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18/02/23, 12:12 Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa

Acórdãos TRL Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa


Processo: 2288/08.0TCLRS.L1-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO
MEDIDA DE CONFIANÇA A INSTITUIÇÃO COM VISTA A FUTURA ADOPÇÃO
APADRINHAMENTO
MEDIDA DE ACOLHIMENTO EM INSTITUIÇÃO
CONFIANÇA JUDICIAL DE MENORES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 22-11-2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIAL PROCEDÊNCIA
Sumário: I - Do regime legal e convencional em vigor emana a conceção de
que o desenvolvimento feliz e harmonioso de uma criança se
processa e deve realizar-se no seio da família biológica, tida como a
mais capaz de proporcionar à criança o necessário ambiente de
amor, aceitação e bem estar; porém, se esta não poder ou não
quiser desempenhar esse papel, haverá que, sendo possível, optar
pela sua integração numa outra família, através da adoção.
II - Constitui pressuposto da medida de confiança de menor para
adoção que “não existam” ou “se encontrem seriamente
comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação” - tal
situação será constatada “pela verificação objectiva” de qualquer
das situações previstas nas diversas alíneas do n.º 1 do art.º 1978.º
do Código Civil (corpo do n.º 1 do art.º 1978.º).
III - Ou seja, a ocorrência de qualquer dessas situações constituirá
via necessária para a demonstração da inexistência ou do sério
comprometimento do vínculo afetivo entre o progenitor e a criança,
para o efeito da confiança da criança para adoção; adicionalmente,
porém, haverá que apreciar se essas situações traduzem, em
concreto, inexistência ou sério comprometimento dos vínculos
afetivos próprios da filiação.
IV - Verificando-se, da parte do pai da menor, afastamento, e, do
lado da mãe, uma persistente incapacidade de assegurar um
ambiente habitacional minimamente organizado e saudável,
agravado por um aparente desinteresse por melhorar, tudo isso
acompanhado, antes da institucionalização da menor
(institucionalização que se verificou aos três anos e meio de idade),
de fraco empenho na frequência por esta de equipamento de
infância, horários inadequados para a criança dormir e comer e
alimentação desequilibrada, longos períodos de total inatividade,
permanecendo a mãe deitada e às escuras com a menor, além de a
criança dormir quase sempre na cama dos pais, apesar de possuir
uma cama própria, deve ser confirmada a decisão recorrida na
parte em que afastou o regresso da menor aos cuidados dos
progenitores.
V – Porém, não é possivel confiar a criança para adoção, por não se
mostrarem comprometidos os laços afetivos próprios da filiação,
quando ficou provado que “entre a menor e a progenitora existe
grande afectividade”, que após a institucionalização da menor a
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mãe manteve visitas regulares e frequentes à criança, as quais


foram diárias, de 2.ª a 6.ª feira, com a duração de cerca de uma
hora, que no decurso da visita a progenitora dava banho à filha,
que a criança passou com os pais o dia do seu aniversário, o Natal e
o Ano Novo, que a criança foi batizada, por decisão dos pais.
VI – O apadrinhamento civil é um vínculo jurídico que, em regra,
concilia a manutenção de vínculos biológicos com os vínculos
afetivos típicos do apadrinhamento, constituindo no nosso
ordenamento jurídico um meio apto a proporcionar uma solução
de proteção a crianças em perigo, de caráter definitivo, sem ser a
confiança para adoção.
VII – Mostrando-se a criança, atualmente com seis anos de idade,
bem integrada na instituição onde foi acolhida, não sendo possivel
confiá-la aos pais e não estando reunidos, pelo menos por ora, os
pressupostos de aplicação de uma outra medida, nomeadamente o
apadrinhamento civil, é aconselhável que a criança se mantenha na
aludida instituição, em prazo que se fixa em um ano, sem prejuízo
da revisão semestral imposta pelo art.º 62.º n.º 1 da LPCJP, ou de
revisão anterior fundada em factos supervenientes que a
justifiquem, nos termos previstos no n.º 2 do art.º 62.º da LPCJP.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO

Em 02.11.2007 a Magistrada do Ministério Público junto do


Tribunal de Família e Menores de L... propôs ação de promoção e
proteção a favor da menor “A”, nascida a 26.9.2006, filha de “B” e
de “C”, todos residentes na ..., L....
A requerente alegou que a menor tem três irmãos, que se
encontram acolhidos numa instituição com vista a futura adoção,
no âmbito de medida de proteção aplicada. Na sequência de
acompanhamento pela Associação “D” constatou-se que na
residência não eram respeitadas as regras mínimas de higiene, que
a menor dormia na cama dos pais e não tinha horários regulares de
alimentação. A Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ)
de L... instaurou processo de promoção e proteção a favor da
menor e subsequentemente deliberou aplicar a medida de
promoção e proteção de apoio junto dos pais, cujo acordo foi
formalizado e subscrito pelos progenitores da menor em 21.5.2007.
Porém, os pais não cumpriram o acordo, mantendo-se as péssimas
condições higiénico-sanitárias e constatando-se que a criança era
deixada sozinha, ou num parque no exterior da casa ou em cima da
cama do casal. Em virtude do incumprimento do acordo, a CPCJ
de L... remeteu o processo ao Ministério Público. Já é do
conhecimento do tribunal, fruto do processo que correu termos
relativamente aos irmãos da menor, que não existem familiares
idóneos e disponíveis para cuidarem da criança. Assim, não resta
outra solução para proteger a menor do que o seu acolhimento
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institucional.
O Ministério Público terminou pedindo que fosse declarada aberta
a instrução e, desde já, se aplicasse a favor da menor, a título
provisório, a medida de acolhimento em instituição, emitindo-se os
competentes mandados.
Procedeu-se à inquirição dos progenitores, de técnicos e de
testemunhas indicadas pelos progenitores. A equipa de
acompanhamento a crianças e jovens (ECJ) de L... elaborou dois
relatórios sociais e procedeu-se à avaliação psicológica da mãe da
menor.
Entretanto, em 27.02.2008, foi determinada a desapensação do
processo daquele que se reportava aos três supra referidos irmãos
da “A”, em virtude de nele ter sido identificado candidato à adoção
de dois dos menores.
Em 23.10.2008, na sequência de conferência realizada no tribunal,
foi obtido acordo para a aplicação da medida de promoção e
proteção de apoio junto dos pais, o qual foi homologado por
sentença nessa mesma data.
Em 25.3.2009 determinou-se a continuação/prorrogação da aludida
medida por mais seis meses.
Em 15.4.2010 foi proferido despacho que determinou a cessação da
aludida medida, por ter sido atingido o tempo máximo de duração
admitida na lei (art.º 60.º n.º 2 da Lei de Proteção de Crianças e
Jovens em Perigo -LPCJP).
Na mesma data, por se considerar que se mantinha uma situação
de perigo para a menor e a fim de se proceder a um diagnóstico
preciso da situação da criança e se definir o seu encaminhamento
em termos de futuro, determinou-se a aplicação, a título provisório,
da medida de promoção e proteção de apoio junto dos pais, por seis
meses.
Em 24.6.2010 foi decidido alterar a medida aplicada, aplicando-se a
medida provisória de acolhimento em instituição.
Em cumprimento dessa determinação em 02.7.2010 a menor “A”
foi internada no Centro de Acolhimento Temporário (CAT) “Casa
...” sito em L....
A aludida medida provisória foi excecionalmente prorrogada, por
períodos de três meses, por despachos de 13.01.2011, 10.3.2011,
09.6.2011, 14.7.2011, 20.10.2011.
Entretanto, em 08.4.2011, o CAT Casa ... e a ECJ de L... enviaram
relatórios de acompanhamento nos quais indicaram, para
concretização do projeto de vida da “A”, a aplicação da medida
prevista no art.º 35.º n.º 1 alínea g) da LPCJP (confiança a pessoa
selecionada para a adoção ou a instituição com vista a futura
adoção).
Na sequência do que:
Ouviu-se em declarações, em 19.5.2011, a Diretora e a Diretora
Adjunta da Casa ..., que também aí são educadoras sociais, duas
psicólogas da Casa ... e uma técnica da ECJ de L...; em 07.07.2011
foram ouvidos em declarações os progenitores da menor, o

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padrinho e a madrinha da menor, uma ex-ama da menor e uma ex-


educadora da menor; realizou-se avaliação às condições
habitacionais dos progenitores da menor e às condições que os
padrinhos da menor ofereciam para acolherem a menor, tendo o
CAT Casa ... e a ECJ de L... reiterado o parecer de que deveria
aplicar-se a medida prevista no art.º 35.º n.º 1 alínea g) da LPCJP.
Em 20.10.2011 declarou-se encerrada a instrução.
O Ministério Público produziu alegações, requerendo que à menor
fosse aplicada a medida de confiança a instituição com vista a
futura adoção.
Os pais do menor apresentaram alegações, pugnando pela
restituição da menor aos cuidados e guarda dos pais ou, em
alternativa, que tal guarda e confiança fosse desempenhada pelos
padrinhos da menor.
Foi nomeada patrona à menor.
Realizou-se debate judicial, com gravação dos depoimentos
prestados, e a final foi proferida, em 09.3.2012, decisão subscrita
pela Sr.ª juíza titular do processo e por dois juízes sociais, na qual
se decidiu:
a) Aplicar à menor “A” a medida de promoção e protecção de
confiança a instituição, nomeadamente, ao "Centro de Acolhimento
Temporário Casa ...", sita em L..., com vista a futura adopção;
b) Designar como curador(a) provisóri(a) da menor “A” o(a) Sr(a)
Director(a) da instituição "Casa ...";
c) Inibir os progenitores da menor do exercício das
responsabilidades parentais;
d) Determinar se comunique, oportunamente, à Conservatória do
Registo Civil a inibição aludida em c);
e) Proibir as visitas por parte da família natural da menor a esta;
f) Solicitar, após trânsito desta decisão, ao CEACF que elabore,
dentro de seis meses, a informação a que alude o art. 62°-A, n° 3 da
L.P.C.J.P, devendo aquela entidade acompanhar a medida aludida
em a).
Os progenitores da menor apelaram da referida decisão, tendo o
recurso sido admitido, com subida imediata para esta Relação, no
próprio processo e efeito suspensivo.
Nas suas alegações os apelantes formularam as seguintes
conclusões:
1.ª - Por sentença de 9 de Março de 2012, foi aplicada à menor “A”,
entre outras, a medida de promoção e protecção de confiança ao
Centro de Acolhimento Temporário Casa ..., sita em L..., com vista
a futura adopção.
2.ª - Quanto a nós e salvo o devido respeito, decidiu mal a
meritíssima juíza “a quo”.
3.ª - O caso dos autos foi subsumido na previsão da al. d) do n.º 1 do
art.º 1978º do C. Civil, tendo, o tribunal considerado que os pais,
com a sua conduta, puseram a menor em situação de perigo.
4.ª - Por seu lado, o n.º 3 da mesma norma processual estipula que o
menor se encontra em perigo quando se verifica alguma das

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situações assim qualificadas pela legislação relativa à protecção e à


promoção dos direitos dos menores.
5.ª - Assim, as situações que legitimam a intervenção, são
enumeradas nas alíneas do n.º 2 do art.º 3.º da Lei n.º 147/99 de 1
de Setembro.
6.ª - O Tribunal entendeu estar legitimada a institucionalização da
menor por esta vivenciar, na altura, uma situação de perigo para a
sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e
desenvolvimento integral.
7.ª - O Tribunal entende que actualmente continua a existir
fundamento para a aplicação de uma medida de promoção e
protecção, tendo decidido pela institucionalização com vista à
adopção da menor.
8.ª - Na verdade, desde o seu nascimento, a “A” e a sua família,
foram acompanhadas por técnicas da Associação “D”, da Casa ... e
da Segurança Social.
9.ª - Durante esse acompanhamento foi detectado que a mãe da
menor tinha períodos depressivos que a levavam a manifestar
desinteresse pelas lides domésticas.
10.ª - Porém, nunca foi detectado qualquer desinteresse da mãe
pela filha, quer a nível afectivo, quer a nível alimentar ou de
higiene do corpo ou roupas da menor.
11.ª - Resulta da experiência comum que uma mãe desleixada com
a filha e que não lhe tem amor, não a cuida nem mima como esta
mãe faz.
12.ª – Resulta da experiência comum que alguém simplesmente
desleixado e preguiçoso não se cuida nem importa com a sua
imagem e da filha, como a “C” faz e resulta dos relatórios sociais.
13.ª – Assim, cremos que a apreciação efectuada pela Dr.ª “E”,
psicóloga da Casa ..., é fidedigna, tendo revelado em todo o seu
depoimento, isenção e imparcialidade, explicando ao tribunal que a
anedonia apresentada pela “C”, não poderia ser considerada
desleixo, nem preguiça e que consistia numa sintomatologia
associada a períodos depressivos.
14.ª – Somos de opinião de que tal testemunho faculta a
compreensão pelas oscilações de comportamento relativamente à
casa, por parte da “C” – constantes dos vários relatórios sociais
juntos aos autos e reconhecidos pelo Tribunal na decisão ora
recorrida.
15.ª – Perante tal quadro, o Tribunal decidiu que “(…) todo o
contexto relatado para além de pôr em perigo a segurança, a
formação moral e educação da menor, face à sua gravidade e
persistência comprometem seriamente os vínculos afectivos próprios
da filiação (…) – vide último § de pág. 833.
16.ª – Porém, são contraditórias as informações prestadas pelas
Sras. Técnicas, nos quais se alicerçou a decisão recorrida.
17.ª – Relatam um comportamento altivo e arrogante por parte da
progenitora da “A”, avesso e resistente às mudanças que lhe são
aconselhadas efectuar, referindo que chegou a recusar ajuda nas

