não ter conhecimento
de qualquer comportamento violento da família; (i i) uma das testemunhas
poderia ser considerada como suspeita, eis que era confessadamente amiga dos
recorridos, atraindo a incidência da regra do art. 405, §3º, III, do CPC/73; (iii) os
depoimentos de duas das testemunhas, as assistentes sociais, foram considerados
apenas a partir dos diálogos que mantiveram exclusivamente com a recorrida e
não a partir de sua própria observação dos fatos.
21) O depoimento de uma das assistentes sociais, a propósito,
permite inferir conclusão distinta daquela adotada pelo acórdão recorrido, na
medida em que diz ela ter ouvido, diretamente da mãe adotiva, o expresso
desejo de não mais querer a menor morando junto consigo – isso menos
de 05 anos após a adoção de uma criança que somente veio à entidade familiar em
avançada idade, já com 09 anos.
22) Esse desejo – de devolução da menor adotada ao abrigo – foi
reiterado em, pelo menos, mais uma oportunidade. Quando citados para a ação de
destituição do poder familiar, os recorridos, a despeito de negarem as agressões
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físicas e psicológicas, reconheceram que não reuniriam condições de
exercer o poder familiar e reconheceram a procedência do pedido
formulado pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul, concordando,
pois, com a destituição. Na sentença que julgou procedente o pedido, consta
expressamente:

A presente ação teve início em razão da requerida E ter


comparecido ao setor técnico objetivando devolver a filha A, sendo
que, realizada a avaliação psicológica do caso, a conclusão foi de que “o
acolhimento institucional de A C da R, é recomendado a fim de garantir sua
integridade física e emocional conforme preconiza o ECA”. (fls. 209/212, e-STJ).

23) De outro lado, também é importante observar, a partir da prova


oral reproduzida no acórdão recorrido, a nítida preocupação em enfatizar o
comportamento da recorrente, filha adotiva e menor à época dos fatos, como o
único elemento causal do rompimento do vínculo familiar.
24) Nesse contexto, a fuga da escola, os supostos pequenos furtos
(que apenas constam da parcial narrativa da mãe adotiva, sem outros elementos
que o corroborem), o relacionamento amoroso e o desempenho aquém do
desejado em atividades educacionais – problemas que são enfrentados por
milhões de famílias diariamente – são reiteradamente destacados para justificar o
fato de a filha adotiva supostamente não corresponder às expectativas e ao
modelo de conduta esperado pelos pais adotivos e, com isso, justificar a
mencionada devolução.
25) Ocorre que a adoção, embora possuísse índole negocial nos
primórdios do CC/1916, muito em razão do contexto social e das condutas tidas
por aceitáveis naquela época, é sabidamente um ato irrevogável desde, ao
menos, a entrada em vigor do Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 48 da

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versão original da Lei 8.069/90, posteriormente renumerado para o art. 39, §1º,
em razão da Lei nº 12.010/2009).
26) Assim, a partir dos mesmos elementos fático-probatórios, é
possível inferir conclusão distinta, no sentido de que, cientes da impossibilidade
jurídica de revogar a adoção da filha que não atendeu às expectativas nela
depositadas, os recorridos provocaram artificialmente a destituição do poder
familiar, de modo a devolver a filha adotiva que não servia aos seus propósitos e
aos seus desígnios.
27) Essa perspectiva egocêntrica de família, formada a partir da ideia
de que somente será valioso aquele que sai exatamente aos seus e que não
considera as diferenças de personalidade e as idiossincrasias da pessoa humana, é
ainda mais lesiva quando se constata que, na hipótese, havia um conhecido
passado de abandono, de abrigamento e de profundas mazelas que não poderia
jamais ser desconsiderado e que impunha aos adotantes, por isso mesmo, um
senso de responsabilidade parental além daquele que normalmente se exige.
28) Assim, embora realmente tenha havido falha estatal ao deferir à
adoção de criança em condições tão especiais a quem muito provavelmente não
poderia, ou não desejaria, despender cuidados diferenciados, não se pode eximir
os pais adotivos de uma parcela dessa responsabilidade, pois, ainda que tenham
agido imbuídos das melhores intenções, é preciso dizer que o filho decorrente
da adoção não é uma espécie de produto que se escolhe na prateleira e
que pode ser devolvido se se constatar a existência de vícios ocultos.
29) Diante desse cenário, é absolutamente crível e presumível
concluir pela existência de grave abalo e de trauma psíquico em uma criança
de 09 anos que, após anos de acolhimento institucional, é recebida em um lar em
que espera permanecer e que, a partir de problemas que são cotidianamente
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enfrentados por todas as famílias do universo – talvez exponencialmente maiores
em razão de sua vida pregressa, vê os seus pais agindo para devolvê-la ao
albergamento aos 14 anos.
30) É nesse contexto que merece ser apreciada a prova documental
produzida no acórdão recorrido, no sentido de que “as cartas e partes do diário
escrito pela adolescente (...) demonstram que convivência familiar não se
mostrava tão conflituosa quanto narrado, tendo a criança escrito, em diversas
ocasiões, que amava a mãe”.
31) Se a convivência não era tão conflituosa e se havia amorosidade
entre as partes, a despeito de todas as adversidades, os recorridos, maiores,
capazes e cientes de suas responsabilidades, não adotaram a melhor conduta ao,
conscientemente, devolvê-la ao abrigamento.
32) É por isso que, respeitosamente, ouso divergir do e. Relator, para
conhecer e dar parcial provimento ao recurso especial interposto pela recorrente
no ponto, restabelecendo a sentença que julgou procedente o pedido, mas
arbitrando a condenação a título de danos morais em R$ 5.000,00 (e não em R$
20.000,00, como na sentença), corrigidos monetariamente a partir da data do
arbitramento, na forma da Súmula 362/STJ.
33) O valor de R$ 5.000,00, conquanto módico, considera todo o
contexto anteriormente mencionado, a fim de equilibrar a tensão existente entre
o direito à indenização a que faz jus a recorrente e o grau de culpa dos recorridos,
bem como de modo a não comprometer a eficácia da política pública de adoção.

