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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DA INFÂNCIA

E DA JUVENTUDE DA COMARCA DE SÃO BERNARDO DO CAMPO/SP.

Autos nº 1017241-58.2022.8.26.0564

VITÓRIA OLIVEIRA DE SOUZA, já qualificada nos autos da


AÇÃO DE ADOÇÃO C/C DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR da criança
LORENNA OLIVEIRA DE SOUZA, que lhe movem PATRÍCIA DE OLIVEIRA
RIBEIRO e VINICIUS FERNANDES DE SOUZA, vêm, respeitosamente, à presença
de Vossa Excelência, pela Defensoria Pú blica do Estado de Sã o Paulo, apresentar
sua CONTESTAÇÃO o que faz nos termos a seguir aduzidos.

I- Da breve síntese do caso:

Trata-se de pedido de destituiçã o de poder familiar cumulado


com adoçã o da criança LORENNA OLIVEIRA DE SOUZA nascida em 03 de março de
2019.

Inicialmente, os autores esclarecem que a genitora de Lorenna,


logo apó s a gestaçã o, procura os requerentes para que cuidem da sua filha.
Afirmam que a mesma nã o possui emprego, nem estabilidade emocional e ainda
que faz uso de drogas.

Alegam que, concordando em ficar provisoriamente com a


guarda de Lorenna, os autores estabelecem certas regras, que Vitó ria aceita e em
25 de maio de 2020 a menor é entregue aos cuidados de Patrícia e Vinícius.

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Destaca-se que houve Ação de guarda de menor nº
1022643.91.2020.8.26.0564, que instituiu a guarda definitiva aos autores em 22 de
setembro de 2021.

Ao final, declaram que, em nenhum momento receberam


oposiçã o a guarda da criança e que sempre houve consentimento da genitora,
deixando inclusive declaraçã o abrindo mã o da filha por nã o ter condiçõ es de
cuidar.

Em primeira manifestaçã o o Ministério Público pugna pela


inclusã o da genitora no polo passivo e sua citaçã o, também requer que seja a inicial
emendada com pedido de destituiçã o familiar.

Os autores se manifestam em fls. 47/50 afirmando novamente


que a genitora expressa consentimento pelo ato da adoçã o, portanto, nã o há
necessidade de motivar e formular o pedido de destituiçã o do poder familiar.

Posteriormente em decisã o de fl. 91, é designado o estudo


psicossocial da ré, antes de encaminhar-se para a audiência.

À frente, Vitó ria é intimada para comparecer no Setor Técnico


de Psicologia do Fó rum de Sã o Bernardo do Campo e em 17/02/2023, o estudo é
realizado e conclui-se que ela não está em concordância com a medida
pleiteada à s fls. 108/110.

Novamente os autores se manifestam à s fls. 114/131, desta vez


contestando o alegado pela genitora em estudo psicossocial. Afirmam que Vitó ria
concordou com a adoçã o e reforçam a narrativa de falta de capacidade de exercer a
guarda da menor.

É o relato necessá rio

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II. Do mérito

A açã o nã o merece procedência por este juízo, por


motivos a seguir expostos:

Primeiramente, há de tornar indubitá vel que a genitora NÃO


ESTÁ EM CONCORDÂNCIA COM A ADOÇÃO. Inclusive, pelo contrá rio, expressa
extrema vontade de exercer a guarda de sua filha e também muito amor e carinho
pela criança.

A genitora tem o desejo de se manter como mãe da criança.


Deseja que seja judicialmente reconhecido seu direito de visitas à criança, inclusive
garantindo-se o direito a pernoite, já que não há nada que a desabone como
cuidadora.

Cumpre ressaltar, que a alegaçã o de suposto uso de drogas da


genitora é descabida, como esclarecido em seu pró prio relato em laudo psicoló gico
fls. 102/104 e também em atendimento com esta Defensoria Pú blica, Vitó ria nega
uso de drogas e com efeito, sua rotina revela que ela nã o tem o mínimo perfil de
pessoa usuá ria de drogas.

Ainda sob esse argumento, os requerentes trouxeram imagens


em manifestaçã o fls. 114/131 que “comprovariam” a pressuposiçã o do abuso de
substâ ncias lícitas e ilícitas. Acontece que, não há como se comprovar
veracidade dos prints de redes sociais, as fotos nã o estã o datadas, podendo ser
até anteriores ao nascimento da criança e sequer mostram quem está sendo
fotografado, portanto, poderiam ser de outras pessoas ou até mesmo da internet.