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lides domésticas (ajuda, essa, que a mãe da menor referiu


expressamente e de viva voz, em sede de debate judicial, que nunca
lhe foi facultada).
18.ª – Contudo, a pág. 573 dos autos, relativamente ao depoimento
da Sr.ª psicóloga da Casa ..., pode ler-se “(…) foi-lhe proposto que
fosse ela a dar banho à “A” (…). Inicialmente não a fazia por
iniciativa própria, era preciso dizer-lhe para lhe dar banho, agora já
dá por sua iniciativa;”
19.ª – No mesmo contexto e relativamente ao depoimento da
directora adjunta da Casa ..., pode ler-se, também a pág. 573: “Ela
acata tudo o lhe dizem (…)”.
20.ª – Ainda a pág. 573, a propósito do depoimento da Sra.
psicóloga “F”, podemos ler: “Notam que a progenitora tem uma
evolução sempre que se dirigem a ela e lhe dizem como fazer e o que
fazer, mas se deixam de a monitorizar, há um retrocesso.”
21.ª – Agora, a pág. 574, no que concerne ao depoimento da Dr.ª
“G”: “Relativamente à monitorização da progenitora, (…) o mesmo
acontece com a casa, quando fizeram uma visita domiciliária na
véspera de Natal, quando foi autorizado que a “A” passasse o Natal
com os pais, a casa não parecia a mesma, isto foi sobre sugestão,
(…).
22.ª – E, no que toca ao depoimento da Dr.ª “H”, a pág. 574,
antepenúltimo §, pode ler-se: “Concorda que, realmente há
melhorias significativas sempre que há um alerta à progenitora, (…).
23.ª – Existe, ainda, contradição entre a afirmação de que a “A”
não tem horários e que há ainda a considerar questões de saúde –
vide penúltimo § de pág. 574 – e os diferentes relatórios sociais, ou
os vários depoimentos das técnicas e de mais testemunhas em sede
de debate judicial, as quais foram unânimes em referir que a mãe
da menor apenas faltou à consulta dos 3 anos, à qual a menor
posteriormente compareceu, aquando do regresso da família a L...,
depois de quase 1 ano de estada em P..., bem como nenhuma
referência fizeram quanto aos horários da “A” enquanto esteve no
seio familiar.
24.ª – Refira-se que os depoimentos acima referidos foram
prestados perante juiz e já no decurso do ano de 2011.
25.ª - Ao longo de quase 6 anos, tem sempre havido
acompanhamento por parte das mesmas instituições e pessoas a
esta família, em especial a esta mãe, que até Março de 2011, fazia
tudo quanto lhe indicavam, quer explicitamente, quer por mera
orientação (palavras das Sras Técnicas) e que nos relatórios e em
sede de debate judicial, passa a não fazer porque não quer ou não
lhe apetece, comprometendo, seriamente, no entender do tribunal,
os vínculos afectivos próprios da filiação.
26.ª - Mais uma vez, salvo o devido respeito, parece-nos que o
acompanhamento junto desta família não foi eficaz nem
competente.
27.ª- Passando por cima da contradição latente e evidente entre os
vários relatórios quanto ao período de ausência desta família em

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P... (o qual oscila entre os 2 e 11 meses) certo é que a referida


família esteve, de facto, sem qualquer acompanhamento por cerca
de 1 ano.
28.ª - Quando o acompanhamento foi retomado – consta dos
relatórios – a “C” encontrava-se muito deprimida tendo havido
notório retrocesso na evolução que manifestou aquando do
acompanhamento psicológico por parte da Sra psicóloga “E”.
29.ª – Contudo, a “C”, apesar do seu estado de anedonia se ter
agravado e alguma intermitência nas idas às consultas,
compareceu, entre Março e Junho de 2010, a 14 consultas,
conforme resulta de pág. 820 da sentença recorrida.
30.ª – Consultas que foram interrompidas devido ao facto de,
abruptamente, a menor ter sido retirada do seio familiar.
31.ª – Esta mulher que desconfiava das instituições, que estava
firmemente convicta que a finalidade de todo aquele processo era
retirarem-lhe a filha, mais convencida de tal ficou.
32.ª – Apesar disso, sempre visitou a filha diariamente, com a
esperança de poder voltar a tê-la de volta. Enquanto as mesmas
Sras. Técnicas continuaram a verificar o estado da casa, a fazer
relatórios, a enviá-los a tribunal.
33.ª – Esta família foi apoiada sempre pelas mesmas entidades e da
mesma forma, ou seja com visitas fiscalizadoras e com pouco ou
nenhum apoio pedagógico que motivasse a mudança do que estava
errado.
34.ª – A “C” não necessita que lhe ensinem a fazer os trabalhos
domésticos, necessita que a motivem a fazê-los
sempre, e que lhe expliquem porque é que isso é importante para a
saúde e bem-estar da família, principalmente da filha e, que a
ajudem a fazê-los enquanto a anedonia se manifestar
sintomatológca do seu estado depressivo.
35.ª – Nos diversos relatórios dos autos não se faz referência a uma
única medida concreta levada a cabo a este nível. Não há uma
única medida de formação efectuada com esta mãe desde o início
da intervenção efectuada. É como se se pretendesse que a simples
presença das técnicas e eventuais reparos que, porventura, estas lhe
dirigissem tivessem o condão de modificar o seu comportamento.
36.ª – A nosso ver, a mãe da menor necessita de 4 tipos de ajuda:
a) Sentir a presença directa do Tribunal, em conferência, com a
presença de um juiz, onde lhe fosse explicado que as medidas a
tomar e o compromisso a assumir teriam como finalidade
possibilitar o retorno da menor a casa, e não, a táctica, mais ou
menos velada, para chegar à adopção da mesma (quem anda nestas
lides, sabe que por vezes se consegue, em 5 minutos, perante o juiz,
o acordo que, debalde, se tentou alcançar durante meses ou anos).
b) Frequência de um curso ou programa no qual lhe fossem
ministrados conhecimentos básicos de higiene do lar, com
conhecimento do porquê dos procedimentos e consequências da sua
não efectivação, a nível de saúde e outros.
c) Consultas de psicologia com a Sra. Psicóloga “E”, a qual

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efectuou um trabalho frutuoso junto da “C” e que estava a ser


retomado e a começar a resultar aquando da institucionalização da
menor.
d) Ajuda na efectivação das limpezas domésticas, nos períodos em
que fosse constatado manifestação do estado depressivo e anedonia
referidos a fls 820 dos autos.
37.ª - A família natural, mau grado as suas carências – que
poderão, assim, justificar o apoio da sociedade – constitui ainda o
meio natural para o crescimento e o bem-estar de todos os seus
membros e, em especial, as crianças – cf. art.º 36.º n.º 6 da CRP.
38.ª - Há, assim, que apoiar as famílias disfuncionais, com apoios de
natureza psicopedagógica, social ou económico, para que
encontrem o seu equilíbrio.
39.ª - Toda a intervenção deve regular-se pelo superior interesse da
criança, consagrada no art.º 3.º n.º 1 da Convenção sobre os
direitos da Criança e em nosso entender, é interesse desta criança
que a sociedade use de todos os meios ao seu alcance na
recuperação desta família, cujas falhas não são inultrapassáveis se
houver coerência nos métodos de ajuda.
40.ª – Com uma intervenção ajustada ao caso concreto, poderão ser
respeitados os princípios da responsabilidade parental e da
prevalência da família, a bem da menor, proporcionando-lhe o fim
da agonia em que tem vivido, diariamente, quando se separa da
mãe.
Os apelantes terminaram pedindo que a decisão recorrida fosse
revogada.
O Ministério Público contra-alegou, tendo formulado as seguintes
conclusões:
I. Os recorrentes não recorrem de direito.
II. Se for entendido que recorrem deve dar-se cumprimento ao
disposto no artigo 690.º n.º4 do CPC.
III. Nenhuma censura merece a decisão do tribunal recorrido em
sede de matéria de facto.
IV. Os elementos de prova indicados pelos recorrentes, ao invés de
imporem conclusões fácticas diversas das tiradas pelo tribunal
recorrido, sustentam-nas, ainda que perspectivados de modo
isolado mas de modo acrescido se conjugados com os demais
elementos de prova.
V. O Tribunal da Relação só pode modificar a decisão recorrida em
termos de facto quando a prova imponha decisão diversa daquela
que foi tomada pelo tribunal recorrido.
VI. Se a prova indicada no recurso permitiria, eventualmente, uma
decisão diversa da recorrida – o que no caso não se verifica -, mas
não a impõe, o recurso não pode merecer provimento, por não
poder o tribunal de recurso, em casos destes, bulir na decisão
recorrida.
VII. A perspectiva que os recorrentes trazem da prova não é
defensável, nem única; e não o sendo, não impõe decisão diversa da
recorrida.

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O apelado terminou pugnando pela improcedência do recurso e


consequente manutenção da decisão recorrida.
Foram colhidos os vistos legais.
FUNDAMENTAÇÃO
As questões a apreciar são as seguintes: se o recurso é de direito e
de facto; se deve manter-se a medida de promoção e proteção da
menor determinada pela decisão recorrida.
Primeira questão (avaliação do objeto do recurso)
Desde já se indica a matéria de facto dada como provada pelo
tribunal a quo:
1. “A” nasceu no dia 26 de Setembro de 2006 e é filha de “B” e de
“C”.
2. Integrou um agregado composto por ela e pelos progenitores,
então residente na Praceta ..., torre ..., 6° esq°, L....
3. Actualmente, os progenitores da “A” residem numa casa térrea,
composta por cozinha, casa de banho e dois quartos, sita na ...,
Vivenda “C”, em L...
4. A “A” tem três irmãos — a “I”, o “J” e o “L” —, mas à data do
seu nascimento já haviam sido todos acolhidos no CAT "Casa ...",
L..., no âmbito do processo de promoção e protecção n°
.../05.OTCLRS, no qual acabou por ser aplicada a favor dos
mesmos a medida de promoção e protecção de confiança a
instituição com vista a futura adopção, por decisão datada de 23 de
Fevereiro de 2007.
5. Após o nascimento da “A”, por força das deficiências reveladas
pelos progenitores no exercício da parentalidade, já conhecidas, o
agregado passou a ser acompanhado pela Associação “D”, o que
sucedeu desde 14 de Outubro de 2006, mantendo-se até à presente
data, pela CPCJ de L..., de Dezembro de 2006 a Outubro de 2007, e
por este tribunal, conjugadamente com a Segurança Social e as
instâncias sociais, de Novembro de 2007 até à presente data.
6. Durante este acompanhamento constatou-se, o que ainda se
verifica, que:
a) o “B” desinteressa-se, em absoluto, das questões relacionadas
com a “A”, desculpando-se com o trabalho e cometendo o seu
tratamento, em exclusivo, à “C”; embora manifeste afecto pela
“A”, não quer envolver-se no seu processo educativo, assumindo
apenas como seu papel o trabalho e o garante do sustento familiar;
desconhece mesmo os contornos, mesmo os mais gerais, da vida da
“A”;
b) o “B” e a “C” pouco conversam entre eles; a “C” não informa o
“B” dos assuntos relacionados com a “A” nem aquele se interessa
em estar informado ou acompanhar;
c) a absoluta incapacidade dos progenitores de manter limpo,
organizado e higiénico o espaço habitacional, destacando-se que:
- entre os dias 14 de Outubro de 2006 e 21 de Novembro de 2006, a
casa apresentava-se com beatas de cigarro no chão do quarto, teias
de aranha em todas as divisões, roupa espalhada pelas divisões,
casa de banho muito suja;
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- no dia 14 de Maio de 2007, a casa encontrava-se extremamente