DA OBRIGAÇÃO DE PAGAR ALIMENTOS APÓS A DESTITUIÇÃO


DO PODER FAMILIAR.

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34) De outro lado, ao propor o restabelecimento da sentença que
condenou os recorridos a pagarem alimentos à recorrente, consignou o e. Relator,
em síntese, que mesmo quando houver a destituição do poder familiar,
não há correlatamente a desobrigação de prestação de assistência
material à filha, uma vez que a destituição do poder familiar apenas retira dos
pais o poder que lhes é conferido para gerir a vida da prole, mas, ao revés, não
rompe o vínculo de parentesco.
35) Trata-se, como destacado na sessão de julgamento, de matéria
verdadeiramente inédita nesta Corte. Conquanto se faça referência, no voto do e.
Relator, a uma decisão monocrática de minha Relatoria no AREsp 1.720.813/MS,
saliente-se que, naquela oportunidade, o recurso não foi conhecido em virtude da
incidência da Súmula 7/STJ, sendo que o trecho destacado por S. Exa. é, em
verdade, do acórdão recorrido.
36) Acerca desse ponto específico – alimentos – inclino-me a
concordar com a tese proposta no judicioso voto do e. Relator, ressalvando,
contudo, que há, na hipótese, uma particularidade que merece ser examinada
neste julgamento.
37) Com efeito, é fato incontroverso que a recorrente A C DA R
nasceu em 09/03/2001, razão pela qual completou a maioridade civil em
09/03/2019, quando o recurso especial já estava ao aguardo do julgamento nesta
Corte.
38) A despeito de a maioridade civil, por si só, não acarretar a
inviabilidade jurídica da condenação em alimentos, há fato superveniente
relevante que deve ser considerado para que se delibere sobre a condenação.
39) Com efeito, poderá a recorrente por exemplo, a partir da
maioridade civil e da consequente saída do acolhimento institucional, possuir
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renda própria e atividade laborativa ou econômica que lhe garanta o sustento sem
a necessidade de prestação dos alimentos pelos pais que, relembre-se, possuem
idade avançada.
40) Assim, para evitar a propositura de ação revisional ou exoneratória
e considerando que a fixação dos alimentos na sentença que se pretende
restabelecer ocorreu em Maio de 2016, isto é, há quase 05 anos, parece mais
adequado que, se acolhida a tese proposta pelo e. Relator – a qual desde logo adiro
–, seja dado provimento ao recurso especial para determinar o retorno do
processo ao TJ/MS, com determinação de conversão do julgamento da
apelação em diligência apenas em relação ao capítulo decisório dos
alimentos, a fim de que seja investigado se a recorrente ainda necessita dos
alimentos após ter alcançado a maioridade civil e quais são as atuais possibilidades
dos alimentantes.

CONCLUSÃO.

41) Forte nessas razões, rogando as mais respeitosas venias ao e.


Relator, CONHEÇO e DOU PROVIMENTO ao recurso especial, a fim de: (i)
restabelecer a sentença que julgou procedente o pedido, mas arbitrando em R$
5.000,00 a condenação a título de reparação de danos morais, corrigidos
monetariamente a partir da data do presente arbitramento; (ii) determinar o
retorno do processo ao TJ/MS, com determinação de conversão do julgamento da
apelação em diligência, a fim de que seja investigado se a recorrente ainda
necessita dos alimentos após ter alcançado a maioridade civil e quais são as atuais
possibilidades dos alimentantes.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA

Número Registro: 2017/0155097-5 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.698.728 / MS

Números Origem: 08178191620148120001 08257411120148120001 0825741112014812000150001


825741112014812000150001

PAUTA: 04/05/2021 JULGADO: 04/05/2021


SEGREDO DE JUSTIÇA
Relator
Exmo. Sr. Ministro MOURA RIBEIRO

Relatora para Acórdão


Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. ANTÔNIO CARLOS ALPINO BIGONHA
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA

AUTUAÇÃO
RECORRENTE : A C DA R (MENOR)
REPR. POR : ASA
ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL
RECORRIDO : E C DE S
RECORRIDO : A C DA R
ADVOGADOS : ROGELHO MASSUD JÚNIOR - MS004329
CAROLINA MONTEIRO FERREIRA E OUTRO(S) - MS019310

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Família

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na
sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista da Sra. Ministra Nancy Andrighi,
inaugurando a divergência, no que foi acompanhada pelos Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas
Cueva e Paulo de Tarso Sanseverino e o voto do Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze,
acompanhando o Relator, a Terceira Turma, por maioria, deu provimento ao recurso especial, nos
termos do voto da Sra. Ministra Nancy Andrighi, que lavrará o acórdão. Vencidos os Srs.
Ministros Moura Ribeiro e Marco Aurélio Bellizze. Votaram com a Sra. Ministra Nancy Andrighi
os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino (Presidente) e Ricardo Villas Bôas Cueva.

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