Outrossim, tais imagens nã o demonstram nenhuma conduta


incompatível com a maternidade, já que nã o há presença de nenhuma criança no
local. Ainda os autores apresentaram fotos que demonstram uso de drogas lícitas
(á lcool, cigarros e narguilé), alegações completamente fora do objeto da ação!

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Nã o há qualquer indício que a genitora faça uso abusivo de alguma dessas
substâ ncias, além de nã o estar exercendo cuidado de nenhuma criança nesse
momento.

Bem como, as afirmaçõ es da ré nã o possuir condiçõ es


financeiras e nã o estudar estã o defasadas, já que, atualmente faz curso técnico em
enfermagem e exerce atividade laboral com registro em CTPS.

Cabe também enaltecer que Vitó ria possui três certificados de


cursos de qualificaçã o profissional nas instituiçõ es de ensino Microlins e Casini,
dos quais ela completou com êxito. E, ainda em ascensã o, com excelentes notas e
frequência o curso técnico em enfermagem pela instituiçã o de ensino Grau
Técnico.

Ademais, em reuniã o com esta Defensoria Pú blica, a genitora


afirma que na época da gravidez teve uma grande influência familiar para que nã o
ficasse aos cuidados da criança, assim como também nã o teve apoio algum do pai,
circunstâ ncias que fizeram uma mã e adolescente tomar uma decisã o motivada e
nã o de vontade pró pria.

Ainda, relata que concordou com a açã o de guarda, sem


entender totalmente as consequências e imaginava que receberia a filha de volta
quando se estabilizasse. Ficou até mesmo acordado que ela teria garantidos os
direitos de visita, o que é mencionado pelos pró prios autores nas iniciais de guarda
e também nesta açã o de adoçã o.

Mesmo quando concordou com a adoçã o nã o tinha informaçã o


de todos seus direitos e todas as implicaçõ es de uma açã o de adoçã o, em que os
adotantes passariam a ter poder de inclusive limitar sua convivência com a criança.

É certo que, nesse momento os autores permitem a


convivência, mas ainda assim os moldes sã o mais limitados do que pretendia

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Vitó ria. Ela nã o pode levar a criança consigo, passear, trazer para pernoitar, mas
tã o somente pode brincar um pouco com ela na casa dos autores, ou quando a
levam para sua casa.

No mesmo diapasão, o ECA traz que A ADOÇÃO EXIGE O


CONSENTIMENTO DOS PAIS BIOLÓGICOS DO MENOR. E ainda, se houver
discordância da mãe biológica para a adoção de seu filho, o deferimento só
será possível no caso de provar-se conduta que leve à destituição do poder
familiar.

“Art. 45. A adoção depende do


consentimento dos pais ou do representante legal do
adotando.

§ 1º. O consentimento será dispensado em


relação à criança ou adolescente cujos pais sejam
desconhecidos ou tenham sido destituídos do poder
familiar”

Além do mais, é notá vel que existe vínculo afetivo entre mã e e


filha e que apesar de Lorenna nã o saber quem é sua mã e bioló gica, expressa
curiosidade e inclusive já indagou à Vitó ria essa possibilidade.

Com isso, fica claro que a genitora nã o quer abrir mã o da


guarda de sua filha, inclusive, destaca-se no laudo de fls. 102/104:

Neste caso, a genitora não manifesta concordância,


seja quanto aos aspectos cognitivos(compreensão),
seja quanto aos aspectos afetivos (vínculos), com a
medida pleiteada (adoção de sua filha), somente
concorda e aceita a relação de guarda já formalizada
entre os requerentes e criança, aguardando que os
familiares providenciem o que teriam referido, sobre o
preparo psicológico da criança para revelação da

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condição de maternidade biológica e parentalidade
sócio-afetiva

Ademais, o ECA preceitua ser direito da criança a priorizaçã o


da sua reintegraçã o a família natural e, subsidiariamente, a sua família extensa, nã o
havendo que se falar em colocaçã o em família substituta antes que sejam
esgotados todos os meios cabíveis, como promoçã o social, orientaçã o,
acompanhamento e tratamento dos pais e demais familiares.