suja, com lixo e restos de comida espalhados pelo chão e por cima
da bancada da cozinha; exalava um cheiro insuportável, resultante
de uma mistura de lixo e bafio; a roupa continuava espalhada e
espalhados pelo quarto havia vários cinzeiros repletos de beatas de
cigarro;
- no dia 18 de Setembro de 2007, a casa mostrava-se cheia de
moscas, com a pia da banca cheia de louça suja, a casa-de-banho
imunda;
- no dia 3 de Outubro de 2007, a casa-de-banho e a cozinha estavam
muito sujas, a roupa espalhada por um dos quartos, o frigorífico
imundo;
- entre Abril e Setembro de 2008, a casa apresentou-se
frequentemente desorganizada e suja, com amontoados de roupa
suja junto à máquina de lavar, copos com restos de leite e beatas de
cigarro em cima da mesa de cabeceira, fraldas sujas no chão do
quarto;
- no dia 4 de Março de 2010, a casa apresentava-se com uma
desorganização exuberante e uma total falta de higiene, havendo
dejectos de comida nos pratos, louça por lavar na bancada da
cozinha, amontoados de roupa em todas as divisões da casa que,
inclusivamente, não permitiam a passagem para o quarto da “A”,
estando o chão impregnado de sujidade e lixo;
- em Junho de 2010, a casa mantinha-se desorganizada, com roupa
suja espalhada pela casa, louça suja e o frigorífico desprovido de
alimentos em suficiência – apenas dois sacos de carne no
congelador e dois recipientes com carne putrefacta no refrigerador;
- no dia 22 de Dezembro de 2010, a cozinha apresentava lixo
acumulado pelo chão, beatas de cigarro tanto no chão como em
cima da mesa, cascas de cebola, molas e uma faca; o fogão estava
impregnado de gordura, no lava-louça estava um tacho e restos da
refeição, tudo dentro de água; ainda no lava-louça, louça suja; no
frigorífico havia apenas o resto de uma refeição – salsichas com
massa; no interior de um armário, um prato com carne putrefacta;
um dos quartos cheirava a urina de gato;
- no dia 14 de Janeiro de 2011 o fogão estava de novo impregnado
de gordura, o chão com lixo, o quarto do casal com amontoado de
roupa, cinzeiro com beatas;
- no dia 29 de Julho de 2011, a bancada da cozinha estava ocupada
com a louça do jantar do dia anterior, ainda por lavar, a cama do
casal por fazer, apresentando-se a “C” às técnicas em camisa de
dormir;
- no dia 31 de Dezembro de 2011, o chão encontrava-se sujo de
lama, a bancada da cozinha com inúmera loiça por lavar, o fogão
com acumulado de gordura, por baixo da bancada e por cima da
bilha do gás um prato com dejectos de comida, loiça suja e cinzeiro
cheio de beatas em cima da mesa da cozinha, onde também se
encontrava uma gaiola com um hamster; no wc um amontoado de
roupa no chão e nos quartos igual aglomerado de roupa;

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- no dia 20 de Janeiro de 2012, o chão sujo, a bancada da cozinha


continuava com inúmera loiça por lavar e com pratos com restos de
comida, por baixo da bancada e por cima da bilha do gás
mantinha-se o prato com restos de comida; alguidares espalhados
no chão da cozinha e na cadeira com roupa amontoada e por lavar;
continuavam a estar chávenas cheias de beatas, pratos com comida
em putrefacção, pão bolorento, a gaiola do hamster; o tecto da
cozinha estava cheio de mosquitos e restos de comida em cima da
mesa; os dois quartos encontravam-se desarrumados com as camas
por fazer, roupa e calçado espalhados; em cima da cama restos de
pão e uma embalagem de manteiga.
7. Durante o acompanhamento referido em 5. constatou-se ainda
que:
d) os progenitores, apesar de orientados pela Associação “D” desde
o início, em 4 de Abril de 2008 ainda não tinham requerido o abono
de família da “A”;
e) até aos dois anos e meio da “A”, a progenitora não imprimia ao
dia desta uma rotina saudável, ficando amiúde ambas na cama
durante toda a manhã;
f) apesar de orientada pelas técnicas, a progenitora descurava a
frequência pela “A” de equipamento de infância, não a inscrevendo
de todo, ou não a apresentando, ou deixando por pagar as
mensalidades;
g) no ano lectivo 2009/2010, por força desse desinteresse, só a partir
de Abril de 2010 a “A” frequentou equipamento de infância e só
após muito esforço das técnicas, insistindo amiúde com a
progenitora, marcando contactos e entrevistas, intermediando, e
assim procurando vencer a inércia da progenitora;
h) também até aos dois anos e meio da “A”, a progenitora, apesar
de aconselhada pelas técnicas, acumulava erros alimentares nas
refeições da “A”, não lhe proporcionando pequeno-almoço —
constituído pelas mamadas na cama —, não lhe dando sopa nem
fruta a pretexto de que a mesma não gostava;
i) a “A”, apesar de possuir uma cama própria, dormia a maior
parte das noites junto com os pais;
j) a progenitora apresenta(va) um quadro psicopatológico
acentuado que se caracterizou, entre o mais, por:
- estado depressivo, que em determinadas alturas a levava a sentir-
se deprimida a maior parte do tempo e a chorar compulsivamente;
- anedonia: interesse diminuído na realização das actividades do
quotidiano; sensação de inutilidade;
- confusão mental com ideias desesperantes;
k) esse quadro determinou que permanecesse longos períodos
temporais apenas por casa, fechada, sem fazer o que quer que
fosse, na companhia da “A”, geralmente deitada e às escuras, o que
sucedeu, nomeadamente, durante os meses de Janeiro, Fevereiro e
Março de 2010;
l) esse quadro determina também instabilidade emocional e, por via
dela, incapacidade na colocação e diferenciação de limites no

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processo educativo da “A”;


m) apesar do apoio prestado, apesar de ter iniciado
acompanhamento médico-psiquiátrico suscitado no âmbito desse
acompanhamento, a progenitora não foi persistente no mesmo,
abandonando-o no início do ano de 2009 e permanecendo sem
qualquer acompanhamento pelo menos até ao mês de Abril de
2010, apesar das diligências dos técnicos para que o retomasse, com
sucessivas marcações de consultas;
n) apesar de ter retomado o acompanhamento, fê-lo de modo
intermitente, faltando às quatro consultas que lhe foram agendadas
para Maio de 2010, a várias marcadas para Agosto de 2010 (apenas
tendo ido nos dias 19 e 31 deste mês) e a todas as agendadas para
Setembro e Outubro de 2010 e parte das designadas para
Novembro de 2010 (só tendo ido no dia 30 deste mês; e em
Dezembro, no dia 13); foi a consultas nos meses de Abril e Maio de
2011 e, a partir daí, nunca mais compareceu, alegando o incómodo
na deslocação, ficar longe e ter ficado farta de tal
acompanhamento;
o) durante a vigência da medida provisória, aplicada por decisão de
24 de Junho de 2010, concretizada no dia 2 de Julho de 2010, a
progenitora manteve visitas regulares e frequentes à “A”; o pai
manteve visitas espaçadas regulares, às quintas-feiras, de 21 de
Outubro de 2010 até Dezembro de 2010; a partir de então não mais
o fez sob pretexto de ter muito trabalho na quinta.
8. Durante o acompanhamento, denotaram-se algumas melhorias,
como sejam:
a) alguns cuidados ao nível da higiene habitacional, especialmente
nos quartos; em Março de 2008, a progenitora frequentou as
consultas de psicologia; entre Setembro e Dezembro de 2007, a
menor frequentou a Creche Familiar da Associação “M”, tendo
deixado, no entanto, de a frequentar a partir de Janeiro, por falta
de pagamento das mensalidades por parte da progenitora;
b) em Setembro de 2009, melhorias no que se refere à higiene
habitacional; apresentando ainda a menor consultas e vacinas
actualizadas;
c) início de 2009, a progenitora assegurava a frequência e
assiduidade da menor na Creche familiar e aderiu ao
acompanhamento psicológico, com frequência quinzenal na
Associação “M”;
sendo que, após uma ausência dos progenitores para a zona de P...
entre Abril e Setembro de 2009, verificou-se um enorme retrocesso,
designadamente ao nível acompanhamento médico-psiquiátrico por
parte da progenitora e supra descrito no ponto 7., alínea n), tendo
esta, por outro lado, demonstrado ainda maior resistência ao
acompanhamento por parte das instâncias sociais e fraca adesão à
presença das técnicas, sendo que desde o início recusou a
colaboração de uma ajudante familiar no apoio às lides domésticas;
retrocesso esse que também se revelou ao nível da organização e da
higiene da habitação, o que acabou por motivar a prolação da

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medida provisória aludida no ponto 7., sob a alínea o).


9. Durante a vigência da medida provisória aludida no ponto 7., sob
a alínea o), foi delineado um plano de intervenção para os
progenitores, relativamente ao qual não se observou o
cumprimento do acompanhamento médico
psiquiátrico/psicológico; verificando-se pontualmente algumas
melhorias ao nível da higiene habitacional (com pintura da casa,
aplicação de loiças novas na casa-de-banho e quartos mais limpos e
organizados), mas com retrocessos imediatos, com lixo acumulado
no chão, cinzeiros cheios de beatas espalhados no quarto e cozinha,
fogão impregnado de gordura e restos de comida no lava-loiça,
junto com loiça por lavar, conforme já relatado supra no ponto 6.,
alínea c).
10. A resistência demonstrada pela progenitora à intervenção das
técnicas, designadamente da Associação “D”, foi-se tornando cada
vez mais notória, sendo que entre Janeiro e Julho de 2011 apenas
conseguiram realizar quatro visitas domiciliárias, não tendo
realizado mais, não obstante o seu agendamento, por ausência da
progenitora; denotando-se igualmente uma crescente falta de
adesão por parte da progenitora, que inviabilizou um
acompanhamento sistémico e contínuo.
11. Durante o período em que esteve na ama (2007/2008) e
frequentou a Creche Familiar da Associação “M”, designadamente
entre Setembro de 2007 e Dezembro de 2007, sendo que nesta
ocasião a menor deixou de a frequentar por falta de pagamento das
respectivas mensalidades, a “A” apresentava-se com cuidados de
higiene e com roupas adequadas; o que acontecia em regra noutras
ocasiões.
12. A menor nunca padeceu de doenças significativas;
apresentando, no entanto, a sua dentição de leite podre.
13. Entre a menor e a progenitora existe grande afectividade; sendo
que os pais, principalmente a mãe, sofrem com a separação da
filha.
14. A “C” tem presente, em termos da sua personalidade, alguma
desejabilidade social, esforçando-se por mostrar uma imagem de si
mesma o mais favorável possível; revela ter uma visão ingénua,
imatura e idealizada dos aspectos da realidade, associada a
mecanismos de repressão de afectos, por dificuldade de insight e de
integração dos mesmos; revela ter um funcionamento rígido,
inibido e introvertido, com parco dinamismo mental, empobrecido
do ponto de vista afectivo e cognitivo; revela, relativamente à
menor, fragilidades na implementação efectiva das normas e
estruturação de limites de uma forma prática e objectiva.
15. O “B” revela ter uma personalidade empobrecida, influenciada
também pelo contexto sócio-cultural em que se insere e pelos
factores cognitivos, mostrando-se vulnerável à ansiedade, agitação
e inquietação, que reflecte na capacidade de atenção/concentração;
do ponto de vista afectivo, revela imaturidade e auto-centração,
com alguma sugestionabilidade face ao exterior, desejabilidade (no

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sentido de agradar ao outro), insegurança e dependência face ao


outro.
16. O “B” trabalha por conta de “N”, proprietário da dita ...,
cabendo àquele a realização de variadas tarefas agrícolas,
nomeadamente o pastoreio, recolha e alimentação de ovelhas.
17. A “C”, doméstica, auxilia esporadicamente na realização das
tarefas da Quinta, designadamente às segundas, quartas e sextas,
entre as 13 e as 16 horas; encontrando-se as mais das vezes por
casa sem nada fazer.
18. Os progenitores da menor residem numa casa existente na
Quinta ..., referida no ponto 3., pertença também de “N”.
19. O “B” aufere cerca de € 700,00 mensais; não pagando qualquer
contrapartida pela utilização da casa; sendo que a água e a luz
também são suportadas por “N”, que muitas vezes também acaba
por ajudar o casal quando o dinheiro não chega e é todo gasto,
pagando, designadamente, o passe da progenitora.
20. Pelo menos até Agosto de 2011, era “N” que lhes geria o
dinheiro do salário, entregando-o conforme os mesmos
necessitavam, sob pena de o gastarem desmedidamente.
21. Por vezes, agora mais pontualmente, é também o “N” que
acorda o “B”, de manhã, para ter a certeza que o mesmo se levanta
e faz os seus afazeres diários.
22. O agregado familiar de “N” é composto por este, pela mulher
“O” e pelo filho de ambos, com 8 anos, “P”.
23. “N” e “O” também exercem funções/trabalham na Quinta, com
início das actividades às 5:00 horas; permanecendo o filho a dormir
sozinho em casa até às 7:00 horas, hora a que “O” se desloca a casa
para acordar o menor e preparar-lhe o pequeno-almoço; sendo que
no final do dia volta a casa às 18:00, onde deixa o filho sozinho,
regressando novamente a casa às 20:00 horas.
24. Em 2 de Agosto de 2011, “N” e “O” manifestaram a intenção de
apoiar os pais com a menor, designadamente nas refeições, no
acompanhamento escolar e nas questões de saúde, desde que a
menor pernoitasse em casa dos pais, não se mostrando disponíveis
para ficar com ela a tempo inteiro, alegando receio quanto à
eventual reacção da progenitora por não pernoitar com ela.
25. Em 27 de Fevereiro de 2012, em sede de debate judicial, “N” e
“O” mostraram disponibilidade para acolher e assumir os cuidados
da menor.
26. Enquanto a menor esteve institucionalizada, “N” e “O” não
foram figuras presentes na Instituição.
27. Não existem outros familiares da menor com disponibilidade
para acolhê-la.
O Direito
O Ministério Público entende que, se se admitir que os apelantes
recorrem de direito, deve dar-se cumprimento ao disposto no art.º
690.º n.º 4 do CPC.
Vejamos.
A este processo aplica-se o regime anterior ao previsto no Dec.-Lei

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n.º 303/2007, de 24.8, pois teve o seu início antes de 01.01.2008 (cfr.
artigos 11.º n.º 1 e 12.º do Dec.-Lei n.º 303/2007). Quando nada se
diga em contrário, será tida em conta a redação do Código de
Processo Civil anterior à introduzida por aquele diploma.
Nos termos do n.º 2 do art.º 690.º do CPC, quando o recurso verse
sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar as normas
jurídicas violadas, o sentido com que, no entender do recorrente, as
normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter
sido interpretadas e aplicadas e, invocando-se erro na
determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no
entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada. Nos termos do
n.º 4 do art.º 690.º do CPC, se nas conclusões não se tiver procedido
às supra referidas especificações, o relator deve convidar o
recorrente a apresentá-las, sob pena de não se conhecer do objeto
do recurso, na parte afetada.
Afigura-se-nos que, embora de forma imperfeita, o recurso é de
direito e cumpre, de forma tácita, os requisitos mínimos delineados
pela lei. Para o efeito, atente-se no teor das conclusões 3.ª, 4.ª, 5.ª,
6.ª, 7.ª, 37.ª e 39.ª. Aí os apelantes enunciam as normas legais tidas
por pertinentes e que, no seu entender, impunham decisão diversa
da recorrida.
Entendemos, pois, que não existe a referida omissão apontada pelo
apelado.
No que diz respeito a eventual impugnação da matéria de facto, a
modificabilidade da decisão de facto pela Relação está regulada no
art.º 712.º do Código de Processo Civil. Nos termos desse artigo, a
Relação pode alterar a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a
matéria de facto:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que
serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em
causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados,
tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690.º-A, a decisão com
base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão
diversa, insuscetível de ser destruída por quaisquer outras provas;
c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que,
por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão
assentou.
Nos termos do art.º 690.º-A do Código de Processo Civil, quando se
impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o
recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os
concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e
os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de
registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os
pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
Tratando-se de depoimentos gravados, incumbe ainda ao
recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos
em que se funda, por referência ao assinalado na ata (art.º 690.º-A
n.º 2).

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Compulsadas as alegações da apelação e bem assim as suas


conclusões, nelas não se vislumbra a indicação de pontos de facto
que tenham sido incorretamente julgados, nem a indicação, pela
forma legalmente imposta, dos depoimentos que no entender dos
recorrentes imporiam decisão diferente, sobre esses mesmos factos.
O que os apelantes empreendem é a invocação de alguns
depoimentos, em si mesmos ou em conjugação com outros
elementos constantes no processo, para enunciar juízos conclusivos
diversos daqueles que o tribunal a quo formulou na sentença para
fundar a medida aplicada. Ora, tal tipo de discordância constitui
atividade argumentativa que não tem a natureza de impugnação da
matéria de facto, para os efeitos previstos no art.º 712.º do CPC.
Entende-se, pois, que neste recurso não ocorre impugnação da
decisão sobre a matéria de facto.
Segunda questão (se deve manter-se a medida de promoção e
proteção da menor determinada pela decisão recorrida)
A lei protege a família, nomeadamente a família natural. O art.º
67.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa declara que “a
família, como elemento fundamental da sociedade, tem direito à
protecção da sociedade e do Estado e à efectivação de todas as
condições que permitam a realização pessoal dos seus membros.” O
art.º 68.º da Lei Fundamental acrescenta que “a maternidade e a
paternidade constituem valores sociais eminentes” (n.º 2) e “os pais e
as mães têm direito à protecção da sociedade e do Estado na
realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos,
nomeadamente quanto à sua educação, com garantia de realização
profissional e de participação na vida cívica do país” (n.º 1). O art.º
36.º da Constituição da República Portuguesa, sob a epígrafe
“família, casamento e filiação”, proclama que “os pais têm o direito
e o dever de educação e manutenção dos filhos” (n.º 5) e que “os
filhos não podem ser separados dos pais”, mas logo acrescenta:
“salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para
com eles e sempre mediante decisão judicial” (n.º 6). Também a
adoção merece consagração constitucional, enquanto fonte de laços
familiares, estipulando o n.º 7 do art.º 36.º da Constituição da
República Portuguesa que “a adopção é regulada e protegida nos
termos da lei, a qual deve estabelecer formas céleres para a respectiva
tramitação”.
A proteção da família não sobreleva a proteção da criança.
O art.º 69.º da Constituição da República Portuguesa, consagrado à
infância, declara que “as crianças têm direito à protecção da
sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral,
especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação
e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e
nas demais instituições” (n.º 1) e acrescenta que “o Estado assegura
especial protecção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer
forma privadas de um ambiente familiar normal” (n.º 2).
A Convenção Sobre os Direitos da Criança, aprovada em Nova
Iorque em 20 de Novembro de 1989, aprovada por Portugal e

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publicada no D.R. , I série, de 12.9.1990, estabelece que todas as


decisões relativas a crianças, adotadas por instituições públicas ou
privadas de proteção social, por tribunais, autoridades
administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em
conta o interesse superior da criança (art.º 3.º n.º 1). Nos termos do
n.º 1 do art.º 9.º da Convenção, a criança não será separada dos
seus pais contra a vontade destes, a menos que a separação se
mostre necessária, “no interesse superior da criança”. Tal decisão
pode mostrar-se necessária no caso de, “por exemplo, os pais
maltratarem ou negligenciarem a criança” (n.º 1, segundo período,
do art.º 9.º). O art.º 20.º da Convenção prevê a situação de crianças
que, “no seu interesse superior”, não possam ser deixadas no seu
ambiente familiar, reconhecendo-lhes o direito a proteção
alternativa, que pode incluir a adoção. O art.º 21.º da Convenção
determina que o interesse superior da criança será a consideração
primordial no domínio da adoção.
A Convenção Europeia em Matéria de Adopção de Crianças,
aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da
República n.º 4/90 e ratificada por Decreto do Presidente da
República publicado no D.R., I série, de 30.5.1990, estipula que “a
autoridade competente não decreta uma adopção sem adquirir a
convicção de que a adopção assegura os interesses do menor” (art.º
8.º, n.º 1), devendo atribuir-se “particular importância a que a
adopção proporcione ao menor um lar estável e harmonioso” (art.º
8.º, n.º 2).
No que concerne ao conteúdo do anteriormente designado “poder
paternal”, actualmente substituído, sugestivamente, pelo conceito
de “responsabilidades parentais”, o Código Civil evidencia que
“compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e
saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação (…)”
(art.º 1878.º, n.º 1). Em desenvolvimento desta matéria, o art.º
1885.º declara que “cabe aos pais, de acordo com as suas
possibilidades, promover o desenvolvimento físico, intelectual e moral
dos filhos”.
Nos termos do art.º 1915.º n.º 1 do Código Civil, “quando qualquer
dos pais infringir culposamente os deveres para com os filhos, com
grave prejuízo destes, ou quando, por inexperiência, enfermidade,
ausência ou outras razões se não mostre em condições de cumprir
aqueles deveres”, pode o tribunal decretar a inibição do exercício
das responsabilidades parentais. O art.º 1918.º do Código Civil
estipula que “quando a segurança, a saúde, a formação moral ou a
educação de um menor se encontre em perigo e não seja caso de
inibição do exercício do poder paternal”, o tribunal pode “decretar
as providências adequadas, designadamente confiá-lo a terceira
pessoa ou a estabelecimento de educação ou assistência”.
O diploma fundamental em sede de proteção de crianças e jovens
em perigo é a Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo
(LPCJP) aprovada pela Lei n.º 147/99, de 01 de setembro, alterada
pela Lei n.º 31/2003, de 22.8.

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Tal lei regula a intervenção para promoção dos direitos e proteção


da criança e do jovem em perigo, a qual tem lugar “quando os pais,
o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em
perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou
desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de acção ou omissão
de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se
oponham de modo adequado a removê-lo” (art.º 3.º n.º 1). Nos
termos do n.º 2 do citado artigo, considera-se que a criança ou o
jovem está em perigo quando, designadamente, “está abandonada
ou vive entregue a si própria” (alínea a), “sofre maus tratos físicos ou
psíquicos ou é vítima de abusos sexuais (alínea b), “não recebe os
cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal”
(alínea c), “está sujeita, de forma directa ou indirecta, a
comportamentos que afectem gravemente a sua segurança ou o seu
equilíbrio emocional” (alínea e). O art.º 4.º da LPCJP enuncia os
princípios pelos quais se deve reger a intervenção para a promoção
dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo, entre os
quais o do interesse superior da criança e do jovem (“a intervenção
deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do
jovem, sem prejuízo da consideração que for devida a outros
interesses presentes no caso concreto”), o da intervenção precoce (“a
intervenção deve ser efectuada logo que a situação de perigo seja
conhecida”), o da intervenção mínima (“a intervenção deve ser
exercida exclusivamente pelas entidades e instituições cuja acção seja
indispensável à efectiva promoção dos direitos e à protecção da
criança e do jovem em perigo”), o da proporcionalidade e
actualidade (“a intervenção deve ser a necessária e a adequada à
situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontram no
momento em que a decisão é tomada e só pode interferir na sua vida
e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a
essa finalidade”), o da responsabilidade parental (“a intervenção
deve ser efectuada de modo que os pais assumam os seus deveres
para com a criança e o jovem”), o da prevalência da família (“na
promoção de direitos e na protecção da criança e do jovem deve ser
dada prevalência às medidas que os integrem na sua família ou que
promovam a sua adopção”).
As medidas em causa têm as seguintes finalidades, enunciadas no
art.º 34.º da LPCJP:
a) Afastar o perigo em que a criança e o jovem se encontrem;
b) Proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e
promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e
desenvolvimento integral;
c) Garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens
vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso.
As medidas a aplicar são as seguintes (art.º 35º da LPCJP):
a) Apoio junto dos pais;
b) Apoio junto de outro familiar;
c) Confiança a pessoa idónea;
d) Apoio para a autonomia de vida;