Imprescindível destacar que, a convivência familiar é


reconhecida como direito fundamental da criança e do adolescente, sendo
dever nã o somente da família, mas também da sociedade e do Estado assegurar aos
seres humanos em sua fase de desenvolvimento, com absoluta prioridade, o direito
à vida, à saú de, à educaçã o, ao lazer, ao respeito, à dignidade.

A perda ou suspensã o do poder familiar sã o as mais drá sticas


das medidas de proteçã o aos direitos das crianças, seja com integraçã o em família
substituta, seja no encaminhamento da criança a um serviço de acolhimento, pois
implica em sofrimento com a separaçã o da família.

Destaco que o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece


que a manutenção ou reintegração de criança ou adolescente à sua família
terá preferência em relação a qualquer outra providência, caso em que será
esta incluída em programas de orientaçã o e auxílio, nos termos preconizados pelo
pró prio Estatuto.

Corolá rio que o melhor caminho para as crianças, do ponto de


partida reflexiva familiar, social, emocional, será o restabelecimento do convívio
com os pais e sua família, pois a ruptura da vida em comum acarreta irreversíveis
prejuízos a família e principalmente as crianças. Tal fato caracteriza uma grave

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violaçã o de diversos direitos fundamentais, cuja natureza é predominantemente
social.

Portanto, o respeito à s normas constitucionais fundamentais


significa o caminho para a transformaçã o da realidade social de forma pacifica,
para construçã o da sociedade justa e solidaria pretendida e consignada na
Constituiçã o do Brasil.

Por fim, salienta-se que, a genitora foi devidamente


orientada sobre os prejuízos que uma inversão abrupta da guarda poderia
causar na criança. Desta forma, está consciente que isto deveria ocorrer de forma
gradual e nã o se opõ e a soluçõ es mais amenas, inicialmente, como a guarda
compartilhada da criança.

Dessa forma, de rigor a improcedência da presente açã o.

O Estatuto, em seu artigo 39, reza que somente se deve recorrer


à adoçã o quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou
adolescente na família natural ou extensa.

Assim, seja em atençã o à s normas internacionais de proteçã o


aos direitos humanos do pú blico infanto-juvenil, como aquelas inscritas na
Convençã o Internacional dos Direitos da Criança, seja em razã o das disposiçõ es
constitucionais (artigo 227, CF) e estatutá rias (artigo 19, ECA), deve o Estado
respeitar o direito à convivência familiar, mantendo crianças e adolescentes no
seio de sua família natural sempre que possível.

Assim, em nome da prevalência da família natural, entendendo-


se prematura a presente açã o, requerendo-se a TOTAL IMPROCEDÊNCIA DO
PEDIDO INICIAL, para que a Requerida se mantenha no exercício do poder
familiar.

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DOS PEDIDOS

Ante o exposto, requer-se:

a) A total improcedência da ação;

b) A intimação pessoal da Defensoria Pública de todos


os atos do processo, inclusive para ciência dos laudos
psicossociais eventualmente elaborados, nestes autos e
nos apensos, ainda que nã o haja direito à manifestaçã o;

c) Sejam nomeadas como assistentes técnicas as agentes


de Defensoria Pú blica - sendo permitida a apresentaçã o de sua
manifestaçã o técnica apó s a juntada de quaisquer pareceres
psicossociais, laudos e planos de atendimento; e

d) Seja designada audiência de instruçã o, debates e


julgamento, nos termos do artigo 162 do Estatuto da Criança e
do Adolescente, para produçã o de provas, principalmente
juntada de documentos, oitiva da Requerida, e oitiva de
testemunhas oportunamente arroladas, tendo em vista nã o ser
possível julgamento antecipado da lide.

Requer-se, ainda, a concessã o do prazo em dobro, bem como a


intimaçã o pessoal do Defensor Pú blico desta subscritora, para todos os atos e
termos deste feito, conforme disposiçã o do artigo 128, inciso I, da Lei
Complementar Nacional nº 80/94.

Protesto ainda pela concessã o da justiça gratuita, nos termos


do disposto no artigo 141, § 2º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, e do
artigo 162, inciso IX, da Lei Complementar Estadual 988/06.

Termos em que pede conhecimento e deferimento.

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Sã o Bernardo do Campo, 22 de maio de 2023

FERNANDA FERNANDES GOMES ROZO


Defensora Pública do Estado
13ª Defensoria Pública da Unidade São Bernardo do Campo

VANESSA LIMA
Estagiária de Direito

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