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e) Acolhimento familiar;
f) Acolhimento em instituição;
g) Confiança a pessoa selecionada para a adoção ou a instituição
com vista a futura adoção.
As medidas referidas nas alíneas a) a d) consideram-se medidas a
executar “no meio natural de vida” e as medidas referidas nas
alíneas e) e f) consideram-se “medidas de colocação”; quanto à
medida prevista na alínea g), é considerada a executar no meio
natural de vida no primeiro caso e de colocação no segundo (n.º 3
do art.º 35.º da LPCJP).
Estas medidas podem ser decididas a título provisório, nas
situações de emergência ou enquanto se procede ao diagnóstico da
situação da criança e à definição do seu encaminhamento
subsequente, não podendo a sua duração, nesse caso, exceder seis
meses (art.º 35.º n.º 2 e 37.º da LPCJP). As medidas previstas nas
alíneas a) a d) não poderão ter duração superior a um ano,
podendo tão só ser prorrogadas até 18 meses (art.º 60.º da LPCJP).
As medidas previstas nas alíneas e) e f) terão a duração
estabelecida no acordo ou na decisão judicial (art.º 61.º). Porém,
também em relação a estas duas está subjacente a ideia de uma
forma de vida com limitação temporal (quanto ao acolhimento
familiar, cfr. art.º 48.º, no qual se menciona expressamente, como
pressuposto da sua aplicação, que é previsível o retorno da criança
ou jovem à família natural; no que concerne ao acolhimento em
instituição, pode ser de curta duração – nos termos expressos nos
números dois e três do art.º 50.º da LCPJP – ou de duração
prolongada, ou seja, por prazo superior a seis meses – n.º 4 do art.º
50.º -, mas em todo o caso é sujeito a revisão pelo menos de seis em
seis meses - art.º 62.º n.º 1 da LPCJP; neste sentido, v.g., Rosa
Clemente, “Inovação e Modernidade no Direito de Menores, a
perspectiva da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo”,
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Centro de
Direito da Família, Coimbra Editora, 2009, páginas 81 a 85).
Mais adiante se falará no apadrinhamento civil, instituto cujo
regime está previsto na Lei n.º 103/2009, de 11 de setembro,
regulamentada pelo Dec.-Lei n.º 121/2010, de 27.10, e que se
assume como uma medida tutelar cível com características
próprias, tendencialmente de caráter permanente e que cede
perante a adoção, pois não pode aplicar-se quando se verifiquem os
pressupostos da confiança com vista à adoção.
Quanto à medida de confiança de menor a outrem com vista a
adoção.
O art.º 1974.º do Código Civil, com a redação introduzida pela Lei
nº 31/2003, de 22.8, enuncia os requisitos gerais da adoção: “a
adopção visa realizar o superior interesse da criança e será decretada
quando apresente reais vantagens para o adoptando, se funde em
motivos legítimos, não envolva sacrifício injusto para os outros filhos
do adoptante e seja razoável supor que entre o adoptante e o
adoptando se estabelecerá um vínculo semelhante ao da filiação.”

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O art.º 38.º-A da LPCJP, aditado pela Lei n.º 31/2003, de 22.8.2003,


prevê a medida de confiança da criança ou do jovem a pessoa
selecionada para a adoção ou a instituição com vista a futura
adoção, que, nos termos do artigo, será aplicável “quando se
verifique alguma das situações previstas no art.º 1978.º do Código
Civil.”
O art.º 1978.º do Código Civil, com a redação introduzida pela Lei
nº 31/2003, de 22.8, regula a confiança de menor a casal, a pessoa
singular ou a instituição, com vista a futura adoção. Tal ocorrerá
quando “não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os
vínculos afectivos próprios da filiação, pela verificação objectiva de
qualquer das seguintes situações:” (corpo do nº 1 do art.º 1978.º)
“a) Se o menor for filho de pais incógnitos ou falecidos;
b) Se tiver havido consentimento prévio para a adopção;
c) Se os pais tiverem abandonado o menor;
d) Se os pais, por acção ou omissão, mesmo que por manifesta
incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo
grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o
desenvolvimento do menor;
e) Se os pais do menor acolhido por um particular ou por uma
instituição tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em
termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade
daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que
precederam o pedido de confiança.”
Na verificação dessas situações o tribunal “deve atender
prioritariamente aos direitos e interesses do menor” (n.º 2 do art.º
1978.º). Quanto à constatação da ocorrência de perigo, mencionada
na alínea d) (e que foi invocada na decisão recorrida) o Código
estatui que “considera-se que o menor se encontra em perigo quando
se verificar alguma das situações assim qualificadas pela legislação
relativa à protecção e à promoção dos direitos dos menores” (n.º 3 do
art.º 1978.º).
A confiança com fundamento nas situações previstas nas alíneas a),
c), d) e e) não pode, porém, ser decidida, se o menor se encontrar a
viver com ascendente, colateral até ao 3.º grau ou tutor e a seu
cargo, salvo se aquelas pessoas “puserem em perigo, de forma grave,
a segurança, a saúde, a formação moral ou a educação do menor”,
ou “se o tribunal concluir que a situação não é adequada a assegurar
suficientemente o interesse do menor.” (n.º 2 do art.º 1978.º).
A atual redação do art.º 1978.º do Código Civil emerge, como foi
dito, da Lei n.º 31/2003, de 22.8. Na exposição de motivos da
Proposta de Lei n.º 57/IX 3618 (D.A.R., II Série A - Número 088, 26
de Abril de 2003, pág. 3618 e seguintes), que lhe deu origem, lê-se o
seguinte:
“A adopção constitui o instituto que visa proporcionar às crianças
desprovidas de meio familiar o desenvolvimento pleno e harmonioso
da sua personalidade num ambiente de amor e compreensão, através
da sua integração numa nova família. Quando a família biológica é
ausente ou apresenta disfuncionalidades que comprometem o

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estabelecimento de uma relação afectiva gratificante e securizante


com a criança, impõe a Constituição que se salvaguarde o superior
interesse da criança, particularmente através da adopção. Esta
concepção da adopção corresponde àquela que está plasmada em
importantes instrumentos jurídicos internacionais como a Convenção
sobre os Direitos da Criança e a Convenção Europeia em Matéria de
Adopção de Crianças. Trata-se, por outro lado, de uma intervenção
que se reclama urgente, porquanto a personalidade da criança se
constrói nos primeiros tempos de vida, revelando-se imprescindível
para que a criança seja feliz e saudável que quem exerce as funções
parentais lhe preste os adequados cuidados e afecto. E se, atento o
primado da família biológica, há efectivamente que apoiar as famílias
disfuncionais, quando se vislumbra a possibilidade destas
reencontrarem o equilíbrio, situações há em que tal não é viável, ou
pelo menos não o é em tempo útil para a criança, devendo em tais
situações encetar-se firme e atempadamente o caminho da adopção.
(…) Há hoje cerca de onze mil e trezentas crianças acolhidas em
instituições e famílias idóneas, cujo projecto de vida deve ser
urgentemente definido, sendo certo que a institucionalização não
pode ser considerada uma solução, mas tão somente uma medida de
protecção. (…). Assim, passa a ser expressamente mencionado o
superior interesse da criança como critério fundamental para ser
decidida a adopção, o qual constitui, aliás, o conceito de referência
nesta matéria. São desenvolvidos os conceitos de colocação do menor
em perigo e de manifesto desinteresse pelo filho, pressupostos do
decretamento da confiança judicial, clarificando-se que neste
segundo conceito está essencialmente em causa a qualidade e a
continuidade dos vínculos próprios da filiação. Reduz-se para três
meses o período relevante para aferição do desinteresse, sendo certo
que este prazo é suficiente para esse efeito e, simultaneamente,
permite acelerar o processo.”
Do regime legal e convencional supra referido emana a conceção de
que o desenvolvimento feliz e harmonioso de uma criança se
processa e deve realizar-se no seio da família biológica, tida como a
mais capaz de proporcionar à criança o necessário ambiente de
amor, aceitação e bem estar. Porém, se esta não poder ou não quiser
desempenhar esse papel, haverá que, sendo possível, optar
decididamente e rapidamente pela sua integração numa outra
família, através da adoção (cfr, v.g., Helena Bolieiro e Paulo
Guerra, “A Criança e a Família – uma Questão de Direito(s)”,
Coimbra Editora, 2009, páginas 39, 72, 322, 341, 352, 375 a 378;
Beatriz Marques Borges, “Protecção de Crianças e Jovens em
Perigo”, Almedina, 2011, 2.ª edição, páginas 18, 53 a 55, 143, 144,
228; acórdão da Relação de Coimbra, de 25.10.2011, 559/05.6
TMCBR-A.C1; acórdão da Relação de Guimarães, 21.5.2009,
2308/06.2TBVCT.G1, www.dgsi.pt; cfr. também o preâmbulo do
Dec.-Lei n.º 185/93, de 22 de Maio, que aprovou o regime jurídico
da adoção; qualificando, em jeito de proposta de reflexão de quem
desconfia de “consensos alargados”, como um dos atuais “dogmas

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do Direito da Família e dos Menores”, a ideia da adoção como


instrumento ideal para proteger as crianças privadas de um
ambiente familiar normal, vide Jorge Duarte Pinheiro, “Critério
biológico e critério social ou afectivo na determinação da filiação e
da titularidade da guarda dos menores”, in Lex Familiae, Coimbra
Editora, ano 5, n.º 9, 2008, páginas 10 a 12).
Constitui pressuposto desta medida (confiança para adoção) que
“não existam” ou “se encontrem seriamente comprometidos os
vínculos afectivos próprios da filiação”. Tal situação será constatada
“pela verificação objectiva” de qualquer das situações previstas nas
diversas alíneas do n.º 1 do art.º 1978.º do Código Civil (corpo do
n.º 1 do art.º 1978.º).
Ou seja, a ocorrência de qualquer dessas situações constituirá via
necessária para a demonstração da inexistência ou do sério
comprometimento do vínculo afetivo entre o progenitor e a criança,
para o efeito da confiança da criança para adoção. Adicionalmente,
porém, haverá que apreciar se essas situações traduzem, em
concreto, inexistência ou sério comprometimento dos vínculos
afetivos próprios da filiação (cfr., v.g., Helena Bolieiro e Paulo
Guerra, obra citada, páginas 349 e 350; Maria Clara Sottomayor,
“A nova lei da adopção”, in Direito e Justiça, vol. XVIII, tomo II,
2004, páginas 244 a 247; Francisco Pereira Coelho e Guilherme de
Oliveira, “Curso de Direito da Família, volume II, Direito da
Filiação, Tomo I, Estabelecimento da filiação; adopção”, Coimbra
Editora, 2006, pág. 278; acórdão da Relação de Lisboa, 15.10.2009,
388/07.2TMFUN.L1-6; em sentido aparentemente diverso,
considerando que a ocorrência de qualquer das referidas situações
configura presunção da inexistência ou comprometimento dos
aludidos vínculos, Beatriz Borges, obra citada, páginas 148, 171,
172).
Sendo certo que os vínculos afetivos que obstam à aplicação da
medida sob análise são os “próprios da filiação”: não basta que
haja relação afetiva entre pais e filhos, é necessário que esta assuma
a natureza de verdadeira relação pai/mãe – filho, de molde que o
progenitor se assuma como pai ou mãe e o filho o reconheça e sinta
como verdadeira figura paterna/materna.
Havendo até quem defenda (não é a nossa opinião) que sempre que
um tribunal protege uma criança da sua família de origem, essa
proteção deve ser, tendencialmente, definitiva, maxime se a medida
de proteção durar previsivelmente mais de seis meses, caso em que
fica comprometido, de forma irreparável, o desenvolvimento
subsequente da criança, a qual deverá ser encaminhada para um
processo de adoção (Eduardo Sá, “O poder paternal”, in “Volume
comemorativo dos 10 anos do Curso de Pós-Graduação “Protecção
de Menores – Prof. Doutor F. M. Pereira Coelho””, 12, Faculdade
de Direito da Universidade de Coimbra, Centro de Direito da
Família, Coimbra Editora, 2008, pág. 87).
Analisemos o caso destes autos.
Verifica-se, da parte do pai da menor, afastamento, traduzido nos

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pontos 6 a) e b), 7 d) e o), da matéria de facto.


Do lado da mãe (para o que a passividade do pai da menor também
contribui), constata-se uma persistente incapacidade de assegurar
um ambiente habitacional minimamente organizado e saudável,
(pontos 6 c), 8 c), 9), agravado por um aparente desinteresse por
melhorar (pontos 7 m) e n), 8 c), 10), tudo isso acompanhado, antes
da institucionalização da “A”, de fraco empenho na frequência pela
“A” de equipamento de infância (pontos 7 f) e g), 11), horários
inadequados para a criança dormir e comer e alimentação
desequilibrada dada à “A” (pontos 7 e), h)), longos períodos de
total inatividade, permanecendo a mãe deitada e às escuras com a
“A” (7 k)), além de a criança dormir quase sempre na cama dos
pais, apesar de possuir uma cama própria (ponto 7 i).
Trata-se, pois, de mau trato, por negligência (cfr., v.g.,
“Conceptualização de situações de mau trato”, Pedro Magalhães
Pereira e Salomé Vieira Santos, in “Crianças em Risco e Perigo,
contextos, investigação e intervenção”, vol. I, Edições Sílabo, 2011,
pág. 15 e seguintes; “Práticas parentais de mães negligentes”, por
Tânia Ribeiro e Paula Castro, também em “Crianças em Risco e
Perigo…”, pág. 100 e seguintes“).
Algumas melhorias foram apenas pontuais, carecendo de
persistência (ponto 8).
Sendo certo que os aludidos aspetos negativos ocorreram apesar do
precoce e constante acompanhamento e apoio prestado por
diversas entidades (pontos 5, 7 d), f), g), h), m), 8, 9 da matéria de
facto).
Tudo isto apesar de os progenitores bem saberem que os três filhos
mais velhos lhes haviam sido retirados no âmbito de um processo
de promoção e proteção (pontos 4 e 5 da matéria de facto) e que
para que a menor “A” continuasse a seu cargo teriam de mudar de
atitude.
O facto de até à institucionalização da menor esta não ter
apresentado particulares problemas de saúde nem se mostrar
descurada do ponto de vista da higiene pessoal e do vestuário (11 e
12 da matéria de facto), pese embora tivesse a dentição podre (12
da matéria de facto), não chegou para colmatar as supra referidas
deficiências, as quais, por colocarem em perigo a saúde e o
desenvolvimento da “A”, desembocaram na sua institucionalização.
Contrariamente às “queixas” expostas pelos apelantes nas
conclusões do recurso (maxime, conclusões 25.ª, 26.ª, 27.ª, 32.ª, 33.ª
a 35.ª), este agregado familiar foi acompanhado mesmo antes do
nascimento da menor e foi alvo de apoio aparentemente adequado,
nomeadamente, e sobretudo a mãe, com um sentido pedagógico.
Para confirmar isso atente-se, além do que consta nos números 4, 5,
7 d), f), g), h), m), n), 8 a), c), 9) da matéria de facto, também no
teor do acordo de promoção e proteção formalizado em 23.10.2008
(fls 192 e 193 dos autos), nos termos do qual a mãe da “A” se
obrigou a “frequentar as acções do projecto “Abraçar”, acções essas
que, conforme consta do relatório social elaborado em 17.3.2009

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pela ECJ de L... (fls 199 a 202), eram sessões quinzenais na


Associação “M”, onde eram trabalhadas, entre outras questões, as
competências parentais. Porém, conforme resulta também do n.º 8
c) da matéria de facto, em Abril de 2009 os progenitores
ausentaram-se para a região de P..., tendo a mãe da “A” deixado de
frequentar as consultas de psicologia e as sessões do projecto
Abraçar e cessado qualquer contacto com as estruturas de apoio da
segurança social ou equivalentes. Também contrariamente à
censura formulada na conclusão 27.ª, a falta de acompanhamento
que ocorreu durante a aludida ausência para a região de P... deveu-
se aos progenitores, que regressaram à morada anterior em L...
sem aviso, tendo sido “reencontrados” apenas na sequência dos
esforços feitos nesse sentido pelo tribunal e pelos serviços da
segurança social (vide fls 215 a 252). No que concerne aos períodos
depressivos, que seriam a causa da “anedonia” subjacente à
negligência da mãe da menor na lida da casa e que por conseguinte
deveriam ser alvo de tratamento psicológico (conclusões 9.ª, 13.ª,
14.ª, 28.ª, 34.ª, 36.ª), resulta dos factos provados que o problema é
mais vasto, radicando antes no aparente desinteresse ou falta de
sensibilidade da mãe pela manutenção e organização do lar,
independentemente de estar ou não a passar por uma crise
depressiva, sendo certo que, pesem embora os esforços feitos pelas
instituições intervenientes, a apelante descurou a frequência das
sessões de apoio psicológico, mesmo antes da institucionalização da
menor (vide factos 7 m) e n), 8 c)). De resto, a própria Dr.ª “E”,
psicóloga que acompanhou a mãe da menor nas consultas referidas
nos autos e que os apelantes mencionam nas conclusões 13.ª, 14.ª e
36.ª c), comunicou ao tribunal, em 01.9.2011 (fls 661), a
impossibilidade de a mãe da menor continuar a ser seguida naquele
serviço (Associação “M”), “decisão clínica” essa cujas razões eram
as “constantes faltas da utente às consultas de Psicologia,
prejudicando o estabelecimento da relação e do processo
terapêutico.”
Afinal, os “quatro tipos de ajuda”, propugnados pelos apelantes
(conclusão 36.ª), já foram tentados no âmbito deste processo de
promoção e proteção, sem sucesso duradouro.
Sendo certo que as “contradições” apontadas nas conclusões 16.ª a
25.ª, entre uma mãe que é arrogante e resistente à mudança e uma
mãe que acata o que lhe dizem, é meramente aparente: conforme
resulta da matéria provada, houve alguns períodos de melhoria, só
que de escassa duração. De resto, as próprias declarações de
aceitação por parte da progenitora não tinham, depois, sequência
(vide declarações da Dra “Q”, directora adjunta e educadora social
da Casa ..., datadas de 19.5.2011 e transcritas a fls 573, citadas
pelos apelantes na conclusão 19.ª: “Ela [a mãe da menor] acata tudo
o que lhe dizem, mas não dá continuidade no tempo, não integra
como necessidade”).
Concorda-se, pois, com a decisão recorrida, na parte em que
afastou o regresso da menor aos cuidados dos progenitores.

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Vejamos, porém, se se mostram reunidos os pressupostos da


confiança da menor para adoção.
Ficou provado que “entre a menor e a progenitora existe grande
afectividade; sendo que os pais, principalmente a mãe, sofrem com
a separação da filha” (n.º 13 da matéria de facto).
Concomitantemente, deu-se como provado que após a
institucionalização da menor, ocorrida em 2.7.2010, a mãe manteve
visitas regulares e frequentes à “A” (n.º 7 o) da matéria de facto).
Concretizando o referente às visitas, estas foram diárias, de 2.ª a 6.ª
feira, com a duração de cerca de uma hora. Embora inicialmente
sob o impulso das técnicas, no decurso da visita a progenitora dava
banho à filha - declarações das técnicas prestadas em tribunal, em
19.5.2011, fls 571 a 573 dos autos.
Além disso, no dia 18.9.2010, dia de anos da apelante, esta lanchou
com a “A” (fls 380). A criança deslocou-se à casa dos padrinhos
para almoçar com estes e os pais, em 26.9.2010, dia dos seus anos
(fls 380 a 382). A criança passou o Natal com os pais, de 24.12.2010
a 26.12.2010 e bem assim o Ano Novo, de 31.12.2010 a 02.01.2011
(fls 430, 433, 449). Em 12.6.2011 a “A” foi batizada, sendo
padrinhos os supra referidos “N” e “O” (fls 593 a 596, 609, n.ºs 18 a
25 da matéria de facto). A “A” passou um dia, não determinado, de
finais de Outubro de 2011, com os pais e os padrinhos, para
comemorar o seu aniversário (fls 684 a 686). A “A” passou com os
pais o Natal de 24 a 25.12.2011 e o Ano Novo de 31.12.2011 a
01.01.2012 (fls 730, 736, 747).
Aquando do internamento da “A” na “Casa ...”, ocorrido em
02.7.2010, “no início, a “A” tinha muita dificuldade em aceitar a
separação da mãe no final da visita; depois, com o tempo começou a
interiorizar e a perceber, porque também via os outros meninos na
mesma situação” – declarações da Dr.ª “G”, Diretora e educadora
social na Casa ..., a fls 572, datadas de 19.5.2011.
Sendo certo que a “A” “é uma criança que se encontra
perfeitamente adaptada às rotinas e dinâmica do Centro de
Acolhimento. É uma criança bem-disposta, meiga, disponível para a
brincadeira e com facilidade de relacionamento, estabelecendo uma
boa interacção com adultos e com os pares. Está a frequentar o
Jardim de Infância, pertencente à Associação “M”, no qual é descrita
como uma menina que interage muito bem com os seus pares e
educadores. Participa com gosto nas actividades propostas,
acompanhando o grupo da sua faixa etária.” (último relatório social
de acompanhamento, elaborado pela ECJ de L..., datado de
30.9.2011, fls 676).
Ou seja, a menor mostra-se uma criança equilibrada, bem
desenvolvida e feliz. O que seguramente assenta no excelente
trabalho das pessoas que com ela interagiram na “Casa ...” (a
filosofia de ação da Casa ..., enquanto instituição da CrescerSer,
está bem retratada por Maria de Fátima Fernandes Pereira Líbano
Serrano, em “Acolhimento temporário de crianças e jovens,
experiência da CrescerSer – “case study”, in “Volume

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comemorativo…”, citado, pág. 283 e seguintes) mas, também, no


contacto contínuo que a apelante “C” manteve com a filha, com ela
forjando um forte laço afetivo.
Ora, se assim é, não é pensável, por violar a lei, confiar a “A” para
adoção. A confiança para adoção pressupõe, como se expôs supra,
que se mostrem seriamente comprometidos os laços afetivos
próprios da filiação.
É certo que, no que concerne às visitas da mãe à menor, se
consignou na decisão recorrida, em sede de motivação da matéria
de facto, declarações de teor algo depreciativo, proferidas no
debate judicial.
Assim, a assistente social da Casa ..., Dra “G”, caracterizou as
visitas da progenitora como “um pouco pobres”, sendo que, não
obstante existir afectividade entre mãe e filha, a mãe limita-se a estar
com a filha, com ela ao colo, a ouvir música, sem por sua livre
iniciativa estimular a criança, colocando-se ainda ao mesmo nível
desta, sem assumir o "papel de mãe" e de alguma autoridade,
havendo uma interacção, na sua perspectiva, pobre. Para além disso,
referiu que a progenitora nunca se preocupava em perguntar às
técnicas da instituição como estavam as coisas com a menor, na
escola ou durante o dia, no fundo inteirar-se da situação diária da
menor” (pág. 14 da decisão recorrida, quanto à motivação da
matéria de facto). Também a educadora social da Casa ..., Dr.ª “Q”,
no debate judicial, referiu que “da observação que fez durante as
visitas efectuadas pela progenitora, verificou existir uma relação de
afecto mas inexistir investimento consistente e interessado por parte
da mãe, inexistindo por parte desta iniciativa para estimular a
criança, através de jogos, pinturas, etc., só o fazendo quando se
insistia; ou verificava que era a mãe a fazer de imediato as coisas
(pintar, completar os puzzles); ficando a sensação de que a
progenitora não identifica a necessidade de aprendizagem da menor e
o estímulo que é necessário realizar; que a maior parte do tempo a
criança estava ao colo da mãe, a ouvir música no telemóvel, o que
não se revelava suficiente” (pág. 15 da decisão recorrida). Também
a Dr.ª “R”, psicóloga na Casa ..., declarou “que se apercebeu de
haver afectividade mútua entre a mãe e a menor, sendo que, de
acordo com as suas declarações, a relação de interactividade deixava
mais a desejar, sendo que muitas vezes era a própria “A” a ter
iniciativa para as brincadeiras e a mãe nem sempre correspondia,
faltando interacção, não podendo a visita resumir-se a colo e
guloseimas. Além disso, referiu ainda que muitas vezes era a própria
“C” a fazer pela “A”, por exemplo, um desenho, não estimulando a
filha nesse sentido, mas substituindo-se a esta. Adiantou que quando
se insistia com a progenitora, a mesma acabava por aderir às
actividades lúdicas a ter com a filha; mas que a progenitora é muito
passiva. Referiu que nas visitas iniciais a mãe investia mais, e que
agora tinha uma atitude mais passiva. Adiantou que a progenitora
não demonstrava preocupação, designadamente a inteirar-se das
vivências diárias da menor.” (página 15 da decisão).

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Mas tudo o exposto não apaga a realidade do nexo existente entre a


apelante “C” e a “A”, que não se vê que assuma outra natureza que
a de uma relação afetiva entre mãe e filha, como tal representadas
no quadro mental tanto de uma como de outra (v.g., a mãe dá
banho à filha, celebram a data em que uma deu à luz a outra, uma
dá prendas à outra, valorizam a data em que a mãe nasceu, etc,
etc…). Imagem essa que não parece, pelo menos nada transparece
nos autos nesse sentido, trazer à menor qualquer sofrimento, por
ausência, agressividade, indiferença por parte da mãe.
Ou seja, tudo indica que, pesem embora as dificuldades da apelante
“C”, que a impedem de assumir na plenitude o encargo de cuidar
da filha, a apelante representa para a menor “A” uma figura
constitutiva do seu “EU”, uma ligação psicológica profunda e
significante, parte integrante da sua personalidade, cuja
continuidade deve ser preservada, conforme decorre diretamente
de normas constitucionais como as que consagram o direito à
identidade pessoal e ao desenvolvimento integral (artigos 25.º e
26.º, 69.º, da CRP) (cfr. Maria Clara Sottomayor, “Qual é o
interesse da criança? Identidade biológica versus relação afectiva”
in “Volume comemorativo dos 10 anos do Curso de Pós-Graduação
“Protecção de Menores – Prof. Doutor F. M. Pereira Coelho””, 12,
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Centro de
Direito da Família, Coimbra Editora, 2008, pág. 25).
Note-se que foi a apelante quem cuidou da menor até aos 3 anos e
meio, período essencial ao processo de vinculação (vide, v.g., Carla
Patrícia Pereira Oliveira, “Entre a mística do sangue e a ascensão
dos afectos: o conhecimento das origens biológicas”, Coimbra
Editora, 2011, pág. 39; “Programa de Estimulação do
Desenvolvimento (0-24 meses) para Crianças em Acolhimento
Residencial”, por Salomé Vieira Santos, Maria Manuela Calheiros,
Conceição Ramos & Sara Gamito, in “Crianças em Risco e Perigo,
contextos, investigação e intervenção”, vol. I, supra citado, páginas
195 a 197) e nunca quebrou o contacto com a “A” após a sua
institucionalização. Não há registo nos autos de que, aquando da
institucionalização, a menor manifestasse qualquer atraso, pelo
menos significativo, no seu desenvolvimento. O que denota que,
apesar das suas limitações, que impuseram, pela sua reiteração, a
institucionalização da “A”, antes do acolhimento institucional a
mãe deu à sua filha cuidados e atenções suficientes para satisfazer
as suas necessidades, para o que também contribuiu, é certo, a já
supra descrita intervenção das estruturas sociais de apoio.
Neste contexto, não se vê como se pode lançar a menor “A”, que
tem uma mãe, que sabe que a tem, que a reconhece como tal, que
demonstra querê-la e amá-la como tal, para a solução incerta da
adoção, incerta por que a esmagadora maioria dos candidatos a
adoptantes pretende adotar crianças com menos de três anos de
idade (cerca de 80% dos candidatos, segundo um estudo
publicitado em 2008 – vide Helena Bolieiro e Paulo Guerra, “A
criança e a família…” , citado, pág. 336, nota 55), incerta porque,

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como facilmente se intui, o sucesso da adoção é tanto maior quanto


mais tenra for a idade da criança a adotar (v.g., Carla Oliveira,
“Entre a mística do sangue…”, citado, pág. 106, nota 208;
“Programa de Estimulação do Desenvolvimento…”, citado, pág.
197), incerta porque se ignora se a “A” quer ser adotada…
E isto com a agravante de a medida de confiança para adoção não
estar sujeita a revisão (n.º 1 do art.º 62.º-A da LPCJP) e implicar a
cessação das visitas por parte da família natural (n.º 2 do citado
art.º 62.º-A). Ora, se no caso de confiança a pessoa selecionada para
adoção poderá perspetivar-se desde logo uma razoável
probabilidade de sucesso na aplicação da medida, o mesmo não se
passará se a criança for confiada a uma instituição para adoção.
Aqui a medida contém em si um elevado grau de abstração, dada a
imprevisibilidade significativa da existência de candidatos com as
condições e motivações adequadas para adotar determinada
criança, atendendo às suas características pessoais, como a sua
idade e outras (qualificando esta solução legal - irrevisibilidade da
medida - como “séria e inexorável violação dos direitos da
criança”, vide Rosa Clemente, “Inovação e modernidade…”,
citada, pág. 88).
Face a este obstáculo, que se nos afigura inultrapassável, que
fazer?
Desde 2010 que no nosso ordenamento jurídico se prevê um
instituto apto a proporcionar uma solução de proteção a crianças
em perigo, de carater definitivo, sem ser a confiança para adoção.
Falamos do apadrinhamento civil.
Há muito que se fazia sentir a necessidade de “uma figura jurídica
intermédia” que estivesse “entre a adopção plena e o regresso da
criança aos pais biológicos”, uma medida em que a criança
continuasse “a manter o contacto com os pais biológicos, sendo
limitados os direitos dos pais adoptivos (figura aparentada com a
adopção restrita, tão caída em desuso)” (Helena Bolieiro e Paulo
Guerra, obra citada, pág. 555; manifestando-se contra esta solução,
tida como de “serviços mínimos”, vide Eduardo Sá, in Volume
comemorativo…, citado, pág. 116).
O apadrinhamento civil, aprovado pela Lei n.º 103/2009, de 11 de
setembro e regulamentado pelo Dec.-Lei n.º 121/2010, de 27.10,
procura responder à supra referida necessidade. Conforme a
definição constante no art.º 2.º da Lei n.º 103/2009, o
apadrinhamento civil “é uma relação jurídica, tendencialmente de
carácter permanente, entre uma criança ou jovem e uma pessoa
singular ou uma família que exerça os poderes e deveres próprios dos
pais e que com ele estabeleçam vínculos afectivos que permitam o seu
bem-estar e desenvolvimento, constituída por homologação ou
decisão judicial e sujeita a registo civil.” O apadrinhamento assenta
essencialmente numa relação de afeto, sendo a integração em
ambiente familiar uma sua nota distintiva, nomeadamente face à
tutela, tendo por objetivo “permitir o desenvolvimento e/ou a criação
de vínculos afectivos, tidos como indispensáveis para um

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desenvolvimento equilibrado e saudável da criança ou jovem,


conferindo-lhe a possibilidade de desenvolver laços afectivos próprios
das relações familiares de grande proximidade, tudo isto num
ambiente que suporte o seu desenvolvimento integral” (Regime
Jurídico do Apadrinhamento Civil anotado, número especial do
Observatório Permanente da Adopção, Faculdade de Direito da
Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, Março de 2011, pág.
7). Tem como destinatários crianças e jovens cujos pais não estejam
em condições de exercer de modo adequado as responsabilidades
parentais, evitando-se, nomeadamente, a sua institucionalização ou
pondo termo à mesma (Regime Jurídico do Apadrinhamento Civil
anotado, citado, pág. 7).
Os padrinhos exercem as responsabilidades parentais, ressalvadas
as limitações previstas no compromisso de apadrinhamento civil ou
na decisão judicial que estabeleça o apadrinhamento (n.º 1 do art.º
7.º da Lei n.º 103/2009). É um vínculo jurídico que, em regra,
concilia a manutenção de vínculos biológicos com os vínculos
afetivos típicos do apadrinhamento. Com efeito, ressalvados os
casos de pais que tenham sido inibidos das responsabilidades
parentais por terem infringido culposamente os deveres para com
os filhos, com grave prejuízo destes (n.º 3 do art.º 14.º e corpo do n.º
1 do art.º 8.º da Lei n.º 103/2009), os pais do afilhado beneficiam de
diversos direitos, nos termos regulados no art.º 8.º da Lei n.º
103/2009, que lhes permitem, de forma que em concreto será mais
intensa ou mais ténue, acompanhar o percurso de vida do filho. Tal
flexibilidade, porém, tem um limite: “não se pode constituir um
apadrinhamento civil – e entregar as responsabilidades parentais aos
padrinhos – e depois entregar a criança ou o jovem mais ao cuidado
dos pais do que dos padrinhos” (Regime Jurídico do
Apadrinhamento Civil anotado, citado, pág. 22).
O apadrinhamento, contudo, não se sobrepõe ou concorre com a
adoção: nos termos do n.º 1 do art.º 5.º da Lei n.º 103/2009, o
apadrinhamento só ocorrerá “desde que não se verifiquem os
pressupostos da confiança com vista à adopção”. Como se escreve na
obra supra mencionada (Regime Jurídico do Apadrinhamento
Civil anotado, pág. 14), “o apadrinhamento tem uma vocação
distinta da que preside à adopção: pretende responder a situações em
que a manutenção dos vínculos com a família biológica a par de
outros vínculos afectivos se revela a melhor solução para o interesse
da criança ou jovem. Por isso, preenchidos que estejam os
pressupostos da adopção, à partida, será essa a solução para onde se
deve encaminhar o projecto de vida daquela criança ou jovem. Nestes
termos, uma criança que possa ser adoptada não pode ser
apadrinhada.”
Se não se verificarem os pressupostos da adoção, então o
apadrinhamento pode ser a solução, nomeadamente, para qualquer
criança ou jovem menor de 18 anos “que esteja a beneficiar de uma
medida de acolhimento em instituição” (alínea a) do n.º 1 do art.º 5.º
citado) ou “…de outra medida de promoção e protecção” (alínea b)

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do citado n.º 1).


Mais, embora em regra seja necessário o consentimento dos pais do
afilhado para o apadrinhamento civil (alínea c) do n.º 1 do art.º
14.º), o tribunal pode dispensar esse consentimento, além de outros
casos, “quando, tendo sido aplicada qualquer medida de promoção e
protecção, a criança ou o jovem não possa regressar para junto deles
ou aí permanecer por persistirem factores de perigo que imponham o
afastamento, passados 18 meses após o início da execução da
medida” (alínea e) do n.º 4 do art.º 14.º).
Sendo certo que o apadrinhamento civil, embora em regra deva ser
da iniciativa de alguma das pessoas ou entidades referidas no n.º 1
do art.º 10.º da Lei n.º 103/2009, pode também ser constituído
oficiosamente pelo tribunal (n.º 3 do art.º 10.º) e pode constituir-se
em qualquer altura do processo de promoção e proteção (n.º 3 do
art.º 13.º da Lei n.º 103/2009).
O que, porém, sempre pressuporá a correspondente tramitação de
habilitação e designação do(s) padrinho(s) (artigos 11.º e 12.º), ou
seja, certificação de que o futuro padrinho ou os futuros padrinhos
têm idoneidade e autonomia de vida que lhes permitam assumir as
responsabilidades próprias do vínculo de apadrinhamento civil (n.º
1 do art.º 12.º), tudo com respeito pelo princípio da audição
obrigatória e da participação no processo da criança ou do jovem e
dos pais, do representante legal ou da pessoa que tenha a sua
guarda de facto, assim como do Ministério Público (n.º 6 do art.º
11.º, n.º 5 do art.º 19.º), eventualmente com debate judicial (n.º 6 do
art.º 19.º). E devendo levar-se ainda em consideração os exigentes
“factores de habilitação” enunciados no Dec.-Lei n.º 121/2010, de
27 de outubro, já supra referido, que regulamenta o regime
jurídico do apadrinhamento civil, concretizando os requisitos e os
procedimentos necessários à habilitação da pessoa que pretende
apadrinhar uma criança, “factores” esses enunciados no art.º 3.º.
De registar, ainda, que também pode ser apadrinhada qualquer
criança ou jovem que, tendo sido encaminhada para adoção
(“beneficiando de confiança administrativa, confiança judicial ou
medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista
a futura adopção ou a pessoa seleccionada para a adopção” – n.º 2
do art.º 5.º da Lei n.º 103/2009), se mostre, “depois de uma
reapreciação fundamentada do caso”,”que a adopção é inviável” (n.º
2 do art.º 5.º da Lei n.º 103/2009).
Embora não se tenha falado, neste processo, expressamente na
eventualidade de a “A” ser alvo de apadrinhamento, a certa altura
ventilou-se a possibilidade de a “A” ser confiada aos seus padrinhos
de batismo (aparentemente no âmbito da medida de proteção de
confiança a pessoa idónea), tendo-se procedido em Agosto de 2011 a
avaliação (fls 668 a 678), em que se deu parecer negativo, sobretudo
porque as pessoas em referência (“N” e “O”), embora estivessem de
acordo em dar apoio aos pais da “A” nos cuidados a ter com a
menor, não encaravam a possibilidade de ficar com ela de noite,
por recearem que a mãe a isso se opusesse. No relatório de

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avaliação apontou-se ainda, como fator negativo, os alargados


horários de trabalho do casal.
Deu-se como provado, no que concerne a este casal, o seguinte:
18. Os progenitores da menor residem numa casa existente na
Quinta ..., referida no ponto 3., pertença também de “N”.
19. O “B” aufere cerca de € 700,00 mensais; não pagando qualquer
contrapartida pela utilização da casa; sendo que a água e a luz
também são suportadas por “N”, que muitas vezes também acaba
por ajudar o casal quando o dinheiro não chega e é todo gasto,
pagando, designadamente, o passe da progenitora.
20. Pelo menos até Agosto de 2011, era “N” que lhes geria o
dinheiro do salário, entregando-o conforme os mesmos
necessitavam, sob pena de o gastarem desmedidamente.
21. Por vezes, agora mais pontualmente, é também o “N” que
acorda o “B”, de manhã, para ter a certeza que o mesmo se levanta
e faz os seus afazeres diários.
22. O agregado familiar de “N” é composto por este, pela mulher
“O” e pelo filho de ambos, com 8 anos, “P”.
23. “N” e “O” também exercem funções/trabalham na Quinta, com
início das actividades às 5:00 horas; permanecendo o filho a dormir
sozinho em casa até às 7:00 horas, hora a que “O” se desloca a casa
para acordar o menor e preparar-lhe o pequeno-almoço; sendo que
no final do dia volta a casa às 18:00, onde deixa o filho sozinho,
regressando novamente a casa às 20:00 horas.
24. Em 2 de Agosto de 2011, “N” e “O” manifestaram a intenção de
apoiar os pais com a menor, designadamente nas refeições, no
acompanhamento escolar e nas questões de saúde, desde que a
menor pernoitasse em casa dos pais, não se mostrando disponíveis
para ficar com ela a tempo inteiro, alegando receio quanto à
eventual reacção da progenitora por não pernoitar com ela.
25. Em 27 de Fevereiro de 2012, em sede de debate judicial, “N” e
“O” mostraram disponibilidade para acolher e assumir os cuidados
da menor.
26. Enquanto a menor esteve institucionalizada, “N” e “O” não
foram figuras presentes na Instituição.
Sobre isto escreveu-se na decisão recorrida o seguinte:
“E serão “N” e “O” alternativa em termos de resposta, com a
consequente aplicação de medida de promoção e protecção de
confiança a pessoa idónea?
A este Tribunal afigura-se-lhe que não! É um agregado familiar
composto por três elementos, aqueles e mais o filho de ambos, com
8 anos; caracterizado como muito trabalhador e com uma rotina
horária já estabelecida há muito, ao ponto de deixarem o menor de
8 anos sozinho em casa durante período em que “O” ainda anda
nas lides da Quinta. Além de não surgirem como uma resposta
devidamente estruturada, sendo que a integração da menor seria
uma sobrecarga para esta família, ignorando-se de que forma e
através de que meios seria dada resposta às exigências diárias da
menor (não tendo sido minimamente abordada, em termos

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práticos, a forma de darem resposta à presença permanente da “A”


em casa dos mesmos, sendo que não tem mais ninguém que os
auxilie (v. g., empregada doméstica) e apenas contam com o apoio
dos progenitores da menor); relevante para este Tribunal é
[também] a circunstância de a vontade declarada em sede de
debate judicial não se revelar séria e verdadeiramente sentida!
Importa ter em consideração que em Agosto apenas pretendiam
apoiar os pais nos termos descritos no ponto 24. dos Factos
Provados, não tendo manifestado disponibilidade para acolher a
“A” e assumir os seus cuidados a tempo inteiro, desde logo com
receio de conflitos com a progenitora; tendo ambos alterado o seu
discurso em sede de debate judicial, demonstrando agora toda a
disponibilidade para cuidar da menor. É uma vontade meramente
verbalizada mas não estruturada em termos práticos, desde logo
considerando a falta de tempo que os dois revelam ter e, por outro
lado, fazendo denotar que os motivos poderão ser outros que não o
exclusivo interesse em zelar pelo bem-estar da criança de forma
plena e eficaz, sendo que também não basta para o efeito ter receio
de "a perder!", conforme verbalizou “N”, que para todos os efeitos
também delega na companheira todos os cuidados que o filho de 8
anos exige.
Importa ter em consideração que este agregado familiar depende
muito do “B” (e da “C”), tendo sido a própria “O” a verbalizar que
não arranja mais ninguém para exercer aquelas funções. Sem pôr
em causa o declarado gosto e afecto que têm pela menor (não
obstante não terem sido figuras presentes durante todo este período
em que a “A” esteve na Instituição, salvo aquando das saídas da
mesma), certo é que para “N” e “O” manter este agregado familiar
na Quinta é essencial, sendo que o regresso da menor àquele espaço
asseguraria essa permanência. Além do mais, importa pensar que
tipo de educação seria dada à “A”, se a estabelecida pela “O” e,
sendo esta porventura do desagrado da progenitora, com eventuais
conflitos (que foram referenciados em Agosto), negativos para a
estabilidade da menor; se, para evitar esses conflitos, a querida
pela progenitora, permanecendo a menor na mesma situação.
Se se afastou aqui, de forma motivada, a competência dos pais para
educar e acompanhar a tempo inteiro a filha não se vê que vá ao
encontro dos interesses da menor (com a inerente necessidade de a
afastar de determinados perigos) aplicar uma medida que acabaria
por consubstanciar uma medida de apoio junto dos pais encapotada,
ficando a menor entregue a tempo inteiro aos cuidados da
progenitora, que surgiria como solução/resposta prática para “O”,
que é uma mulher muito atarefada e, face ao que se apurou, não
tem disponibilidade de ter a seu cargo uma criança de 5 anos (e não
pretenderá com certeza deixá-la sozinha com o filho de 8 anos, nos
momentos em que se ausenta de casa para se ocupar das lides da
Quinta).
Em conclusão, este agregado familiar não surge de forma séria e
estruturada como alternativa à menor! Não são vontades sem

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sustento e sem uma real e sincera motivação (caracterizada esta


por ser exclusivamente direccionada para os interesses da menor e
no que é melhor para esta) que podem surgir como alternativa a
uma criança que tem direito a um futuro mais firme, sustentado e
sem conflitos!”
As considerações da decisão supra apontam para o afastamento da
solução do apadrinhamento civil como projeto de vida da menor.
Sendo certo que a confiança da menor aos padrinhos nem sequer
foi aflorada nas alegações de recurso.
E, dada a juventude do instituto em Portugal, não há elementos que
permitam ajuizar da viabilidade do apadrinhamento por outras
pessoas, que a tal se tenham candidatado.
De todo o modo, “N” e “O” são, respetivamente, padrinho e
madrinha de batismo da pequena “A”. O que ainda tem, na nossa
sociedade, uma força simbólica com algum peso.
“N” e “O” manifestaram vontade de cuidar da criança.
É certo que as suas circunstâncias de vida dificultam o bom
desempenho desse encargo, mas não vemos que lhes seja impossível
proceder às alterações ou tomar as providências que para tal se
afigurem necessárias.
Também é certo que entre “N” e “O” e os progenitores da “A”
existe uma ligação de natureza económica, que pode influenciar as
motivações dos primeiros no que concerne à menor. Mas tal não
significa que esse seja o único fator relevante, nem que esse fator, a
existir, impeça a existência, atual ou futura, de uma ligação afetiva
significativa entre os padrinhos e a “A”. O apadrinhamento civil e
a adoção constituem o desfecho de um processo em que muitas
vezes, no seu início, os candidatos a adotantes ou a padrinhos nem
sequer conhecem os potenciais filhos adotivos ou afilhados.
De resto, o apadrinhamento civil beneficia de um sistema de apoio
por parte do Estado, tendo em vista criar ou intensificar as
condições necessárias para o êxito da relação de apadrinhamento
(art.º 20.º da Lei n.º 103/2009).
De todo o modo, não estão reunidas as condições, inclusive do
ponto de vista formal/processual, para esta Relação proferir
decisão sobre a constituição de uma relação de apadrinhamento
civil relativamente à “A”.
Essa é questão que fica em aberto, para apreciação na primeira
instância.
Por ora, haverá que revogar a decisão recorrida e substituir a
medida aplicada, por uma outra.
São conhecidos os atributos negativos associados ao acolhimento
em instituição: pouco espaço para a individualidade, dificuldade no
estabelecimento de relações estáveis com figuras significativas,
desresponsabilização por parte da família, estigma social, tudo com
as correspondentes perturbações ao nível do desenvolvimento e
comportamento (vide, v.g., “As múltiplas faces da
institucionalização de crianças e jovens”, Luísa Ribeiro Trigo e
Isabel Alberto, pág. 125 e seguintes, in “Intervenção com crianças,

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jovens e famílias”, Universidade do Minho, Almedina, Dezembro


2010). Daí que, ao nível das medidas de colocação (por
contraposição às medidas a executar em “meio natural de vida”), se
defenda a preferência pela medida de acolhimento familiar, a qual
proporciona à criança ou ao jovem um modo de vida mais
individualizado e melhor inserido no dia a dia da comunidade,
sendo aliás essa a medida de colocação preferencial em países como
o Reino Unido, Irlanda, Dinamarca (vide “O acolhimento familiar
em Portugal: conceitos, práticas e (in)definições”, Paulo Delgado,
in “Intervenção com crianças, jovens e famílias”, citado, pág. 287 e
seguintes; “O acolhimento familiar de crianças – uma perspectiva
ecológica”, Paulo Delgado, Profedições, Julho 2011) –
contrariamente ao que ocorre em Portugal, em que, porventura por
razões históricas, culturais e até eventual falta de divulgação ao
nível da captação de famílias acolhedoras, o acolhimento
institucional é claramente maioritário.
De todo o modo, a institucionalização de crianças tem sido alvo de
um novo olhar, no sentido de proporcionar às crianças acolhidas
um local de vida mais individualizado, afetivo e estimulante, o que
passa pela diminuição do número de crianças internadas por
unidade de acolhimento, por maior estabilidade e preparação do
pessoal interveniente, pela abertura ao contacto com a família ou
outras pessoas ligadas à criança e à boa inserção na comunidade
(vide, além dos trabalhos, supra referidos, de Luísa Ribeiro Trigo e
Isabel Alberto e de Paulo Delgado, o escrito de Maria de Fátima
Fernandes Pereira Líbano Serrano, em “Acolhimento temporário
de crianças e jovens, experiência da CrescerSer – “case study”, in
“Volume comemorativo dos 10 anos do Curso de Pós-Graduação
…”, citado, pág. 283 e seguintes; essa é, também, a filosofia
consagrada na LPCJP: cfr. artigos 53.º e 58.º).
A “A” está bem integrada no CAT “Casa ...”.
Está em idade escolar e provavelmente iniciou agora a frequência
do ensino básico.
É aconselhável, pois, que por ora a criança se mantenha na aludida
instituição, em prazo que se fixa em um ano, sem prejuízo da
revisão semestral imposta pelo art.º 62.º n.º 1 da LPCJP, ou de
revisão anterior fundada em factos supervenientes que a
justifiquem, nos termos previstos no n.º 2 do art.º 62.º da LPCJP.

DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a apelação parcialmente procedente e
consequentemente revoga-se a decisão recorrida e em sua
substituição aplica-se a medida de acolhimento da “A” em
instituição, pelo prazo de um ano, sujeita a revisão nos termos
legais, de preferência a ser executada na “Casa ...”, onde a criança
já se encontra.
Sem custas, por isenção (art.º 4.º n.º 2 alínea f) do RCP).
Lisboa, 22 de Novembro de 2012

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18/02/23, 12:12 Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa

Jorge Manuel Leitão Leal


Ondina Carmo Alves
Pedro Martins

www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/16ad382f1d0af9de80257aca005cdf49?OpenDocument 35/35

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